O que esperar da gestão de Barroso no STF
O ministro Luís Roberto Barroso assume nesta
quinta-feira (28/09) a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele
substitui Rosa Weber, que vai se aposentar na próxima segunda-feira por ter
atingido os 75 anos, a idade-limite para atuação na Corte. Ela presidiu o
Supremo por um ano, desde setembro de 2022 – ou seja, metade do tempo padrão de
dois anos.
Natural de Vassouras, município do Rio de Janeiro,
Barroso completou dez anos de STF em junho. Tem pós-doutorado na Universidade
de Harvard e foi professor visitante nas Universidades de Poitiers (França), de
Breslávia (Polônia) e de Brasília (UnB). Atuou como procurador do Estado no Rio
de Janeiro e, como advogado, participou de julgamentos de destaque na Corte,
como a defesa da interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo e do
reconhecimento das uniões homoafetivas.
A mudança no comando do Supremo gera expectativas,
mas Barroso já deu indícios de como deve atuar. No início da semana, o ministro
disse que sua maior preocupação é "o aprimoramento do sistema de Justiça
do país com segurança jurídica, democrática e humana".
• O que
pode estar por vir
Para analistas ouvidos pela DW, em sua gestão,
Barroso deve seguir a linha de sua carreira, focando em temas referentes à
defesa de minorias e voltados à garantia de direitos individuais. Há também a
expectativa de que o novo presidente promova mudanças regimentais no Supremo.
"Acredito que o Barroso vai querer marcar
posição e deixar uma assinatura à frente do Supremo. Ele defende um
protagonismo e uma independência da Corte", analisa Juliano Benvindo,
professor associado de direito da Universidade de Brasília (UNB). Ele ressalta
que o ministro vai continuar pautando temas sensíveis, como a descriminalização
das drogas para uso pessoal e do aborto em mulheres com até 12 semanas de
gestação.
De acordo com Daniel Capecchi, professor-adjunto de
direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o futuro presidente do
STF seguirá uma tendência de sua carreira na advocacia, alinhado à defesa de
grupos oprimidos e das minorias. "Ele tem uma grande preocupação em pautar
temas caros à garantia dos direitos individuais. É uma tendência possível que
ele aborde causas ainda mais relevantes dessa natureza."
Capecchi ressalta, no entanto, que a atuação de um
presidente da Corte não depende apenas da conjuntura interna do STF, mas de um
contexto mais amplo da sociedade. E que a gestão de Barroso também sofrerá com
esse cenário. "Os assuntos estão relacionados não só ao perfil do
ministro, mas também à conjuntura do país, e a conjuntura do Brasil muda
rapidamente", acrescenta.
Juliana Cesario Alvim, professora-adjunta de direito
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pondera que Barroso pode
alterar questões regimentais no Supremo. "Ainda como advogado ele defendia
que os votos, sobretudo da relatoria, sejam circulados antes entre os
ministros". A mudança tem dois propósitos: evitar que quem concorda com
tese escreva um voto com argumento semelhante, e possibilitar para quem
discorda preparar a divergência sem pedir vista (mais tempo para analisar a
proposta).
Ainda sobre a questão regimental, Luiz Fernando
Gomes Esteves, professor de direito do Insper, afirma que Barroso já se
manifestou pela diminuição nas análises de recursos e que votos mais longos
deveriam ser exclusivos para posições antagônicas às da relatoria. Além disso,
cometa o docente, Barroso também defende que os ministros se reúnam
reservadamente antes de votações importantes para a discussão dos casos.
"São três propostas que alterariam em boa
medida o funcionamento do STF. Mas todas elas dependem da adesão dos demais
ministros, e eu não classificaria tais propostas como mudanças fáceis",
pondera Esteves.
• Um
novo perfil à frente do Supremo
Enquanto Rosa Weber atua discretamente e não se
manifesta para além dos seus votos, Barroso tem um perfil diferente. Participa
de lives, dá entrevistas, vai a eventos públicos e responde os ataques que os
magistrados têm recebido. "A Rosa Weber era uma magistrada de carreira,
com uma postura discreta. Barroso já era um advogado conhecido antes de
ingressar no STF e um professor com uma vasta produção sobre inúmeros assuntos
da área, inclusive sobre a própria Corte. São diferenças explicadas pela
própria trajetória de cada um", explica Cesario.
Duas frases de Barroso ganharam os holofotes
recentemente. Em novembro do ano passado, enquanto caminhava em Nova York, ele
foi achacado por um eleitor do ex-presidente Jair Bolsonaro e respondeu:
"perdeu, mané, não amola". Em julho deste ano, durante congresso da
União Nacional dos Estudantes (UNE), o ministro disse: "nós derrotamos o
bolsonarismo".
"O próprio ministro Barroso reconheceu que se
excedeu ao dizer a frase sobre derrotar o bolsonarismo. Eu diria que o pedido
de desculpas é um sinal de que há uma preocupação do ministro em não repetir
uma postura parecida", assinalou Esteves.
"Os ministros estavam sob ataque e pressão. Não
é o ideal, o desejado, mas pode acontecer, sobretudo porque a situação estava
fora do normal", ressalta Capecchi. "Uma fração radicalizada da
sociedade passou a enxergar o STF como inimigo, o que é muito ruim. Nesse
processo todo, a conduta do ministro Barroso foi de proteção do tribunal."
Capecchi acredita que Barroso tem um perfil capaz
de tornar o Supremo mais compreensível para o restante da população. "Ele
é um acadêmico respeitado e que sempre escreveu de forma clara, com o objetivo
de romper esse paradigma do direito de ser obscuro. É possível que ele busque
aprimorar a forma como o tribunal se comunica com a sociedade, inclusive na
maneira como vota, para que as pessoas entendam o que foi decidido."
• Rosa
Weber: discreta, mas atuante
Foram doze anos como ministra e um ano à frente do
Supremo, com uma atuação elogiada por seus pares e pelos analistas ouvidos pela
reportagem. "Minha avaliação é muito positiva", afirmou o Esteves.
Ele destaca o fato de a ministra ter limitado os pedidos de vista e as decisões
liminares dadas individualmente pelos ministros. "É importante dizer que a
ministra implementou essas modificações sem que existisse qualquer ruído."
Nos temas analisados, Rosa Weber conseguiu retomar
a discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo – o
julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro André Mendonça, mas o
placar estava com cinco votos favoráveis a liberação –, insistiu ao longo de 11
sessões para finalizar o julgamento da tese do Marco Temporal, e colocou em
pauta a descriminalização do aborto, cujo próprio voto a favor da proposta foi
considerado histórico pelo colega e também ministro Edson Fachin.
"O voto dela no julgamento sobre o aborto foi
um espetáculo. A afirmação da mulher de maneira soberana e indiscutível",
elogia Benvindo. "Ela mostrou um compromisso muito forte com a agenda dos
direitos fundamentais", resume Capecchi.
Cesario ressalta que Rosa Weber estabeleceu um
"parâmetro de comportamento", que "preza pela imparcialidade e
independência da Corte", explica. "Ela não esteve envolvida em nenhum
escândalo ou comportamento indevido".
A especialista complementa: "A ministra deixa
um legado importante, para além dos casos importantes que conseguiu pautar.
Teve o aborto e as drogas, mas também o orçamento secreto, quando havia uma
pressão grande". Na ocasião, Rosa Weber, que era relatora das ações
contrárias as emendas, declarou o procedimento inconstitucional e disse que a
prática "viola o princípio republicano".
Mas nenhum assunto foi mais emblemático que o
quebra-quebra promovido nos atos golpistas de 8 de janeiro na Praça dos Três
Poderes. "É uma gestão bem-sucedida também porque enfrentou desafios com
total altivez", enaltece Capecchi.
"Sua personalidade discreta, certamente,
contribuiu para que o STF conseguisse atravessar o período difícil do último
ano sem que sua legitimidade fosse questionada pelos outros poderes",
destaca Esteves.
"Na postura de juíza de Corte ela é imbatível.
Poderia ter tido uma postura estrelar, mas não o fez. Ao contrário: discrição,
seriedade, agilidade. Ela termina a gestão com uma marca forte", finaliza
Benvindo.
Bolsonarismo,
maconha e Forças Armadas: lembre posições de Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso assume a
presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (28/9), após o
afastamento de Rosa Weber na reta final da ministra na Corte antes da
aposentadoria, marcada para 2 de outubro.
No cargo de presidente, Barroso deve herdar cerca de 4.889 processos. O
magistrado tem 65 anos e está na Corte há 10 anos.
Ele entrou no STF na vaga do ministro Ayres Britto,
que se aposentou em 2012, e participou de várias votações importantes como a
defesa da Lei de Biossegurança, reconhecimento das uniões homoafetivas e
interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo. Ao longo da atuação no
Supremo, Barroso também colecionou momentos marcantes, disparando frases contra
o bolsonarismo, reafirmando a integridade das eleições e se manifestando a
favor de temas considerados sensíveis.
• "Perdeu,
mané, não amola"
Em novembro do ano passado, enquanto estava em Nova
York para participar de uma conferência, o ministro rebateu um manifestante
bolsonarista que questionava o processo eleitoral. "Perdeu mané, não
amola", disse Barroso. A frase gerou mal-estar entre apoiadores do
ex-presidente Jair Bolsonaro e foi pichada na estátua da Justiça por uma extremista
no 8 de janeiro.
• "Nós
derrotamos o bolsonarismo"
Outro momento protagonizado por Barroso contra
ideais bolsonaristas ocorreu 7 em julho deste ano, durante o Congresso da União
Nacional dos Estudantes (UNE). “Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a
tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a
manifestação livre de todas as pessoas”, afirmou, em resposta a um grupo que
protestava com uma faixa contra ele. A fala foi criticada pelo presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco, que a classificou como "inconveniente".
Deputados e senadores reagiram a declaração di
ministro, pedindo abertura de protocolo para investigá-lo. Após a repercussão
negativa, Barroso se retratou e explicou que não tinha intenção de ofender os
eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "Na verdade, me referia ao
extremismo golpista e violento que se manifestou no 8 de janeiro, e que
corresponde a uma minoria. Jamais pretendi ofender os 58 milhões de eleitores
do ex-presidente, nem criticar uma visão de mundo conservadora e democrática,
que é perfeitamente legítima", afirmou o magistrado na época.
• Forças
Armadas
Em abril, após convidar militares para integrarem o
Comitê de Transparência das Eleições, Barroso afirmou que as Forças Armadas
estavam sendo usados para atacar o processo eleitoral brasileiro. "Desde
1996, não tem nenhum episódio de fraude. Eleições totalmente limpas, seguras. E
agora se vai pretender usar as Forças Armadas para atacar. Gentilmente
convidadas para participar do processo, estão sendo orientadas para atacar o
processo e tentar desacreditá-lo", ressaltou.
• Piso
da enfermagem
Em setembro do ano passado, o ministro foi alvo de
protestos após ele suspender a fixação de remuneração mínima aos profissionais
da enfermagem, alegando falta de previsão orçamentária. Depois, Barroso e os
outros ministros do STF liberaram o pagamento do piso salarial nacional da
enfermagem. A decisão ocorreu depois que o Congresso Nacional aprovou uma
emenda à Constituição alocando recursos para que o reajuste seja concedido para
todos os profissionais da área que ganham abaixo dos valores fixados pelo
parlamento.
• Transporte
gratuito nas eleições
Outra decisão marcante de Barroso foi autorizar que
as prefeituras disponibilizassem transporte público de passageiros gratuitamente
no dia do segundo turno das eleições. O magistrado entendeu tratar-se da
garantia constitucional do direito de voto e que, por isso, não deverá haver
discriminação de acordo com a preferência política do eleitor.
• Aborto
Após o ministro Luís Roberto Barroso pedir
destaque, o julgamento sobre descriminalização do aborto até a 12ª semana de
gravidez será realizado de forma presencial, e não mais no plenário virtual.
Ainda não há data marcada para o retorno da análise do Supremo acerca do tema.
Entretanto, como presidente da Corte, Barroso terá a responsabilidade de pautar
o assunto.
• Descriminalização
do porte da maconha
Em 2015, o ministro defendeu a descriminalização do
porte de 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas da
espécie, como uma forma de diferenciar o consumo (ou produção própria) e o
tráfico. Na retomada do julgamento do tema, em agosto, Barroso aumentou a
quantidade para 100 gramas. A análise da Corte sobre a descriminaização foi
suspenso por 90 dias após pedido de vista do ministro André Mendonça.
No
adeus, Rosa Weber defende paridade no STF
Na última sessão como presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), a ministra Rosa Weber discursou sobre a baixa
representatividade feminina na Corte e reiterou a defesa da democracia.
A magistrada lembrou que foi apenas a terceira
mulher a tomar posse no Supremo. Com a aposentadoria dela, na próxima semana, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolherá quem vai substituí-la, e os
principais cotados são homens. Caso isso se confirme, Cármen Lúcia será a única
representante feminina entre os 11 integrantes do STF.
"E eis que chega ao fim mais um ciclo
institucional desta Suprema Corte e da administração desta Casa sob a minha
presidência", disse a ministra. "A terceira mulher a ocupar esta
função, precedida que fui pelas ministras Helen Gracie e Cármen Lúcia."
Rosa Weber destacou a aprovação, pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) — também presidido por ela —, de uma resolução que
determina a paridade de gênero na segunda instância da Justiça.
A ministra conduziu o Supremo nas eleições de 2022
e durante os atos golpistas de 8 de janeiro, quando extremistas bolsonaristas
invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes. Os ataques foram destacados
no discurso final da magistrada. Ela também lembrou que o trabalho em defesa da
Constituição e do Estado Democrático de Direito continua de maneira permanente.
"Pela primeira vez na história desta quase
bicentenária Casa de Justiça, ela foi invadida e depredada. Dia sombrio de
nossa democracia. O 8 de janeiro não deve ser esquecido, para que, preservando
a memória institucional, nunca se repita", enfatizou. "Mas também
deve ser relembrando como o propulsor do nosso Estado Democrático de
Direito", completou.
A última sessão de Rosa Weber foi recheada de
homenagens dos colegas. O ministro Gilmar Mendes destacou que a magistrada
conduziu a Corte mesmo no momento mais difícil de sua gestão: nos atentados
antidemocráticos.
"Os últimos meses foram desafiadores, após o
processo eleitoral. No dia 8 de janeiro, as sedes dos Poderes da República
sofreram ataques inimagináveis. Os ataques ficarão marcados na memória
institucional deste tribunal. Mas também ficará marcada a forma como esta
Corte, sob o comando de Vossa Excelência, se reconstruiu fisicamente e
espiritualmente", elogiou.
A magistrada deixará o Supremo em razão da idade
limite de 75 anos para integrar a Corte. Ela dará lugar, na Presidência, ao
ministro Luís Roberto Barroso. A posse dele está marcada para esta
quinta-feira.
A cerimônia terá cerca de mil convidados, sendo uma
das maiores dos últimos anos. O ministro Edson Fachin assumirá a
vice-presidência.
A sucessão no comando do Supremo segue a ordem de
antiguidade, ou seja, é alçado ao cargo o magistrado mais antigo que ainda não
ocupou o posto. O mandato é de dois anos.
Barroso tem 65 anos, foi indicado em 2013 pela
então presidente Dilma Rousseff. Ele é visto como um dos ministros mais
progressistas da Corte e que não tem receios de pautar temas polêmicos para
apreciação do plenário.
A expectativa é de que ele coloque na agenda, para
continuidade, assuntos sensíveis, como a descriminalização da maconha para uso
pessoal e a descriminalização do aborto para gestações de até 12 semanas.
Barroso também deve dar mais publicidade às ações do Supremo durante sua
gestão.
Fonte: Deutsche Welle/Correio Braziliense
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