quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Entenda como a Rússia consegue driblar as sanções ao petróleo impostas pelo G7

Os russos estão conseguindo evitar com sucesso as sanções do G7 à maior parte das suas exportações de petróleo bruto e atualmente exporta a commodity além do limite de US$ 60 por barril. A Rússia alcança valores que beiram os US$ 100 (R$ 500) por barril. O fato levanta questionamento sobre a eficácia das sanções ocidentais, que estariam, portanto, errando o alvo. 

A cronista de economia da RFI, Dominique Baillard, demonstrou em uma análise quais as manobras usadas pela Rússia para conseguir driblar o teto imposto pelo grupo composto por: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.

"Já sabíamos que a Rússia havia encontrado rapidamente novos clientes na Ásia, especialmente na China e na Índia, países que não haviam aderido ao regime de sanções. Eles fizeram um bom negócio porque esse petróleo foi vendido com um grande desconto em relação ao preço oficial", conta ela.

Baillard explica que as regras do G7 acabaram por causar um efeito contrário, dando mais lucro e facilidades nas garantias de entrega do produto: "Agora estamos descobrindo que a Rússia está vendendo seu petróleo bruto a um preço muito bom, bem acima do teto de US$60, sem a necessidade de garantias ocidentais. Isso se deve ao fato de que o teto, que está em vigor desde dezembro, aplica-se apenas a cargas cobertas por seguradoras".

De acordo com uma reportagem do jornal britânico Financial Times citada pela jornalista, três quartos do petróleo bruto exportado pelas empresas russas em agosto foram enviados sem seguro. Por fim, Moscou teria se beneficiado da cumplicidade de intermediários localizados em países parceiros, como a Turquia e os Emirados Árabes Unidos, por onde passam as remessas.

Dominique Baillard aponta que desde o verão europeu - que durou de julho a setembro - Moscou vem conquistando "o máximo proveito da recuperação dos mercados de petróleo".

Esse aumento dos preços é o que estaria ajudando a manter o sucesso russo, juntamente com a Arábia Saudita, ao reduzir seu fornecimento dentro do cartel da OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), segundo a especialista.

"Além disso, o desconto aplicado a essa variedade de petróleo bruto diminuiu. Há alguns meses, o Ural (marca de petróleo de referência usada como base para a precificação da mistura de petróleo de exportação da Rússia) estava sendo vendido com um desconto de até US$ 40 no mercado", destaca ela. 

Esse desconto caiu para US$12, de acordo com um estudo publicado recentemente pela Escola de Economia de Kiev. De acordo com a mesma fonte, entre junho e agosto, o preço do petróleo bruto russo para exportação saltou de US$ 55 para US$ 73 por barril.

·         Receitas do petróleo impulsionam o crescimento russo

De acordo com o FMI, o crescimento global de 2023 previsto em torno de 1,5%, já seria bom para as finanças públicas. Por outro lado, o presidente russo, Vladimir Putin, planeja um aumento de 70% no orçamento de defesa para 2024.

Nesta quarta-feira (27/09), o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, criado para ajudar as ex-repúblicas soviéticas, confirmou as previsões de crescimento fornecidas pelo FMI e expressou sua decepção: "Esperávamos que as sanções fossem mais eficazes", disse em um comunicado à imprensa.

A Ucrânia quer que o laço seja mais apertado, e sugere uma redução do teto de US$60 por barril e novas medidas para barrar o crescimento russo. Eles fazem um apelo para que a Europa seja mais consistente no rastreamento das exportações de componentes essenciais para o setor militar que transitam por países terceiros. E pedem um embargo aos diamantes, assunto que atualmente está sendo discutido no G7. As importações russas desses elementos preciosos, como os semicondutores, voltaram aos níveis anteriores à guerra.

·         Ucranianos pedem que os europeus abandonem o GNL russo

As sanções abrangem petróleo e carvão, mas não o gás, a exceção adotada para garantir que os países europeus mais dependentes dos suprimentos russos não sejam penalizados. Desde o fechamento dos gasodutos russos, os 27 países da UE não demoraram a encontrar fornecedores alternativos, aumentando as importações de gás natural liquefeito, especialmente dos Estados Unidos.

"Mas, ao contrário de todas as expectativas, vários países também estão importando grandes quantidades de GNL russo, como mostram as estatísticas europeias. Este ano, isso se aplica especialmente à Bélgica e à Espanha. Madri, que atualmente ocupa a presidência da UE, gostaria de ver o fim dessas compras. Porque elas são contrárias aos objetivos das sanções, ou seja, privar a Rússia de recursos, mas também porque colocam a Europa à mercê do Kremlin: 16% das importações europeias de GNL ainda virão da Rússia este ano", detalha Dominique Baillard.

 

Ø  Lula, Putin e as perspectivas da parceria Brasil–Rússia para a América Latina e para o mundo

 

Durante o início dos anos 2000, Brasil e Rússia testemunharam mudanças significativas em seu status internacional, devido ao crescimento de suas economias, ao pagamento de antigas dívidas perante o Ocidente e, não menos importante, por conta da chegada ao poder de novas lideranças políticas, como Lula e Putin.

Tendo estabelecido boas relações com Putin já em sua primeira passagem pelo governo brasileiro, Lula, que retornou à presidência em 2023, vem dando sinais de que a cooperação entre Brasil e Rússia tende a se aprofundar, o que também trará consequências para a América Latina e para o mundo.

A própria visita de Sergei Lavrov ao Brasil e de Celso Amorim a Moscou ainda no início do mandato de Lula já indicava que as relações russo-brasileiras continuarão próximas. Além disso, como quinto maior país do mundo e 12ª economia global, o Brasil se apresenta como uma potência regional proeminente, o que o credencia a um papel político importante para a política externa russa no Sul Global.

Até é por isso que durante os anos 2000 ambos os países ampliaram sua cooperação no âmbito do BRICS e do G20, no intuito de melhorarem sua posição internacional em instituições de governança global dominadas pelo Ocidente. Ademais, o atual distanciamento com a União Europeia e os Estados Unidos fez com que a Rússia direcionasse maiores esforços para regiões como a África e a América Latina, com as quais Moscou detém um rico histórico de cooperação por conta do legado soviético.

Neste sentido, é importante ter em mente que os países do chamado Sul Global (do qual o Brasil faz parte) correspondem justamente àquelas regiões ou países cuja história está fortemente associada à exploração exercida pelas potências ocidentais em séculos passados. Logo, em vista de suas desconfianças comuns quanto ao Ocidente, tanto a Rússia como o Sul Global vêm unindo forças para atingir um mundo multipolar mais justo e solidário.

Não por acaso, com Lula novamente à frente do Brasil, o país tem retomado sua liderança na defesa da multipolaridade e do multilateralismo nas relações internacionais, discurso esse que se coaduna com o dos russos e, no limite, com o do BRICS. Aliás, o grupo recentemente ampliou sua presença na América Latina por meio do convite feito à Argentina para fazer parte do BRICS em 2024, Argentina essa com quem a Rússia também possui boas relações políticas.

No mais, a Rússia vê com bons olhos demais iniciativas regionais como o Mercosul, a CELAC e a UNASUL, por entender que elas objetivam consolidar a América Latina como um dos centros de influência do mundo multipolar. Com Lula, a liderança do Brasil nestes blocos tem sido fundamental, atuando na organização de diálogos com outras regiões e países do globo. A Rússia, por exemplo, possui relações oficiais com a CELAC, assim como a China, a Turquia, os países árabes e outros atores importantes.

Diante desse contexto, seria razoável esperar por novas conversações em torno da cooperação entre o Mercosul e a União Econômica Eurasiática liderada pela Rússia, dado o entrave nas negociações do Mercosul com a União Europeia, por exemplo. Aliás já existe um memorando nesse sentido assinado ainda em 2018, mas que acabou sendo deixado de lado devido a crises políticas internas no Brasil e também por conta de mudanças no governo durante a administração Bolsonaro.

Seja como for, atualmente o Brasil de Lula e a Rússia de Putin voltam a se apresentar como atores fundamentais para o fortalecimento desse diálogo inter-regional, assim como para a defesa do multilateralismo e da pluralidade civilizacional nas relações internacionais. Sua cooperação bilateral também se faz importante no discurso em torno da reforma das instituições monetárias e financeiras globais dominadas pelo Ocidente e do próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas. Vale lembrar que a Rússia apoio o pleito do Brasil por uma cadeira permanente no Conselho.

Não obstante, a posição russo-brasileira contra o unilateralismo americano, através da concertação com outras potências importantes como China, Índia, Irã, Turquia, entre outros, tem se tornado um dos principais marcos políticos do século XXI.

Com relação à posição do Brasil a respeito do conflito na Ucrânia, por sua vez, ainda não se sabe quando Lula terá a oportunidade de encontrar-se pessoalmente com Vladimir Putin para discutir o assunto. No entanto, uma coisa é certa: quando essa reunião ocorrer, ambos os líderes ouvirão com bastante interesse e reverência as posições um do outro, o que poderá trazer algum impulso para o (re)estabelecimento de esforços no sentido de uma solução negociada para a crise no Leste Europeu.

Ademais, de um futuro encontro entre Lula e Putin também poderão surgir novas ideias e perspectivas a respeito de uma governança global mais justa, envolvendo relações mais construtivas entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.

Em resumo, as interações entre Brasil e Rússia possuem grande potencial em temas como a promoção da cooperação Sul-Sul e Sul-Leste, o aumento da influência de economias emergentes em instituições multilaterais, o fortalecimento da América Latina e da Eurásia como atores independentes nas relações internacionais, entre muitos outros.

Nesse sentido, as relações com a Rússia continuarão representando um vetor essencial para a política externa brasileira sob o terceiro mandato de Lula, assim como as relações com o Brasil continuarão representando uma plataforma valiosa para a aproximação de Moscou com a América Latina e o Sul Global.

Mesmo diante de um cenário atual bastante conturbado, tudo indica que ambos os países têm totais condições de caminhar no sentido do aprofundamento de sua parceria estratégica, cooperando com os demais países latino-americanos e com o BRICS para a construção de uma ordem internacional justa e verdadeiramente plural.

Afinal, atuando como líderes em suas respectivas regiões, as expectativas em torno de Brasil e Rússia são muitas, mas talvez a principal delas seja essa: de que ambos possam se firmar como importantes centros de influência num mundo multipolar.

 

Ø  Uso crescente do yuan no comércio Rússia-China está 'corroendo o domínio do dólar'

 

O aumento da utilização do yuan no comércio ampliado entre a Rússia e a China está minando o domínio do dólar americano, confirmaram novas pesquisas europeias.

A desdolarização se tornou uma palavra da moda, com formas de contornar o dólar através do aumento do comércio em moedas locais, como o yuan da China, um item-chave na agenda da recente cúpula do BRICS. Além disso, o debate sobre a rejeição do dólar vem sendo alimentado pela precária posição global da moeda norte-americana, à medida que se aproximam as perspectivas de uma recessão.

"Ao longo de 2022, a parcela das importações da Rússia faturadas em yuan aumentou 17 pontos percentuais", afirmou o documento de pesquisa do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD). No final do ano passado, 20% das importações da Rússia foram faturadas em yuan. Além disso, o uso do yuan para liquidar importações de terceiros países também aumentou, atingindo 5%, acrescentou a pesquisa.

O estudo se referia às sanções ocidentais — impostas contra Moscou por causa da Ucrânia e concebidas para "paralisar" a economia russa, um plano que saiu pela culatra em vários níveis. Depois de Washington e os seus aliados "derrubarem as rotas comerciais" como parte das restrições, o comércio entre a Rússia e a China atingiu novos níveis.

Além disso, as sanções "deram ímpeto aos países para pensarem na diversificação das moedas de faturação e, a longo prazo, isto poderia desgastar o domínio do dólar", disse a economista-chefe do BERD, Beata Javorcik, coautora do artigo.

"O uso do yuan como moeda veicular aumentou, em média, mais quatro pontos percentuais entre os parceiros comerciais que têm uma linha de swap ativa em yuan", acrescentou o estudo.

Em um contexto de crescente uso do dólar como "arma" por parte dos EUA, Moscou e Pequim, assim como muitos outros países, optaram por liquidar uma parte muito maior do seu comércio mútuo na moeda chinesa, ao mesmo tempo que procuravam abandonar o dólar americano. Assim, o yuan representou 34% das importações russas em julho e 25% das exportações, segundo dados do Banco Central de Moscou.

Além disso, a moeda chinesa está sendo cada vez mais utilizada por países terceiros que têm linhas de swap com o Banco Popular da China e que não conseguiram ser coagidos a aderir às sanções punitivas e autolesivas do Ocidente.

As linhas de swap são acordos entre bancos centrais para trocar as moedas dos seus países entre si.

"Assim, embora o domínio do dólar americano torne as sanções internacionais mais eficazes, uma vez que os pagamentos denominados em dólares precisam ser compensados através do sistema bancário dos EUA, as sanções econômicas podem encorajar um abandono do dólar como moeda veicular, desgastando assim o domínio do dólar", afirmou a pesquisa do BERD.

Os números citados na análise apenas destacam o processo que tem ganhado impulso ao longo dos últimos meses — a desdolarização está acontecendo a um ritmo constante no BRICS e na economia global.

O lento declínio do dólar americano enquanto moeda fiduciária mundial e as reservas do banco central aceleraram em 2022, quando Washington e os seus aliados recorreram a sanções contra a Rússia. As quase 15.000 novas sanções contra Moscou, juntamente com a decisão de congelar uma parte das reservas internacionais da Rússia, permitiram que grandes países não ocidentais, incluindo até mesmo aliados e parceiros tradicionais de longa data dos EUA, finalmente acordassem para os perigos potenciais que ameaçam todos os países que utilizam o dólar. Foi então que outras moedas como o yuan, entraram em foco no comércio internacional.

As restrições ocidentais serviram para desencadear um maior comércio em moedas locais entre Moscou e os seus parceiros. A participação do rublo nos pagamentos das exportações russas ultrapassou os 50% e representa mais de um terço do comércio exterior total da Rússia, revelou o chefe interino do Serviço Federal de Alfândega, Ruslan Davydov, no início deste mês.

Além disso, na recente cúpula do BRICS em Joanesburgo, os membros manifestaram a sua determinação em aumentar a utilização de moedas locais nas transações comerciais e financeiras, tanto entre os Estados-membros do BRICS como com os seus parceiros.

Quanto à China, o comércio da Rússia com o gigante asiático aumentou 36,5%, para US$ 134,1 bilhões (cerca de R$ 675,9 bilhões), entre janeiro e julho de 2023, informou a Administração Geral das Alfândegas da China no início do ano. Durante o período, a China importou bens para a Rússia no valor de US$ 62,5 bilhões (aproximadamente R$ 315,1 bilhões), um aumento de 73,4% em relação ao mesmo período de 2022, e as exportações da Rússia para a China aumentaram 15,1%, para US$ 71,6 bilhões (mais de R$ 361 bilhões). Apenas em julho, o comércio entre os dois países atingiu US$ 19,5 bilhões (cerca de R$ 98,3 bilhões), do quais a Rússia forneceu bens no valor de US$ 9,2 bilhões (aproximadamente R$ 46,4 bilhões) à China e a China forneceu bens no valor de US$ 10,3 bilhões (mais de R$ 51,9 bilhões) à Rússia.

Durante o mesmo período, o comércio EUA-China diminuiu 15,4%, para US$ 381,5 bilhões (cerca de R$ 1,9 trilhão), de acordo com a Administração Geral das Alfândegas da China. As exportações chinesas para os Estados Unidos no período em análise diminuíram 18,6% em termos anuais, para US$ 281,7 bilhões (aproximadamente R$ 1,4 trilhão) de dólares.

Apesar das tentativas de interferência de alguns países ocidentais, a cooperação comercial e econômica sino-russa continua a crescer, sublinhou o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, em junho, em uma mensagem de vídeo na abertura da conferência "Rússia e China: Cooperação na Nova Era", em Pequim.

 

Fonte: rfi/Sputnik Brasil

 

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