Ricardo Festi: ‘Plataformas digitais mobilizam o que há de
mais arcaico nas relações de trabalho’
A redução da jornada de trabalho voltou à agenda
pública após o término das eleições municipais. A pauta, que tem origem no
movimento Vida Além do Trabalho (VAT), criado pelo vereador eleito Rick Azevedo
(PSOL-RJ), e na proposta da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), já atingiu
o número mínimo de assinaturas para avançar na Câmara dos Deputados. O projeto
pretende pôr um fim à jornada de trabalho 6×1, que tem galvanizado condições de
trabalho extenuantes e precarizadas do trabalho.
O debate, no entanto, não é novo, explica o professor
Ricardo Festi. Segundo aponta, na entrevista concedida por e-mail ao Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, há 33 projetos em tramitação no Congresso Nacional.
Entre estes, a PEC 221/2019 de Reginaldo Lopes, que prevê a “redução da jornada
por meio de uma transição de 10 anos, o que iria beneficiar as empresas, que
usariam diversas estratégias para aumentar a produtividade”, adverte. Nesse
sentido, indica que a proposta da deputada Erika é melhor, porque “acarreta
numa excelente política de inclusão e criação de postos de trabalho”. A proposta,
sublinha o entrevistado, é uma oportunidade de “recolocar na mente das pessoas
o sonho de um outro modo de vida, o que é fundamental para a difusão de uma
visão de mundo alinhada à esquerda”.
Na análise do sociólogo, “nas últimas décadas, com o
neoliberalismo, o trabalho perdeu a centralidade na política”. Para ele, “o
empreendedorismo é uma ideologia que sintetiza o ethos do neoliberalismo”. E
continua, “assim, o empreendedorismo, enquanto ideologia, busca legitimar a
vida precária e miserável deste início de século XXI”. Além disso, alerta que
“a tendência é que a plataformização avance para muitas áreas da economia e do
emprego e, para que esse processo ocorra sem grandes resistências, é importante
uma legitimação ideológica: o empreendedorismo”.
Festi organizou, junto com Jörg Nowak, o livro As novas
infraestruturas produtivas: digitalização do trabalho, e-logística e indústria
4.0, com “textos originais sobre o mundo do trabalho, o capitalismo, o
neoliberalismo e as formas de resistência”. No capítulo que escreve com outros
autores, assinala a existência de um problema de racialização vinculado à
precarização e destaca: “As plataformas digitais, apesar de se apresentarem
como uma novidade da modernidade, mobilizam o que há de mais arcaico nas relações
de trabalho. E uma tendência é certa: quanto maior a precarização das condições
de trabalho maior é a racialização”.
Ricardo Festi é professor do Departamento de Sociologia
e do PPG em Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). É autor de As origens
da sociologia do trabalho: percursos cruzados entre Brasil e França (Boitempo,
2023). Editor-Adjunto da revista Sociedade e Estado e Coordenador do Grupo de
Pesquisa Trabalho e Teoria Social da UnB, com doutorado em Sociologia pela
Universidade de Campinas (Unicamp), com estágio de pesquisa (doutorado
sanduíche) na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris,
entre 2015 e 2017. Graduou-se em bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais
e defendeu dissertação de mestrado em sociologia, todos pela Unicamp. É membro
do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses (GPMT) da Unicamp,
coordenado pelo Prof. Ricardo Antunes, além de pesquisador do Projeto Fairwork
no Brasil.
<><> Confira a entrevista.
·
Como
se caracteriza o mundo do trabalho contemporâneo?
Ricardo Festi – Um mundo em plena mutação, com uma
acentuada erosão das condições de trabalho. Infelizmente, nas últimas décadas,
há uma destruição de direitos conquistados no século passado. A consequência é
o aumento da insegurança e da instabilidade nos empregos, a ampliação das
jornadas laborais, a intensificação do trabalho e um maior número de contratos
temporários (como os contratos intermitentes ou de zero hora), sem falar na
informalidade e nos falsos autônomos (múltiplas formas de exercer atividades
para outrem, mas sem formalizar legalmente um vínculo de emprego).
Esse quadro tem se agravado por meio das reformas
trabalhistas ocorridas em vários países, com a implementação de novos
maquinários e tecnologias (como a digitalização do trabalho ou a automação
algorítmica). É um cenário devastador, mas que também apresenta algumas reações
por parte dos trabalhadores e trabalhadoras.
·
Como
a combinação entre plataformização e empreendedorismo tem alterado a estrutura
do trabalho no Brasil?
A Ricardo Festi – A plataformização representa uma
transformação estrutural na organização do trabalho, por meio de suportes
técnicos e digitais. As plataformas digitais se apresentam como supostas
mediadoras entre demandas, trabalhos e consumos.
O empreendedorismo é uma ideologia que sintetiza o
ethos do neoliberalismo, ou seja, uma sociedade que tem como modelo de
organização da vida a empresa capitalista. A plataformização acentua o processo
de externalização do trabalho, iniciado nos anos 1970 com a terceirização ou a
quarteirização das atividades, uma vez que consegue eliminar a empresa
intermediária e criar uma relação de externalização diretamente com os
indivíduos. Os casos mais visíveis são os entregadores e motoristas de
aplicativos, que são desprovidos de direitos trabalhistas. Assim, cada
indivíduo é considerado uma unidade produtiva, atomizando. Deixados à própria
sorte, cabe a cada um gerir seu tempo, seu espaço e seus equipamentos,
responsabilizando-se por aquilo que deveria ser papel das empresas e do Estado.
Assim, o empreendedorismo, enquanto ideologia, busca
legitimar a vida precária e miserável deste início de século XXI. A tendência é
que a plataformização avance para muitas áreas da economia e do emprego e, para
que esse processo ocorra sem grandes resistências, é importante uma legitimação
ideológica: o empreendedorismo.
·
É
possível formar uma nova classe trabalhadora num contexto radicalmente marcado
pela transformação tecnológica e pelas mídias sociais?
Ricardo Festi – Muitos estudiosos afirmam que estamos
assistindo ao retorno de condições de trabalho semelhantes às do século XIX.
Naquela época, mesmo com jornadas de mais de 12 horas diárias, baixos salários
e precárias habitações, houve inúmeras lutas que deram origem a incontáveis
processos de luta por direitos e até mesmo revoluções.
As tecnologias sempre mudarão, assim como as formas de
luta dos trabalhadores. Por exemplo, as mídias sociais, que têm servido para a
proliferação dos discursos da extrema-direita, também têm sido um espaço
frutífero para a organização das lutas sociais. Temos vários exemplos nos
últimos anos, como o caso dos Breques dos APPs em 2020. Sua organização ocorreu
por meio de redes sociais (Twitter, Instagram, Facebook, Telegram, YouTube…).
Isso também valeu para a mobilização contra a escala de trabalho 6×1, que deu
origem ao movimento Vida Além do Trabalho (VAT).
As redes sociais têm possibilitado reunir pessoas que
estão distantes geograficamente. No entanto, assim como permitem reunir
pessoas, facilitando a comunicação, também impõem limites e desafios. A
conclusão é que os movimentos sociais sempre encontraram formas de fazer suas
lutas, mesmo em situações muito mais adversas que as de hoje.
·
Como
pensar o futuro do trabalho e a proteção social em um contexto de radical
neoliberalização das ocupações?
Ricardo Festi – Não há outra saída senão a mobilização
popular dos sindicatos, movimentos sociais, associações, partidos políticos e
coletivos de todos os setores explorados e oprimidos da sociedade. Infelizmente,
a fragmentação das pautas políticas e dos grupos sociais enfraqueceu essa luta.
Além disso, nas últimas décadas, com o neoliberalismo,
o trabalho perdeu a centralidade na política. É necessário resgatá-la,
compreendendo que todas as questões passam, de uma forma ou de outra, pelo
trabalho. Felizmente, vemos iniciativas importantes, além de tímidas, em várias
partes do mundo que buscam unificar as diversas pautas dos oprimidos, tendo o
trabalho como um vetor central. Este é o caso do movimento Vida além do
trabalho (VAT), impulsionado por jovens precários, e que tem pautado o debate
pelo fim da escala 6×1.
·
As
redes sociais e a mídia têm repercutido a mudança da jornada de 6X1, que
aguarda votação no Congresso para avançar. O senhor pode destacar os principais
pontos? Quais seriam os impactos no mundo do trabalho caso ocorresse a redução
da jornada que está na proposta?
Ricardo Festi – O debate sobre a escala 6×1, isto é,
trabalhar seis dias por semanas e descansar um, foi impulsionado recentemente
pelo VAT. A principal figura deste movimento é o Ricardo (Rick) Azevedo, que
acabou de se eleger vereador pelo PSOL na cidade do Rio de Janeiro. Ele é um
jovem negro e periférico, trabalhador precário com contrato de trabalho, além
de influencer. Seu movimento teve início por meio de uma ação espontânea (ele
gravou um vídeo indignado contra a escala 6×1 que viralizou nas redes sociais
virtuais) e ganhou adeptos em todo o Brasil. A sua força está justamente no
fato de tocar em aspectos fundamentais da vida cotidiana da massa precária da
população brasileira: vive-se de baixíssimos rendimentos, com jornadas de
trabalho excessivas, submetidos a regimes despóticos (assédio moral e sexual,
discriminações, todo tipo de violência simbólica etc.) e, apesar disso tudo, não
tem acesso ao mínimo de conforto da vida moderna (perdem horas de seus dias no
transporte coletivo, moram em habitações ruins e não têm acesso ao lazer). Ele
tem destoado da lógica defensiva das lutas dos últimos anos, abrindo a
possibilidade de recolocar na mente das pessoas o sonho de um outro modo de
vida, o que é fundamental para a difusão de uma visão de mundo alinhada à
esquerda.
Rick Azevedo construiu uma aliança com a deputada Erika
Hilton (PSOL-SP), que lançou a ideia de um Projeto de Emenda Constitucional
(PEC) para redução da jornada para uma escala 4×3. Apesar do projeto já ter
ultrapassado o número mínimo de apoiadores dentro da Câmara dos Deputados,
Hilton ainda não o protocolou. Habilmente, ela tem negociado o projeto com
amplos espectros políticos, do governo do PT ao União Brasil.
No entanto, é importante ressaltar que este não é o
primeiro projeto propondo redução da jornada de trabalho. Segundo um
levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), há
33 projetos em tramitação no Congresso Nacional (28 da Câmara dos Deputados e 3
do Senado Federal). Além de vários outros projetos de redução da jornada em
categorias específicas, como a das enfermeiras. Dentre estas, a PEC 221/19 de
Reginaldo Lopes (PT-MG) é a que está mais avançada nos trâmites burocráticos,
aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ). Caso este debate avance, é possível que a PEC da Hilton
tramite junto com a do Lopes.
As duas PECs propõem uma redução da jornada semanal de
trabalho para 36 horas, o que criaria a tal escala 4×3 (trabalha-se 4 dias por
semana e folga-se três). No entanto, parece-me que a Hilton tem proposto uma
redução imediata da jornada, enquanto o projeto de Lopes apresenta uma transição
de 10 anos. Se for votada uma redução imediata, a consequência seria uma maior
absorção das pessoas que estão hoje na informalidade. Ou seja, esta opção
acarreta numa excelente política de inclusão e criação de postos de trabalho.
No entanto, é necessário levar em conta que, apesar da Constituição Federal
limitar a jornada semanal em até 44 horas semanais, muitas categorias (senão a
maioria) trabalham bem mais que isso, seja por meio de banco de horas que nunca
são pagos seja pelo borramento das barreiras entre o trabalho e a esfera
privada por conta da digitalização (este são os casos dos trabalhos que são
levados para casa, as demandas que chegam por celular fora do expediente etc.).
E, por fim, uma redução da jornada por meio de uma transição de 10 anos acaba
por beneficiar as empresas, que usariam diversas estratégias para aumentar a
produtividade (com novos maquinários ou novas gestões mais racionais).
O que é importante destacar deste movimento, além dele
tocar em questões concretas da vida cotidiana, é que há um debate colocado nos
últimos anos sobre a viabilidade desta redução. A iniciativa mais conhecida tem
sido as impulsionadas pelo movimento 4 Day Week Global. As empresas que
participam do experimento devem reduzir a jornada semanal para 4 dias. O resultado
é que 92% das que experimentaram isso decidiram manter a nova jornada, pois
constataram maior satisfação dos trabalhadores, diminuição de doenças e a
manutenção ou até acréscimo nos rendimentos.
Então, a conjuntura é bastante favorável para o debate.
No entanto, o Congresso não se mostra nenhum pouco favorável à aprovação de
algo assim. E aqui está um dos perigos. A tramitação de qualquer projeto pode
levar meses ou anos e isso acaba por causar um esfriamento na onda favorável à
redução da jornada. É neste momento que qualquer proposta poderá receber, por
exemplo, um adendo para que ocorra também a redução dos salários. Assim, para
não me alongar muito, acredito que este debate não pode estar distante da luta
redistributiva. É necessário que haja uma transição em que a participação da
Renda do Trabalho seja maior que a Renda do Capital, revertendo a tendência da
desigualdade social e de renda do capitalismo neoliberal. E, num segundo
momento, quando as organizações de esquerda voltarem a ganhar força política,
construir uma alternativa ao capitalismo.
·
Qual
tem sido o atual papel do PT em atender as demandas dos trabalhadores? Que
avanços concretos podem ser apontados? Por que o partido não ousa mais em
termos de garantias aos trabalhadores?
Ricardo Festi – Tem sido difícil apontar o papel
positivo de Lula 3 no tocante ao avanço de pautas trabalhistas. Podemos
destacar uma tímida política de revalorização do salário mínimo. No entanto,
todas as suas políticas sociais estão impedidas de avançar por conta do
arcabouço fiscal que o próprio governo propôs. Já saiu um significativo corte
de gastos que atenderá aos interesses do mercado financeiro e atingirá
fortemente os mais pobres da população brasileira. É evidente que o cenário
político para o governo Lula 3 é difícil, compondo uma frente ampla e tendo um
congresso de maioria reacionária. Porém, em situações em que o governo poderia
avançar, não tem feito isso. Foi o caso da regulação do trabalho nas
plataformas digitais. Na prática, apresentaram um projeto de lei alinhado aos
interesses das plataformas e que fornecia pouquíssimos ou quase nada de
direitos aos trabalhadores. Além disso, criava um status diferente de
trabalhador, o autônomo assalariado (na prática, o falso autônomo), e
autorizava jornadas de 12 horas de trabalho para os motoristas de aplicativo.
Parece que o próprio governo percebeu que este projeto foi um tiro no pé e o
tem deixado esfriar no congresso.
·
Quais
são os principais debates suscitados no livro que o senhor organiza com Jörg
Nowak, As novas infraestruturas produtivas: digitalização do trabalho,
e-logística e indústria 4.0?
Ricardo Festi – O livro conta com 14 capítulos, escrito
por 27 autores e autoras de diferentes nacionalidades. Foi um esforço coletivo,
coordenado por mim e meu colega Jörg Nowak, professor da UnB, em publicar
textos originais sobre o mundo do trabalho, o capitalismo, o neoliberalismo e
as formas de resistência. Ele atesta, por meio de pesquisas empíricas, este
cenário que descrevi anteriormente, e avança para um diagnóstico sobre as
consequências das novas formas de gestão do trabalho, tais como as tecnologias
digitais, a e-logística e a indústria 4.0. Além disso, perpassa o livro uma
preocupação em conhecer melhor quem são os novos sujeitos proletários da era digital
e suas formas de expressão, percepção, organização e ação.
·
Analisando
as diferentes realidades do trabalho nas plataformas digitais ao redor do
mundo, o capítulo assinado pelo senhor e colaboradores define que os
trabalhadores brasileiros estão sob um regime de precarização estrutural. Pode
nos explicar do que se trata esse conceito e como isso reforça o racismo?
Ricardo Festi – A precarização estrutural não é um
conceito nosso. Ela já é parte da tradição da sociologia crítica brasileira. Em
nosso texto, ressaltamos o fato de que a formação do mercado de trabalho
brasileiro ocorreu com a manutenção de uma racionalidade do período da
escravidão e, portanto, da não incorporação de parte significativa da população
ativa no trabalho formal. Esta realidade é causada também pela própria divisão
internacional do trabalho, que segue a lógica ampliada da reprodução do
capital. Ou seja, como ensinou Ruy Mauro Marini, nos países da periferia do
capitalismo o que ocorre é o rebaixamento da força de trabalho que terá,
consequentemente, uma baixa remuneração e uma maior extração do mais valor que
em relação aos países centrais. A consequência disso é não apenas uma
precarização das condições de trabalho, mas sobretudo da vida.
A vida precária, como destaca Chico de Oliveira, é
fundamental para a própria reprodução da força de trabalho. Isso explica porque
razão há no Brasil a proliferação de atividades comerciais e de trabalho
extremamente baratas, que além de alimentar a cultura de servir o outro,
permite manter este barateamento da força de trabalho. Há alguns anos, esta
racionalidade da precarização e da superexploração do trabalho têm crescido nos
países centrais, sobretudo por meio da utilização dos migrantes. Assim, as
plataformas digitais, apesar de se apresentarem como uma novidade da
modernidade, mobilizam o que há mais arcaico das relações de trabalho. E uma
tendência é certa: quanto maior a precarização das condições de trabalho maior
é a racialização.
·
As
plataformas vendem a promessa do trabalho flexível e autônomo. Contudo, a
pesquisa do mesmo capítulo evidencia a existência de uma relação trabalhista de
subordinação. Além disso, a mesma pesquisa mostra que os trabalhadores não se
veem como classe trabalhadora e mais de 60% desejam continuar como autônomos. Como
avalia essa percepção?
Ricardo Festi – Aqui estamos diante de outro problema
clássico da classe trabalhadora brasileira, principalmente aquela que vive
empregos de baixa qualificação e baixos salários e aquela que está na
informalidade. Em geral, trata-se do mesmo grupo que transita entre formalidade
e informalidade, sem grandes alterações em seus rendimentos. Nas pesquisas que
realizamos por meio do GPTTS, encontramos nos discursos de entregadores e
motoristas das plataformas digitais uma certa ambiguidade em suas pautas
políticas.
A pesquisa está em andamento e agora passamos a
analisar a trajetória de vida destes sujeitos e sua visão de mundo diante da
vida cotidiana. Quando fazemos isso, vemos que as posições expressas nas
surveys (que são sempre fotografias de um momento), isto é, de serem contrários
a um contrato de trabalho no trabalho de plataformas digitais, está relacionado
a sua experiência no trabalho e fora dele. Muitos já foram celetistas e estavam
em péssimos empregos. Os relatos são muito parecidos com o que Rick Azevedo
expressou em seu vídeo viral contra a jornada 6×1. Então, num cálculo imediato,
preferem uma relação sem vínculo empregatício, pois entendem que este limitaria
a jornada e, consequentemente, os seus ganhos. E estas pessoas precisam ganhar
mais para poder sobreviver. Assim, o problema não está numa possível alienação
destes sujeitos, mas na precarização estrutural.
Em nosso capítulo, preferimos usar “consciência em
paralaxe”, pois a realidade aparece sob outra perspectiva, já que o ponto de
observação desses trabalhadores também está alterado. Ele está em posição de
não reconhecimento de sua condição de classe, o que acaba por resultar em uma
percepção aparentemente ambígua e permeada de tensões sobre a realidade. Ainda
que ele se veja como autônomo, na prática são subordinados e assalariados por
definição. No entanto, o que eles estão entendendo por autônomo é esta condição
de poder realizar altas jornadas de trabalho, com certa flexibilidade. Mas eles
têm consciência da precarização e da exploração a que estão submetidos e é
nestas brechas que podemos encontrar espaços para construir a resistência e a
luta.
Fonte: Por: IHU e
Baleia Comunicação
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