quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

M. K. Bhadrakumar: A Síria sacode o tabuleiro da geopolítica

O Irã e a Rússia são os dois grandes perdedores na destituição do presidente da Síria, Bashar al-Assad, no domingo (8/12), pelos grupos islâmicos sunitas afiliados à al-Qaeda. Assad fugiu na hora certa, depois de dar ordens para que houvesse uma transferência pacífica do poder. A probabilidade é de que ele esteja na Rússia. De qualquer forma, reverter a tomada do poder pelos islamitas na Síria está fora de questão.

As oligarquias árabes da região do Golfo estão muito preocupadas com o surgimento de uma variante do Islã político que pode representar-lhes um desafio existencial. Não é de surpreender que elas tenham gravitado em torno do Irã, a quem veem como um fator de estabilidade regional, retribuindo o apelo de Teerã aos Estados regionais para que se unam para evitar o desafio dos grupos “Takfiri” (codinome da Al-Qaeda e do Estado Islâmico na narrativa iraniana). 

Israel e Turquia são os maiores vencedores, pois estabeleceram vínculos com os grupos da Al-Qaeda. Ambos estão bem preparados para projetar poder na Síria e criar suas respectivas esferas de influência no território do país. A Turquia exigiu que a Síria pertencesse somente ao povo sírio – um pedido mal disfarçado de fim da presença militar estrangeira (russa, norte-americana e iraniana).

Da mesma forma, o governo Biden pode estar satisfeito com o fato de que a presença militar russa não permanecerá intocada e que uma perda dramática de influência cerca as bases militares de Moscou na província ocidental síria de Latakia.

Não há dúvida de que o governo “pato manco” em Washington terá um prazer indireto com o fato de que a nova presidência de Donald Trump terá de lidar com a instabilidade e as incertezas prolongadas na Ásia Ocidental, uma região rica em petróleo que gera o petrodólar, que é a base do sistema bancário ocidental – o dólar americano, em particular -, crucial para o eixo “America First” das políticas externas do novo governo.

Sem dúvida, sob a superfície do quadro geral, há vários sub-enredos, alguns dos quais, pelo menos, são de contrários ao fluxo principal. Em primeiro lugar, os novos apelos ouvidos em conjunto pelo grupo de Astana (Moscou, Teerã e Ancara) e pelas capitais regionais para o diálogo intra-sírio que leve a um acordo negociado têm um toque de irrealidade. Ele decorre do medo primitivo, diante da manifestação de uma variante extremista do islamismo político que a região nunca havia experimentado antes em sua história. Certamente, o clima internacional atual praticamente exclui qualquer perspectiva de “diálogo” em um futuro previsível. Pelo contrário, é provável que toda a região seja convulsionada pelos tremores da Síria.

Os EUA devem estar satisfeitos com a mudança de regime em Damasco e darão continuidade aos esforços para o fechamento das bases russas na Síria. Eles declararam sua intenção de continuar com a ocupação da Síria, o que é importante se quiserem remodelar a região para atender a seus interesses geopolíticos.

Em segundo lugar, a Turquia tem interesses especiais na Síria em relação ao problema curdo. O enfraquecimento do Estado sírio, especialmente do aparato de segurança em Damasco, proporciona à Turquia, pela primeira vez, um espaço livre nas províncias da fronteira norte, onde os grupos separatistas curdos estão operando. A presença militar e de inteligência turca na Síria se expandirá aos trancos e barrancos.

Basta dizer que a ocupação turca do território sírio pode assumir um caráter permanente, e até mesmo uma quase anexação de regiões está dentro das possibilidades. Não se engane: o Tratado de Lausanne (1923), que a Turquia considera uma humilhação nacional, acabou de expirar e chegou a hora do acerto de contas para recuperar a glória otomana. A atual liderança turca está comprometida com a geoestratégia do neo-otomanismo.

Portanto, o que está em jogo é a soberania e a integridade territorial da Síria e a desintegração do país como um Estado. Foi relatado que tanques israelenses cruzaram a fronteira com o sul da Síria. Sem dúvida, Israel pretende conquistar muito mais do que o território sírio além das Colinas de Golã. O sonho da Grande Israel deu um passo gigantesco em direção à realidade. Em seguida, vem o Líbano, que Israel não pode deixar de querer controlar se quiser ser a potência regional dominante no Levante e um influenciador na política do Mediterrâneo Oriental. De acordo com a mídia israelense, Tel Aviv tem contatos diretos com os grupos islâmicos que operam no sul da Síria. Não é segredo que esses grupos estavam sendo orientados pelo exército israelense há mais de uma década.

Assim, na melhor das hipóteses, é de se esperar uma Síria truncada, um Estado rudimentar, com a continuidade da interferência externa em larga escala e, na pior das hipóteses, o revanchismo turco e a agressão israelense juntos – mais a ocupação estadunidense do leste da Síria e uma autoridade central fraca em Damasco. O país em seu formato atual, traçado em 1946, pode desaparecer completamente do mapa da Ásia Ocidental.

Na verdade, os países do Golfo e o Egito têm motivos para se preocupar com uma Primavera Árabe 2.0 – oligarquias sendo derrubadas e substituídas por grupos islâmicos militantes locais que expressam a revolta do povo. Seu nível de conforto com Teerã ampliou-se sensivelmente. Mas, é claro, os EUA combaterão essa tendência regional que, de outra forma, isolaria Israel na região.

A Rússia tem uma mentalidade notoriamente pragmática e uma declaração do Ministério das Relações Exteriores no domingo deu a entender que Moscou já está elaborando um plano B para reforçar sua presença militar na Síria, pelo menos no curto prazo. É interessante notar: a declaração apontou que Moscou está em contato com todos os grupos de oposição sírios. A declaração evitou escrupulosamente usar a palavra “terrorista”, que as autoridades russas vinham empregando livremente em sua retórica estridente para caracterizar os grupos sírios que tomaram Damasco. Moscou tem motivos para temer a ressonância do Islã Político como uma ideologia sedutora em suas repúblicas muçulmanas do norte do Cáucaso.

A embaixada russa em Damasco não está correndo nenhum perigo. É totalmente concebível que a inteligência russa, que tradicionalmente é muito ativa na Síria – por motivos óbvios – já tenha começado a sensibilizar Moscou sobre a transição de poder em Damasco e tenha mantido contatos com os grupos islâmicos da oposição, apesar da retórica pública estridente.

Em comparação, o Irã sofre um sério revés do qual dificilmente se recuperará tão cedo, já que a ascendência dos grupos sunitas extremistas que aderem à ideologia da Al-Qaeda levará a um novo cálculo de poder na Síria, agora visceralmente hostil a Teerã. A evacuação de diplomatas seguida da invasão da embaixada iraniana em Damasco fala por si só. Na verdade, Israel não poupará esforços para garantir que a influência iraniana seja exorcizada da Síria.

O cerne da questão é que a influência regional do Irã diminui significativamente à medida que os grupos de resistência (que são em grande parte xiitas) ficam desnorteados e desiludidos. Isso não só é vantajoso para Israel, mas também desencadeia uma profunda mudança no equilíbrio de forças regional, que terá ressonância nos conflitos atuais no Grande Oriente Médio como um todo em uma perspectiva de longo prazo. Isso afetará Gaza, o Líbano e até mesmo em lugares distantes como a Ásia Central e o Sul da Ásia. O resultado final é que o gênio da Al-Qaeda finalmente saiu da garrafa e não há como deter sua agenda pan-islâmica.

A parte surpreendente é que o Irã não conseguiu prever o desernrolar dos acontecimentos. Por incrível que pareça, na sexta-feira (6/12), Ali Larijani, conselheiro do líder supremo, visitou Damasco, reuniu-se com Assad e reiterou o total apoio de Teerã para deter a onda de forças islâmicas que já se aproximava dos portões da cidade…

¨      Conflito na Síria pode afetar a economia mundial?

Os atuais acontecimentos na Síria só afetarão o preço do petróleo por ações dos especuladores, caso contrário, do ponto de vista da economia global, o seu impacto é insignificante, disse o especialista industrial independente Leonid Jazanov à Sputnik.

"A Síria, na realidade, não tem nenhuma indústria importante, foi destruída durante a guerra civil. O que resta são apenas migalhas lamentáveis. Há produção de petróleo, mas é escassa", disse Jazanov.

Segundo o especialista, o único impacto que os acontecimentos na Síria podem gerar é o aumento dos preços do petróleo, uma vez que os especuladores vão aproveitar a situação vulnerável do país, acrescentou.

A principal riqueza da Síria, conforme Jazanov, são as enormes jazidas de fosforites, necessárias para a produção de fertilizantes minerais.

"No entanto, nas condições atuais, não faz sentido esperar pelo seu pleno desenvolvimento: não há investidores sérios dispostos a investir […] quando há tiroteios por todo lado", concluiu.

Tensões na Síria

No dia 27 de novembro, grupos armados da oposição síria lançaram uma ofensiva em grande escala contra o Exército regular a partir do noroeste do país.

Em menos de duas semanas, as forças contra o governo assumiram o controle de várias cidades importantes, como Aleppo, Hama e Homs, chegando à capital, Damasco, no domingo (8), onde proclamaram a queda do presidente Bashar al-Assad, que ocupava a presidência desde 2000, após a morte de seu pai, Hafez al-Assad (1930–2000), que governou a Síria durante as três décadas anteriores.

O ex-presidente sírio, juntamente com a sua família, buscaram asilo na Rússia por questões humanitárias, disse uma fonte do Kremlin.

Muitos países manifestaram preocupação com os acontecimentos na Síria, instando todas as partes a garantirem a segurança, integridade e soberania do país, bem como a iniciarem um diálogo nacional com a participação de todos os setores que compõem a sociedade síria.

 

¨      A queda de Assad amplia a volatilidade política do Oriente Médio e poderá produzir um banho de sangue na região. Por Marcelo Zero

Como sempre, a mídia ocidental comemora, como se grande avanço fosse, a queda de mais uma “ditadura” do Oriente Médio. A de Assad, na Síria.

Foi assim no Iraque, no Afeganistão, na Líbia etc. Obviamente, “ditaduras” que não eram alinhadas aos interesses dos EUA e do Ocidente. Em todos esses casos, centenas de milhares de pessoas morreram e os países foram destruídos. Tudo, é claro, em nome da democracia e dos direitos humanos.

Já as ditaduras aliadas da região, como a da Arábia Saudita, Emirados Árabes, Catar, Kuwait etc. continuam protegidas e prestigiadas. Isso também vale, é claro, para o governo genocida de Netanyahu.

Como sempre, as análises sobre o tema na mídia brasileira e ocidental são, em geral, superficiais e baseadas numa visão maniqueísta, moralista, simplória, desinformada e francamente estúpida sobre a dinâmica dos conflitos do Oriente Médio.

Alguns, como Biden, até consideram que a queda de Assad representa uma “oportunidade histórica” de reconstrução para o povo sírio e para toda a região.

Essa é a piada geopolítica do ano. 

Embora não se possa negar que o regime de Assad foi brutal, especialmente a partir de 2011, com a cruenta guerra civil, considerar que a substituição de Assad pelo Hay’at Tahrir Al-Sham (HTS)-um grupo terrorista assim considerado, com razão, pelo Conselho de Segurança da Nações Unidas- possa ser um “avanço” rumo à estabilidade e a democracia só sai da cabeça de completos beócios. 

Obviamente, a questão é bem mais complexa e delicada.

Não por acaso, o ataque à Síria começou logo após o cessar-fogo no Líbano.

O líder do HTS, Al-Joulani, muito provavelmente não queria dar a impressão de que o ataque recebeu sinal verde do governo de Israel.

Sejamos realistas. O ataque do grupo terrorista salafista não deve ter se dado apenas em razão da “janela de oportunidade” criada pelo enfraquecimento Hezbollah e do Irã, apoiadores do regime de Assad.

É pouco provável que Al-Joulani tenha feito um movimento tão ousado sem alguma segurança de que não seria dizimado por Israel e pelos EUA. Ademais, o governo de Israel já havia bombardeado todas as bases do governo Assad. A ofensiva contra Assad era só uma questão de tempo. Sabia-se que a Rússia, empenhada na Ucrânia, não reagiria. Sabia-se também que o Irã, muito enfraquecido econômica e militarmente, não conseguiria opor resistência.

Não seria a primeira vez que o governo de Israel e o Deep State dos EUA dão apoio tático e provisório, em operações ocultas, a grupos terroristas sunitas, com objetivos geopolíticos mais amplos. 

Isso aconteceu antes no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na própria Síria. A Al-Qaeda e o Talibã surgiram, em última instância, como resultado do apoio aos mujaheedin afegãos, apoiados também pela Arábia Saudita. O ISIS lucrou, durante algum tempo, com as ações desestabilizadoras dos EUA na região. 

É preciso considerar que, tanto para o governo de Netanyahu quanto para o Deep State estadunidense, o grande rival estratégico da região é o Irã, no que são apoiados pelas ditaduras sunitas do Oriente Médio.

A queda de Assad, aliado do Irã e da Rússia numa região tão volátil e sensível, representa, em um cálculo geopolítico de longo prazo, mais vantagens do que riscos. 

Para o governo Netanyahu, em particular, a queda de Assad ajuda a pavimentar o projeto do “Grande Israel”, que se estenderia até o Sul da Síria. A Turquia, por sua vez, deverá avançar sobre território curdo da Síria, lucrando também com a queda de Assad.

Considere-se que o cenário mais provável para a Síria, agora, é semelhante ao da Líbia: um país dividido, fraco, falido e dominado por diferentes grupos armados, sem um governo central crível. 

Um “país” desse tipo é mais facilmente manipulável e controlável. Não representa ameaça concreta de envergadura. 

Os riscos concretos, no entanto, são para o próprio povo sírio. 

A Síria é um país diverso, dividido entre alauítas, xiitas propriamente ditos, sunitas, drusos, curdos etc. Muito embora o regime de Assad tenha sido uma ditadura, ele era plural, em termos religiosos. A Síria era laica e a última representante do nacionalismo panárabe.

Achar que o HTS, um grupo derivado do ISIS, será plural e tolerante, principalmente em termos religiosos, parece-nos um erro crasso de avaliação.

Embora em Idlib o HTS não tenha sido particularmente brutal e intolerante, sua conquista de Damasco e a queda de Assad deverão cambiar sua atitude falsamente ponderada.

A euforia que se vê agora na Síria, principalmente por parte da população sunita, deverá ser substituída, em período breve, pela retomada da guerra civil, dessa vez de forma até mais cruenta. Não se pode descartar também massacres de alauítas e xiitas no território agora dominado pelo HTS. Em Aleppo, já houve execuções.

Como escreveu o jornalista Craig Murray, no artigo intitulado “The End of Pluralism in the Middle East”, quando toda a mídia corporativa e estatal no Ocidente divulga uma narrativa unificada de que os sírios estão muito felizes por serem libertados pelo HTS da tirania do regime de Assad — e não diz absolutamente nada sobre a tortura e execução de xiitas, e a destruição de decorações e ícones de Natal — deveria ser óbvio para todos de onde isso vem.

Além disso, a queda de Assad rompe definitivamente com o delicado equilíbrio tenso entre sunitas e xiitas, em todo o Oriente Médio.

O Iraque, um país dividido entre xiitas e sunitas, já está concentrando suas tropas na fronteira. A guerra poderá voltar para lá. Da mesma forma, poderá voltar para o Líbano. Lembre-se que o HTS se propõe-se a liberar todo o Levante, isto é, Síria, Líbano, Israel, Palestina, Jordânia e o Iraque.

Uma coisa parece certa. A “bola da vez” é o Irã.

Mesmo tendo atualmente um líder moderado, Masoud Pezeshkian, que quer negociações diplomáticas e o levantamento das sanções, o Irã é visto pelo pessoal que rodeia Trump e por Netanyahu, como a fonte de todos os problemas do Oriente Médio.

Por conseguinte, o agravamento das sanções e uma intervenção militar no Irã, com pesados bombardeios e, talvez, com limitadas invasões terrestres, não poderiam ser descartados. 

Sem dúvida, com a queda de Assad e o avanço constante de Israel, a coisa tende a piorar. E muito.

A única “oportunidade” que se abre é para mais violência e conflito.

 

¨      ASSAD NÃO É O MAIOR INIMIGO DOS SIRIOS: POR GIOVANNA VIAL

Damasco caiu. Essa foi a notícia que despertou Beirute hoje, 8 de dezembro de 2024. O governo de Bashar Al Assad foi deposto na Síria.

Em 12 dias, uma coalizão de combatentes da oposição lançou uma grande ofensiva contra as forças pró-governo e tomou o país das mãos da família Assad, que governou a Síria por mais de cinco décadas.

Cenas de pessoas sendo libertadas de prisões onde passaram a última década sendo torturadas pelo regime sanguinário de Assad invadiram a internet. A revolução síria, que teve início em 2011, parece finalmente ter chegado ao fim.

No entanto, ao tentar compreender as dinâmicas no Oriente Médio, é essencial abrir mão do maniqueísmo e lançar um olhar mais desconfiado quando se trata de revoluções.

Há 14 anos, a Síria vive sob as sombras do que o ocidente apelidou de Primavera Árabe. O nome Primavera faz referência à Primavera dos Povos, revoluções europeias de 1848. Não é surpreendente que o termo Primavera Árabe tenha sido cunhado pelo Ocidente para descrever um processo revolucionário na região, considerando que a própria expressão Oriente Médio também é uma construção ocidental. Esse nome reflete uma visão eurocêntrica, definindo semanticamente a região com base em sua posição geográfica em relação à Europa.

Em 2011, uma onda de protestos se iniciou na Tunísia após a autoimolação do vendedor de frutas tunisiano Mohamed Bouazizi. As manifestações levaram à queda do ditador Ben Ali e se alastraram pelo norte da África até o Oriente Médio.

Nas ruas de Trípoli, Cairo, Damasco, Sanaa e Manama, milhares foram às ruas. Pessoas comuns, cidadãos como eu e você, clamando por melhores condições de vida e liberdade.

Acontece que levantes como aqueles nem sempre são o prenúncio de tempos mais democráticos, além de serem frequentemente sequestrados pelo Ocidente para servir a seus próprios interesses. A exemplo da Tunísia, Líbia e Egito, onde a tal Primavera Árabe pareceu, em um primeiro momento, bem sucedida, regimes com novas doses de tirania se instalaram.

Nesses mais de 50 anos no poder, o regime da família síria Assad aprisionou, torturou, brutalizou, assassinou, e desapareceu com centenas de milhares de seus cidadãos. Isso sem mencionar o uso de armas químicas contra sua própria população.

O fim da tirania Assad, portanto, significa o reencontro de pessoas que foram separadas de suas famílias; o respiro de liberdade daqueles que foram arbitrariamente presos; a esperança de gerações que foram amordaçadas por demandar publicamente o fim de uma era de repressão.

Mas assim como outras revoluções no Oriente Médio, a revolução síria está intrinsecamente ligada a interesses que vão muito além daqueles do povo sírio. Para além de suas demandas legítimas, há articulações complexas envolvendo grandes potências e suas agendas imperialistas.

Os Estados Unidos, que de democráticos e liberais em suas invasões e intervenções no Oriente Médio não têm absolutamente nada, são verdadeiros especialistas em direcionar os levantes árabes para caminhos que favorecem a sua agenda política. E com a Síria não poderia ser diferente.

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Desmantelamento do regime de Assad pode resultar no estrangulamento do Hezbollah, enfraquecendo sua posição na região e possibilitando maior efetividade de avanço israelense

Bashar Al-Assad não era apenas um líder autoritário. Sob seu controle, a Síria funcionava como um elo estratégico no fornecimento de apoio direto do Irã ao Hezbollah, o grupo xiita baseado no Líbano que resiste à ocupação sionista de Israel, que por sua vez é apoiado pelos Estados Unidos.

O desmantelamento do regime de Assad pode resultar, portanto, no estrangulamento logístico do Hezbollah, enfraquecendo significativamente sua posição na região e possibilitando, assim, a maior efetividade de um avanço israelense.

Não por acaso, a tomada de cidades sírias pela coalizão opositora começou exatamente no dia 27 de novembro de 2024 – dia em que entrou em vigor, no Líbano, o cessar-fogo entre Hezbollah e Israel.

Hoje, enquanto o governo Assad caía em Damasco, Israel avançava na Síria para além das Colinas de Golã, território sírio ocupado pelos sionistas na guerra dos seis dias, em 1967.

Estas não são coincidências, mas indicativos de como as dinâmicas locais estão interligadas às disputas regionais e globais. Assim, o que parece uma revolução nacional é, na verdade, o campo de batalha de interesses externos que moldam o destino de povos inteiros.

Enquanto continuarmos usando o Ocidente, com suas políticas e denominações impregnadas de orientalismo, como lente para interpretar o Oriente Médio, estaremos longe de compreender o que realmente acontece na Síria e na região como um todo.

É certo que a liberdade dos povos árabes tem muitos ditadores na lista de inimigos. Mas o maior deles encontra-se além-mar e se dizem os guardiões dos valores do estado democrático de direito – contanto que esta mesma democracia e este mesmo direito não sejam gozados por aqui.

 

Fonte: Indian Punchline | Tradução: Glauco Faria, em Outras Palavras/Sputnik Brasil/Brasil 247/Opera Mundi

 

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