Cleber
Lourenço: Documentos apreendidos com Braga Netto revelam projeto de poder dos
militares
Uma apresentação
interna de 67 slides, obtida pela coluna, detalha uma estratégia das Forças
Armadas para ampliar sua influência política e reforçar a defesa de interesses
institucionais. O material, intitulado “Palestra nos Clubes Militares – 29 JUN
V2.pptx”, foi produzido pelo Coronel Marcelo Lopes de Azevedo e direcionado a
clubes militares, onde circulou amplamente. O conteúdo conecta ideias teóricas
de autores como Samuel P. Huntington e Morris Janowitz a um discurso que
justifica o envolvimento militar na política nacional.
Além de abordar o
relacionamento entre civis e militares, a apresentação também faz referência
direta à campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2022, consolidando uma
ligação explícita entre a instituição militar e projetos políticos específicos.
A análise dos slides revela um esforço sistemático para validar o papel das
Forças Armadas como agentes políticos ativos e estratégicos no Brasil.
· A origem e estrutura do material
A apresentação,
registrada como elaborada por "Carlos Antonio Lopes de Araujo25" nos
metadados, tem como autor identificado o Coronel Marcelo Lopes de Azevedo. Em
sua introdução, os slides exploram a influência histórica das Forças Armadas em
governos anteriores e destacam a "necessidade de evitar vácuos de
poder" que poderiam, segundo a narrativa apresentada, enfraquecer o papel
institucional dos militares.
O documento utiliza
referências teóricas de Huntington e Janowitz, mas desvia de suas
interpretações acadêmicas originais para defender a tese de que a pressão
política é uma ferramenta legítima das Forças Armadas no contexto democrático
brasileiro. Ao longo dos slides, são apresentados exemplos de como essa
influência poderia ser exercida, incluindo críticas a governos civis, embates
com o Judiciário e o alinhamento com valores conservadores.
· Pressão política como estratégia
Um dos pontos centrais
da apresentação é a defesa explícita do conceito de "pressão
política". No slide 13, a justificativa para essa atuação aparece listada
como:
·
Mitigar riscos estratégicos para a segurança
nacional.
·
Defender interesses das Forças Armadas.
·
Promover orçamentos estáveis e previsíveis.
·
"Participar ativamente das decisões
nacionais."
Na parte inferior do
mesmo slide, uma anotação reforça a ideia: “A pressão política exercida pelo
militar é a capacidade de interferir no curso das decisões nacionais.” Esse
trecho deixa claro que os militares não se limitariam à função de defesa, mas
buscariam influenciar diretamente políticas públicas e ações de governo.
Outro slide, o 36,
relaciona os motivos para justificar essa atuação política. Entre as razões
citadas, destacam-se a capacidade de moldar diretrizes estratégicas e mitigar
interesses considerados contrários às Forças Armadas.
·
Relação com
a campanha de Jair Bolsonaro
A ligação entre as
ideias defendidas nos slides e a campanha presidencial de Jair Bolsonaro em
2022 é evidente. A partir do slide 43, a apresentação destaca a importância de
valores como "democracia", "transparência" e
"liberalismo econômico" associados ao governo Bolsonaro. Fotos do
ex-presidente em atos de campanha e frases como “Por que mais quatro anos do
governo Bolsonaro? Uma nova forma de governar” reforçam a narrativa.
O General Braga Netto,
que foi vice na chapa presidencial de Bolsonaro, é citado como figura central
para a disseminação das ideias defendidas. No slide 38, ele é explicitamente
mencionado como exemplo de liderança militar alinhada ao projeto político. Um
trecho do slide destaca: “No caso concreto, o general pode citar o exemplo
pessoal que concorreu como vice-presidente e está colocando o nome dele à
disposição do partido.”
Essas menções levantam
questões sobre o papel das Forças Armadas em campanhas eleitorais e seu
possível desvio da neutralidade constitucional.
·
Críticas ao
STF e o “ativismo judicial”
Outro ponto polêmico da
apresentação é a crítica ao Supremo Tribunal Federal (STF), descrito como um
dos obstáculos à atuação das Forças Armadas. Nos slides 26 e 30, o documento se
refere ao "ativismo judicial" como uma barreira a ser enfrentada. Uma
anotação no slide 26 diz: “As ações do STF limitam a capacidade de influência
militar e representam um desafio às Forças Armadas.”
Além disso, há menções
ao artigo 142 da Constituição Federal, frequentemente interpretado de forma
controversa por grupos que defendem a militarização política. Os slides sugerem
que os militares poderiam assumir um papel moderador em crises institucionais,
apesar de essa visão ser amplamente rejeitada por especialistas em direito
constitucional.
·
Comunicação
como ferramenta de poder
O slide 17 destaca a
necessidade de conquistar a opinião pública como estratégia de influência
política. A frase central afirma: “A comunicação social é o poder da opinião
pública.” A apresentação sugere que a mídia e narrativas públicas devem ser
utilizadas para reforçar o papel dos militares na sociedade. Essa estratégia,
descrita de forma ampla, aponta para uma instrumentalização dos canais de
comunicação em benefício de projetos políticos específicos.
·
Riscos e
implicações institucionais
A defesa de maior
interferência política das Forças Armadas, exposta nos documentos, representa
um desafio para a estabilidade institucional brasileira. Especialistas apontam
que a politização militar pode comprometer a confiança na imparcialidade da
instituição e fragilizar o sistema democrático.
A conexão explícita com
a campanha de Jair Bolsonaro e as críticas ao STF reforçam o alinhamento
ideológico de parte das lideranças militares com a extrema direita no Brasil.
Além disso, a sugestão de que os militares assumam um papel político ativo fere
o princípio constitucional de subordinação ao poder civil.
·
Ameaça ao
equilíbrio democrático
Os slides analisados
deixam claro um esforço para justificar e ampliar a atuação política dos
militares no Brasil. Ao utilizar teorias acadêmicas, críticas ao Judiciário e
associações com campanhas eleitorais, o material revela uma tentativa
deliberada de transformar as Forças Armadas em agentes políticos centrais no
país.
Essa narrativa,
promovida em clubes militares e com participação de figuras como o General
Braga Netto, destaca os riscos de uma militarização da política brasileira,
algo que contraria os pilares da democracia e da Constituição Federal. A
politização das Forças Armadas é uma questão que merece atenção imediata, dada
sua capacidade de impactar profundamente as instituições democráticas do país.
¨ Golpistas chegaram a culpar Temer por falta de
engajamento do alto comando do Exército em intentona
Mensagens
analisadas pela Polícia Federal no âmbito das investigações sobre os atos
golpistas de 8 de janeiro revelam divisões internas e tentativas de atribuir
culpados ao fracasso das articulações. Um trecho relevante é uma mensagem
enviada pelo coronel da reserva Hélcio ao interlocutor Laércio Vergílio, em que
ele critica o papel do ex-presidente Michel Temer na falta de uma postura mais
engajada do Alto Comando do Exército (ACE). A mensagem, apresentada em um
relatório da PF, diz:
"Soube dessa
visita do T ao VB e que ele havia feito reclamações aos membros mencionados do
ACE. Ficou claro que há uma linha de ação não intervencionista no ACE, e, em
minha opinião, foi o Temer quem fomentou isso por intermédio de
intermediários, e isso repercute em alguns membros do ACE. Não creio numa
conspiração, mas uma linha de ação, o que por sua vez não seria novo."
Na mensagem, “T” é
uma referência ao general Tomás Paiva, e “VB” ao general Villas Bôas. O
conteúdo reflete uma insatisfação com o que é descrito como uma postura “não
intervencionista” dentro do Alto Comando, que, na visão de Hélcio, foi
influenciada por ações do governo Temer.
Em outro contexto,
registrado em mensagens analisadas no mesmo relatório, também é mencionada uma
visita do general Tomás Paiva ao general Villas Bôas. Nesse episódio, Tomás
teria repreendido Villas Bôas e sua esposa, Cida, por conta de ações descritas
como "sem noção" e criticado membros do Alto Comando, como os
generais Theophilo e Barata. O diálogo sobre essa visita é destacado em outra
mensagem:
"O GenTomás
foi no Gen Villas Boas ontem... E aí... acreditem ele deu um esporro no General
Villas Boas e na esposa dele (!CIDA)! Terminou em tom de ameaça para os dois,
dizendo que serão prejudicados com as intervenções 'sem noção' que estão
fazendo. Na saída, ele resolveu abrir o jogo e falou mal de todo Alto Comando
do Exército, principalmente do Theophilo, do Barata. Tomás já é PT, desde
pequenininho é a impressão que passa! Mostrou que ele tem está contra tudo que
está acontecendo... inclusive contra o Arruda... etc... Gen Tomás antes mesmo
de trabalhar com o Fernando Cardoso já avisou que não manda e não mandará nunca
nada! A ambição derrota o caráter das frações. Aliás... revela! Ele ainda mente
quando põe no Paulo Sérgio dizendo que o comandante queria ver ele direto ao
redor do Palácio. A CIDA ficou louca. Se retirou da sala pra não bater os
arreios na filha. Na verdade o VB paixões discutíveis... Fernando e Tomás. Não
foi por falta de aviso."
Essas mensagens
evidenciam a tentativa de encontrar culpados pelo insucesso das articulações
golpistas, ao mesmo tempo que expõem as divisões internas e a insatisfação com
a liderança militar. O papel de Michel Temer, como mencionado por Hélcio, é
citado como um ponto de origem para a postura descrita como hesitante ou “não
intervencionista” dentro do Alto Comando.
¨ "Mijada" em Villas Bôas: Braga Netto e o elo
com ex-comandante no assédio ao Alto Comando
Indiciado como um
dos articuladores da Organização Criminosa (OrCrim) de Jair Bolsonaro (PL) na
tentativa de golpe de Estado, o general Walter Braga Netto (PL) fazia o elo com
golpistas militares que se aliaram a outra tomada de poder recente, que
derrubou Dilma Rousseff (PT) da Presidência em 2016.
Ex-ministro da Casa
Civil e de Defesa e vice na chapa em 2022, Braga Netto aparece nos anexos do
relatório da Polícia Federal, a que a Fórum teve acesso, como interlocutor do
marechal Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e autor do tuite para
intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, às vésperas do julgamento
que poderia libertar Lula para concorrer às eleições presidenciais.
Em 17 de dezembro
de 2022, Braga Netto enviou uma mensagem ao capitão reformado Ailton Barros,
também membro da OrCrim, relatando um encontro de Villas Bôas e a esposa, Maria
Aparecida Villas Bôas, com o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva.
Segundo Braga
Netto, Paiva teria dado "uma mijada" no marechal e na esposa - que
frequentava o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília,
por apoiarem a articulação golpista em curso.
"O Tomás foi
no VB ontem... E aí... acredite... Ele deu uma mijada no VB e na Cida! Terminou
dizendo que os dois serão prejudicados com as intervenções 'sem noção' que
estão fazendo", afirmou Braga Netto.
Em seguida, ele diz
que Tomás Paiva ainda "falou mal de todo ACE", em relação ao Alto
Comando do Exército, da qual o próprio atual comandante fazia parte.
"Principalmente do Theophilio, do Barata".
Comandante de
Operações Terrestre, o general Estevam Theophilo integrava o núcleo de oficiais
de alta patente e foi indiciado com os 37 da OrCrim golpista.
"Barata" ainda não foi identificado pela PF.
Na mensagem, Braga
Netto afirma que Tomás Paiva "parece até que é PT desde pequenininho"
e que "Cida ficou louca, se retirou da sala pra não botar o artista pra
fora". Em seguida, o general dá a ordem para usarem a história para atacar
o desafeto no ACE. "É verdade. Pode viralizar".
No mesmo dia, o
Coronel de Cavalaria do Exército, Gustavo Schiffner, encaminha uma mensagem
para Mauro Cid com o mesmo teor da que foi enviada por Braga Netto. Apenas foi
trocado o termo "mijada" por "esporro no general Villas Bôas e
na esposa dele".
<><> Elo
com Villas Bôas
Em novembro, Braga
Netto já havia feito uma jogada ensaiada com Villas Bôas enquanto trabalhava a
articulação no QG do golpe, uma mansão alugada no Lago Sul, em Brasília, para
sediar o comitê de campanha de Bolsonaro e que o vice seguiu utilizando, após a
derrota nas urnas, para articular o golpe.
O relator da PF mostra
que no dia 15 daquele mês, Braga Netto comentou uma carta de Villas Bôas
publicada no Twitter em que o marechal se alinha à horda golpista
"aglomerada junto às portas dos quartéis pedindo socorro às Forças
Armadas" e ataca as urnas eletrônicas e o resultado das eleições dizendo
que " a essência da questão se prende a que o ato de votar deve ser
privado, enquanto a apuração deve ser pública e auditável".
"General, mais
uma vez sua liderança e clareza de pensamentos nos orientam e inspiram. É
evidente a real e urgente necessidade do resgate da independência e da harmonia
entre os poderes", comentou Braga Netto propagando a publicação de Villas
Bôas.
<><> Alto
Comando
Dias, depois, em 29
de novembro, Villas Bôas saiu em defesa de três generais do Alto Comando:
Richard Nunes (Comando Militar do Nordeste); Valério Stumpf (Comando Militar do
Sul); que teriam aderido ao golpe; e Tomás Paiva, que estava sendo pressionado
a aderir à intentona.
A reunião entre
Villas Bôas e Tomás Paiva também foi citada pelo coronel Hélcio Bruno de
Almeida, ex-integrante das Forças Especiais do Exército e presidente da Ong
instituto Força Brasil, que era financiada por bolsonaristas para propagar fake
News sobre vacinas durante a pandemia.
"Eu sabia
dessa visita do T [Tomás Paiva] ao VB [Villas Bôa] e que ele havia feito
reclamações aos membros mencionados do ACE. Fica claro que há uma linha de ação
não intervencionista no ACE, que, em minha
opinião tem origem no [ex-presidente golpista, Michel] Temer passa por alguns
intermediários, inclusive Gen e repercute em alguns Membros do ACE",
afirmou, sobre militares da cúpula que se posicionam contra o golpe.
"Não creio
numa conspiração, mas uma linha de ação, que, por sua vez não será obstáculo
para o PR atuar", segue Almeida, que na sequência lista as fases para o
plano golpista.
“A
questão que me parece evidente é possuir um conceito de operação simples e com
fases para estancar a hemorragia da lei e da ordem que sangra a estabilidade
econômica e social do País, remover o tecido comprometido, proteger o ferimento
e prevenir o choque:
? decretar GLO
? anular eleições
? afastar envolvidos diretos
? marcar novo pleito
? organizar governo transitório”, escreve o coronel golpista.
Fonte: Fórum
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