Qual
programa e estratégia para avançar efetivamente na luta contra a violência
policial?
Nos últimos dias tomaram as redes sociais e a grande imprensa
casos escandalosos de violência policial. Os casos que vieram à tona não são
uma exceção, são permanentes. Os policiais agem assim porque sempre são
acobertados pelas instituições do regime político. Mas se abre uma conjuntura
onde é possível avançar na luta contra essa barbárie. Qual estratégia e
programa necessários para isso?
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A violência policial é uma marca histórica de um Brasil
marcado pelo racismo e a escravidão. Isso se expressa em todas as instituições
do que chamamos de “regime político”, conceito que visa englobar não só os
governos, mas também o judiciário, o parlamento e as Forças Armadas e policiais,
todo um aparato deste Estado a serviço da burguesia. Como disse Eduardo Taddeo
do Facção Central, que teve seu sobrinho assassinado por pegar sabão no OXXO,
em ato em São Paulo: “quem aperta o gatilho” não é só cada policial, mas todo
um sistema racista e assassino.
Vejamos como isso se expressa concretamente. O governo
Tarcisio de Freitas está no centro dos escândalos, como denunciamos nessa Declaração do MRT SP, mas a Bahia, onde o PT
governa há quase 20 anos, tem a PM que mais matou no Brasil em 2023, já sob o governo
Lula. A Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal também estão marcadas
por diversos casos de racismo e violência, assim como as polícias civis. Não se
trata de uma polícia e nem de um estado em particular. A polícia em todo o país
são os cães de guarda da burguesia, os defensores armados da propriedade
privada, a tropa contra os explorados e oprimidos. O judiciário racista sempre
garante a impunidade. O parlamento brasileiro está tomado pela odiosa “Bancada
da Bala” e agora discute uma “PEC da Segurança Pública” que, ao contrário de
avanços, pode significar mais retrocessos se não surgir uma luta independente
que enfrente o debate em curso. Tudo sempre alimentado pela imprensa.
É comum considerarem que vivemos em uma democracia,
porque acabou a ditadura, sem definir o caráter de classe e racista da
democracia burguesa que vivemos. Mas a transição da ditadura para a democracia
burguesa no Brasil foi pactuada com militares, garantindo a impunidade das
Forças Armadas e dos grupos de extermínio policiais, mantendo toda a estrutura
assassina. Isso foi decisivo para que mesmo na chamada “democracia”, o povo
negro e pobre continuasse sofrendo com uma política de extermínio. Durante um
período, não víamos a defesa dessa política abertamente pelos poderosos e na
imprensa, a matança corria forte mas com menos projeção. Isso mudou
especialmente desde o golpe institucional de 2016, quando vimos uma volta de
uma defesa explícita do “espírito da ditadura” de liberdade para matar, da
ideologia reacionária de que “bandido bom é bandido morto”, do “CPF cancelado”,
com pouca resistência do outro lado. A imprensa alimentou isso sendo a porta
voz permanente da suposta “luta policial contra o crime organizado”, e com isso
fortaleceu o bolsonarismo e a valentia das Forças Armadas e policiais em sua
sede de sangue, de poder político e econômico. Assim, as polícias já não só
produzem milhares de mortos com sua violência, mas vêm militarizando a política
e construíram poderosas máquinas de matar e fazer dinheiro como são as
milícias, assim como tem múltiplas relações com o crime organizado e as grandes
facções, que ganharam poder alimentados pelo Estado burguês e suas polícias.
Esse padrão da sociedade, só muda quando há processos
de luta ou indignação social que impactam na correlação de forças. E algo está
mudando agora que mostra que é possível darmos passos nesse sentido. Já vimos
alguns casos de letalidade policial ganharem a imprensa, mas salvo em meio ao
levantamento do Black Lives Matter nos Estados Unidos, não víamos como agora um
questionamento maior da polícia como instituição. A direita armamentista e
racista está na defensiva, a ponto de Tarcísio de Freitas ser obrigado a falar
que errou sobre as câmeras policiais corporais. Se a violência policial está
naturalizada neste regime político degradado, autoritário e racista, o que
mudou para que agora tenhamos tamanha projeção nacional das denúncias?
Depois de um rechaço de massas à escala 6x1, mais uma
vez ganha a agenda política um tema que a esquerda brasileira havia abandonado
ou cedido às concepções da direita sobre como encarar. São novos ares na
situação nacional, que expressam elementos muito importantes de uma
subjetividade massiva indignada com a superexploração e opressão. Sintomas de
revolta com absurdos que antes estavam naturalizados, de elevação das
aspirações. O que a imprensa está fazendo é ser obrigada a vocalizar esse
repúdio que está se expressando em nova escala.
São expressões de uma situação nacional diferente do
que (especialmente) a esquerda institucional coloca, como se o povo estivesse à
direita, que o problema do país é o “pobre de direita” e o perigo que deve
determinar tudo é o fascismo e a perspectiva de um golpe militar. Com isso,
tentam justificar suas capitulações ao que eles chamam de “direita democrática”
com as quais seria necessário fazer uma “Frente Ampla contra o fascismo”. Para
isso, abandonam as pautas da esquerda que a direita não aceita, ao mesmo tempo
que não propõem nenhuma medida de luta séria contra as conspirações golpistas e
a extrema direita, como debatemos neste editorial, e somente
alimentam a ilusão de que este regime político racista e o judiciário vão
combater a extrema direita pela via institucional - os mesmos que sustentam a
violência policial. O resultado é a construção de uma “Frente Ampla” com a
direita contra os trabalhadores, como se expressa agora com Eduardo Paes
atacando os servidores públicos com o apoio do PT, com o STF aprovando a
regulamentação do trabalho intermitente, para citar os exemplos mais recentes.
Essa política de conciliação é a que abre espaço para a extrema direita.
Ainda assim há elementos nesta conjuntura que podem ser
pontos de apoio para avançar efetivamente na luta contra a violência policial,
na luta pelo fim da escala 6x1 e a redução da jornada de trabalho, ou seja,
para as demandas operárias e populares. Mas para isso, precisamos debater
programa e estratégia na esquerda brasileira.
Estamos em um país onde os movimentos de Mães e
familiares de vítimas da violência do Estado, que têm seus pólos principais no
Rio e em São Paulo, levam à frente uma dura luta, negligenciada pela própria
esquerda. É o momento de dar mais voz e força para essa luta incansável por
justiça para as vítimas da violência do Estado. Como MRT, estamos ombro a ombro
em todas as ações impulsionadas por familiares, e trazendo isso para os locais
de trabalho e estudo, para que seja uma luta levada à frente pelos sindicatos,
entidades estudantis, e pela esquerda. Um exemplo foi no ato que organizamos junto às Mães de
Manguinhos na UERJ,
que reuniu mais de 300 pessoas, e na Casa Marx de São Paulo, com mães de São Paulo e do Rio em 28/07 com
200 pessoas, e agora vamos organizar uma nova atividade na Casa Marx de São
Paulo com Eduardo Taddeo e familiares de vítimas da violência do Estado. Essa
luta precisa se generalizar, pois cada policial que é punido debilita o Estado
burguês e estas familiares precisam ser fortemente apoiadas.
Outro terreno onde a esquerda precisa superar sua
adaptação à direita é na luta pela legalização das drogas. Este é mais um
programa que a esquerda abandonou e retirou de sua pauta. A legalização da
maconha e um debate qualificado sobre a legalização das demais drogas, é um
programa fundamental para desmontar a estrutura do narcotráfico, que também
oprime a nossa juventude e o povo pobre, e destina nossa juventude para a morte
e o encarceramento em massa. É preciso desmontar a farsa da “guerra às drogas”,
que só serve para ampliar a força dos braços armados do Estado, que sempre se
voltam contra o povo pobre e a classe trabalhadora. A esquerda institucional retrocedeu
até em relação ao mais limitado do reformismo, que é abordar a questão da
violência social como algo que não vai ser encarado com a militarização, e sim
com educação, saúde, fim da escala 6x1 e o trabalho precário, e não adotando a
linha do PSOL de “mais armamento para a Guarda Municipal” e “não defendo mais a
legalização da maconha” como declarou Boulos em sua campanha, seguindo a rota
de Marcelo Freixo. Também é necessário enfrentar a política da UP contra a legalização
das drogas.
É necessário romper com a política de alimentar a
ilusão da reforma da instituição policial, de “disputar a polícia”. O PSOL
frequentemente iguala os oprimidos e opressores, falando dos “direitos humanos”
dos policiais. Boulos colocou um ex-comandante da assassina ROTA em sua equipe,
envolvido na chacina de Osasco e Barueri, e Marcelo Freixo sempre apoiou a
política de candidatos policiais como Ibis Pereira, alimentando a militarização
da política e essa ilusão reacionária de reforma da polícia. O próprio PSTU
apoia candidatos policiais. Contra isso, o MRT sempre fez um duro combate, se
negando a participar das chapas eleitorais com o PSOL ou com o PSTU, legendas
pelas quais já apresentamos candidatos por filiação democrática, mas sempre nos
negamos onde estes partidos apresentaram candidaturas policiais. Por
isso, retiramos a candidatura de Carolina
Cacau no Rio pelo PSOL em 2020, combatemos a candidatura policial no
Espírito Santo pela legenda do PSTU em 2022, assim como a exaltação que a
esquerda sempre fez do Cabo Daciolo.
Como também discutimos neste artigo, essa política de
“disputar a polícia” é a consequência lógica da concepção de correntes que
apesar de se reivindicarem revolucionárias, como o PSTU, a UP, PCB e PCBR,
tratam policiais como uma categoria a mais da classe trabalhadora, e que também
têm que ser defendidos “seus direitos”. Mas, além de privilégios, o que as
polícias sempre reivindicam são melhores condições para o seu “trabalho”, que é
matar. Como MRT, batalhamos sempre por outra perspectiva, contra os motins policiais e já polemizamos contra os argumentos
falaciosos de que essa seria a via de buscar “armamento para a revolução”. É preciso
fortalecer a independência dos trabalhadores e do povo pobre frente ao Estado e
a burguesia, lutando pelo fim de todas as polícias, ligado a uma luta pela
superação deste sistema capitalista racista, e dizemos que a desmilitarização não
será uma solução para a violência policial. Sempre ligado a essa perspectiva
estratégica, é necessário um programa que urgentemente imponha limites
imediatos à violência estatal institucionalizada, sem alimentar a ilusão de
resolver este problema sem atacar a propriedade privada ou que a polícia pode
se humanizar: precisamos fortalecer a luta por justiça para as vítimas da
violência do Estado, exigimos que todos os “autos de resistência” sejam
apurados por júri popular composto pelas comunidades, organismos de direitos humanos
e sindicatos, pelo fim dos tribunais militares e que os crimes policiais sejam
julgados por júri popular. Pelo fim de todas as tropas especiais como o BOPE, a
ROTA, a Tática e a Força Nacional, que são criadas para massacrar o povo pobre
e as lutas. Também levantamos o fim do Artigo 142 e da Lei de Anistia, contra
os responsáveis militares e civis pela ditadura.
Para avançar em um programa como esse, é necessário
incorporar a luta contra a violência policial nos sindicatos, exigindo das
direções do movimento de massas que convoquem um plano de luta com o programa
do fim da violência policial, fim da escala 6x1, contra o pacote fiscal
neoliberal do governo Lula e pelas demandas operárias e populares, como
desenvolvemos em outro editorial.
Não é este tipo de demanda que vai estar colocada nos
atos convocados, no qual as direções majoritárias, com apoio da esquerda, estão
uma vez mais convocando um ato “em defesa da democracia”. Com isso, evitam
qualquer tipo de demanda concreta como o combate à violência policial, além de
não pautarem também o novo ajuste fiscal anunciado recentemente pelo governo,
sendo mais um desvio destas lutas, buscando com estes atos fortalecer o regime
político e a resposta institucional à extrema direita através da Frente Ampla.
Fonte: Esquerda
Diário
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