Latifundiário
‘Rei do Tambaqui’ grilou terras do Incra em Rondônia que deveriam assentar 700
camponeses
O latifundiário Lerson Werno
Sapiras, conhecido como Corbélia (mesmo nome do latifúndio tomado por ele a
partir de terras da União), montou, com cumplicidade do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), um esquema sinistro de grilagem para se apropriar ilegalmente de terras públicas em
Ariquemes, Rondônia.
A denúncia foi apurada pelo
jornal A Nova Democracia através de uma farta documentação vinda de
camponeses de Rondônia. Os métodos usados pelo latifundiário Sapira são
semelhantes aos investigados em duas operações da Polícia Federal, a Declínio
(2024) e Julius Caesar (2022).
A Operação Declínio
comprovou que funcionários do Incra de Rondônia ajudaram na emissão de
documentos para facilitar o cadastro irregular das áreas griladas e a emissão
de Certificados de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). O CCIR é um documento
indispensável para legalizar em cartório a transferência, o arrendamento, a
hipoteca, o desmembramento, o remembramento e a partilha de qualquer imóvel
rural. É essencial também para a concessão de crédito agrícola pois é exigido por
bancos e agentes financeiros.
·
Latifundiários e laranjas em Projetos de
Assentamento
De acordo com a
apuração de AND, o chefe da família Sapiras, Lerson Werno Sapiras, usa do
nome de laranjas (frequentemente familiares) para obter títulos do Incra e, em
seguida, se apropriar das terras. Documentos acessados
pelo AND mostram que dois dos laranjas são a filha do latifundiário,
Vera Lúcia Sapiras, e o neto, Felipe Sapiras, que ostentam fotos em viagens ao
exterior nas redes sociais.
O esquema do latifundiário consiste em utilizar o
Projeto Geo Rondônia para “esquentar” os documentos da área em nome de
terceiros, neste caso familiares e funcionários. O Projeto Geo Rondônia busca
assentar 14.775 famílias de 26 municípios de Rondônia em uma área de 40 mil
quilômetros que será dividida em 120 Projetos de Assentamento.
No passo a passo criminoso,
o laranja obtém a posse da terra na condição de assentado e posteriormente
recebe o título da terra. Depois, o latifundiário forja a compra da terra do
“assentado” para ficar “legalizado”.
O assentamento grilado pela
máfia Sapiras foi o Jatuarana. Criado em 1988, ele tem o objetivo de assentar
mais de 700 famílias e abrange os municípios de Ariquemes, Vale do Anari e
Theobroma. Atualmente, os Sapiras tem mais de 3 mil hectares do assentamento.
A grilagem também ocorreu
fora das fronteiras do Jatuarana, de forma que 10.943.8 hectares estão nas mãos
da família latifundiária. As terras registradas por meio de laranjas somam um
valor de R$ 109,4 milhões.
·
Ligações com o bolsonarismo
É sabido que uma máfia nunca
se sustenta sem ligações políticas. Em 2019, o governo do ultrarreacionário
Jair Bolsonaro organizou o “Festival de Tambaqui da Amazônia” na Esplanada dos
Ministérios. Foi uma festança: seis toneladas (4 mil bandas) de tambaqui foram
assadas. E quem pagou grande parte foi a família Sapiras.
Segundo nota do próprio
governo à época, os peixes foram doados pela Associação de criadores de Peixes
do Estado de Rondônia (Acripar), Zaltana Pescados e Agrofish. Duas delas
(Acripar e Agrofish) pertencem à Edson Sapiras, filho de Corbélia.
Durante o evento, uma
peixada especial foi feita na sede da Agência Brasileira de Inteligência
(Abin), à convite do diretor-geral à época, Alexandre Ramagem, chefe do
aparelho ilegal conhecido como “Abin paralela”. Convidados especiais foram Jair
Bolsonaro, Nabhan Garcia (então Ministério da Agricultura à época) e Marcelo
Álvaro (então ministro do Turismo).
O secretário de Aquicultura
e Pesca do Ministério da Agricultura, Jorge Seif, se animou com o evento e
divulgou nas redes sociais. “Agradeço à Acripar na pessoa do produtor e amigo
Francisco Hidalgo pelo fornecimento direto de Rondônia desse pescado nativo,
amazônico, sustentável e saboroso!”, comentou na legenda.
Francisco Hidalgo Farina é
atualmente presidente da Comissão Nacional de Aquicultura Confederação Nacional
de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade sindical que defende o
agronegócio, latifúndio de novo tipo, e provavelmente é a figura pública usada
para desviar a atenção dos Sapiras dos holofotes públicos.
Em outro momento, Seif, que
também foi um dos promotores do Festival Tambaqui da Amazônia, declarou que:
“Para estimular o setor, a secretaria trabalha para facilitar o acesso do
produtor ao crédito, desburocratizar normas e reduzir barreiras ambientais.
“Acabar com essa esquizofrenia de leis que não têm sentido”, afirmou o
secretário.” Quando Jorge declara que quer reduzir barreiras ambientais, e
acabar com “esquizofrenia de leis”, na verdade quer o terreno limpo para mais
roubos de terra dos camponeses em detrimento de cada vez mais concentração nas
mãos do latifúndio, nesse caso, da família Sapiras.
·
Mais crimes
Além da grilagem de terras
Vera Lúcia Sapiras, filha do latifundiário “Corbélia”, é uma das proprietárias
da Construtora Vanvera, condenada por crimes de parcelamento ilegal de solo
também em Ariquemes. Um dos crimes da construtora consistiu em vender milhares
de lotes sem conter o registro imobiliário, ou seja, sem ter o direito de propriedade
do lote. A venda dos lotes sem registro chegou a ser anunciada para o público,
mas sem a informação de que não havia registro imobiliário.
Os magnatas também iniciaram
a construção de empreendimento privado violando o Plano Diretor da cidade de Ariquemes,
impedindo a expansão de uma importante via de acesso da cidade, a Avenida JK.
Não bastando essas questões,
os empresários não realizaram o indispensável Estudo de Impacto de Vizinhança e
Relatório de Impacto de Vizinhança (EIA-RIVI)e realizaram propaganda enganosa
sobre a existência de área de lazer e clube de hipismo, uma vez que nada disso
estava submetido ao projeto enviado à Prefeitura Municipal.
·
Proteção para os grileiros, repressão para os
camponeses
Revoltados com o esquema
criminoso do qual o Estado é partícipe, camponeses tomaram, no dia 23 de
setembro de 2023, as terras griladas pela máfia Sapiras no Assentamento
Jatuaruna. Poucos dias depois, a mesma Polícia Militar (PM) que faz vista
grossa à grilagem invadiu a ocupação junto dos paramilitares bolsonaristas do
movimento “Invasão Zero” para realizar um despejo criminoso. Depois da expulsão
das famílias, a liderança camponesa da área, José Carlos dos Santos, conhecido
popularmente como Cascaval, foi assassinado. Os tiros saíram de uma pistola de
calibre .40, de uso exclusivo da Polícia Militar de Rondônia.
Em depoimento à reportagem,
as famílias afirmam que “não confiamos que a mesma justiça que acobertou
Corbélia vai fazer alguma coisa por nós, e não vamos mais esperar”.
Frente ao cenário de
repressão e asassinato, complementam que: “qualquer coisa que vier a acontecer
será de total responsabilidade do governo de Luiz Inácio (PT) e de Marcos Rocha
(governador de Rondônia/União), que nada fazem para punir os paramilitares dos
grileiros e os crimes de pistolagem, ao mesmo tempo que perseguem os camponeses
com todos os aparatos do Estado.”
É um recado que deixa claro
que as famílias continuarão a lutar pelos seus direitos e não aceitarão que
ninguém se coloque no caminho da luta pelo sagrado direito à terra. Em outras
regiões do Brasil, famílias camponesas enfrentam da forma que podem os bandos
pistoleiros, o grupo paramilitar “Invasão Zero” e os aparatos oficiais pelo
mesmo direito, como na comunidade Barro Branco, em Pernambuco, e na cidade de Messias,
em Alagoas.
¨ Camponeses
e estudantes realizam vitoriosa plenária na UFAL em apoio à luta dos posseiros
de Messias
Na segunda-feira, 10 de
dezembro, foi realizado uma grande plenária na Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal de Alagoas. O ato convocado pelo Comitê de Apoio à Luta
dos posseiros de Messias mobilizou dezenas de camponeses das áreas camponesas
Lajeiro e Esperança, ambas em Messias/AL, assim como o Diretório Central dos
Estudantes, estudantes independentes e demais apoiadores.
A plenária iniciou com o
canto da canção Conquistar a Terra e prosseguiu com homenagem à resistência
camponesa do acampamento Zumbi dos Palmares e saudações à combatividade e
altivez dos camponeses que foram detidos. Um representante da Liga dos Camponeses
Pobres (LCP) fez o relato detalhado da resistência, enfatizando que o
acampamento em 48 horas enfrentou quatro incursões policiais, sendo a ultima
uma operação de guerra que expressou, segundo o representante da Liga, “o
desespero dos usineiros frente a ousadia e coragem dos camponeses”.
Os camponeses que foram
detidos arbitrariamente pela Polícia Militar de Alagoas (PM/AL) também
expuseram seus relatos.
“Eles disseram que nós
estávamos cometendo um crime ao resistir, mas eu respondi ‘destruir nossas casas
que é um crime!’. Lutar não é crime!” afirmou uma das camponesas detidas
durante a incursão da Polícia. A intervenção dos camponeses foi fortemente
aplaudida pelo público.
Outra camponesa afirmou
durante sua intervenção: “Eles vieram para matar, uma operação de guerra, mas
saíram perdendo. Nós que ganhamos! Tudo aquilo só para tirar um barraco de
lona. Agora é organizar a luta para conquistar nossa terra novamente!”.
A completa desmoralização
das forças policiais diante dos camponeses, bem como a altivez dos posseiros
também se expressou em diversas intervenções combativas:
“Essas pestes vieram e
gritaram ‘mão na cabeça!’, eu respondi ‘mão na cabeça é o c…’ e subi para a
mata. Eu não ia me render, para me pegar ia ter que me derrubar e arrastar pela
camisa. E não conseguiram.”
Ao final, o
representante da LCP selou o balanço do Acampamento Zumbi dos Palmares:
“O acampamento Zumbi dos
Palmares viveu apenas seu ensaio, resistindo por 48horas contra o vento e a
maré. O Acampamento demonstrou que é possível resistir ao inimigo, animou o
povo a lutar e apontou o caminho da Revolução Agrária. A promessa do nosso
movimento é reconquistar a terra mais fortes e mais preparados. O campesinato
de Messias/AL, junto aos apoiadores estudantes e trabalhadores da cidade,
reafirmam sua decisão pelo caminho da luta pela Revolução Agrária com a
aprovação de um combativo plano de lutas para reorganizar as famílias e
reerguer o Acampamento Zumbi dos Palmares.”
Fonte: A Nova
Democracia
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