quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Ausência de política de Estado de Milei prejudica comércio da Argentina com o Brasil

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que decisão do presidente argentino de reduzir o papel do Estado na economia, somada a questões ideológicas, esfriaram o comércio entre os países, e frisam que os EUA e a China, embora sejam importantes parceiros comerciais da Argentina, não garantem uma alternativa ao Brasil.

O governo do presidente argentino, Javier Milei, completa um ano nesta terça-feira (10), marcado pelo esfriamento das relações políticas e comerciais com o Brasil e o afastamento do Mercosul.

Segundo dados divulgados na semana passada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil, entre janeiro e outubro deste ano foi registrada queda de 24,8% nas exportações brasileiras para a Argentina — maior parceiro comercial do Brasil na América do Sul e terceiro no cenário global, atrás apenas de China, em primeiro lugar, e EUA, em segundo.

Segunda a pasta, entre janeiro e outubro, as exportações do Brasil para a Argentina totalizaram US$ 11,2 bilhões (cerca de R$ 67,2 bilhões), uma queda em relação aos US$ 14,9 bilhões (cerca de R$ 89,4 bilhões) registrados no mesmo período do ano passado. Em contraponto, o Brasil aumentou em 9,7% a importação de produtos argentinos, totalizando US$ 11,14 bilhões (cerca de R$ 66,8 bilhões).

A balança comercial do Brasil com o país vizinho continuou superavitária, mas com o saldo caindo de US$ 4,75 bilhões (R$ 28,93 bilhões) para US$ 69 milhões (R$ 417,15).

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se a queda no comércio entre os países pode ser uma tendência ao longo de toda a gestão de Milei na Casa Rosada.

Bruno Lima Rocha, cientista político, jornalista e professor de relações internacionais, avalia que as condições de importação da Argentina diminuíram em decorrência da crise econômica e da desvalorização do peso em relação ao dólar, o que afetou a complementaridade da indústria argentina com a brasileira.

Ele afirma que a dimensão ideológica afetou a relação entre Brasil e Argentina, mas que o principal fator que levou ao cenário atual é a falta de uma política industrial e de integração no governo Milei.

"Não se faz política de importação com caixa próprio, pouquíssimas empresas no mundo fazem isso. Recorrem a linhas de apoio do Ministério de Comércio Exterior ou uma casa [pasta] semelhante que, no caso da Argentina, é a Secretaria de Comércio. Então isso aí também incide. Sem uma política de Estado para garantir a complementariedade e as importações, é muito difícil fazer qualquer coisa. Pode ver o colosso que é o agro brasileiro, que não existiria se não fosse o Plano Safra, por exemplo", afirma.

Rocha ressalta que a ausência de uma política de Estado afeta a implementação de um sistema de trocas necessário para a importação e a exportação.

"Porque cada produto que é vendido para um país precisa de uma série de adequações à legislação daquele país e vice-versa, e isso não se faz de uma hora para a outra; se perde de uma hora para a outra. Esse é que é o problema. Para fazer demorar muito e, para perder, é rapidinho. Então, sim, o não governo ou desgoverno é a dimensão material concreta da ideologia nefasta de Javier Milei, de não querer a integração latino-americana e subordinar diretamente aos EUA como a grande hegemonia do Norte [Global]."

Cairo Junqueira, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR), considera que a tendência atual de esfriamento nas relações comerciais entre os países deve se manter porque tem muito a ver com as mudanças internas da Argentina que Milei vem fazendo.

Segundo ele, "questões comerciais são muito pragmáticas e, por vezes, ficam à margem de aspectos ideológicos".

"O distanciamento entre Milei e Lula é importante e deve ser considerado, mas a situação econômica explica mais esse dado recente. Veja, por exemplo, que Milei disse que sairia do Mercosul, mas semana passada esteve presente na reunião com von der Leyen da UE [União Europeia] para tratar do acordo [do Mercosul] com a UE em si. Ou seja, alguns interesses se sobressaem aos embates ideológicos em determinados momentos como esse."

Questionado se a aproximação com os EUA ou com a China pode oferecer a Milei uma alternativa ao Brasil, Junqueira afirma que, embora ambos os países sejam parceiros importantes para a Argentina, não há alternativa ao Brasil.

"Digo isso porque os dois [Brasil e Argentina] estão no Mercosul, fazem fronteira, têm relações históricas já consolidadas. Obviamente, hoje, o mercado é globalmente mais integrado em virtude das cadeias globais de valor. Entretanto, por critérios nitidamente geográficos, de infraestrutura e, mesmo, diplomáticos, os dois países mantêm uma relação de interdependência. Vale lembrar o contrário: também interessa ao Brasil o comércio com a Argentina, são grandes parceiros", explica.

Para Beatriz Bandeira de Mello, cientista política e doutoranda em relações internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por ora, a tendência de afastamento entre os países existe, "mas ela não é irreversível, dado o peso comercial do Brasil para a economia argentina".

"A opção em manter esse afastamento, no longo prazo, pode causar o congelamento das relações entre os dois países, o isolamento argentino na região e ruídos nos projetos de integração regional. Com isso, Milei ainda pode causar problemas internos, sobretudo com a indústria local, que é a maior beneficiária das exportações ao mercado brasileiro. Contudo, é possível dizer que o governo argentino tem adotado certa dose de pragmatismo nas relações com o Brasil, dada, por exemplo, a assinatura do Memorando de Entendimento para a exploração do gás natural na [reserva de] Vaca Muerta e a participação na Cúpula do G20", afirma.

Mello enfatiza que, em termos práticos, tanto a situação econômica da Argentina quanto o aspecto ideológico de Milei contribuíram para o distanciamento atual. Ela frisa que, no último ano, a alta inflação e a crise econômica que a Argentina enfrenta se tornaram entraves às tratativas comerciais, somadas às propostas do governo em diminuir o gasto público e o papel do Estado na economia.

"Em termos ideológicos, Milei tem priorizado acordos bilaterais, o fortalecimento do setor agrário e a busca pela diversificação de parcerias, com foco na Europa, em Israel e nos EUA. A opção por se afastar de governos considerados 'comunistas', incluindo o Brasil, pesou nessa diminuição, tornando a agenda entre os dois países restrita a negociações correntes, sem grandes anúncios ou acordos."

Ela acrescenta que, por outro lado, as exportações do país vizinho para os EUA cresceram 12% e Milei vem tentando se aproximar da Índia e do Japão, que são mercados importantes para o escoamento de produtos como o azeite e a farinha de soja e, também, da União Europeia, com a qual a Argentina registrou um comércio superavitário.

"A chancelaria [argentina] também atuou na abertura de novos mercados na África do Sul e na Namíbia, por exemplo, mostrando mais uma vez essa inclinação ao comércio bilateral."

Sobre a possibilidade de encontrar parceiros alternativos ao Brasil, a especialista afirma que a estrutura da economia argentina é baseada em uma alta concentração de produtos primários, o que torna o país pouco competitivo em mercados globais de alto valor agregado.

Ela destaca que o governo argentino tem incrementado a exportação de lítio aos EUA, fundamental para as grandes empresas de tecnologia, o que fortalece a relação entre ambos, e membros do governo já falam sobre iniciar tratativas para um acordo de livre comércio com o país do Norte.

Segundo Mello, essa possibilidade já era almejada desde o governo de Mauricio Macri (2015–2019), mas o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, com uma política comercial mais protecionista e contrária ao estilo de livre comércio desejado por Milei, ameaça gerar entraves nas tratativas comerciais.

"Nesse cenário, tanto o Brasil quanto o Mercosul ainda funcionam como os principais caminhos para a escoação da produção argentina, junto a outros parceiros como a China. Milei e sua equipe econômica têm percebido isso e atuam no sentido de manter as relações com o bloco e com o gigante asiático em um patamar estável. Prova disso foi a participação do presidente argentino na última Cúpula do Mercosul e o apoio, com ressalvas, ao acordo firmado com a União Europeia", conclui a especialista.

¨      Quão pragmática será a Argentina de Milei na presidência do Mercosul?

Pelos próximos seis meses, a Argentina estará à frente da presidência rotativa do Mercosul. A transferência da Presidência Pro Tempore (PPT) ocorreu na última sexta-feira (6), na capital uruguaia, Montevidéu, quando o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, passou o martelo para o presidente argentino, Javier Milei.

O que esperar dessa gestão de Milei, um crítico do bloco, com posições divergentes das dos demais membros — Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Venezuela (suspensa)?

Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil no programa de podcast Mundioka avaliaram que apesar dos discursos inflamados de Milei contra uma série de prerrogativas do Mercosul e do posicionamento "ultraliberal" do mandatário argentino, na prática, o atual líder do bloco agirá com pragmatismo.

Desavenças à parte, o próximo semestre não deve trazer grandes surpresas para o bloco sul-americano, segundo o mestre em relações internacionais e pesquisador do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (Nubrics) da Universidade Federal Fluminense (UFF) Lier Pires Ferreira e o pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NEL) da Universidade de Brasília (UnB) Robson Cardoch Valdez.

<><> Mercosul e UE

A mudança de comando ocorreu em meio à assinatura do polêmico acordo entre o bloco e a União Europeia (UE), que tardou 25 anos para ocorrer. Segundo os especialistas entrevistados, o processo, que é demorado, envolverá ainda uma série de tensões e desafios para ser concretizado.

"O Mercosul é uma união aduaneira imperfeita: não é uma zona ou área de livre comércio nem é um mercado comum, como ele se propôs a ser, e muito menos uma união monetária, como acontece na Europa", comentou Ferreira.

Diferente da UE, com livre circulação de trabalhadores, moeda única gerida por um banco central comum e supranacional, logo, acima da ordem soberana dos Estados nacionais, no Mercosul, cada um dos parlamentos dos membros do bloco terá que avalizar o acordo.

Ainda assim, a expectativa é que não haja empecilhos por parte dos países do Mercosul.

"Porque o Milei está precisando dos recursos que poderão advir desse acordo. Eu ousaria dizer que ele até tenderá a acelerar esse acordo [...] além disso, ele é muito afeito ao que nós chamamos aqui de Norte Global, principalmente às principais potências da Europa Ocidental e aos Estados Unidos", opinou Ferreira.

Para Valdez, o sucesso da assinatura do demorado acordo deveu-se a um contexto de fragmentação do comércio internacional, em que a União Europeia busca resgatar parcerias e se fortalecer frente aos EUA, inclusive, por conta da vitória de Donald Trump na eleição presidencial norte-americana:

"Não se sabe como vai ser essa relação comercial entre os europeus e os Estados Unidos, mas, do ponto de vista dos europeus, isso [acordo com Mercosul] gera uma vantagem para uma futura negociação, porque os europeus vão negociar com o Trump, com os Estados Unidos, numa posição um pouco menos fragilizada [...] sinaliza para a economia norte-americana que a União Europeia não estaria tão dependente de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, haja em vista que vem buscando outras alternativas para reduzir a dependência."

<><> Inimigos, inimigos, negócios à parte

Apesar das desavenças e embates ideológicos evidenciados entre Milei e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as tensões devem ocorrer mais do ponto de vista político, sem grandes efeitos nas negociações econômicas, ponderaram os especialistas.

Os entrevistados observaram que com Milei na presidência do bloco, a racionalidade econômica deve sobrepor os compromissos políticos e ideológicos, como a integração latino-americana.

"Milei não acredita nisso, não compartilha desses valores e vai tentar partir para uma perspectiva de pragmatismo econômico, encontrando no Brasil uma reação bastante significativa, porque não é essa a pegada histórica do Itamaraty enquanto órgão de Estado, e também, evidentemente, não é essa a pegada do presidente Lula e dos seus principais aliados político-ideológicos dentro e fora do campo progressista brasileiro", disse Ferreira.

Valdez acrescentou que nesse contexto, apesar das rivalidades, a realidade econômica se impõe na hora de avançar nas agendas comuns, como foi o caso do recente acordo do gás natural de Vaca Muerta, entre os dois países.

"Acredito também que essa questão do Mercosul acaba sendo também pragmaticamente equacionada, até porque temos também a eleição do presidente [Yamandú] Orsi no Uruguai, que, acredito, terá uma boa relação e uma boa articulação com o governo brasileiro no sentido de promover a implementação desse acordo", disse ele.

¨      Alckmin defende acordo entre Mercosul e União Europeia

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) participou de evento no qual a JBS, gigante do setor de alimentos, foi reconhecida como "Exportadora do Ano" entre as grandes empresas.

Alckmin subiu ao palco para entregar o prêmio ao empresário Joesley Batista, proprietário da companhia, e aproveitou para elogiar o acordo entre Mercosul e União Europeia.

Segundo ele, o pacto entre blocos fará com que as exportações passem de 14% para 30%.

Em seu discurso, ele também destacou a importância da reforma tributária para o crescimento econômico do Brasil.

Ele citou estudos que indicam um impacto significativo no produto interno bruto (PIB) do país, com um impulso de 12% previsto em até 15 anos após a implementação da medida. Segundo o vice-presidente, o mesmo período deve registrar um aumento de 14% nos investimentos e de 17% nas exportações.

Para Alckmin, a reforma é fundamental para a eficiência econômica do Brasil. "Ela [a reforma] traz eficiência econômica."

O presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Jorge Viana, afirmou à imprensa que, "no comércio internacional, as narrativas são contra a gente [Brasil]".

"A gente quer que as empresas brasileiras trabalhem incessantemente para a gente produzir uma narrativa de que o que o Brasil produz é bom, é sustentável."

Ele também falou sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia. "Esse acordo foi obra do engenheiro Luiz Inácio Lula da Silva. São mais de 20 anos de negociação, estamos formando agora o maior bloco econômico do mundo."

"Agora, pelo lado brasileiro, nós fechamos a negociação e agora é esperar que a União Europeia e o Parlamento Europeu aprovem."

Por fim, ele também declarou que "os Estados Unidos hoje não estão mais presentes em nenhum acordo comercial", citando a não participação estadunidense em novas negociações.

¨      'A ordem liberal acabou': Orbán aponta os países que sairão vencedores durante a mudança

A ordem mundial liberal acabou, os países que vão ganhar com a mudança são os que não seguem o caminho traçado por outros, e perderão aqueles que não conseguem defender seus próprios valores, disse o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán.

"Mudanças radicais estão esperando o mundo, a ordem mundial liberal acabou, e apenas os países que maximizarem seus pontos fortes serão capazes de sair vencedores durante as mudanças; aqueles que obedecem, se colocam em fila, incapazes de mostrar seus próprios valores, incapazes de achar a força inerente ao seu caráter nacional, logo perderão sua importância", disse Orbán na inauguração após renovação da Universidade de Veterinária húngara.

Segundo ele, a Hungria sendo "o país mais ocidental do Leste e o mais oriental do Ocidente" [da Europa], quer ter ligações "com todos os centros de poder econômico mundial".

"Nós não queremos seguir o caminho traçado por outros, mas queremos aproveitar as vantagens de nossa própria história, estrutura econômica e cultura", disse.

O primeiro-ministro húngaro havia declarado anteriormente que a era de 500 anos de domínio da civilização ocidental tinha acabado, que a estratégia de ocidentalização do mundo inteiro tinha desmoronado e que o centro da economia mundial tinha se deslocado para o oriente, e o próximo século seria o da Eurásia.

Orbán declarou recentemente que a economia mundial, em consequência das políticas suicidas do Ocidente, às quais as sanções também estão relacionadas, corre o risco de se dividir nos blocos ocidental e oriental, com a Hungria não querendo pertencer a nenhum deles, mas mantendo laços econômicos estreitos com ambos.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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