Conflito por território é principal gerador de violência na
Amazônia
O conflito por controle de territórios e
por uso da terra na Amazônia Legal é o principal gerador de violência
armada atualmente na região. A conclusão é do estudo Cartografia
das Violências na Amazônia, em sua terceira edição, lançado nesta
quarta-feira (11), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula (IMC).
O relatório aponta que, apesar da redução
na taxa de desmatamento, ainda figuram no ranking das
cidades mais desmatadas Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA), Porto Velho
(RO), Lábrea (AM), Novo Progresso (PA), Itaituba (PA), Colniza (MT), Apuí (AM),
Pacajá (PA) e Novo Repartimento (PA). Sete delas constam no ranking das
100 cidades mais violentas da Amazônia, e nove estão no último relatório da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) que documenta conflitos fundiários.
“Essa sobreposição demonstra o quanto o
controle do território e o uso da terra são hoje fenômenos que estruturam a
produção de violência e de criminalidade na região amazônica, tanto do ponto de
vista dos ilícitos ambientais, como o desmatamento e o garimpo ilegal de ouro,
quanto o tráfico de drogas, que tem potencializado a questão da violência letal
na região”, explicou o coordenador de projetos do fórum, David Marques, em
entrevista à Agência Brasil.
“Os conflitos fundiários relacionados
à regularização da posse da terra, que historicamente existem na
região, têm se notabilizado pela produção da violência, incluindo a
violência letal”, afirmou.
O levantamento de cadastro de
propriedades rurais revela que mais de 20 mil imóveis estão localizados em
terras indígenas (TIs) ou áreas de proteção ambiental. Há sobreposição de
propriedades em TIs em 8.610 imóveis rurais. Em áreas de conservação ambiental,
há 11,8 mil propriedades registradas.
Apesar do registro de queda nos últimos
anos, a região permanece com altas taxas de mortes violentas. Em 2023, houve
8.603 mortes violentas intencionais (homicídios dolosos, latrocínios, mortes
decorrentes de intervenção policial e mortes de policiais) na Amazônia Legal,
uma taxa de 32,3 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes, 41,5% maior do
que a taxa brasileira, de 22,8 mortes para cada 100 mil habitantes.
Considerando o triênio 2021-2023, 445 dos
772 municípios tiveram taxas de mortes violentas intencionais (MVI) mais
elevadas do que as da média do país. Tais cidades concentram 66,8% da população
da região e 83,7% de todos os assassinatos. Ainda que o levantamento aponte a
redução recente da violência na região, o fórum avalia que o quadro de
violência continua alarmante.
O relatório apresenta os dados da
violência letal na região nos últimos anos: entre 2021 e 2022, a queda foi de
1,1%; entre 2022 e 2023, redução de 5,1%; e no período 2021 a 2023 a redução
chegou a 6,2%, acima da média nacional, que teve redução de 4,6% no período.
Foram analisados dados dos nove estados da Amazônia Legal – Acre, Amapá,
Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão
-, composta por 772 municípios. A análise busca compreender as conexões entre
violência, crimes ambientais e o crime organizado na região.
<><> Monopólio de facções
A redução da violência letal teve
influência do estabelecimento de monopólios de atividades criminosas, segundo
avaliação do fórum, e de uma estabilização nas relações entre as facções na
maior parte da região. As facções criminosas estão presentes em 260 municípios,
com predominância de membros do Comando Vermelho. O número supera as 178
cidades com presença de facções na edição do estudo em 2023.
“Conseguimos identificar a presença de
facções em mais municípios do que tinha no levantamento anterior, e também
cresceu a proporção desses municípios que são controlados por apenas um grupo.
Ou seja, quando você tem territórios controlados por apenas um grupo, a
tendência é que se reduza a intensidade do conflito e, portanto, a violência
letal”, disse David.
Entre as 260 cidades com atividades de
facções, 175 são dominadas por um único grupo criminoso – em 129, essa
hegemonia pertence ao Comando Vermelho (CV); em 28, ao Primeiro Comando da
Capital (PCC). Em 85 dessas 260 cidades verificam-se disputas ou coexistência
entre dois grupos ou mais.
O relatório indica que a ação das facções
tem papel central não apenas em função da dinâmica do narcotráfico, mas em
relação ao avanço do desmatamento, de outros crimes ambientais e com disputas
fundiárias. O diretor-presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, ressalta que o
conflito pela terra na área é atualmente regulado pelo crime.
“Esse controle se dá por meio de cadeias
produtivas, entre elas a criação do gado em territórios da União usurpados por
grileiros, a exploração ilegal da madeira, a pesca predatória e,
principalmente, o garimpo em terras indígenas. Essa regulação do território,
que ocorre de forma violenta e operada pelo crime, estrutura e conecta todas as
principais atividades criminais da Amazônia Legal”, apontou Lima.
<><> Histórico de conflitos
Além da ação das facções criminosas, que
é mais recente, existe um histórico de conflitos fundiários na Amazônia Legal
que não se pode perder de vista, de acordo com o diretor-presidente do
Instituto Mãe Crioula e professor da Universidade Estadual do Pará, Aiala
Colares Couto.
“Para que se entendam as dinâmicas
criminais na região, há que se levar em consideração que a ação de grileiros,
que mais tarde vai redundar em avanço das monoculturas, expansão dafronteira
agropecuária e ampliação do garimpo, está inserida na mesma lógica da disputa
por rotas de escoamento do narcotráfico. Nesse sentido, é sempre sobre controle
territorial armado que estamos falando”, explicou.
<><> Região de fronteira
“A gente tem estruturado essas conexões e
sobreposições entre os fenômenos e temos documentado, desde 2020, a
intensificação da presença de uma criminalidade organizada de base prisional,
essa mais faccional relacionada com o tráfico de drogas, na região, por conta
da importância geográfica, e também da conexão da atuação desses grupos com
ilícitos ambientais”, destacou David Marques sobre os achados do estudo.
Ele ressalta que o problema do crime
organizado e das facções é nacional. No entanto, o agravamento da situação na
região amazônica, com uma intensidade que não se observava antes, tem relação
com essa questão geográfica: a proximidade de fronteira com países produtores
de cocaína, que é um mercado altamente lucrativo e importante dentro do
funcionamento das organizações criminosas no Brasil.
“Hoje três países são responsáveis pela
produção de 99%, quase a totalidade, da cocaína que é consumida no mundo:
Colômbia, Peru e Bolívia. Esses três países fazem fronteira com o Brasil na
região norte. Isso é um dos grandes diferenciais da região e é o que tem
atraído a atenção dessas organizações criminosas” explicou o coordenador do
FBSP.
Apesar do cenário de estabilização entre
facções em grande parte da região amazônica, David destaca que a situação “é
sempre muito dinâmica e esse equilíbrio é sempre muito tênue”. Segundo ele,
cabe ao poder público fazer o enfrentamento das organizações criminosas de uma
forma qualificada.
Os estados do Amapá e Mato Grosso, que
tiveram aumento da violência letal nas comparações apresentadas no relatório,
investiram, por exemplo, na estratégia da letalidade policial, colocando a
polícia militar para entrar em confronto direto com as facções. David avalia
que essa é uma resposta equivocada ao problema.
“Isso tem muito pouca efetividade. É com
base na investigação que a desarticulação dessas organizações pode ser
realizada”, avaliou o especialista, apontando a importância de medidas que
envolvem o fortalecimento da investigação criminal e a conexão dos setores da
segurança pública, como as polícias, os setores de justiça e outros órgãos.
Além disso, no Mato Grosso, mais
especificamente na região de fronteira, objeto de intensa disputa de facções,
há o agravamento da violência em decorrência do surgimento de uma dissidência
da chamada Tropa do Castelar. O levantamento revelou que, em alguns dos
municípios dominados por essa facção, integrada por criminosos muito jovens e,
em média, mais violentos, os indicadores de mortes violentas intencionais
aumentaram.
<><> Enfrentamento das
facções
O fórum defende que o enfrentamento a
essas organizações criminosas seja uma prioridade não apenas na Amazônia, mas
no Brasil como um todo. “Nesse sentido, levantamos alguns dados que são
promissores para a região amazônica. Quando falamos de um enfrentamento mais
qualificado, uma das grandes chaves é a investigação financeira, chamada em
outros contextos de follow the money.
Hoje, no Brasil, a unidade de inteligência financeira é o Coaf [Conselho de
Controle de Atividades Financeiras]”, indicou David.
O órgão analisa movimentações suspeitas e
se comunica com as autoridades competentes pela investigação de possíveis
ilícitos. O levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstra
ainda que houve um crescimento relevante na produção dos relatórios de
inteligência financeira (RIF) dentro do COAF.
“Entre 2016 e 2023, a produção de RIFs
cresceu 101,7% no Brasil, e cresceu 300% em UFs da Amazônia Legal. Isso é um
indicativo de que a produção de inteligência financeira na região tem crescido
e aumenta o potencial de sucesso das investigações criminais que estão
acontecendo nessa região.”
“A nossa hipótese é que esse crescimento
de produção de inteligência financeira está associado, como no restante do
Brasil, a um crescimento da percepção da importância tanto do tráfico de drogas
quanto das facções criminosas no contexto da lavagem de dinheiro. É por meio da
lavagem de dinheiro que essas organizações transformam o lucro proveniente dos
ilícitos em capital econômico que depois pode ser revertido com impactos em
mercados legais, nas próprias instituições e até em poder eleitoral,
eventualmente”, disse o coordenador de projetos da entidade.
O estudo evidenciou ainda outro tipo de
padrão de violência: aquele que se propaga após a realização de uma grande
obra, como uma estrada ou uma hidrelétrica, ou que decorra da execução de
projeto de extração de algum bem mineral, o que atrai trabalhadores forasteiros
ao local.
A entidade avalia que é necessário que
haja projetos para mitigar os impactos dessas obras na segurança pública, a
exemplo do que existe na área ambiental. Há estudos de impacto socioambiental,
mas não se avaliam os impactos na segurança pública, alertou o fórum.
<><> TI Yanomami
Em Roraima, onde está localizada a Terra
Indígena (TI) Yanomami, há queda de violência de uma forma geral. O relatório
ressalta que, no estado, há a experiência da Casa de Governo, estrutura criada
pelo governo federal para coordenar e monitorar presencialmente a execução do
Plano de Desintrusão e de Enfrentamento da Crise Humanitária na Terra Indígena
Yanomami.
O FBSP obteve, via Lei de Acesso à
Informação (LAI), números oficiais a respeito de equipamentos apreendidos na
operação. Foram apreendidas 25 embarcações e duas aeronaves, além de outras 61 embarcações
destruídas, bem como 42 pistas de pouso.
Segundo o estudo, membros da facção
Primeiro Comando da Capital (PCC) dominaram áreas de garimpo ilegal de ouro, o
que agravou de maneira acentuada a violência e as condições de vida da
população indígena local, que tem sido denunciadas, especialmente na gestão
anterior do governo federal.
¨ Em cinco semanas, mais de 300 ações de
segurança são realizadas na Terra Indígena Munduruku
A operação de desintrusão da Terra
Indígena Munduruku, no estado do Pará, promovida pelo Governo Federal, entrou
no segundo mês e apresenta avanços contra o garimpo ilegal. Durante a semana de
1 a 7 de dezembro, sete acampamentos de garimpeiros montados ilegalmente dentro
da terra indígena foram destruídos, assim como quatro máquinas pesadas, um
quadriciclo, 50 litros de gasolina, 2 mil litros de óleo diesel, três
geradores, quatro antenas starlink, quatro celulares, além de
outros equipamentos.
A força-tarefa federal atua com a
participação de cerca de 20 órgãos federais, entre eles a Fundação Nacional dos
Povos Indígenas (Funai), percorrendo de modo aéreo, terrestre e fluvial os
2.381.795 hectares de extensão do território, que abriga 9.257 indígenas. O
objetivo é garantir que os direitos da população indígena ao território sejam
respeitados, preservando costumes, línguas, crenças e tradições. Além disso, a
operação visa proteger as riquezas naturais da região, como fauna, flora, rios
e minérios, fundamentais para a vida e cultura dos povos indígenas.
As ações federais dentro da Terra
Munduruku seguem o calendário estabelecido pela coordenação da operação, a
cargo da Casa Civil, sem intercorrências. O ritmo das ações de segurança é
intenso. Entre os dias 9 de novembro e 7 de dezembro, 333 ações foram
realizadas, e a expectativa é seguir com os trabalhos para que a atividade
criminosa perca forças e seja inviabilizada.
Além de prejudicar os indígenas, o meio
ambiente, a população dos municípios vizinhos, como Jacareacanga e Itaituba,
com potencial risco de contaminação por mercúrio, o garimpo ilegal desencadeia
uma série de ilícitos, como exploração sexual, trabalho análogo à escravidão,
aumento de doenças, como a malária, entre outros. Além disso, todo o lucro
potencial da atividade que extrai ouro da terra indígena ilegalmente fica nas
mãos dos chefes do garimpo e dos financiadores da atividade.
A ação reflete o compromisso do Governo
Federal em proteger a Amazônia e os direitos dos povos originários. O
território foi priorizado para desintrusão por determinação do Supremo Tribunal
Federal (STF), no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) 709. A força-tarefa atuará para garantir que a lei seja cumprida,
removendo invasores e ocupações ilegais da Terra Munduruku, homologada em 25 de
fevereiro de 2004.
Fonte: Agencia
Brasil/Funai
Nenhum comentário:
Postar um comentário