Os grandes desafios para a lei que
instituiu a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no Brasil
O câncer é uma das maiores
emergências de saúde pública no Brasil e no mundo. No entanto, o enfrentamento
da doença, que mata cerca de 300 mil brasileiros por ano, está atrelado a
chegarmos a uma equação financeira equilibrada.
Apesar dos avanços propostos
pela Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com
Diagnóstico de Câncer, sancionada em dezembro de 2023 após três anos de debates
no Parlamento, com intensa participação do Instituto Lado a Lado pela Vida, que exerceu seu papel para que a
nova lei fosse abrangente e inclusiva, muitos desafios ainda permanecem
latentes e o financiamento é um dos mais difíceis de ser solucionado.
A nova política propõe
mudanças importantes no que se refere à jornada dos pacientes oncológicos no
Brasil. Na teoria ela deverá ser mais abrangente, pois estabelece parâmetros e
obrigações que deverão ser cumpridos desde a prevenção, o diagnóstico, as possibilidades
de tratamento, a reabilitação em muitos casos necessária para que o paciente
retome sua vida após ter tido a doença e os cuidados paliativos, que não são
somente aqueles oferecidos aos que estão em estágio terminal mas, sim, cuidados
que são necessários ao longo de todo o tratamento, para que seja possível
proporcionar a melhor qualidade de vida durante a jornada de enfrentamento do
câncer.
Para o tratamento das
doenças oncológicas, a lei prevê maior integração entre os níveis de
atendimento, melhor acesso a terapias inovadoras e uma maior atenção às
desigualdades regionais. No entanto, um dos grandes obstáculos ainda é garantir
a sustentabilidade financeira de todas essas promessas incluídas na
lei.
Neste artigo, discuto alguns
dos principais entraves que o Brasil enfrenta para financiar, de maneira
eficiente e equitativa, o combate ao câncer levando em consideração o cenário
atual do SUS (Sistema Único de Saúde) e o aumento esperado nos casos da doença
nas próximas décadas.
·
A
epidemia do câncer no Brasil
Segundo o Instituto Nacional
de Câncer (INCA), aproximadamente 704 mil novos casos de câncer foram/serão
diagnosticados no triênio 2023/2025. E o Brasil enfrenta custos crescentes no
tratamento do câncer, com gastos que aumentaram em até 400% nos últimos quatro
anos.
Esse crescimento se deve, em
grande parte, ao envelhecimento da população e a fatores relacionados ao estilo
de vida, como o tabagismo, a obesidade, o sedentarismo, o excesso de consumo de
álcool e as questões ambientais. Isso coloca uma pressão cada vez maior sobre o
SUS, que já enfrenta dificuldades financeiras em diversas áreas.
·
O
financiamento fragmentado
O SUS, pilar do sistema de
saúde brasileiro, que atende mais de 75% da população do país de mais de 212
milhões de pessoas, sofre com o subfinanciamento crônico. Apesar de a nova
política prever aumento no investimento em oncologia, o financiamento
fragmentado entre União, estados e municípios gera desigualdades no acesso aos
serviços, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a infraestrutura e
a oferta de tratamentos especializados são mais limitadas. Sendo que em muitas
localidades, inexistentes.
A Política visa corrigir
disparidades, mas a equação de gerenciar o financiamento regional ainda é um
problema estrutural sério a ser solucionado. Sem uma redistribuição mais justa
dos recursos, e com a ausência de incentivos claros para a iniciativa privada
atuar de maneira complementar ao SUS nessas regiões, o acesso ao tratamento
oncológico continuará desigual.
Em 2023, os gastos com
oncologia no Brasil foram de pouco mais de R$ 4,7 bilhões, o equivalente a 1,7%
do total de R$ 403,8 bilhões que foram gastos no país em saúde, que é a soma
dos recursos da União; dos estados; capitais e municípios com 200 mil habitantes
e acima. Essa porcentagem está consideravelmente abaixo dos 3% minimamente
necessários para para atender às necessidades básicas referentes ao
enfrentamento do câncer em todo o território nacional e reduzir as inequidades
visíveis e inaceitáveis dos dias de hoje.
O enfrentamento do câncer
envolve custos elevados, tanto no diagnóstico quanto nas terapias de longo
prazo. Novas tecnologias, medicamentos inovadores e tratamentos personalizados
são cada vez mais comuns e necessários, mas a um custo alto, o que levanta uma
pergunta central: como financiar o acesso equitativo a essas inovações no
Brasil?
·
Parcerias
público-privadas: Uma alternativa?
A crescente demanda por
tratamentos, associada ao alto custo das terapias, estimula também a discussão
sobre o papel das parcerias público-privadas (PPPs) no enfrentamento do câncer.
Essas parcerias já mostraram potencial em outras áreas da saúde, como na gestão
de hospitais. A Nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer
(PNPCC) poderia incluir mecanismos que incentivassem mais investimentos do
setor privado em oncologia, como por exemplo as pesquisas clínicas de modo a
aliviar o peso sobre o SUS e garantir que mais pacientes tivessem acesso às
terapias inovadoras.
Além disso, melhorar a
gestão da saúde suplementar poderiam ser uma forma de realmente complementar o
sistema público, sem onerar tanto o orçamento governamental. No entanto, isso
exige um equilíbrio delicado entre o interesse público e o privado, além de uma
regulação eficiente para evitar que o paciente mais vulnerável seja
prejudicado.
·
Inovação
e acesso: Um dilema
Uma importante questão que
impacta o financiamento do tratamento do câncer no Brasil é a incorporação de
novas tecnologias. Medicamentos de última geração, como as terapias-alvo e imunoterapias,
trazem esperança para muitos pacientes, mas a um custo, na maioria das vezes,
inviável para nossa realidade. A inclusão dessas tecnologias no rol de
medicamentos cobertos pelo SUS tem sido um processo complexo e demorado, o que
incentiva a judicialização, mais um fator de desequilíbrio do uso de recursos
do SUS.
Apesar dos avanços
legislativos recentes, o Brasil ainda enfrenta uma barreira orçamentária
considerável para oferecer esses tratamentos em larga escala. Uma questão
relevante é o critério para compras como o previsto no art.10 da Lei 14.758,
que prevê a compra centralizada, principalmente estabelecida em três eixos: a)
neoplasias com tratamento de alta complexidade; b) incorporações que
representem elevado impacto financeiro para o SUS; ou c) neoplasias com maior
incidência, de forma a garantir maior equidade e economicidade para o
País.
Porém, é preciso estabelecer
uma melhor organização de logística e dispensação dos medicamentos aos serviços
especializados, como os CACONS (centros mais completos, com maior capacidade de
oferecer tratamentos variados como cirurgia, quimioterapia e radioterapia) e
UNACONS (possuem uma infraestrutura menor, oferecendo serviços de diagnóstico e
tratamento, mas podem não realizar procedimentos de alta complexidade como a
radioterapia, exceto quando estão integrados a um CACON).
Outra questão primordial é o
acesso aos exames de diagnóstico precoce e de acompanhamento, que são
fundamentais para melhorar os desfechos no tratamento do câncer. O diagnóstico da
doença oncológica em fase inicial é uma das maneiras mais eficientes de reduzir
os custos de tratamento, mas ainda há falta de infraestrutura adequada em
muitas partes do país, especialmente nas zonas rurais e regiões mais carentes,
onde a confirmação da doença invariavelmente chega quando o tumor já está em
estádio avançado.
·
A
educação e a prevenção como estratégia
Embora o foco seja muitas
vezes colocado nos tratamentos, é crucial lembrar que a prevenção e o
diagnóstico precoce são pilares essenciais para enfrentar o câncer de maneira
sustentável, lembrando que a Política Nacional de Prevenção e Controle do
Câncer prevê reforçar esses esforços e ampliar o foco para outros tipos de
câncer, como o de colo de útero, prevenível com a vacina contra o vírus HPV e
de ações preventivas que envolvem a promoção de um estilo de vida mais
saudável, essenciais para reduzir os índices de incidência dos tumores de
pulmão e intestino. Investir em programas de prevenção são, nos médio e longo
prazos, uma das formas mais eficazes de reduzir o impacto econômico do câncer
no Brasil.
·
O
futuro do enfrentamento ao câncer
A Nova Política Nacional de
Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) é um passo importante na direção certa.
No entanto, sua implementação efetiva dependerá de uma combinação de fatores:
uma maior e melhor alocação de recursos, estratégias mais eficientes de gestão
financeira e um compromisso de longo prazo com a equidade e olhar apurado aos
determinantes sociais da saúde, que envolvem atender necessidades básicas como
emprego e renda; educação; alimentação; moradia; saneamento e acesso à água
potável e questões ambientais.
Ainda que os desafios sejam
gigantescos, a sociedade civil, por meio de organizações como o Instituto Lado a Lado pela Vida, pode desempenhar um papel
crucial no monitoramento das políticas públicas e por insistir na busca por
soluções inovadoras para garantir que os brasileiros tenham acesso a um
tratamento oncológico no momento certo, digno e de qualidade. O financiamento
do câncer no Brasil é uma equação complexa, mas que pode ser enfrentada com a
participação e colaboração de todos os atores do ecossistema da
saúde.
Como líder de uma
organização social, entendo que nosso papel vai além de apontar o dedo para o
que não vai bem e, sim, propor caminhos, sugerir possibilidades, arregaçar as
mangas e trabalhar junto. Posso afirmar que seguindo esse caminho,
chegaremos longe visando alcançar o financiamento sustentável da oncologia e o
mais importante, colocando o câncer como uma prioridade no país.
Se pegarmos o câncer de
próstata como um exemplo do seu impacto na vida dos homens e nos custos da
oncologia, veremos no recente estudo realizado pelo Instituto Lado a Lado pela
Vida, “Câncer de Próstata no Brasil: Análise de base de dados públicos
2022 a 2024”, dados que mostram que, dos 44.660 homens que receberam o
diagnostico da doença em 2023, 54% descobriram o tumor em estádios 3 e 4; e 62%
desses pacientes só procuram ajuda médica quando a dor já era
insuportável.
Esse estudo cruzou informações
disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Ministério da Saúde
(MS) e identificou que quando o paciente chega com o tumor em estado avançado,
o câncer que antes poderia ser removido cirurgicamente em estádios iniciais,
pode se tornar inoperável se o tratamento for iniciado tardiamente, quando as
chances de metástases são maiores, exigindo terapias mais agressivas e com
maiores efeitos colaterais para o paciente.
Somente em 2023, foram
gastos R$ 18,8 milhões em prostatectomias (procedimento cirúrgico); R$ 202,5
milhões em hormonioterapia, seguidos de R$ 131,6 milhões em radioterapia e R$
82,4 milhões em quimioterapia, sendo possível afirmar que o tratamento tardio é
sempre mais oneroso, elevando os gastos do Sistema de Saúde. E, ainda mais
alarmante, são as 16.897 mortes de homens vitimados pelo câncer de próstata em
2023, mais de 46 por dia.
Todos esses dados
reforçam que temos um desafio gigantesco pela frente, para reverter o cenário
do câncer no nosso país. Mas, também, são o combustível para seguirmos firmes e
atuantes. Um exemplo disso, foi o lançamento, por parte do Instituto Lado a
Lado pela Vida da Data Câncer Brasil, uma plataforma Nacional de Dados
Oncológicos, que será disponibilizada em uma primeira onda, apenas para gestores
de saúde pública de todo o Brasil. O lançamento realizado no mês de novembro
marca uma forma inédita de contribuição do Instituto Lado a Lado pela Vida para
a implementação da Política Nacional do Câncer, ao possibilitar uma reunião de
dados importantes em uma única base para que o gestor possa entender o cenário
do câncer no seu município e desenhar estratégias que beneficiem sua
população.
Esse é o nosso papel
enquanto organização da sociedade civil. Não é possível mais apenas falar, é necessário
agir, para que sejamos uma potente força motriz para alavancar a implementação
de leis que transformem a vida dos pacientes e de toda uma
nação.
Fonte: Futuro da
Saúde
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