quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Os grandes desafios para a lei que instituiu a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no Brasil

O câncer é uma das maiores emergências de saúde pública no Brasil e no mundo. No entanto, o enfrentamento da doença, que mata cerca de 300 mil brasileiros por ano, está atrelado a chegarmos a uma equação financeira equilibrada.  

Apesar dos avanços propostos pela Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer, sancionada em dezembro de 2023 após três anos de debates no Parlamento, com intensa participação do Instituto Lado a Lado pela Vida, que exerceu seu papel para que a nova lei fosse abrangente e inclusiva, muitos desafios ainda permanecem latentes e o financiamento é um dos mais difíceis de ser solucionado. 

A nova política propõe mudanças importantes no que se refere à jornada dos pacientes oncológicos no Brasil. Na teoria ela deverá ser mais abrangente, pois estabelece parâmetros e obrigações que deverão ser cumpridos desde a prevenção, o diagnóstico, as possibilidades de tratamento, a reabilitação em muitos casos necessária para que o paciente retome sua vida após ter tido a doença e os cuidados paliativos, que não são somente aqueles oferecidos aos que estão em estágio terminal mas, sim, cuidados que são necessários ao longo de todo o tratamento, para que seja possível proporcionar a melhor qualidade de vida durante a jornada de enfrentamento do câncer.  

Para o tratamento das doenças oncológicas, a lei prevê maior integração entre os níveis de atendimento, melhor acesso a terapias inovadoras e uma maior atenção às desigualdades regionais. No entanto, um dos grandes obstáculos ainda é garantir a sustentabilidade financeira de todas essas promessas incluídas na lei.  

Neste artigo, discuto alguns dos principais entraves que o Brasil enfrenta para financiar, de maneira eficiente e equitativa, o combate ao câncer levando em consideração o cenário atual do SUS (Sistema Único de Saúde) e o aumento esperado nos casos da doença nas próximas décadas. 

·        A epidemia do câncer no Brasil 

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), aproximadamente 704 mil novos casos de câncer foram/serão diagnosticados no triênio 2023/2025. E o Brasil enfrenta custos crescentes no tratamento do câncer, com gastos que aumentaram em até 400% nos últimos quatro anos.  

Esse crescimento se deve, em grande parte, ao envelhecimento da população e a fatores relacionados ao estilo de vida, como o tabagismo, a obesidade, o sedentarismo, o excesso de consumo de álcool e as questões ambientais. Isso coloca uma pressão cada vez maior sobre o SUS, que já enfrenta dificuldades financeiras em diversas áreas. 

·        O financiamento fragmentado 

O SUS, pilar do sistema de saúde brasileiro, que atende mais de 75% da população do país de mais de 212 milhões de pessoas, sofre com o subfinanciamento crônico. Apesar de a nova política prever aumento no investimento em oncologia, o financiamento fragmentado entre União, estados e municípios gera desigualdades no acesso aos serviços, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a infraestrutura e a oferta de tratamentos especializados são mais limitadas. Sendo que em muitas localidades, inexistentes. 

A Política visa corrigir disparidades, mas a equação de gerenciar o financiamento regional ainda é um problema estrutural sério a ser solucionado. Sem uma redistribuição mais justa dos recursos, e com a ausência de incentivos claros para a iniciativa privada atuar de maneira complementar ao SUS nessas regiões, o acesso ao tratamento oncológico continuará desigual. 

Em 2023, os gastos com oncologia no Brasil foram de pouco mais de R$ 4,7 bilhões, o equivalente a 1,7% do total de R$ 403,8 bilhões que foram gastos no país em saúde, que é a soma dos recursos da União; dos estados; capitais e municípios com 200 mil habitantes e acima. Essa porcentagem está consideravelmente abaixo dos 3% minimamente necessários para para atender às necessidades básicas referentes ao enfrentamento do câncer em todo o território nacional e reduzir as inequidades visíveis e inaceitáveis dos dias de hoje.  

O enfrentamento do câncer envolve custos elevados, tanto no diagnóstico quanto nas terapias de longo prazo. Novas tecnologias, medicamentos inovadores e tratamentos personalizados são cada vez mais comuns e necessários, mas a um custo alto, o que levanta uma pergunta central: como financiar o acesso equitativo a essas inovações no Brasil? 

·        Parcerias público-privadas: Uma alternativa? 

A crescente demanda por tratamentos, associada ao alto custo das terapias, estimula também a discussão sobre o papel das parcerias público-privadas (PPPs) no enfrentamento do câncer. Essas parcerias já mostraram potencial em outras áreas da saúde, como na gestão de hospitais. A Nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) poderia incluir mecanismos que incentivassem mais investimentos do setor privado em oncologia, como por exemplo as pesquisas clínicas de modo a aliviar o peso sobre o SUS e garantir que mais pacientes tivessem acesso às terapias inovadoras. 

Além disso, melhorar a gestão da saúde suplementar poderiam ser uma forma de realmente complementar o sistema público, sem onerar tanto o orçamento governamental. No entanto, isso exige um equilíbrio delicado entre o interesse público e o privado, além de uma regulação eficiente para evitar que o paciente mais vulnerável seja prejudicado. 

·        Inovação e acesso: Um dilema 

Uma importante questão que impacta o financiamento do tratamento do câncer no Brasil é a incorporação de novas tecnologias. Medicamentos de última geração, como as terapias-alvo e imunoterapias, trazem esperança para muitos pacientes, mas a um custo, na maioria das vezes, inviável para nossa realidade. A inclusão dessas tecnologias no rol de medicamentos cobertos pelo SUS tem sido um processo complexo e demorado, o que incentiva a judicialização, mais um fator de desequilíbrio do uso de recursos do SUS. 

Apesar dos avanços legislativos recentes, o Brasil ainda enfrenta uma barreira orçamentária considerável para oferecer esses tratamentos em larga escala. Uma questão relevante é o critério para compras como o previsto no art.10 da Lei 14.758, que prevê a compra centralizada, principalmente estabelecida em três eixos: a) neoplasias com tratamento de alta complexidade; b) incorporações que representem elevado impacto financeiro para o SUS; ou c) neoplasias com maior incidência, de forma a garantir maior equidade e economicidade para o País. 

Porém, é preciso estabelecer uma melhor organização de logística e dispensação dos medicamentos aos serviços especializados, como os CACONS (centros mais completos, com maior capacidade de oferecer tratamentos variados como cirurgia, quimioterapia e radioterapia) e UNACONS (possuem uma infraestrutura menor, oferecendo serviços de diagnóstico e tratamento, mas podem não realizar procedimentos de alta complexidade como a radioterapia, exceto quando estão integrados a um CACON). 

Outra questão primordial é o acesso aos exames de diagnóstico precoce e de acompanhamento, que são fundamentais para melhorar os desfechos no tratamento do câncer. O diagnóstico da doença oncológica em fase inicial é uma das maneiras mais eficientes de reduzir os custos de tratamento, mas ainda há falta de infraestrutura adequada em muitas partes do país, especialmente nas zonas rurais e regiões mais carentes, onde a confirmação da doença invariavelmente chega quando o tumor já está em estádio avançado. 

·         A educação e a prevenção como estratégia 

Embora o foco seja muitas vezes colocado nos tratamentos, é crucial lembrar que a prevenção e o diagnóstico precoce são pilares essenciais para enfrentar o câncer de maneira sustentável, lembrando que a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer prevê reforçar esses esforços e ampliar o foco para outros tipos de câncer, como o de colo de útero, prevenível com a vacina contra o vírus HPV e de ações preventivas que envolvem a promoção de um estilo de vida mais saudável, essenciais para reduzir os índices de incidência dos tumores de pulmão e intestino. Investir em programas de prevenção são, nos médio e longo prazos, uma das formas mais eficazes de reduzir o impacto econômico do câncer no Brasil. 

·        O futuro do enfrentamento ao câncer 

A Nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) é um passo importante na direção certa. No entanto, sua implementação efetiva dependerá de uma combinação de fatores: uma maior e melhor alocação de recursos, estratégias mais eficientes de gestão financeira e um compromisso de longo prazo com a equidade e olhar apurado aos determinantes sociais da saúde, que envolvem atender necessidades básicas como emprego e renda; educação; alimentação; moradia; saneamento e acesso à água potável e questões ambientais. 

Ainda que os desafios sejam gigantescos, a sociedade civil, por meio de organizações como o Instituto Lado a Lado pela Vidapode desempenhar um papel crucial no monitoramento das políticas públicas e por insistir na busca por soluções inovadoras para garantir que os brasileiros tenham acesso a um tratamento oncológico no momento certo, digno e de qualidade. O financiamento do câncer no Brasil é uma equação complexa, mas que pode ser enfrentada com a participação e colaboração de todos os atores do ecossistema da saúde.  

Como líder de uma organização social, entendo que nosso papel vai além de apontar o dedo para o que não vai bem e, sim, propor caminhos, sugerir possibilidades, arregaçar as mangas e trabalhar junto.  Posso afirmar que seguindo esse caminho, chegaremos longe visando alcançar o financiamento sustentável da oncologia e o mais importante, colocando o câncer como uma prioridade no país. 

Se pegarmos o câncer de próstata como um exemplo do seu impacto na vida dos homens e nos custos da oncologia, veremos no recente estudo realizado pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, “Câncer de Próstata no Brasil: Análise de base de dados públicos 2022 a 2024”, dados que mostram que, dos 44.660 homens que receberam o diagnostico da doença em 2023, 54% descobriram o tumor em estádios 3 e 4; e 62% desses pacientes só procuram ajuda médica quando a dor já era insuportável.  

Esse estudo cruzou informações disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Ministério da Saúde (MS) e identificou que quando o paciente chega com o tumor em estado avançado, o câncer que antes poderia ser removido cirurgicamente em estádios iniciais, pode se tornar inoperável se o tratamento for iniciado tardiamente, quando as chances de metástases são maiores, exigindo terapias mais agressivas e com maiores efeitos colaterais para o paciente.  

Somente em 2023, foram gastos R$ 18,8 milhões em prostatectomias (procedimento cirúrgico); R$ 202,5 milhões em hormonioterapia, seguidos de R$ 131,6 milhões em radioterapia e R$ 82,4 milhões em quimioterapia, sendo possível afirmar que o tratamento tardio é sempre mais oneroso, elevando os gastos do Sistema de Saúde. E, ainda mais alarmante, são as 16.897 mortes de homens vitimados pelo câncer de próstata em 2023, mais de 46 por dia.  

 Todos esses dados reforçam que temos um desafio gigantesco pela frente, para reverter o cenário do câncer no nosso país. Mas, também, são o combustível para seguirmos firmes e atuantes. Um exemplo disso, foi o lançamento, por parte do Instituto Lado a Lado pela Vida da Data Câncer Brasil, uma plataforma Nacional de Dados Oncológicos, que será disponibilizada em uma primeira onda, apenas para gestores de saúde pública de todo o Brasil. O lançamento realizado no mês de novembro marca uma forma inédita de contribuição do Instituto Lado a Lado pela Vida para a implementação da Política Nacional do Câncer, ao possibilitar uma reunião de dados importantes em uma única base para que o gestor possa entender o cenário do câncer no seu município e desenhar estratégias que beneficiem sua população.           

Esse é o nosso papel enquanto organização da sociedade civil. Não é possível mais apenas falar, é necessário agir, para que sejamos uma potente força motriz para alavancar a implementação de leis que transformem a vida dos pacientes e de toda uma nação.      

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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