terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Do câncer de próstata ao diabetes, estigma e comportamento impactam saúde masculina

Na região das Américas, um em cada cinco homens morre antes dos cinquenta anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as principais causas de morte envolvem doenças crônicas não transmissíveis – como diabetes, hipertensão e câncer –, condições que poderiam até mesmo ser evitadas ou pelo menos diagnosticadas e tratadas no momento adequado. Mas não é um cenário simples de se alterar. Isso porque o desafio da saúde masculina passa muitas vezes por questões culturais, como a redução do estigma, aumento do conhecimento e do senso de responsabilidade de sua própria saúde, além da desmistificação de diversos aspectos.

“A saúde do homem é um tema bastante complexo. Por isso, temos políticas públicas, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Isso é especialmente importante para os homens latino-americanos, que ainda enfrentam questões de machismo muito arraigadas na cultura. Essa mentalidade acaba afetando o autocuidado, pois, mesmo sendo um grupo que apresenta os piores indicadores de morbidade e mortalidade, muitos homens não costumam procurar os serviços de saúde para realizar atividades de prevenção.”, avalia Rubens Park, urologista e líder médico da Área Terapêutica de Oncologia da Bayer

Quando o assunto são hábitos de vida, homens têm uma aderência maior a escolhas menos saudáveis. Eles são maioria entre os tabagistas e etilistas, têm preferência pelo consumo de carnes vermelhas e processadas em detrimento de legumes e vegetais, e 46% daqueles acima de 40 anos só vão ao médico quando sentem algo, conforme indicou pesquisa da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

Esse panorama foi um dos fatores que levou ao movimento de conscientização do Novembro Azul, celebrado há pouco mais de uma década. Um dos principais focos do período é alertar sobre a importância da prevenção e diagnóstico precoce do câncer de próstata, mas atualmente esse foco foi ampliado para abordar a saúde masculina de modo geral e incluir outras áreas de atenção, como as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). 

<><> Envelhecimento e câncer de próstata

A preocupação específica com o câncer de próstata se justifica. Afinal, é o segundo câncer mais comum entre homens no Brasil e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima 71.730 novos casos da doença por ano para o triênio 2023-2025.

E o principal fator de risco do câncer de próstata não é evitável: quanto mais velho o paciente, mais suscetível ao surgimento da doença. Com o envelhecimento populacional previsto, Park aponta que a tendência é que o problema se torne cada vez maior.

Neste contexto, o rastreamento ou screening para descoberta do câncer nos estágios iniciais é a principal estratégia de prevenção. Atualmente, o rastreamento precoce inclui o teste do antígeno prostático específico (PSA, na sigla em inglês) e o exame do toque retal para examinar a próstata, que ainda é alvo de um estigma significativo, como salienta Park: “Há um estigma muito grande, mas a verdade é que o exame do toque é um exame simples, rápido e indolor que é importante para o rastreamento do câncer de próstata.”

Os protocolos atuais indicam a necessidade de discutir a estratégia de rastreamento a partir dos 45 anos para aqueles com fator de risco conhecido, como histórico familiar, mutações específicas ou raça negra. Para os demais, a recomendação é a partir dos 50 anos. Ele lembra, ainda, que há uma parcela desses tumores que não provocam alterações significativas nos níveis de PSA, além de casos em que a flutuação do PSA pode estar associada a outras condições que não o câncer, portanto, é essencial procurar o aconselhamento de um urologista. Nos casos suspeitos, outras ferramentas podem somar-se aos esforços diagnósticos, como a realização de ressonância magnética e biópsia.

De acordo com o médico, a tecnologia tem sido uma grande aliada no combate ao câncer de próstata, transformando a jornada do paciente desde o diagnóstico até o tratamento. “Há muita coisa em desenvolvimento, como plataformas baseadas em inteligência artificial com potencial de fornecer terapias personalizadas com maior chance de benefício para cada paciente, além da cirurgia robótica, que já é uma realidade. Também há novos exames de imagem molecular, como o PET/CT de PSMA, que desempenham um papel importante na avaliação e tratamento do câncer de próstata, sendo capazes de detectar a doença com maior precisão.”

<><> Prevenção e o olhar para o amanhã

A mesma estratégia de estimular o rastreio e diagnóstico precoce vale as doenças crônicas não transmissíveis como o diabetes, que atinge 9,1% dos homens brasileiros, de acordo com dados da Vigitel Brasil 2023 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico).

A doença caracterizada pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue começa de forma silenciosa e o paciente não apresenta sintomas até que a condição esteja em estado mais avançado. Para Isabella Sonoda Laba, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e líder médica das áreas de cardiologia e pneumologia na Bayer, isso contribui para nublar a percepção de risco que o paciente tem sobre a condição.

“Às vezes, olhamos muito para o hoje, e hoje esse paciente está sem sintomas, está se sentindo bem e vivendo normalmente. Mas se ele não tratar adequadamente o diabetes, o impacto na vida dele no futuro vai ser muito grande. Vemos pacientes que sofrem amputações, perda de visão, que necessitam realizar diálise até seis vezes na semana, porque não houve um acompanhamento adequado. Temos que pensar no amanhã”, reforça a especialista.

Quando não tratado, o diabetes pode acarretar uma série de complicações potencialmente graves, como doença renal crônica (DRC), retinopatia diabética e insuficiência cardíaca (IC) – essa última, apontada como uma das complicações cardiovasculares mais comuns em pacientes com diabetes tipo 2, chegando a atingir de 10% a 30% dos diagnosticados com a condição.

Assim como outras doenças crônicas, um dos grandes desafios é garantir a adesão e a manutenção do paciente ao tratamento. Para Laba, é aí que entra o diálogo com foco na preservação da qualidade de vida do paciente a longo prazo:

“Há uma dificuldade no cuidado por questões culturais, como uma tendência a hábitos de vida menos saudáveis e menos check-ups de saúde. O principal ponto é o paciente ter consciência dos riscos que o diabetes pode trazer para a vida dele caso ele não siga o tratamento adequado, e entender que o diabetes não é só uma glicemia alta, há um impacto em importantes órgãos em todo o corpo”

<><> Novas soluções miram qualidade de vida

Mesmo com todos os avanços, boa parte do desafio ainda é fazer com que esse paciente chegue ao consultório. Dados mostram que há espaço para expandir ações nesse sentido: de cada dez homens, oito reconhecem que precisam cuidar mais da própria saúde, apontou pesquisa realizada em 2023 pelo Instituto Lado a Lado Pela Vida.

Também chama a atenção a postura mais ativa em relação às visitas ao médico, uma vez que 84% afirmaram serem os responsáveis pelo agendamento das consultas – responsabilidade que por muito tempo ficou atrelada às mulheres.

Um caminho que tem sido explorado para ampliar a discussão sobre o cuidado masculino é olhar para a condição com mais sensibilidade para aspectos ligados à qualidade de vida. Terapias avançadas, personalizadas, minimamente invasivas têm ganhado cada vez mais espaço na clínica médica.

Os esforços na preservação da função sexual do paciente é um exemplo disso, como destaca Park: “O impacto do tratamento na função sexual do paciente é muito importante, porque o câncer de próstata tem dois grandes estigmas: o rastreamento e o tratamento, porque sabemos que tanto a radioterapia quanto a cirurgia podem afetar a potência do paciente.”

Ele ressalta que é preciso acolher os temores do paciente. Ao compreender o contexto cultural de onde esses sentimentos e inseguranças vêm, é possível estabelecer uma conexão e um diálogo baseado em empatia e informação. Assim, as decisões do plano de cuidado podem ser tomadas de forma compartilhada pelo paciente junto ao seu médico.

“Como felizmente hoje temos diversas alternativas e linhas terapêuticas mesmo nas formas avançadas do câncer de próstata, esse tipo de discussão é superimportante para o paciente ajustar as expectativas em relação ao tratamento. O paciente precisa estar munido de informação de qualidade para se tonar parte ativa na decisão do seu tratamento”, conclui Park.

 

¨      Estratégias para a prevenção e tratamento do câncer de próstata

O câncer de próstata é uma preocupação crescente não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Um estudo recente publicado pela “The Lancet Commission” projetou que os casos de câncer de próstata devem dobrar até 2040 (de 1,4 milhão para 2,9 milhões por ano), com o número de mortes pela doença também crescendo cerca de 85% no período, passando de 375 mil para quase 700 mil.

Aqui no Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima mais de 71 mil novos casos em 2024 e uma quantidade de óbitos também crescente – foram mais de 16 mil só em 2021.

Os números reforçam a importância de avanços em prevenção, detecção precoce e tratamento para melhorar as taxas de cura e a qualidade de vida dos pacientes. É importante ressaltar que o câncer de próstata apresenta uma porcentagem de curabilidade elevada quando descoberto em fases iniciais.

Tratamento do câncer de próstata localizado

Um dos avanços mais significativos no tratamento do câncer de próstata localizado é o melhor entendimento da doença, não apenas do ponto de vista clínico, mas também molecular. Essa evolução permitiu identificar um grupo de pacientes que, em vez de submeter-se a tratamentos invasivos, pode optar pela estratégia da vigilância ativa (active surveillance, na expressão em inglês).

Trata-se de um monitoramento do paciente, sem intervenções em princípio, com exames de sangue regulares para medir o nível de PSA, ressonâncias magnéticas, biópsias periódicas e exame físico. Essa abordagem é indicada para tumores pequenos, bem diferenciados e de crescimento lento, que permanecem confinados à glândula prostática. O acompanhamento constante permite uma rápida ação da equipe médica, caso haja alguma evolução da doença.

Para os cerca de 70% dos pacientes que necessitam de intervenção, as opções de tratamento também têm avançado de forma notável. A cirurgia robótica, por exemplo, tem revolucionado a experiência do paciente no pós-operatório. Em comparação com a cirurgia aberta, a robótica oferece recuperação mais rápida e, segundo estudos, eficácia equivalente ou até superior em termos de cura, continência urinária e preservação da função sexual. A precisão da cirurgia robótica minimiza os danos aos tecidos adjacentes, o que contribui para uma menor incidência de efeitos colaterais indesejados.

A radioterapia também passou por uma transformação significativa. Com técnicas modernas, os médicos conseguem aplicar doses maiores de radiação diretamente na próstata, enquanto preservam os tecidos circundantes, como a bexiga e o reto. Outro avanço é a redução do número de sessões necessárias, praticamente metade do que era feito anteriormente, tornando o tratamento mais acessível e menos desgastante para os pacientes.

Mesmo com todos esses avanços, as complicações mais temidas, como a incontinência urinária e a impotência sexual, continuam sendo preocupações legítimas. No entanto, os tratamentos contemporâneos têm conseguido minimizar esses riscos. Procedimentos mais precisos, aliados a técnicas de preservação nervosa, têm garantido que a maioria dos pacientes mantenha a continência e a função erétil após o tratamento.

Em um contexto em que a detecção precoce e as opções de tratamento são tão importantes, é fundamental que os homens mantenham consultas regulares com seus médicos e realizem os exames de rotina recomendados. O diagnóstico precoce pode fazer toda a diferença, pois o câncer de próstata localizado, quando tratado adequadamente, tem altíssimas chances de cura.

O conhecimento, aliado ao acesso à tecnologia e às práticas médicas modernas, torna possível enfrentar essa doença com esperança renovada.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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