Do câncer de
próstata ao diabetes, estigma e comportamento impactam saúde masculina
Na região das
Américas, um
em cada cinco homens morre
antes dos cinquenta anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as
principais causas de morte envolvem doenças crônicas não transmissíveis – como
diabetes, hipertensão e câncer –, condições que poderiam até mesmo ser evitadas
ou pelo menos diagnosticadas e tratadas no momento adequado. Mas não é um
cenário simples de se alterar. Isso porque o desafio da saúde masculina passa
muitas vezes por questões culturais, como a redução do estigma, aumento do
conhecimento e do senso de responsabilidade de sua própria saúde, além da
desmistificação de diversos aspectos.
“A saúde do homem é
um tema bastante complexo. Por isso, temos políticas públicas, como a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Isso é especialmente importante
para os homens latino-americanos, que ainda enfrentam questões de machismo
muito arraigadas na cultura. Essa mentalidade acaba afetando o autocuidado,
pois, mesmo sendo um grupo que apresenta os piores indicadores de morbidade e
mortalidade, muitos homens não costumam procurar os serviços de saúde para
realizar atividades de prevenção.”, avalia Rubens Park, urologista e líder
médico da Área Terapêutica de Oncologia da Bayer
Quando o assunto
são hábitos de vida, homens têm uma aderência maior a escolhas menos saudáveis.
Eles são maioria entre os tabagistas e etilistas, têm preferência
pelo consumo de carnes
vermelhas e processadas em detrimento de legumes e vegetais, e 46%
daqueles acima de 40 anos só vão ao médico quando sentem algo, conforme
indicou pesquisa da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Esse panorama foi
um dos fatores que levou ao movimento de conscientização do Novembro Azul,
celebrado há pouco mais de uma década. Um dos principais focos do período é
alertar sobre a importância da prevenção e diagnóstico precoce do câncer de
próstata, mas atualmente esse foco foi ampliado para abordar a saúde masculina
de modo geral e incluir outras áreas de atenção, como as doenças crônicas não
transmissíveis (DCNT).
<><> Envelhecimento
e câncer de próstata
A preocupação
específica com o câncer de próstata se justifica. Afinal, é o segundo câncer
mais comum entre homens no Brasil e o Instituto Nacional do Câncer (INCA)
estima 71.730
novos casos da doença por ano para o triênio 2023-2025.
E o principal fator
de risco do câncer de próstata não é evitável: quanto mais velho o paciente,
mais suscetível ao surgimento da doença. Com o envelhecimento populacional
previsto, Park aponta que a tendência é que o problema se torne cada vez maior.
Neste contexto, o
rastreamento ou screening para descoberta do câncer nos estágios iniciais é a
principal estratégia de prevenção. Atualmente, o rastreamento precoce inclui o
teste do antígeno prostático específico (PSA, na sigla em inglês) e o exame do
toque retal para examinar a próstata, que ainda é alvo de um estigma significativo,
como salienta Park: “Há um estigma muito grande, mas a verdade é que o exame do
toque é um exame simples, rápido e indolor que é importante para o rastreamento
do câncer de próstata.”
Os protocolos
atuais indicam a necessidade de discutir a estratégia de rastreamento a partir
dos 45 anos para aqueles com fator de risco conhecido, como histórico familiar,
mutações específicas ou raça negra. Para os demais, a recomendação é a partir
dos 50 anos. Ele lembra, ainda, que há uma parcela desses tumores que não
provocam alterações significativas nos níveis de PSA, além de casos em que a
flutuação do PSA pode estar associada a outras condições que não o câncer,
portanto, é essencial procurar o aconselhamento de um urologista. Nos casos
suspeitos, outras ferramentas podem somar-se aos esforços diagnósticos, como a
realização de ressonância magnética e biópsia.
De acordo com o
médico, a tecnologia tem sido uma grande aliada no combate ao câncer de
próstata, transformando a jornada do paciente desde o diagnóstico até o
tratamento. “Há muita coisa em desenvolvimento, como plataformas baseadas em
inteligência artificial com potencial de fornecer terapias personalizadas com
maior chance de benefício para cada paciente, além da cirurgia robótica, que já
é uma realidade. Também há novos exames de imagem molecular, como o PET/CT de
PSMA, que desempenham um papel importante na avaliação e tratamento do câncer
de próstata, sendo capazes de detectar a doença com maior precisão.”
<><> Prevenção
e o olhar para o amanhã
A mesma estratégia
de estimular o rastreio e diagnóstico precoce vale as doenças crônicas não
transmissíveis como o diabetes, que atinge 9,1%
dos homens brasileiros, de acordo com dados da Vigitel Brasil 2023
(Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito
Telefônico).
A doença
caracterizada pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue começa de forma
silenciosa e o paciente não apresenta sintomas até que a condição esteja em
estado mais avançado. Para Isabella Sonoda Laba, membro da Sociedade Brasileira
de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e líder médica das áreas de cardiologia
e pneumologia na Bayer, isso contribui para nublar a percepção de risco que o
paciente tem sobre a condição.
“Às vezes, olhamos
muito para o hoje, e hoje esse paciente está sem sintomas, está se sentindo bem
e vivendo normalmente. Mas se ele não tratar adequadamente o diabetes, o
impacto na vida dele no futuro vai ser muito grande. Vemos pacientes que sofrem
amputações, perda de visão, que necessitam realizar diálise até seis vezes
na semana, porque não houve um acompanhamento adequado. Temos que pensar no
amanhã”, reforça a especialista.
Quando não tratado,
o diabetes pode acarretar uma série de complicações potencialmente graves,
como doença
renal crônica (DRC),
retinopatia diabética e insuficiência cardíaca (IC) – essa última, apontada como
uma das complicações
cardiovasculares mais comuns em pacientes com diabetes tipo 2,
chegando a atingir de 10%
a 30% dos
diagnosticados com a condição.
Assim como outras
doenças crônicas, um dos grandes desafios é garantir a adesão e a manutenção do
paciente ao tratamento. Para Laba, é aí que entra o diálogo com foco na
preservação da qualidade de vida do paciente a longo prazo:
“Há uma dificuldade
no cuidado por questões culturais, como uma tendência a hábitos de vida menos
saudáveis e menos check-ups de saúde. O principal ponto é o paciente ter
consciência dos riscos que o diabetes pode trazer para a vida dele caso ele não
siga o tratamento adequado, e entender que o diabetes não é só uma glicemia
alta, há um impacto em importantes órgãos em todo o corpo”
<><> Novas
soluções miram qualidade de vida
Mesmo com todos os
avanços, boa parte do desafio ainda é fazer com que esse paciente chegue ao
consultório. Dados mostram que há espaço para expandir ações nesse sentido: de
cada dez homens, oito reconhecem que precisam cuidar mais da própria saúde,
apontou pesquisa realizada em 2023 pelo Instituto Lado a Lado Pela Vida.
Também chama a
atenção a postura mais ativa em relação às visitas ao médico, uma vez que 84%
afirmaram serem os responsáveis pelo agendamento das consultas –
responsabilidade que por muito tempo ficou atrelada às mulheres.
Um caminho que tem
sido explorado para ampliar a discussão sobre o cuidado masculino é olhar para
a condição com mais sensibilidade para aspectos ligados à qualidade de vida.
Terapias avançadas, personalizadas, minimamente invasivas têm ganhado cada vez
mais espaço na clínica médica.
Os esforços na
preservação da função sexual do paciente é um exemplo disso, como destaca Park:
“O impacto do tratamento na função sexual do paciente é muito importante,
porque o câncer de próstata tem dois grandes estigmas: o rastreamento e o
tratamento, porque sabemos que tanto a radioterapia quanto a cirurgia podem
afetar a potência do paciente.”
Ele ressalta que é
preciso acolher os temores do paciente. Ao compreender o contexto cultural de
onde esses sentimentos e inseguranças vêm, é possível estabelecer uma conexão e
um diálogo baseado em empatia e informação. Assim, as decisões do plano de
cuidado podem ser tomadas de forma compartilhada pelo paciente junto ao seu
médico.
“Como felizmente
hoje temos diversas alternativas e linhas terapêuticas mesmo nas formas avançadas
do câncer de próstata, esse tipo de discussão é superimportante para o paciente
ajustar as expectativas em relação ao tratamento. O paciente precisa estar
munido de informação de qualidade para se tonar parte ativa na decisão do seu
tratamento”, conclui Park.
¨ Estratégias para a
prevenção e tratamento do câncer de próstata
O câncer de
próstata é uma preocupação crescente não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Um estudo recente publicado pela “The
Lancet Commission” projetou
que os casos de câncer de próstata devem dobrar até 2040 (de 1,4 milhão para
2,9 milhões por ano), com o número de mortes pela doença também crescendo cerca
de 85% no período, passando de 375 mil para quase 700 mil.
Aqui no Brasil, o
Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima mais de 71 mil novos casos em 2024 e
uma quantidade de óbitos também crescente – foram mais de 16 mil só em 2021.
Os números reforçam
a importância de avanços em prevenção, detecção precoce e tratamento para
melhorar as taxas de cura e a qualidade de vida dos pacientes. É importante
ressaltar que o câncer de próstata apresenta uma porcentagem de curabilidade
elevada quando descoberto em fases iniciais.
Tratamento do
câncer de próstata localizado
Um dos avanços mais
significativos no tratamento do câncer de próstata localizado é o melhor
entendimento da doença, não apenas do ponto de vista clínico, mas também
molecular. Essa evolução permitiu identificar um grupo de pacientes que, em vez
de submeter-se a tratamentos invasivos, pode optar pela estratégia da
vigilância ativa (active surveillance, na expressão em inglês).
Trata-se de um
monitoramento do paciente, sem intervenções em princípio, com exames de sangue
regulares para medir o nível de PSA, ressonâncias magnéticas, biópsias
periódicas e exame físico. Essa abordagem é indicada para tumores pequenos, bem
diferenciados e de crescimento lento, que permanecem confinados à glândula
prostática. O acompanhamento constante permite uma rápida ação da equipe
médica, caso haja alguma evolução da doença.
Para os cerca de
70% dos pacientes que necessitam de intervenção, as opções de tratamento também
têm avançado de forma notável. A cirurgia robótica, por exemplo, tem
revolucionado a experiência do paciente no pós-operatório. Em comparação com a
cirurgia aberta, a robótica oferece recuperação mais rápida e, segundo estudos,
eficácia equivalente ou até superior em termos de cura, continência urinária e
preservação da função sexual. A precisão da cirurgia robótica minimiza os danos
aos tecidos adjacentes, o que contribui para uma menor incidência de efeitos
colaterais indesejados.
A radioterapia
também passou por uma transformação significativa. Com técnicas modernas, os
médicos conseguem aplicar doses maiores de radiação diretamente na próstata,
enquanto preservam os tecidos circundantes, como a bexiga e o reto. Outro
avanço é a redução do número de sessões necessárias, praticamente metade do que
era feito anteriormente, tornando o tratamento mais acessível e menos
desgastante para os pacientes.
Mesmo com todos
esses avanços, as complicações mais temidas, como a incontinência urinária e a
impotência sexual, continuam sendo preocupações legítimas. No entanto, os tratamentos
contemporâneos têm conseguido minimizar esses riscos. Procedimentos mais
precisos, aliados a técnicas de preservação nervosa, têm garantido que a
maioria dos pacientes mantenha a continência e a função erétil após o
tratamento.
Em um contexto em
que a detecção precoce e as opções de tratamento são tão importantes, é
fundamental que os homens mantenham consultas regulares com seus médicos e
realizem os exames de rotina recomendados. O diagnóstico precoce pode fazer
toda a diferença, pois o câncer de próstata localizado, quando tratado
adequadamente, tem altíssimas chances de cura.
O conhecimento,
aliado ao acesso à tecnologia e às práticas médicas modernas, torna possível
enfrentar essa doença com esperança renovada.
Fonte: Futuro da
Saúde
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