Por que a forma
como falamos com as crianças pode afetá-las na vida adulta
A conversa termina
rápido quando se fala com um recém-nascido. Eles não respondem nada. Não gemem
quando você diz que vai chover e tampouco dão risada quando você conta uma
piada.
Ao mesmo tempo, as
primeiras semanas de vida estão cercadas de exaustão. Meu bebê não dormiu
quando deveria, o que significava que eu também não conseguia dormir. Não é de
se espantar que a conversa não fluía.
Começa a ficar mais
fácil quando eles se tornam mais responsivos, mas ainda assim não me ocorria
naturalmente murmurar em resposta às gargalhadas do meu bebê, ou falar em uma
linguagem de bebês, com grandes, altos e lentos sons de vogais. Muitas vezes eu
ficava admirada quando outras pessoas, especialmente aquelas com aparente
habilidade com crianças, tinham conversas inteiras com meu bebê.
Alguns meses
depois, à medida que os bebês começam a responder mais, com sons e risadinhas,
fica mais fácil. No entanto, estudos mostram que alguns pais e mães ainda não
falam muito com seus bebês e que isso pode ter consequências negativas
duradouras — visíveis até no cérebro.
Nos anos 1990,
cientistas fizeram uma descoberta preocupante em relação à grande diferença no
aprendizado da linguagem por crianças. Os pesquisadores Betty Hart e Todd
Risley foram para casas de famílias de diferentes grupos socioeconômicos e
passaram uma hora por mês fazendo gravações. Eles fizeram isso por mais de dois
anos.
Analisando os
dados, eles descobriram que as crianças das famílias mais pobres ouviam, por
hora, um terço da quantidade de palavras em comparação às crianças das classes
mais altas. Segundo a projeção deles, aos 4 anos de idade haveria uma diferença
de 30 milhões de palavras entre o que as crianças de origem pobre e as de
origem rica aprenderam.
Esse estudo estava
longe de ser ideal. A amostra era pequena e não está claro se a diferença de
palavras é tão grande quanto os pesquisadores sugeriram pela primeira vez.
Desde então, outros
críticos mostraram, ao considerar o que se escuta dentro e fora de casa, que
crianças de baixa renda ouvem muito mais palavras do que Hart e Risley
relataram inicialmente. Em resposta a esses críticos, outro grupo destacou que
"as crianças pequenas não ganham muito com o que escutam sobre tópicos de
interesse para adultos".
Se esse
"déficit de palavras" realmente existe, isso é problemático porque a
linguagem é conhecida por ser um dos indicadores mais importantes de como será
sua vida, desde seus primeiros anos de escola até a universidade e a carreira.
Para ler, aprender números e até articular suas memórias, você precisa da
linguagem.
"Na corrida,
você já começa ficando para trás", diz Kathy Hirsh-Pasek, diretora do
Laboratório de Linguagem Infantil da Temple University, na Filadélfia.
Essa defasagem
também afeta o cérebro. Os neurocientistas agora são capazes de mostrar como o
cérebro responde à exposição precoce à linguagem. Um grupo liderado por Rachel
Romeo, neurocientista e especialista em patologia da fala e linguagem do
Hospital Infantil de Boston, mostrou que as interações conversacionais podem
ter um benefício perceptível no desenvolvimento do cérebro. A equipe gravou
conversas em casas de famílias, monitorando a quantidade de idiomas a que foram
expostas as crianças e o número de turnos de conversa. As crianças que tiveram
mais conversas demonstraram melhor desempenho nas tarefas de compreensão da
linguagem.
Essas crianças
também apresentaram conexões mais fortes na substância branca no cérebro, em
duas áreas importantes para a linguagem — um aumento que pode acelerar o
processamento nessas áreas. A chamada substância branca é responsável pela
transmissão de informações no sistema nervoso.
Isso, segundo
Romeo, mostra como as conversas contribuem para o desenvolvimento do cérebro.
"Descobrimos que mais conversas se correlacionavam com conexões mais
fortes nesse caminho, que por sua vez estavam relacionadas às habilidades de
linguagem das crianças", diz Romeo.
De fato, um grande
conjunto de evidências mostra que não é a audição passiva — ou mesmo a
quantidade de palavras a que uma criança é exposta — o que mais importa. É a
qualidade da conversa que é importante. Ou seja, a natureza de troca, que
requer ouvir e responder. É o que Hirsh-Pasek e Roberta Golinkoff chamam de
"dueto de conversação", porque "você não pode cantar
sozinho". Outro estudo aponta que, se uma conversa é interrompida por uma
ligação de telefone, por exemplo, a criança não aprende uma palavra recém-apresentada
a ela, mas aprenderá se a conversa não for interrompida.
A equipe de Romeo
deu um passo além em um estudo de acompanhamento que ajudou os pais a entender
a importância de conversas com "turnos". Nesse grupo, eles
descobriram aumentos na substância cinzenta nas regiões social e de linguagem
do cérebro das crianças.
"Isso não é
coincidência", diz ela. Faz sentido que as áreas sociais e de linguagem do
cérebro estejam "andando juntas" nessas relações pais e filhos, pois
a linguagem está na base de nossas relações sociais e ambas são fundamentais
para a maneira como aprendemos.
"Temos esse
desejo humano de nos comunicarmos", diz ela. "Além disso,
desenvolvemos nossas habilidades de linguagem e essas habilidades de linguagem
constróem uma base para um nível superior de cognição."
Enquanto isso,
outro grupo, este no Laboratório de Bebês de Princeton, monitorava os cérebros
de bebês para descobrir que, quando eles se envolviam em brincadeiras
interativas, como cantar ou ler, seus padrões de ativação cerebral começavam a
convergir. Em outras palavras, seus cérebros "se unem", explica Elise
Piazza, do Instituto de Neurociências da Universidade de Princeton, a principal
autora do trabalho. Outras vezes, quando participam de atividades separadas, a
"sincronia neural" entre seus cérebros desaparece, diz ela.
"É como se
você estivesse tão sintonizado que não está operando como duas pessoas, mas
como uma. É aí que acreditamos que o aprendizado se intensifica e ocorre, e é
isso que a conversa traz", diz Hirsh-Pasek.
·
Status
socioeconômico
Dada a importância
das conversas desde a infância, quão preocupados deveríamos estar com o
"déficit de palavras" — e de onde ele vem?
Mesmo que o estudo
de Hart e Risley não tenha sido perfeito, a ideia de que existe uma lacuna
socioeconômica significativa foi replicada por dezenas de estudos. Em 2008, por
exemplo, Meredith Rowe, da Universidade de Harvard, descobriu que os tipos de
conversas diferem significativamente entre famílias de baixa e alta renda — em
parte, devido aos diferentes níveis de educação alcançados pelos pais nesses
grupos.
Em outras palavras,
o "conhecimento dos pais" contribui positivamente para o
desenvolvimento do vocabulário, diz Rowe. Neste estudo, os pais de maior renda
usaram frases mais longas e mais vocabulário do que os pais de menor renda.
"A principal descoberta aqui foi que a influência da pobreza na maneira
como os pais se comunicavam com os filhos era explicada pelo quanto os pais
sabiam sobre desenvolvimento infantil", diz ela.
Se existe alguma
associação entre status socioeconômico e habilidades verbais, pode ser porque a
pobreza esteja ligada tanto aos níveis mais baixos de educação quanto a um
maior estresse. Ambos os fatores significam que a qualidade das conversas pode
ser afetada.
Mas o status
socioeconômico não é determinístico.
Em um estudo de
2015, Hirsh-Pasek e colegas analisaram o discurso de 60 crianças, todas de
famílias de baixa renda, aos dois anos de idade. Eles voltaram um ano depois
para ver como essas crianças haviam se desenvolvido. Como previsto, as crianças
que estavam participando de mais conversas aos dois anos demonstraram um
domínio do idioma mais avançado um ano depois. Aqueles que tiveram menos
conversas tiveram pior desempenho na linguagem.
Como essas crianças
eram todas de famílias de baixa renda, os resultados mostram que a pobreza por
si só não é o que predispõe uma criança a uma pior habilidade de linguagem.
"Não é apenas
se você nasceu em um ambiente com poucos recursos, mas é como você interage com
seu filho nesse ambiente que parece fazer a diferença", diz Hirsh-Pasek.
Embora um déficit
de palavras possa ter consequências duradouras, a boa notícia é que todos os
pais conversam com os filhos pelo menos uma parte do tempo. Se os pais
entenderem que as interações de qualidade são mais importantes que a
quantidade, todas as crianças podem se beneficiar.
Quanto mais
experiências sociais eles tiverem, seja com os pais ou com outros cuidadores ao
seu redor, mais eles aprenderão, ela diz.
Existem outras
maneiras de ajudar a acelerar esse processo também. O treinamento dos pais é
eficaz, mas é demorado e caro. Felizmente, existem outros modos simples e
testados, que ajudam a incentivar mais conversas de qualidade.
Hirsh-Pasek e
colegas mostraram que, em comunidades com poucos recursos em alguns dos bairros
mais pobres da Filadélfia, colocar avisos nos supermercados aumentou as
conversas significativas em até 33%. Podem ser tão simples quanto pôsteres
coloridos, com perguntas como "De onde vem o leite?" e "Qual é o
seu vegetal favorito?".
Visitei vários
locais na Filadélfia — inclusive um ponto de ônibus, um playground em uma
biblioteca e jogos de tabuleiro em tamanho humano no museu infantil Please
Touch da Filadélfia, onde Hirsh-Pasek e sua equipe estão tentando outra
abordagem. Aqui eles usam jogos para incentivar vários aspectos importantes da
aprendizagem, do social ao cognitivo, do controle de impulsos à função
executiva (jogos de solução de problemas). Eles foram cuidadosamente colocados
em áreas onde as pessoas já se reúnem em grupos. E, embora os jogos sejam
voltados para crianças, eles também foram extremamente divertidos para nós,
adultos.
O projeto, chamado
"Playful Learning Landscapes" (Paisagens de Aprendizagem Lúdica, em
tradução livre), envolveu a colaboração com prefeituras e arquitetos para
"transformar locais do cotidiano em oportunidades de aprendizagem".
Além disso, o monitoramento cuidadoso de pesquisadores mostrou que alguns
desses projetos ajudaram a aumentar as conversas em 30% a 55%.
"Quando você
torna esses ambientes interessantes, é mais provável que os pais larguem os
celulares, olhem nos olhos dos filhos e tenham uma conversa
significativa", diz Hirsh-Pasek. "Imagine o que poderíamos fazer se
tornássemos o mundo um pouco mais divertido".
Com vontade
suficiente, os pesquisadores dizem que seria fácil recriar espaços semelhantes
em muitas outras cidades.
No Reino Unido, o
governo lançou um projeto online, em que simples alertas incentivam os pais a
conversar mais com seus filhos. "Hungry Little Minds" é uma campanha
de três anos com o objetivo de "incentivar os pais a se envolverem em
atividades que apoiam a aprendizagem precoce de seus filhos e ajudam a
prepará-los para a escola e além".
Para alguns, o
estresse do dia a dia pode deixar menos tempo para conversar e brincar com as
crianças. Mas agora está claro que ajustes sutis na maneira como falamos com
crianças — e como ouvimos — podem estimular o cérebro delas.
Sabendo disso,
agora me pego pensando nos padrões cerebrais do meu bebê enquanto falo com ele,
contando trechos do meu dia, mas também fazendo perguntas para ver como ele
responde. Muitas vezes, sou recebida com um sorriso sem dentes. Outras vezes,
ele não responde nada. Mas mesmo assim, agora eu sei que seu cérebro pode estar
se desenvolvendo por causa disso — algo em que todos nós, pais ou cuidadores,
podemos desempenhar um papel crucial.
Fonte: BBC Future
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