O que assassinato
do CEO Brian Thompson revela sobre raiva contra planos de saúde nos EUA
O assassinato "descarado
e direcionado" do executivo do setor de planos de saúde Brian
Thompson, CEO da UnitedHealthcare, em frente a um hotel em Nova York, na semana
passada, chocou os Estados Unidos. A reação ao crime
também expôs uma raiva latente contra um setor que movimenta um trilhão de
dólares.
"Autorização
prévia" não é uma expressão que, aparentemente, despertaria muito ardor.
Mas em um dia
quente de julho, mais de 100 pessoas se reuniram do lado de fora da sede da
UnitedHealthcare, em Minnesota, para protestar contra as apólices da provedora
de planos de saúde e a recusa de solicitações de pacientes.
A "autorização
prévia" permite que as empresas analisem os tratamentos sugeridos antes de
concordar em pagar por eles.
Onze pessoas foram
presas por bloquear uma estrada durante o protesto.
Os registros da
polícia indicam que elas vieram de todo o país, incluindo Maine, Nova York,
Texas e Virgínia Ocidental, para a manifestação organizada pelo People's Action
Institute.
Unai
Montes-Irueste, diretor de estratégia de mídia do grupo com sede em Chicago,
disse que os manifestantes tinham experiência pessoal com pedidos negados e
outros problemas com o sistema de saúde.
"O atendimento
é negado, e eles têm que passar por um processo de apelação que é incrivelmente
difícil de vencer", disse Montes-Irueste à BBC.
A raiva latente
sentida por muitos americanos em relação ao sistema de saúde — uma variedade
vertiginosa de prestadores de serviços, empresas com e sem fins lucrativos,
gigantes do setor de planos de saúde e programas governamentais — veio à tona
após o assassinato, aparentemente premeditado e direcionado, de Thompson em
Nova York, na última quarta-feira (4/12).
Thompson era CEO da
UnitedHealthcare, a unidade de seguros do provedor de serviços de saúde
UnitedHealth Group. A companhia é a maior seguradora dos EUA.
Antes de apontar o
suposto assassino, as autoridades informaram que foram encontradas mensagens escritas
em cartuchos de bala na
cena do crime.
As palavras
"deny" (negar), "defend" (defender) e "depose"
(destituir) estavam nos cartuchos, o que os investigadores acreditam que possa
se referir a táticas que os críticos dizem que as seguradoras usam para evitar
pagamentos e aumentar os lucros.
Na segunda-feira
(09/12), a polícia apontou um suspeito pelo assassinato.
Luigi Mangione, de
26 anos, foi preso por porte ilegal de arma de fogo e por apresentar documentos
falsos, depois de ser reconhecido por um funcionário de um McDonald's em
Altoona, Pensilvânia, como possível suspeito pela morte de Thompson. A prisão
ocorreu após dias de intensas buscas.
Ele estava
carregando uma arma e "várias identidades falsas" — incluindo um
documento de Nova Jersey que correspondia à identidade que o suspeito pelo
assassinato usou para fazer check-in em um albergue em Nova York antes do
crime.
Ele também
carregava um manifesto manuscrito de três páginas que incluía queixas sobre o
sistema de saúde dos EUA e que demonstrava as "motivações e a
mentalidade" do suspeito, segundo a polícia.
·
'Ameaças'
Uma análise do
histórico de Thompson no LinkedIn revela que muitos estavam irritados com as
solicitações negadas.
Uma mulher
respondeu a uma postagem que o executivo havia feito, gabando-se do trabalho de
sua empresa para tornar os medicamentos mais acessíveis.
"Tenho câncer metastático
de pulmão em estágio 4", ela escreveu. "Acabamos de sair da
[UnitedHealthcare] por causa de todas as recusas relacionadas aos meus
medicamentos. Todo mês há um motivo diferente para recusar."
A esposa de
Thompson contou à emissora americana NBC que ele já havia recebido mensagens
ameaçadoras anteriormente.
"Houve algumas
ameaças", afirmou Paulette Thompson. "Basicamente, não sei, falta de
cobertura [médica]? Não sei detalhes."
"Só sei que
ele disse que havia algumas pessoas que o estavam ameaçando."
Um especialista em
segurança diz que a frustração com os altos custos em uma série de setores
resulta inevitavelmente em ameaças contra líderes empresariais.
Philip Klein, que
dirige a Klein Investigations, com sede no Texas, que protegeu Thompson quando
ele fez um discurso no início dos anos 2000, afirmou que estava surpreso com o
fato de o executivo não ter tido uma equipe de segurança em sua viagem a Nova
York.
"Há muita
raiva nos Estados Unidos neste momento", observou Klein.
"As empresas
precisam acordar e perceber que seus executivos podem ser perseguidos em
qualquer lugar."
Klein contou que
tem recebido uma enxurrada de ligações desde que Thompson foi assassinado. As
principais empresas dos EUA normalmente gastam milhões de dólares em segurança
pessoal para executivos de alto escalão.
Após o crime,
vários políticos e representantes do setor expressaram choque e solidariedade.
Michael Tuffin,
presidente da associação nacional do setor de planos de saúde Ahip, afirmou que
estava "desolado e horrorizado com a perda de meu amigo Brian
Thompson".
"Ele era um
pai dedicado, um bom amigo para muitos e um colega e líder agradavelmente
franco."
Em comunicado, o
UnitedHealth Group disse que havia recebido muitas mensagens de apoio de
"pacientes, consumidores, profissionais de saúde, associações, autoridades
do governo e outras pessoas solidárias".
Mas muita gente
online, incluindo clientes da UnitedHealthcare e usuários de outros planos de
saúde, reagiu de forma diferente.
Essas reações
variam desde piadas de humor ácido (como o uso do termo "pensamentos e
autorizações prévias", uma referência à expressão de pêsames
"pensamentos e orações") a comentários sobre o número de pedidos
rejeitados pela UnitedHealthcare e outras empresas.
No extremo oposto,
críticos do setor disseram claramente que não tinham pena de Thompson. Alguns
até comemoraram sua morte.
A raiva online
pareceu suplantar a polarização política.
A animosidade foi
expressa por socialistas declarados e ativistas de direita que suspeitavam do
chamado "Estado profundo" ou "Estado paralelo" e do poder
corporativo. Também foi manifestada por pessoas comuns que compartilharam
histórias sobre empresas de plano de saúde que negaram seus pedidos para
tratamento médico.
Montes-Irueste, da
organização People's Action, disse que ficou chocado com a notícia do
assassinato.
Ele afirmou que seu
grupo fez campanha de forma "não violenta e democrática" —mas
acrescentou que entendia o ressentimento online.
"Temos um
sistema de saúde 'balcanizado' e quebrado, e é por isso que há sentimentos
muito fortes sendo manifestados agora por pessoas que estão vivenciando esse
sistema quebrado de várias maneiras diferentes", observou.
Tuffin, chefe da
associação comercial de planos de saúde, condenou todas as ameaças feitas
contra seus colegas, descrevendo-os como "profissionais que trabalham com
a missão de tornar a cobertura e o atendimento o mais acessível possível".
As postagens
destacam a profunda frustração que muitos americanos sentem em relação às
provedoras de plano de saúde e ao sistema de uma forma geral.
"O sistema é
incrivelmente complicado", diz Sara Collins, acadêmica do The Commonwealth
Fund, fundação de pesquisa na área de serviços de saúde.
"O simples ato
de navegar e entender como obter cobertura pode ser um desafio para as
pessoas."
"E tudo pode
parecer bem até você ficar doente e precisar do seu plano", ela
acrescenta.
Uma pesquisa
recente do The Commonwealth Fund constatou que 45% dos adultos em idade ativa
segurados foram cobrados por algo que, na opinião deles, deveria ser gratuito
ou coberto pelo plano de saúde, e menos da metade dos que relataram suspeitas
de erros de cobrança os contestaram. Além disso, 17% dos entrevistados disseram
que sua provedora de plano de saúde negou cobertura para um tratamento
recomendado por seu médico.
Além de ser
complexo, o sistema de saúde dos EUA é caro e, muitas vezes, os enormes custos
podem recair diretamente sobre os indivíduos.
Os preços são
negociados entre os provedores e as seguradoras, diz Collins, o que significa
que o que é cobrado dos pacientes ou das seguradoras geralmente tem pouca
semelhança com os custos reais da prestação de serviços médicos.
"Encontramos
uma incidência alta de pessoas que dizem que seus custos de saúde são
inacessíveis, em todos os tipos de plano de saúde, até mesmo no Medicaid e no
Medicare (financiados pelo governo)", diz ela.
"As pessoas
acumulam dívidas médicas porque não conseguem pagar as faturas. Isso é
exclusivo dos Estados Unidos. Nós realmente temos uma crise de dívida
médica."
Uma pesquisa
realizada por pesquisadores da fundação de políticas de saúde KFF mostrou que
cerca de dois terços dos americanos disseram que as seguradoras são
"muito" culpadas pelos altos custos da assistência médica. A maioria
dos adultos segurados, 81%, ainda classificou seu plano de saúde como
"excelente" ou "bom".
Christine Eibner,
economista do think tank sem fins lucrativos RAND Corporation,
afirmou que, nos últimos anos, as seguradoras têm negado cada vez mais a
cobertura de tratamentos e usado autorizações prévias para recusar a cobertura.
Ela disse que os
prêmios (valores) dos planos de saúde são de cerca de US$ 25 mil (R$ 151 mil )
por família.
"Além disso,
as pessoas têm de arcar com custos extras, que podem facilmente chegar a
milhares de dólares", afirma.
A UnitedHealthcare
e outras provedoras de plano de saúde enfrentam processos judiciais,
investigações da imprensa e auditorias do governo sobre suas práticas.
No ano passado, a UnitedHealthcare
fez um acordo em uma ação judicial movida por um estudante universitário com
doença crônica, cuja história foi publicada pelo site de notícias ProPublica,
que diz que ele se deparou com US$ 800 mil em despesas médicas quando seus
medicamentos receitados pelo médico foram negados.
Atualmente, a
empresa está lutando contra uma ação judicial coletiva que alega que ela
usa inteligência
artificial para
encerrar tratamentos precocemente.
A BBC entrou em
contato com o UnitedHealth Group para comentar.
Fonte: BBC News
Nenhum comentário:
Postar um comentário