O que é hemorragia
intracraniana, que fez Lula ser operado às pressas
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) precisou
ser submetido a uma cirurgia às pressas por causa de uma hemorragia
intracraniana.
Segundo o
boletim médico divulgado
pelo Hospital Sírio-Libanês, onde o procedimento foi realizado, Lula se queixou
de dores de cabeça na noite de
segunda-feira (9/12).
Ao passar por uma
ressonância magnética em Brasília, os médicos
diagnosticaram a hemorragia intracraniana, que está relacionada ao acidente domiciliar
que o presidente sofreu há pouco mais de um mês, no dia 19 de
outubro.
Segundo as
informações divulgadas à época, Lula escorregou no banheiro e bateu a
parte de trás da cabeça — nos dias
que se seguiram ao ocorrido, era possível notar alguns pontos e um machucado na
região da nuca do presidente.
Após o diagnóstico
do quadro na segunda-feira de noite, Lula foi transferido para São Paulo, onde passou por
uma "craniotomia para drenar o hematoma" (saiba mais sobre o
procedimento a seguir).
"A cirurgia
transcorreu sem intercorrências. No momento, o presidente encontra-se bem, sob
monitorização em leito de UTI [Unidade de Terapia Intensiva]", detalha o
boletim médico do Sírio-Libanês.
Ele deve ficar em
observação na UTI pelas próximas 48 horas.
"O presidente
evoluiu bem, encontra-se estável, conversando normalmente e se alimentando. Ele
ficará em observação pelos próximos dias", informou Roberto Kalil, médico
de Lula, em entrevista coletiva realizada na manhã de terça-feira (10/12).
"O presidente
não teve qualquer sequela", assegurou ele.
Segundo Kalil, Lula
será acompanhado e, se evoluir bem, deve retornar a Brasília no começo da
próxima semana.
Entenda a seguir o
que é uma hemorragia intracraniana e como profissionais de saúde costumam lidar
com casos do tipo.
·
O
que é hemorragia intracraniana
Como o próprio nome
sugere, a hemorragia intracraniana é marcada por um sangramento que ocorre na
parte de dentro do crânio.
"Trata-se de
um sangramento dentro da caixa craniana, o osso da cabeça", resume a
neurologista Sheila Martins, professora da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Isso pode se
desenrolar em algumas das estruturas que estão abaixo dos ossos da cabeça, como
o cérebro ou as camadas que revestem as estruturas do sistema nervoso —
conhecidas como meninges.
Um artigo assinado por
especialistas do Centro Médico da Universidade do Nebraska, nos Estados Unidos, dividem esse
quadro em quatro subtipos, de acordo com o local em que ele acontece.
Segundo eles, a
hemorragia pode ser epidural (entre o crânio e a dura mater, uma das membranas
protetoras do sistema nervoso), subdural (abaixo da dura mater), subaracnoide
(abaixo da membrana aracnoide) e intraparenquimal (nas próprias estruturas do
cérebro).
O caso de Lula foi
uma hemorragia subdural.
"O sangramento
estava entre o cérebro e a meninge, embaixo de uma membrana chamada dura
mater", detalhou o neurocirurgião Marcos Stavale, que esteve envolvido com
o procedimento.
"Esse
sangramento comprimia o cérebro e foi removido. O presidente está com as
funções neurológicas preservadas", complementou o especialista.
Nesse caso, o
acúmulo de sangue acontece na superfície do cérebro, no espaço que existe entre
o órgão e aquelas camadas que protegem o sistema nervoso.
Segundo o texto da
Universidade do Nebraska, casos de hemorragia intracraniana exigem
"avaliação neurocirúrgica imediata", algo que aconteceu com o
presidente brasileiro.
Já a Clínica Mayo,
instituição de referências em pesquisa de saúde dos EUA, destaca que a
hemorragia intracriana é marcada "por um acúmulo de sangue no crânio"
e isso pode gerar uma espécie de pressão no cérebro.
"As causas
mais comuns são rompimentos de vasos sanguíneos, mas o quadro também pode ser
causado por pancadas na cabeça após quedas ou acidentes automobilísticos",
informa o texto.
·
Mas
como um acidente ocorrido com Lula em outubro pode ter causado um efeito só
agora, em dezembro?
Martins explica que
uma batida na cabeça, como a sofrida pelo presidente há dois meses, pode romper
pequenas veias, responsáveis por retirar o sangue pobre em nutrientes e
oxigênio do cérebro e levá-lo em direção aos pulmões e ao coração.
"Muitas vezes,
após uma batida na cabeça, o tratamento é conservador e envolve apenas observar
o paciente", diz a médica, que também é chefe do Serviço de Neurologia e
Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
"Mas esses
pequenos vasinhos rompidos podem ficar porejando sangue ali, que aos poucos se
acumula e forma um hematoma", responde a especialista.
O neurologista
Rogério Tuma, do Sírio-Libanês, confirmou que foi isso o que aconteceu Lula.
O hematoma se
desenvolveu não no local da pancada, na parte de trás da cabeça, mas no lado
esquerdo. Isso porque, quando acontece o choque, o cérebro
"chacoalha" dentro da caixa craniana — e a lesão pode se desenvolver
em outra área.
"O presidente
já tinha sorvido um primeiro sangramento, mas teve um segundo. E isso
provavelmente está relacionado à queda que ele sofreu", disse o médico.
Esses eventos,
claro, não acontecem com todo mundo que passou por uma situação parecida — em
alguns indivíduos, o hematoma inicial desaparece naturalmente; em outros, ele
cresce e passa a incomodar.
O problema é que,
aos poucos, esse sangue acumulado começa a pressionar o cérebro.
"A depender de
onde a hemorragia ocorre, o paciente pode apresentar dificuldade para falar,
dormência e até entrar em coma", diz Martins.
A neurologista
destaca como quadros como esse são comuns após pancadas na cabeça.
"É algo muito
frequente em acidentes de trânsito. Também trata-se de uma das lesões mais
corriqueiras nos acidentes domésticos", aponta ela.
"Muitas vezes,
o paciente nem vai ao hospital após a batida. Ele só busca um médico meses
depois, porque nota que ficou mais esquecido, apresenta fraqueza num lado do
corpo ou dor de cabeça."
"Muitas vezes,
a pessoa nem se lembra que chocou a cabeça. E olha que nem precisa ser um
trauma importante para ver isso acontecer: às vezes, até uma batida mais leve
gera uma hemorragia intracraniana", destaca ela.
Sintomas de
hemorragia intracraniana
<><> A
Clínica Mayo explica que os principais sinais de hemorragia intracraniana são:
# Dor de cabeça
progressiva;
# Vômito;
# Mal-estar e perda
de consciência;
# Tontura e vertigem;
# Confusão mental;
# Pupilas dos olhos
de diferentes tamanhos;
# Dificuldade para
falar;
# Perda de
movimento e paralisia.
Pelas informações
divulgadas até o momento, Lula queixou-se de dor de cabeça — e esse foi o
motivo para os médicos pedirem exames de imagem, como a ressonância magnética.
Kalil também disse
que o presidente teve mal-estar e indisposição.
"Uma
hemorragia intracraniana pode ser fatal e necessita de tratamento de
emergência", alerta a Clínica Mayo.
Martins orienta que
todo mundo que bateu a cabeça e apresenta incômodos como dor de cabeça,
vômitos, perda de consciência e falta de força em um lado do corpo procure um
pronto-socorro.
"Indivíduos
que tomam remédios da classe dos anticoagulantes precisam ter uma atenção ainda
maior, pois têm um risco mais alto de sofrer uma hemorragia", diz ela.
·
Os
tratamentos da hemorragia intracraniana
A forma de lidar
com o quadro depende da extensão e da gravidade dele.
A Clínica Mayo
pontua que hemorragias pequenas, que não produzem muitos sintomas, não precisam
de intervenção imediata.
"No entanto,
os sintomas podem aparecer ou piorar dias ou semanas após o acidente",
alerta a entidade.
Isso, aliás, foi o
que aconteceu com Lula. O presidente sofreu o acidente em outubro e foi
queixar-se de dor de cabeça quase dois meses depois, em dezembro.
Quando a hemorragia
é maior ou está pressionando o cérebro, os médicos costumam partir para a
cirurgia.
Há dois tipos
principais de procedimento aqui.
O primeiro é a
drenagem cirúrgica. "Se o sangue está concentrado numa área e mudou de um
coágulo sólido para um líquido, é possível fazer um pequeno buraco no crânio e
fazer uma sucção", resume a Clínica Mayo.
Há também a
possibilidade de remover parte da calota craniana para retirar o sangue
acumulado. Essa opção, conhecida como craniotomia, foi a escolhida para tratar
Lula.
"A cirurgia
envolve abrir um pedacinho do osso e aquela capa protetora que está em volta do
cérebro para aspirar o coágulo", resume Martins.
O neurocirurgião
Mauro Suzuki, do Sírio-Libanês, afirmou que o presidente Lula passou mais
especificamente por uma trepanação.
"Nós fazemos
pequenas perfurações no crânio, onde são introduzidos drenos. É um procedimento
padrão em neurocirurgia", detalhou ele.
Segundo o médico,
essas perfurações se fecham sozinhas e não precisam de nenhum outro
procedimento complementar.
Martins diz que,
após os procedimentos cirúrgicos, os pacientes costumam ter uma recuperação
"ótima".
"O resultado
costuma ser excelente e a pessoa fica 100%", aponta a médica.
Os profissionais de
saúde que cuidaram de Lula asseguraram que ele poderá ter "vida
normal" após a alta.
Martins pondera
que, em muitos casos, é necessário fazer alguns exames complementares no
pós-cirúrgico para checar se os vasos que se romperam continuam a gotejar
sangue dentro do crânio.
Se isso estiver
acontecendo, uma nova hemorragia pode aparecer depois de algum tempo.
"Para lidar
com essa situação, pode ser necessário realizar um novo tratamento por
cateterismo para fechar esses vasinhos", pontua a neurologista.
O cateterismo é um
procedimento minimamente invasivo que envolve inserir cateteres por vasos
sanguíneos.
Com auxílio de
exames de imagem, esses fios são guiados até o local onde está ocorrendo o
vazamento, para interromper de vez a perda de sangue.
¨ O que acontece quando um presidente brasileiro está
internado
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva deve ficar uma semana
internado em
São Paulo, se recuperando de uma cirurgia de emergência realizada na noite de
segunda-feira (9/12), por causa de uma hemorragia intracraniana, sequela da
queda em que ele bateu a cabeça em outubro.
Segundo a equipe
médica do presidente, Lula deixou a sala de
cirurgia sem
"nenhum comprometimento no cérbero" e está "lúcido, falando e se
alimentando", mas ainda precisa se recuperar e só deve receber alta e
voltar a Brasília no início da próxima semana.
"O presidente
está tranquilo, [precisa] repousar, nada de trabalho por enquanto", disse
o médico pessoal de Lula, Roberto Kalil
Filho.
A previsão do
Palácio do Planalto, no entanto, é que Lula não vai se licenciar da Presidência
da República e continuará formalmente no cargo.
Na prática, o
vice-presidente Geraldo Alckmin assumiu parte da agenda que estava prevista
para Lula nesta terça-feira (10/12). Ele cancelou um compromisso que teria em
São Paulo e voltou cedo a Brasília para uma reunião bilateral com o
Primeiro-Ministro da Eslováquia, Robert Fico.
Segundo professores
de direito ouvidos pela BBC News Brasil, não há regras claras na legislação
brasileira sobre a substituição do presidente em caso de internação.
O artigo 79 da
Constituição dá orientações vagas: "Substituirá o Presidente, no caso de
impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente".
E não há uma lei
complementar regulando esse artigo.
Para o advogado
Felipe Fonte, professor de direito público da FGV, a Constituição "é lacônica"
sobre as situações de impedimento, deixando muito a critério do presidente como
proceder.
Ele lembra que o
ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a despachar do hospital durante seu mandato
quando passou por algumas internações decorrentes da facada que sofreu na
campanha de 2018.
Assim que assumiu o
cargo, Bolsonaro passou por uma cirurgia em janeiro de 2019 e ficou 18 dias no
hospital. Na ocasião, ele tirou licença médica apenas nos dois primeiros dias,
período em que passou temporariamente o cargo para seu vice, general Hamilton
Mourão.
A situação se
repetiu em setembro daquele ano, quando Mourão assumiu a função por cinco dias,
metade do período de internação.
Já em 2021, quando
Bolsonaro foi internado de emergência devido a uma obstrução no intestino, a
avaliação foi que Mourão não precisava assumir o cargo e o então
vice-presidente manteve uma viagem para Angola, onde participou da Cúpula da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
<><> Acordo
entre presidente e vice
Para o
constitucionalista Diego Werneck, professor do Insper, a falta de detalhamento
da Constituição sobre as situações de afastamento faz com que essa decisão,
geralmente, seja tomada em acordo entre o presidente e o vice.
"A
Constituição não regula em detalhes o que é impedimento e a gente não deveria
imaginar que isso tem que ser entendido de uma forma muito abrangente",
afirma.
"Então, quando
o presidente está dormindo ou mesmo passando por uma operação, ele, naquele
momento, não está podendo exercer a função. Mas nem por isso a gente imagina
que sempre que o presidente dorme e o vice está acordado, automaticamente o
vice tem poder decisório como se presidente fosse", exemplifica.
Segundo Werneck, a
incapacidade por apenas algumas horas não costuma gerar a necessidade de um licenciamento
formal. A situação, ressalta, pode ficar mais complexa no caso de um período
mais longo de inconsciência do presidente.
"É claro que,
se tiver alguma necessidade de uma decisão presidencial [enquanto o presidente
estiver impedido por questões de saúde], aí vai ter que se tomar uma decisão
política", nota o professor.
"E digo que é
uma decisão política, porque, evidentemente, num cenário que um presidente
fique inconsciente muito tempo, o próprio vice pode dizer 'olha, agora eu
preciso entrar'. E outras pessoas, ministros, podem dizer 'não, peraí, o
presidente não está impedido'", ressalta Werneck.
Como ocorre nos
Estados Unidos?
Se o presidente dos
Estados Unidos se tornar incapaz de desempenhar seu papel, a Constituição
americana coloca os "poderes e deveres" do cargo nas mãos do
vice-presidente.
E a 25ª Emenda,
ratificada no final dos anos 60, torna esse processo mais claro.
Ela prevê que o
presidente deve enviar uma carta ao Congresso comunicando seu afastamento, por
exemplo, no caso de um tratamento de saúde. Com isso, o vice-presidente se
torna o presidente interino.
Depois, quando o
presidente está recuperado, ele precisa enviar outra carta ao Congresso
avisando que está pronto para reassumir sua função.
Já na hipótese de o
presidente sofrer alguma emergência que o impeça de enviar a carta, isso deverá
ser feito pelo vice-presidente em conjunto com a maioria do gabinete
presidencial (o que no Brasil equivaleria à equipe ministerial).
Da mesma forma, o
presidente tem que enviar uma carta ao Congresso para reassumir o cargo, quando
está novamente apto.
Mas, se o
vice-presidente e o gabinete ministerial não concordarem que o presidente está
pronto para voltar a sua função, cabe ao Congresso decidir.
A substituição do
presidente em internações não é algo comum. Em 1985, quando o presidente Ronald
Reagan esteve no hospital para uma cirurgia de câncer, ele colocou seu
vice-presidente, George HW Bush, no comando por algumas horas.
"Estou prestes
a passar por uma cirurgia, durante a qual estarei breve e temporariamente
incapaz de exercer os poderes e deveres constitucionais do Gabinete do
Presidente dos Estados Unidos", dizia a carta de Reagan.
Em 2002 e 2007,
período em que os Estados Unidos estavam em guerras no Afeganistão e no Iraque,
o presidente George W Bush fez o mesmo com seu vice-presidente, quando foi
sedado durante colonoscopias de rotina.
Fonte: BBC News Brasil
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