Erik Chiconelli
Gomes: Trabalho em 2025 - os desafios
cruciais da classe trabalhadora na era digital
O cenário que se desenha para 2025 apresenta desafios
substanciais para a classe trabalhadora, exigindo uma análise que transcenda a
mera descrição das transformações tecnológicas e produtivas em curso. A
complexidade das relações trabalhistas contemporâneas demanda uma reflexão que
articule diferentes dimensões: jurídica, sociológica, econômica e política. O
momento atual caracteriza-se por uma profunda reestruturação do mundo do trabalho,
com a emergência de novas formas de organização produtiva que, sob o véu da
modernização e da flexibilidade, frequentemente mascaram processos de
precarização e intensificação da exploração laboral. Como adverte Jorge Luiz
Souto Maior, “o maior desafio do direito do trabalho na atualidade é exatamente
o de não permitir que a facilidade com que o capital ultrapassa fronteiras
prejudique a eficácia da própria ordem jurídica trabalhista” (Souto Maior 2007,
p. 28).
A uberização das relações de trabalho emerge como um
dos fenômenos mais significativos e desafiadores deste período. Muito além de
uma simples modernização mediada por tecnologia, representa uma profunda
reestruturação do modo como o trabalho é organizado, controlado e remunerado na
sociedade contemporânea. Os dados do IPEA (2023) indicam que aproximadamente
25% da força de trabalho brasileira já está inserida em alguma modalidade de
trabalho por plataforma, número que tende a crescer significativamente até
2025. Esta realidade demanda não apenas marcos regulatórios adequados, mas de
uma completa reformulação do modo como compreendemos e protegemos o trabalho
humano em uma era de crescente intermediação algorítmica das relações laborais.
A proliferação de contratos atípicos e a fragmentação
dos vínculos empregatícios representam uma tendência crescente, criando um
cenário de instabilidade e insegurança para os trabalhadores. Essa realidade se
manifesta em múltiplas dimensões: na descontinuidade dos rendimentos, na
imprevisibilidade da jornada, na ausência de proteção social e na dificuldade
de organização coletiva. A questão transcende o debate jurídico sobre a
natureza dos vínculos e alcança o próprio núcleo da proteção social do trabalho
no capitalismo contemporâneo. Como destaca Gabriela Neves Delgado, “a
fragmentação dos vínculos empregatícios não pode significar a precarização dos
direitos fundamentais do trabalho” (Delgado, 2023, p. 45), uma preocupação que
se torna ainda mais aguda quando observamos os indicadores socioeconômicos
atuais.
O quadro socioeconômico projetado para 2025 é
particularmente preocupante quando analisamos os dados estruturais do mercado
de trabalho brasileiro. A persistência de altas taxas de informalidade, que,
segundo a PNAD Contínua do IBGE (2023), atinge 38,8% da população ocupada,
revela não apenas um déficit de trabalho decente, mas uma característica
estrutural do capitalismo periférico, que tende a se agravar com as
transformações em curso. Essa realidade se conecta diretamente com a crescente
desigualdade social e a concentração de renda, criando um ciclo vicioso de
precarização que afeta principalmente os segmentos mais vulneráveis da classe
trabalhadora.
A questão da automação e da inteligência artificial
representa outro eixo fundamental de transformação do mundo do trabalho. As
projeções do Fórum Econômico Mundial (2023) indicam que até 2025, cerca de 85
milhões de empregos poderão ser deslocados pela mudança na divisão do trabalho
entre humanos e máquinas. No entanto, é fundamental compreender que esse processo
não é tecnologicamente determinado, mas o resultado de escolhas sociais e
políticas sobre como implementar essas tecnologias. A questão central não é se
haverá automação, mas como ela será implementada e quem arcará com seus custos
sociais.
O teletrabalho, intensificado durante a pandemia,
consolida-se como uma realidade permanente que traz consigo novos desafios e
contradições. Se por um lado oferece possibilidades de flexibilidade e redução
de custos com o deslocamento, por outro intensifica o processo de dissolução
das fronteiras entre tempo de trabalho e tempo de vida, criando formas de
controle e vigilância sobre os trabalhadores. Os dados do Ministério do
Trabalho (2023) indicam que 30% das empresas brasileiras manterão regimes
híbridos em 2025, uma tendência que demanda não apenas nova regulamentação, mas
uma profunda reflexão sobre os impactos desta modalidade de trabalho na saúde
física e mental dos trabalhadores.
A questão da saúde mental no trabalho emerge como um
dos principais desafios contemporâneos, agravada pelas transformações nas
formas de organização. O aumento de 25% nos problemas de saúde mental
relacionados ao emprego nos últimos dois anos, segundo a OMS (2023), revela uma
dimensão frequentemente negligenciada da precarização laboral. O adoecimento
mental aparece como sintoma de um modo de produção que intensifica a exploração
através de mecanismos cada vez mais sofisticados de controle e gestão do
trabalho.
O movimento sindical enfrenta o desafio de se
reinventar diante de uma classe trabalhadora cada vez mais fragmentada e
dispersa. A pulverização dos locais de trabalho, a individualização das
relações laborais e o enfraquecimento dos vínculos de solidariedade de
classe exigem
novas estratégias de organização e luta. Como argumenta Sayonara Grillo, “a
representação coletiva dos trabalhadores deve se reinventar para enfrentar a
dispersão e fragmentação da classe trabalhadora” (Grillo 2022, p. 89), um
desafio que se torna ainda mais complexo no contexto das plataformas digitais.
As mudanças climáticas e a necessária transição para
uma economia verde representam tanto desafios quanto oportunidades para a
classe trabalhadora. A OIT (2023) projeta a criação de 24 milhões de novos
empregos até 2030 em setores ligados à economia verde, mas este processo de
transição precisa ser pensado de forma a garantir uma “transição justa”, que
não penalize os trabalhadores dos setores mais afetados pela necessária
descarbonização da economia.
A proteção de dados dos trabalhadores emerge como uma
nova fronteira dos direitos fundamentais do trabalho. A crescente digitalização
das relações laborais cria novas possibilidades de vigilância e controle, que
precisam ser reguladas para proteger a privacidade e a dignidade dos
trabalhadores. Como destaca Ana Frazão, “a digitalização das relações de
trabalho não pode significar a vigilância total do trabalhador” (Frazão, 2022,
p. 234), uma preocupação que se torna ainda mais relevante com o avanço da
Internet das Coisas e dos sistemas de monitoramento baseados em IA.
O direito à desconexão ganha nova centralidade no
contexto do trabalho digital. A pesquisa da FGV (2023), que aponta que 67% dos trabalhadores
em home office relatam dificuldade em estabelecer limites entre a vida
profissional e pessoal, revela apenas a ponta do iceberg de um problema mais
profundo: a colonização total do tempo de vida pelo tempo de trabalho. Esta
questão demanda não apenas regulamentação específica, mas uma reflexão mais
ampla sobre o lugar do trabalho na vida social.
A discriminação algorítmica emerge como uma nova forma
de reprodução e amplificação de desigualdades históricas no mundo do trabalho.
Os sistemas de inteligência artificial utilizados em processos seletivos e
gestão de recursos humanos frequentemente incorporam e automatizam os
preconceitos existentes, criando formas de exclusão que se apresentam sob o véu
da neutralidade técnica. Essa realidade demanda não apenas regulação
específica, mas um questionamento mais profundo sobre o papel da tecnologia na
reprodução das desigualdades sociais.
As plataformas digitais de trabalho representam um
campo de batalha fundamental para os direitos trabalhistas nos próximos anos. O
aumento de 45% nas denúncias envolvendo condições precárias de trabalho em
plataformas, registrado pelo Ministério Público do Trabalho (2023), evidencia a
urgência de uma regulação específica que garanta proteção social efetiva para
esses trabalhadores. A questão central não é apenas o reconhecimento do vínculo
empregatício, mas a construção de um novo marco regulatório que dê conta das
especificidades dessa forma de organização do trabalho.
A internacionalização do trabalho por meio das plataformas
digitais representa uma nova fase do capitalismo global, onde as fronteiras
nacionais se tornam cada vez mais porosas para o capital, enquanto os
trabalhadores permanecem limitados por regulações territoriais fragmentadas.
Este processo histórico não é novo – desde a Revolução Industrial, observamos
movimentos de internacionalização do capital que desafiam as regulações
trabalhistas nacionais. Contudo, a especificidade do momento atual reside na
velocidade e na profundidade com que essas transformações ocorrem, bem como na
sofisticação dos mecanismos de controle e exploração do trabalho. A construção
de uma regulação internacional do trabalho, que já foi um sonho dos primeiros
internacionalistas operários, torna-se agora uma necessidade concreta para enfrentar
um capital que não conhece fronteiras.
O cenário que se desenha para 2025 evidencia as
contradições fundamentais do capitalismo contemporâneo: enquanto o
desenvolvimento tecnológico permite níveis inéditos de produtividade e riqueza
social, as relações de trabalho caminham para uma precarização crescente,
marcada pela instabilidade, pela intensificação do ritmo de trabalho e pela
erosão dos mecanismos de proteção social. A superação desses desafios não se
dará apenas no campo jurídico ou técnico, mas demanda uma profunda
transformação social que questione os próprios fundamentos da organização do
trabalho na sociedade capitalista. O futuro do trabalho não é um destino
inevitável determinado pela tecnologia, mas um campo de disputa política e social
onde se confrontam diferentes projetos de sociedade.
A classe trabalhadora encontra-se, portanto, diante de
um momento histórico crucial que combina ameaças e possibilidades. Por um lado,
observa-se o risco de uma precarização sem precedentes das condições de
trabalho, potencializada pela combinação entre tecnologias digitais e formas
renovadas de gestão do trabalho. Por outro lado, essas mesmas transformações
criam as bases materiais para novas formas de organização e resistência dos
trabalhadores, que podem se apropriar das tecnologias digitais para fortalecer
suas lutas e construir novos laços de solidariedade. O enfrentamento dos
desafios que se apresentam passa necessariamente pela recuperação da
perspectiva histórica do movimento operário: a compreensão de que os direitos
trabalhistas não são concessões do capital ou do Estado, mas conquistas
históricas que precisam ser constantemente defendidas e ampliadas através da
organização coletiva dos trabalhadores.
¨ A reforma
trabalhista colombiana. Por Gabriel Franco da Rosa e Paulo de Carvalho Yamamoto
No último dia 19 de outubro, a Câmara dos
Representantes da Colômbia – que equivale à Câmara dos Deputados do Brasil –
aprovou em segundo turno o texto-base de uma reforma trabalhista. Se, em terras
brasilis, a expressão “reforma trabalhista” chega a causar calafrios por
ter sido o eufemismo utilizado (e defendido ad nauseam) pelo
empresariado brasileiro pós-1988 para defender a redução de direitos sociais –
e que, infelizmente, foi positivada em 2017 – lá, a situação é diferente.
O projeto de lei que altera o Codigo
Sustantivo del Trabajo (Decreto 2.663/1950) foi proposto com
vistas a efetivar a ideia de um trabalho decente e digno. O esforço colombiano
se assemelha ao caso recente ocorrido na Espanha, que em 2021 (Dec.-Lei 32/21)
buscou combater a precariedade e promover a estabilidade no emprego. Em ambos
os casos, aliás, as mudanças de caráter protecionista sucederam outras
reformas, que reduziram a proteção laboral.
O conceito de trabalho decente é fundamental
para o direito do trabalho contemporâneo e deveria ter maior centralidade na
América do Sul, tendo em vista que foi desenvolvido na 87ª Conferência da OIT,
sob os esforços do então diretor geral, o jurista chileno, Juan Somavía.[i] Ainda que seja muitas vezes
desprezado por alguns intérpretes do ordenamento jurídico brasileiro, o
conceito aparece como o oitavo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das
Nações Unidas, segundo a previsão de “promover o crescimento econômico
sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho
decente para todas e todos”.
Para além do debate sobre a evolução do
conceito, importa ressaltar algumas dimensões imprescindíveis ao seu
reconhecimento como: oportunidades de emprego, rendimentos adequados e trabalho
produtivo, jornada de trabalho decente, estabilidade e segurança no trabalho,
igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego, ambiente de trabalho seguro,
seguridade social, diálogo social e representação de trabalhadores e
empregadores.
É bem verdade que esta não é a primeira
alteração que a legislação trabalhista colombiana sofre. O próprio Codigo
Sustantivo del Trabajo já fora vítima de outras duas importantes
reformas que reduziam o alcance da proteção ao trabalhador. Pelo menos, no
tocante à proteção contra o término da relação de emprego, nossos vizinhos não
passaram pelo vexame internacional de ratificar a Convenção nº 158 da OIT para,
em seguida, denunciá-la, de maneira inválida, porém, eficaz, segundo a
heterodoxa solução jurídica encontrada pelo STF, no bojo da ADI nº 1625.
Quanto à informalidade, tem-se que tanto no
Brasil, quanto na Colômbia há índices elevados de trabalho informal, acarretando
prejuízos a toda a sociedade. Diante deste problema social, nossas soluções se
mostram muito diferentes. O projeto colombiano segue a tendência global de
tentar resgatar da informalidade membros da classe trabalhadora do país.
Exemplo disso são diversos dispositivos reformistas, tais quais os artigos 73,
75, 76, 77, bem como de novos artigos propostos.
Por outro lado, aqui, no Brasil a Suprema
Corte vem operando uma reforma radical e de caráter ultraliberal, como se
observa no Tema 725 de Repercussão Geral[ii] e
na ADPF 324.[iii] Ou, ainda, por meio de Reclamações
Constitucionais, que visam ampliar, monocraticamente, a destruição juslaboral
para reconhecer validade até mesmo de contratos verbais de natureza civil,
ainda que diante da presença dos elementos caracterizadores da relação de
emprego, ferindo de morte o princípio da primazia da realidade.
Aliás, sobre este princípio basilar (ainda)
inscrito no artigo 9º da CLT,[iv] ele também constitui pedra
fundamental do direito do trabalho colombiano. A inovação tecnológica ao ser
aplicada em um Estado democrático de direito, submete-se ao ordenamento pátrio.
Daí, o projeto colombiano, em seus artigos 24 a 30, submeter o trabalhado
plataformizado à inteligência do “princípio da primazia da realidade”, para
diferenciar contratações autônomas e subordinadas, além de determinar a
inscrição das plataformas junto ao Ministério do Trabalho, a transparência dos
sistemas de automação, supervisão e tomada de decisão e da supervisão humana.
Vê-se, prontamente, a superioridade da solução colombiana em comparação com a
proposta inscrita no PLP 12/2024 brasileiro.
Diversas outras mudanças legislativas no
texto reforçam a ampliação da proteção ao trabalhador e indicam outra tendência
global, estampada nos documentos recentes da OIT e na Agenda 2030. Não se trata
aqui de reduzir a complexidade da realidade global e dos diversos e erráticos
movimentos que ampliam ou reduzem a proteção ao trabalhador, mas de demonstrar
que a opção que o STF tem levado à cabo para derrogar jurisprudencialmente (o
que é vedado pela lógica jurídica, porém, paradoxalmente ocorre frequentemente
pelas mãos do “guardião da Constituição”) o “princípio da primazia da
realidade” e, assim, o próprio direito do trabalho, está longe de ser a única
alternativa ou sequer uma tendência majoritária global. Pelo contrário,
trata-se de uma opção que mais isola o Brasil, que o conecta ao patamar
civilizatório correspondente ao atual estado produtivo.
De certo, isso faz lembrar o caso do reggaeton, estilo
de música colombiano escutado em todo o mundo, mas quase desconhecido no
Brasil. Caberia ao Brasil ouvir com mais atenção o que vem da Colômbia,
inclusive o reggaeton.
Fonte: Le Monde/A Terra é Redonda
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