quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Brasil ainda enfrenta desafios para aumentar a produção nacional de medicamentos biológicos

Embora ainda seja pouco explorada no Brasil, a biotecnologia farmacêutica gera um grande faturamento para o setor. Segundo o Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2023, os medicamentos biológicos correspondem a apenas 5% dos produtos comercializados, mas ocupam o segundo lugar em receita, com 27% do total — R$38,55 bilhões –, ficando atrás apenas dos remédios novos, que alcançaram 33,58%. Esses medicamentos podem ser utilizados no tratamento de diversas doenças e vêm conquistando uma importância cada vez maior na área de saúde em todo o mundo.

Diferente dos tradicionais comprimidos ou remédios sintéticos, os biofármacos são obtidos a partir de fluidos biológicos. São moléculas complexas derivadas de tecidos de origem animal ou de procedimentos biotecnológicos. Eles são divididos em várias classes, como a de proteínas que produzem medicamentos como a insulina e a de anticorpos monoclonais para combater doenças autoimunes e alguns tipos de câncer. “Muitas vezes, esses medicamentos são capazes de mudar a história de evolução da doença”, afirma Thiago Rennó, vice-presidente executivo da Bionovis, joint venture de biotecnologia farmacêutica formada em 2012 pelos laboratórios Aché, EMS, Hypera Pharma e União Química. “A maioria dos medicamentos mais vendidos no mundo é de biológicos e a tendência é aumentar ainda mais”.

Devido a sua alta complexidade, a fabricação desses medicamentos não é simples e exige um grande investimento. Por isso, atualmente no setor público, o Brasil só produz biofármacos através de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) que tem como objetivo ampliar o acesso a medicamentos e produtos para saúde considerados estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e fortalecer o Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS). As parcerias são realizadas entre instituições públicas e empresas privadas, buscando promover a produção nacional e desenvolver novas tecnologias.

Um dos principais produtores de medicamentos biológicos para o SUS é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), através do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), que em 2023 entregou quase nove milhões de frascos/seringas de biofármacos.

De acordo com a vice-diretora de qualidade do Instituto, Rosane Cuber, as PDPs são uma transferência de conhecimento e tecnologia que promovem um compartilhamento das etapas produtivas com o setor privado e permitem a fabricação nacional do medicamento que depois será distribuído para a população. “Poder entregar para o SUS é a grande beleza dessa política. No momento em que se começa a fazer algumas etapas e internalizar o processo nacionalmente se reduz o custo desse medicamento. Isso gera um maior equilíbrio na balança comercial e ao mesmo tempo permite que o país se coloque cada vez mais no cenário de desenvolvimento de produtos de alta complexidade”, explica Cuber.

·        Biofármacos: desafios e expectativas para produção nacional

O Brasil ainda enfrenta diversos desafios para se consolidar no setor de biofármacos. Estima-se que cerca de 80% dos medicamentos do tipo utilizados no país sejam provenientes de importações. O vice-presidente da Bionovis, Thiago Rennó, explica que a produção de biológicos em território brasileiro exige um investimento muito alto não só no desenvolvimento do medicamento, mas também em sua manutenção. “Além das dificuldades de desenvolvimento, produção, armazenagem e logística, construir uma fábrica para esse tipo de medicamento é muito caro. Temos empresas com potencial de produção, mas ainda são muito poucas”, afirma.

Outro problema apontado é a falta de segurança jurídica no setor de biotecnologia, o que afasta potenciais empresas de se estabelecerem no país. Para avançar nessa frente, Rennó destaca a necessidade de criação de uma lei que garanta as melhores regulações, visto que os medicamentos biológicos são projetos de longo prazo e precisam de políticas mais robustas. Apesar dos entraves, o vice-diretor acredita que o Brasil tem potencial para entrar de vez nesse mercado e ser um grande produtor de biológicos. “Temos a obrigação de fazer isso. A biotecnologia farmacêutica é fundamental para a soberania e para a saúde da população de qualquer nação. Somos um dos maiores mercados farmacêuticos do mundo e temos competência para mudar esse ciclo de importação”, diz.

Uma das grandes expectativas do setor atualmente é a expiração de patentes de medicamentos biológicos para os próximos anos. Estima-se que cerca de 100 biofármacos podem ficar disponíveis para reprodução, os chamados biossimilares. Atualmente o Brasil dispõe de 54 biossimilares aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A vice-diretora do Bio-Manguinhos explica que esse é um ponto de atenção para a política das PDPs, de forma que se consiga antecipar a produção de medicamentos prioritários para o SUS. “Com base nas prioridades, a gente avalia a nossa capacidade produtiva e conversa com os parceiros por meio de chamadas públicas. Se já temos a plataforma necessária para produzir esse medicamento, ele entra na nossa lista de PDPs sem precisar fazer grande investimento”, relata.

Cuber também expressa que o setor passou a contar com novas políticas diante do investimento do governo no CEIS. Agora, além de possuir a transferência de conhecimentos e tecnologias garantida pelas PDPs, os laboratórios podem submeter propostas para outros programas. Eles podem chegar a ser contemplados, por exemplo, pelo Programa para Ampliação e Modernização de Infraestrutura do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (PDCEIS) para melhorar seus estabelecimentos e pelo Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) que estimula o desenvolvimento nacional de produtos inovadores e tecnológicos.

Além disso, Rennó destaca que as PDPs têm passado por grandes aprimoramentos na última década que fortaleceram ainda mais essa iniciativa. “Essas parcerias estão cada vez mais robustas e transparentes, então a indústria farmacêutica mundial tem renovado o seu interesse por participar de oportunidades oriundas dos CEIS”, comenta o vice-diretor.

·        Falta de profissionais e pesquisas

O crescimento da biotecnologia farmacêutica no país também enfrenta a falta de recursos humanos e de pesquisas na área. De acordo com o vice-diretor da Bionovis, o setor privado tem dificuldades de contratar e, principalmente, de manter profissionais especializados no Brasil. Além disso, para ele ainda falta desenvolver mais estudos nacionais, visto que há uma alta taxação para a contratação de pesquisas do exterior. “Temos uma demanda crescente por pessoas com essa expertise e o Brasil é um dos países que mais taxa pesquisa e desenvolvimento contratada no exterior. É preciso um alinhamento melhor com a academia para que possamos formar mais profissionais qualificados para atuar nessa indústria”, afirma Rennó.

Nesse sentido, algumas universidades já têm trabalhado para aumentar o interesse na área e desenvolver mais pesquisas nacionais. Em junho deste ano a Universidade Estadual Paulista (Unesp) inaugurou a primeira fábrica da América Latina dedicada à produção de amostras de biofármacos para pesquisa clínica. A instalação deve começar a funcionar em janeiro de 2025 e prestará serviços terceirizados de desenvolvimento e produção de medicamentos para empresas farmacêuticas, biotecnológicas e outras instituições de pesquisa. Além de abrigar uma escola para o treinamento e capacitação profissional e um espaço destinado a startups de biotecnologia.

Para o professor e pesquisador Benedito Barraviera, diretor do Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos da Unesp, a fábrica vem para preencher um vazio necessário na área de pesquisa em biotecnologia. “Um dos maiores problemas para produzir biofármacos nacionais é que só são registrados produtos que conseguem fazer ensaios clínicos no Brasil, segundo norma da Anvisa. Mas, para isso, é preciso ter amostras que só existem fora do país, o que restringe a nossa capacidade de produção. Então ter a fabricação dessas amostras no nosso país vai revolucionar o mercado”, explica Barraviera.

·        Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde

Uma aposta do setor para alavancar a produção nacional e aumentar a distribuição de biofármacos no SUS é a construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS) do Bio-Manguinhos em parceria com o Ministério da Saúde. Localizada no Rio de Janeiro, a planta contará com capacidade de produção estimada de 120 milhões de frascos de vacinas e biofármacos para atender aos programas públicos de saúde e à demanda externa das Nações Unidas.

O complexo é uma tentativa de ampliar o acesso da população a produtos de alto valor agregado e, segundo explicado no site do projeto, pode ter um impacto na regulação dos preços com o aumento da oferta de produtos. Cerca de R$5 bilhões serão investidos na sua construção, por meio de um modelo se financiamento privado chamado “built to suit”, em que o valor será pago por Bio-Manguinhos na forma de aluguel e será revertido em patrimônio em 15 anos.

De acordo com a diretora de qualidade do Instituto, o complexo tem a capacidade de aumentar, em até quatro vezes, a capacidade de produção de medicamentos biológicos e é considerado um projeto estratégico para o Ministério. Cuber relata que o terreno já foi estabelecido e agora está sendo discutido com o Tribunal de Contas da União o modelo de construção. “Nós acreditamos que até o final deste ano conseguimos resolver essa parte burocrática. Uma vez isso tudo acertado, a ideia é que essa fábrica comece a ser construída e em seis anos já esteja em operação”, afirma.

 Fonte: Futuro da Saúde

 

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