Brasil ainda enfrenta desafios para
aumentar a produção nacional de medicamentos biológicos
Embora ainda seja pouco
explorada no Brasil, a biotecnologia farmacêutica gera um grande faturamento
para o setor. Segundo o Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2023, os
medicamentos biológicos correspondem a apenas 5% dos produtos comercializados,
mas ocupam o segundo lugar em receita, com 27% do total — R$38,55 bilhões –,
ficando atrás apenas dos remédios novos, que alcançaram 33,58%. Esses
medicamentos podem ser utilizados no tratamento de diversas doenças e vêm
conquistando uma importância cada vez maior na área de saúde em todo o mundo.
Diferente dos tradicionais
comprimidos ou remédios sintéticos, os biofármacos são obtidos a partir de
fluidos biológicos. São moléculas complexas derivadas de tecidos de origem
animal ou de procedimentos biotecnológicos. Eles são divididos em várias
classes, como a de proteínas que produzem medicamentos como a insulina e a de
anticorpos monoclonais para combater doenças autoimunes e alguns tipos de
câncer. “Muitas vezes, esses medicamentos são capazes de mudar a história de
evolução da doença”, afirma Thiago Rennó, vice-presidente executivo da
Bionovis, joint venture de biotecnologia farmacêutica formada em 2012 pelos
laboratórios Aché, EMS, Hypera Pharma e União Química. “A maioria dos
medicamentos mais vendidos no mundo é de biológicos e a tendência é aumentar
ainda mais”.
Devido a sua alta
complexidade, a fabricação desses medicamentos não é simples e exige um grande
investimento. Por isso, atualmente no setor público, o Brasil só produz
biofármacos através de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) que tem
como objetivo ampliar o acesso a medicamentos e produtos para saúde
considerados estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e fortalecer o
Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS). As parcerias são realizadas
entre instituições públicas e empresas privadas, buscando promover a produção
nacional e desenvolver novas tecnologias.
Um dos principais produtores
de medicamentos biológicos para o SUS é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), através
do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), que em 2023
entregou quase nove milhões de frascos/seringas de biofármacos.
De acordo com a
vice-diretora de qualidade do Instituto, Rosane Cuber, as PDPs são uma
transferência de conhecimento e tecnologia que promovem um compartilhamento das
etapas produtivas com o setor privado e permitem a fabricação nacional do
medicamento que depois será distribuído para a população. “Poder entregar para
o SUS é a grande beleza dessa política. No momento em que se começa a fazer
algumas etapas e internalizar o processo nacionalmente se reduz o custo desse
medicamento. Isso gera um maior equilíbrio na balança comercial e ao mesmo
tempo permite que o país se coloque cada vez mais no cenário de desenvolvimento
de produtos de alta complexidade”, explica Cuber.
·
Biofármacos: desafios e
expectativas para produção nacional
O Brasil ainda enfrenta
diversos desafios para se consolidar no setor de biofármacos. Estima-se que
cerca de 80% dos medicamentos do tipo utilizados no país sejam provenientes de
importações. O vice-presidente da Bionovis, Thiago Rennó, explica que a
produção de biológicos em território brasileiro exige um investimento muito
alto não só no desenvolvimento do medicamento, mas também em sua manutenção.
“Além das dificuldades de desenvolvimento, produção, armazenagem e logística,
construir uma fábrica para esse tipo de medicamento é muito caro. Temos
empresas com potencial de produção, mas ainda são muito poucas”, afirma.
Outro problema apontado é a
falta de segurança jurídica no setor de biotecnologia, o que afasta potenciais
empresas de se estabelecerem no país. Para avançar nessa frente, Rennó destaca
a necessidade de criação de uma lei que garanta as melhores regulações, visto
que os medicamentos biológicos são projetos de longo prazo e precisam de
políticas mais robustas. Apesar dos entraves, o vice-diretor acredita que o
Brasil tem potencial para entrar de vez nesse mercado e ser um grande produtor
de biológicos. “Temos a obrigação de fazer isso. A biotecnologia farmacêutica é
fundamental para a soberania e para a saúde da população de qualquer nação.
Somos um dos maiores mercados farmacêuticos do mundo e temos competência para
mudar esse ciclo de importação”, diz.
Uma das grandes expectativas
do setor atualmente é a expiração de patentes de medicamentos biológicos para
os próximos anos. Estima-se que cerca de 100 biofármacos podem ficar
disponíveis para reprodução, os chamados biossimilares. Atualmente o Brasil
dispõe de 54 biossimilares aprovados pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). A vice-diretora do Bio-Manguinhos explica que esse é um
ponto de atenção para a política das PDPs, de forma que se consiga antecipar a
produção de medicamentos prioritários para o SUS. “Com base nas prioridades, a
gente avalia a nossa capacidade produtiva e conversa com os parceiros por meio
de chamadas públicas. Se já temos a plataforma necessária para produzir esse
medicamento, ele entra na nossa lista de PDPs sem precisar fazer grande
investimento”, relata.
Cuber também expressa que o
setor passou a contar com novas políticas diante do investimento do governo no
CEIS. Agora, além de possuir a transferência de conhecimentos e tecnologias
garantida pelas PDPs, os laboratórios podem submeter propostas para outros
programas. Eles podem chegar a ser contemplados, por exemplo, pelo Programa
para Ampliação e Modernização de Infraestrutura do Complexo
Econômico-Industrial da Saúde (PDCEIS) para melhorar seus estabelecimentos e
pelo Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) que estimula o
desenvolvimento nacional de produtos inovadores e tecnológicos.
Além disso, Rennó destaca
que as PDPs têm passado por grandes aprimoramentos na última década que
fortaleceram ainda mais essa iniciativa. “Essas parcerias estão cada vez mais
robustas e transparentes, então a indústria farmacêutica mundial tem renovado o
seu interesse por participar de oportunidades oriundas dos CEIS”, comenta o
vice-diretor.
·
Falta
de profissionais e pesquisas
O crescimento da biotecnologia
farmacêutica no país também enfrenta a falta de recursos humanos e de pesquisas
na área. De acordo com o vice-diretor da Bionovis, o setor privado tem
dificuldades de contratar e, principalmente, de manter
profissionais especializados no Brasil. Além disso, para ele ainda falta
desenvolver mais estudos nacionais, visto que há uma alta taxação para a
contratação de pesquisas do exterior. “Temos uma demanda crescente por pessoas
com essa expertise e o Brasil é um dos países que mais taxa pesquisa e desenvolvimento
contratada no exterior. É preciso um alinhamento melhor com a academia para que
possamos formar mais profissionais qualificados para atuar nessa indústria”,
afirma Rennó.
Nesse sentido, algumas
universidades já têm trabalhado para aumentar o interesse na área e desenvolver
mais pesquisas nacionais. Em junho deste ano a Universidade Estadual Paulista
(Unesp) inaugurou a primeira fábrica da América Latina dedicada à produção de
amostras de biofármacos para pesquisa clínica. A instalação deve começar a
funcionar em janeiro de 2025 e prestará serviços terceirizados de
desenvolvimento e produção de medicamentos para empresas farmacêuticas,
biotecnológicas e outras instituições de pesquisa. Além de abrigar uma escola
para o treinamento e capacitação profissional e um espaço destinado a startups
de biotecnologia.
Para o professor e
pesquisador Benedito Barraviera, diretor do Centro de Ciência Translacional e
Desenvolvimento de Biofármacos da Unesp, a fábrica vem para preencher um vazio
necessário na área de pesquisa em biotecnologia. “Um dos maiores problemas para
produzir biofármacos nacionais é que só são registrados produtos que conseguem
fazer ensaios clínicos no Brasil, segundo norma da Anvisa. Mas, para isso, é
preciso ter amostras que só existem fora do país, o que restringe a nossa
capacidade de produção. Então ter a fabricação dessas amostras no nosso país
vai revolucionar o mercado”, explica Barraviera.
·
Complexo
Industrial de Biotecnologia em Saúde
Uma aposta do setor para
alavancar a produção nacional e aumentar a distribuição de biofármacos no SUS é
a construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS) do
Bio-Manguinhos em parceria com o Ministério da Saúde. Localizada no Rio de
Janeiro, a planta contará com capacidade de produção estimada de 120 milhões de
frascos de vacinas e biofármacos para atender aos programas públicos de saúde e
à demanda externa das Nações Unidas.
O complexo é uma tentativa
de ampliar o acesso da população a produtos de alto valor agregado e, segundo
explicado no site do projeto, pode ter um impacto na regulação dos preços com o
aumento da oferta de produtos. Cerca de R$5 bilhões serão investidos na sua
construção, por meio de um modelo se financiamento privado chamado “built to
suit”, em que o valor será pago por Bio-Manguinhos na forma de aluguel e será
revertido em patrimônio em 15 anos.
De acordo com a diretora de
qualidade do Instituto, o complexo tem a capacidade de aumentar, em até quatro
vezes, a capacidade de produção de medicamentos biológicos e é considerado um
projeto estratégico para o Ministério. Cuber relata que o terreno já foi
estabelecido e agora está sendo discutido com o Tribunal de Contas da União o
modelo de construção. “Nós acreditamos que até o final deste ano conseguimos
resolver essa parte burocrática. Uma vez isso tudo acertado, a ideia é que essa
fábrica comece a ser construída e em seis anos já esteja em operação”, afirma.
Fonte: Futuro da Saúde
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