quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Os diferentes grupos rebeldes que querem o poder na Síria após queda de Assad: 'Jogo começa agora'

"Eles chegaram aqui preocupados com os islâmicos": foi assim que uma fonte descreveu o estado de espírito dos ministros de Relações Exteriores árabes que foram para Doha, capital do Catar, no sábado (7/12), para reuniões urgentes com o objetivo de evitar o caos e o derramamento de sangue em Damasco.

Em poucas horas, o poderoso grupo militante islâmico que lidera a ascensão dos rebeldes ao poder informou que havia chegado ao centro da capital da Síria.

O líder do Hayat Tahrir-al Shams (HTS), Abu Mohammad al-Jowlani, anunciou triunfantemente "a captura de Damasco". Agora, ele está usando sua verdadeira identidade, Ahmed al-Sharaa, em vez de seu nome de guerra, como um sinal de sua súbita ascensão a um papel muito maior a nível nacional.

Ele certamente vai desempenhar um papel decisivo na definição da nova ordem na Síria após o repentino e impressionante fim de meio século de governo repressivo da família Assad.

No entanto, o líder de uma organização designada como terrorista pela ONU e pelos governos ocidentais não é o único protagonista no cenário de rápidas mudanças da Síria.

"A história ainda não está escrita", diz Marie Forestier, consultora sobre Síria do Instituto Europeu da Paz.

Ela e outros analistas que por acaso estavam participando do Fórum anual de Doha ressaltam que foi outro grupo rebelde, o recém-denominado Southern Operations Room ("Sala de Operações do Sul", em tradução livre), trabalhando com pessoas que vivem na cidade, que invadiu a capital.

As fileiras desta força são dominadas por combatentes do antigo Exército Livre da Síria (FSA, na sigla em inglês), que atuou em forte colaboração com as potências ocidentais no início da revolta na Síria em 2011.

"O jogo começa agora" é como Forestier descreve o início deste novo capítulo importante, marcado por uma explosão de comemoração nas ruas, mas também por questões cruciais sobre o que vai acontecer a seguir.

À medida que o grupo islâmico HTS avançava com velocidade surpreendente, enfrentando pouca resistência, ele desencadeou uma corrida das forças rebeldes em outras regiões da Síria, assim como uma onda de grupos locais armados ansiosos para desempenhar um papel em suas próprias regiões.

"Combater o regime de Assad foi a cola que manteve essa coalizão de fato unida", diz Thomas Juneau, especialista em Oriente Médio da Escola de Pós-Graduação em Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Ottawa, no Canadá, que também está em Doha.

"Agora que Assad fugiu, manter a unidade entre os grupos que o derrubaram vai ser um desafio", ele observa.

Os grupos incluem uma aliança de milícias apoiadas pela Turquia, conhecida como Exército Nacional Sírio (SNA, na sigla em inglês), que, assim como o HTS, dominava uma parte do noroeste da Síria.

No nordeste, os grupos das Forças Democráticas da Síria (SDF, na sigla em inglês), em sua maioria curdos, também ganharam espaço, e estarão determinados a manter sua posição.

Mas o ambicioso e conhecido líder do HTS roubou a cena. Sua retórica e seu histórico estão agora sob escrutínio dos sírios, assim como dos países vizinhos, e mais além.

O comandante da milícia que surgiu como uma afiliada da Al-Qaeda rompeu com o grupo jihadista em 2016 e, desde então, vem tentando melhorar sua imagem.

Durante anos, ele enviou mensagens conciliatórias para o exterior; agora, está assegurando às muitas comunidades minoritárias da Síria que elas não têm nada com que se preocupar.

"Há uma recepção cautelosa às suas mensagens", afirma Forestier. "Mas não podemos esquecer os últimos oito anos de seu regime autoritário e seu passado."

O regime do HTS, uma organização política e paramilitar, na província conservadora de Idlib, foi marcado pelo estabelecimento de uma autoridade local chamada Governo da Salvação, que instituía liberdade religiosa limitada, mas também medidas repressivas.

Na segunda maior cidade da Síria, Aleppo, a primeira área urbana tomada pelo HTS em seu avanço relâmpago, seus combatentes têm tentado provar que estão aptos a governar.

O grupo também tem enviado mensagens tranquilizadoras a países como o Iraque, dizendo que a guerra não ultrapassaria suas fronteiras.

Outros países vizinhos, incluindo a Jordânia, temem que o triunfo islâmico na vizinhança possa galvanizar grupos militantes descontentes dentro de suas fronteiras.

A Turquia, que certamente vai desempenhar um papel fundamental, tem suas próprias preocupações. O país considera as SDF um grupo terrorista ligado ao grupo curdo PKK, banido pela Turquia, e não vai hesitar em intervir militar e politicamente, como tem feito há anos, se seus próprios interesses forem ameaçados.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, afirmou no Fórum de Doha no sábado que era "inadmissível" que um grupo que ele chamou de terrorista, uma clara referência ao HTS, pudesse assumir o controle da Síria.

À noite, o enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pederson, me disse que havia uma "nova compreensão de uma nova realidade".

Os ministros das Relações Exteriores da região, incluindo antigos aliados do presidente Bashar al Assad, como o Irã e a Rússia, que foram surpreendidos por essa reviravolta espetacular dos acontecimentos, ainda estão pedindo que haja um esforço para estabelecer um processo político inclusivo. Isso foi ecoado por Pedersen.

"Este capítulo sombrio deixou cicatrizes profundas, mas hoje aguardamos com esperança cautelosa o início de um novo capítulo — um capítulo de paz, reconciliação, dignidade e inclusão para todos os sírios", disse ele após participar de reuniões em Doha, onde diplomatas, acadêmicos e autoridades do mundo todo estão em polvorosa com as últimas notícias da Síria.

Muitos observadores parecem relutantes em tirar conclusões precipitadas sobre o tipo de governo que vai emergir em um país conhecido por sua diversidade de seitas cristãs e muçulmanas.

"Não quero seguir essa linha de pensamento ainda", afirmou um diplomata ocidental ao ser perguntado se havia receio em relação a uma ordem dominada por grupos islâmicos linha-dura.

"Estamos apenas começando com o HTS, que liderou um golpe sem derramamento de sangue."

Juneau concorda. "Por enquanto, é bom simplesmente apreciar o colapso verdadeiramente histórico de um dos regimes mais brutais das últimas décadas", afirmou.

 

¨      O que explica colapso tão rápido do exército sírio com avanço de rebeldes que derrubaram Assad?

Poucas pessoas esperavam pelos rápidos acontecimentos vividos pela Síria nos últimos dias, depois que a oposição armada, liderada pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS – Organização para a Libertação do Levante, sediado na província de Idlib, no noroeste do país), anunciou o início da sua ofensiva final contra as forças do governo sírio.

Uma semana atrás, o regime de Bashar al-Assad havia ameaçado "esmagar os terroristas". Mas a notícia da queda do regime sírio surpreendeu a maior parte dos observadores do país.

A rápida sucessão de acontecimentos suscitou muitas perguntas, especialmente em relação aos motivos do colapso do exército sírio, ocorrido em velocidade assombrosa.

Quais fatores terão contribuído para a derrocada das Forças Armadas sírias e sua seguida retirada das batalhas contra os rebeldes?

Forte, mas nem tanto

A Síria é a sexta maior força militar do mundo árabe — a 60ª maior, em termos internacionais, segundo o Índice Global de Poder de Fogo de 2024, de um total de 145 países analisados.

O relatório leva em consideração uma série de fatores, que incluem o número de soldados e os equipamentos das Forças Armadas, além de fatores logísticos.

O exército sírio é formado por um grande número de soldados apoiados por forças paramilitares e milícias. Seu arsenal inclui uma combinação de equipamentos soviéticos em ruínas e outros mais modernos, procedentes de aliados como a Rússia.

São mais de 1,5 mil tanques e 3 mil veículos blindados, além de artilharia e sistemas de mísseis, segundo o Índice Global de Poder de Fogo.

Em termos de poderio aéreo, a Síria possui caças, helicópteros e aviões de treinamento. E também conta com uma modesta frota naval, vários aeroportos e portos vitais, como Latakia e Tartus.

A posição do exército sírio, teoricamente, pode parecer favorável, mas ela foi debilitada por muitos fatores.

O exército perdeu uma grande parcela do seu pessoal — estimado em 300 mil soldados — nos primeiros anos da guerracivil.

Algumas estimativas afirmam que o exército perdeu a metade das suas fileiras, seja devido aos combates ou porque alguns soldados fugiram ou se uniram aos grupos de oposição.

A força aérea também sofreu grandes perdas devido à guerra civil e aos ataques aéreos americanos.

Salário 'não dá para três dias'

Apesar das consideráveis reservas de petróleo e gás da Síria, sua capacidade de exploração foi gravemente limitada pela guerra.

As condições econômicas também se deterioraram ainda mais, especialmente nas regiões controladas pelo governo de Assad.

Em dezembro de 2019, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a chamada "Lei César". O texto entrou em vigor em junho de 2020, impondo sanções econômicas a qualquer agência governamental ou indivíduo que fizesse negócios com o governo da Síria.

Diversos relatórios indicam que os salários dos soldados do exército de Assad são baixos. Eles equivalem a cerca de US$ 15 a US$ 17 mensais (cerca de R$ 91 a R$ 103), um valor tão pequeno que "não dá nem para três dias", segundo um cidadão sírio.

O professor de relações internacionais Fawaz Gerges, da Universidade de Londres, declarou que a situação na Síria mudou drasticamente nos últimos três anos.

Um dos motivos, segundo ele, são "as sanções americanas, que empobreceram o povo sírio e os oficiais do exército".

"Segundo informações, os soldados não recebem alimentos suficientes, o que os deixa em estado psicológico difícil e à beira da inanição", segundo ele.

Na quarta-feira (4/12), Assad decretou um aumento salarial de 50% para os soldados, segundo a agência de notícias estatal síria. Aparentemente, o objetivo da medida foi levantar o moral da tropa, em meio ao avanço das forças da oposição.

Mas a decisão parece ter chegado tarde demais.

Abandonados pelos aliados

As notícias que davam conta da deserção dos soldados e oficiais – que facilitou o rápido avanço rebelde de Alepo até a capital, Damasco, passando pelas cidades de Hama e Homs – surpreenderam várias pessoas.

A correspondente da BBC em Damasco, Barbara Plett Usher, informou que oficiais na capital abandonaram seus veículos, armamentos e até seus uniformes, vestindo-se com roupas civis.

"O colapso do exército sírio se deve, quase totalmente, às políticas e práticas implementadas por Assad, desde que atingiu relativa superioridade sobre a oposição em 2016", afirma Yezid Sayigh, do Centro Carnegie para o Oriente Médio em Beirute, no Líbano. "Isso minou os pilares fundamentais que o mantinham no poder."

"Estas políticas afetaram o exército", prossegue o pesquisador.

"Dezenas de milhares de membros foram dispensados, ao lado da terrível deterioração dos níveis de vida, da corrupção galopante e da escassez de alimentos — até dentro das próprias forças armadas, que afastaram a comunidade alauíta [grupo étnico e religioso do Oriente Médio, principalmente da Síria], que domina os estratos superiores da hierarquia militar."

"O moral do exército sírio também foi gravemente abalado pela perda da ajuda militar direta do Irã, do Hezbollah e da Rússia, que não conseguem mais intervir adequadamente — ou não conseguem intervir de maneira nenhuma."

Sayigh acredita que "sem esperança de ajuda externa urgente, o exército perdeu a vontade de lutar".

Já o especialista militar britânico Michael Clarke, professor do Departamento de Estudos da Guerra do King's College de Londres, declarou à BBC que a enorme ajuda militar estrangeira fez com que o governo de Assad ficasse dependente, descuidando do seu próprio exército.

"Seu treinamento se deteriorou significativamente e o desempenho de liderança dos seus oficiais se tornou medíocre", explicou ele.

"Quando suas unidades enfrentaram os ataques do Hayat Tahrir al-Sham, muitos oficiais aparentemente se retiraram e outros fugiram. Quando os oficiais não conseguem demonstrar sua capacidade efetiva de liderança, não é de se estranhar que os soldados fujam."

Já Sayigh descarta que a retirada do apoio militar do Irã, Hezbollah e Rússia tenha sido intencional.

"No passado, a Síria dependia, em grande parte, do Hezbollah para apoio em terra", explica ele. "Mas, depois das perdas sofridas pelo partido-milícia no Líbano, ele não pôde mais oferecer este apoio."

"Houve também uma redução constante de oficiais e assessores iranianos na Síria, em consequência dos ataques israelenses durante a última década. E não foi mais possível enviar grandes reforços por terra ou pelo ar, já que Israel e os Estados Unidos controlam a maior parte do espaço aéreo sírio."

"Ao mesmo tempo, o governo iraquiano e as milícias pró-iranianas decidiram se manter à margem dos combates — o que pode ter ocorrido, em parte, porque o Irã percebeu que passou a ser impossível salvar Assad", explica Sayigh.

Por outro lado, a Rússia retirou uma grande quantidade dos seus aviões e forças da sua base em Latakia, devido à invasão da Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022.

Gerges concorda que a retirada do apoio militar por parte do Irã, Hezbollah e Rússia "foi uma das razões fundamentais que levaram à queda tão rápida das cidades sírias".

"Desta vez, o exército sírio não lutou, nem defendeu o regime", explica ele. "Ele decidiu se retirar das batalhas e baixar as armas."

"Isso indica que o apoio russo e iraniano à doutrina de combate do Hezbollah foi um fator importante para ajudar Assad a permanecer no poder, especialmente depois de 2015."

Oposição fortalecida

Paralelamente à frágil situação do exército sírio, muitos observadores resumem o ocorrido nos últimos dias à unificação das facções armadas da oposição sob um posto de comando único, bem como à sua boa preparação para esta batalha e ao desenvolvimento das suas capacidades militares.

O discurso dos rebeldes, especialmente as mensagens tranquilizadoras enviadas aos civis sobre as crenças e promessas de liberdade religiosa, ajudou a obter rápidos avanços sobre as forças do governo de Assad, segundo os especialistas.

Todos estes fatores, aparentemente, contribuíram para o rápido colapso do exército sírio e a posterior queda do regime de Assad. Para Fawaz Gerges, foi algo "muito similar ao colapso do regime do xá do Irã em 1979".

"A oposição síria, com suas alas islâmicas e nacionalistas, foi capaz de destruir o regime em menos de duas semanas... O regime de Assad estava com seu tempo esgotado e, quando chegou o ataque de surpresa da oposição, o exército caiu e o regime se desmantelou, como se fosse um castelo de cartas", concluiu Gerges.

¨      Rússia confirma asilo a Assad 

A Rússia confirmou que concedeu o asilo político ao ex-presidente da Síria, Bashar al-Assad, em meio ao colapso do governo da Síria, com uma ofensiva rebelde que culminou em sua depoisção.

<><> Entenda o conflito interno

Os conflitos internos tiveram início na última semana de novembro, com o objetivo de depor o governo de Assad, considerado por eles um ditador. Cidades como Aleppo, Hama e Homs já estavam completamente sob o controle da oposição na última semana.

Há mais de 10 anos, o regime de Assad abriu as portas da Síria para uma cruenta guerra civil que se mantinha até hoje. Contudo, o grupo de rebeldes, Hay’at Tahrir Al-Sham (HTS), que tomou conta dos territórios, tampouco é considerado um apaziguador e pode desencadear conflitos maiores na região.

Apesar de nascer de um conflito divergente dos ataques de Israel na região, mas ocorre em meio ao enfraquecimento do Hezbollah e do Irã, com os ataques intensos das Forças de Defesa de Israel.

Anteriormente, o governo de Netanyahu já havia bombardeado as bases do governo Assad e a ofensiva do grupo ocorreu no momento cítico da Síria na mira de novos ataques.

<><> Concomitante a ataques de Israel

Não à toa, neste domingo (08) e segunda-feira (09), Israel fez bombardeios a Síria, em uma ofensiva que teria sido descrita pelo país como “limitada e temporária” para supostamente garantir a “segurança de Israel”. Os ataques teriam sido em locais de armas químicas e foguetes de longo alcance da Síria para que não caíssem nas mãos de “extremistas”.

Mas os ataques foram interrompidos após a Rússia confirmar que o presidente Vladimir Putin concedeu o asilo a al-Assad de forma “pessoal”.

<><> Rússia se posiciona a favor de Assad

Ainda neste domingo (08), jornais russos confirmaram que fontes do país informaram o asilo “por razões humanitárias” ao ex-líder da Síria e sua família.

Também na manhã desta segunda (09), a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, desmentiu que Bashar al-Assad estava morto, uma notícia que teria sido divulgada por agências de notícias no final de semana.

“Enquanto o Ocidente afirma estar a combater a desinformação, os seus principais meios de comunicação social estão a produzi-la em massa. A realidade? Assad está são e salvo, recebido com sua família em Moscou sob a proteção da Rússia”, disse.

<><> Brasil adota cautela e manifesta preocupação

Em meio aos gestos críticos da região, com a deposição de Assad, o apoio recebido pela Rússia e os bombardeios de Israel, outros países do mundo mantiveram a cautela para se manifestar, entre eles o Brasil.

O governo Lula decidiu não mostrar tom que favorecesse qualquer dos lados dos conflitos – Assad ou o grupo rebelde e a Rússia ou Israel, e apenas manifestou “preocupação” com a intensificação da crise na região.

“O governo brasileiro acompanha com preocupação a escalada de hostilidades na Síria”, escreveu o Itamaraty, em nota. A paste pediu, ainda, uma solução pacífica e orientou os brasileiros – há cerca de 3,5 mil na Síria – a deixar o país.

 

Fonte: BBC News Mundo/Jornal GGN

 

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