quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Mateus Mendes: ‘Uma vitória para a Europa’

Qualquer um que assista ao discurso de Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia, celebrando o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, poderá perceber o quão lesivo o tratado é para o Brasil e demais países do bloco sul-americano. Em dois minutos de fala, ela não apenas regozijou-se da vitória, como também fundamentou o porquê de seu amplo sorriso: com o acordo, seu bloco garantiu, por um lado, acesso preferencial às nossas matérias-primas e, de outro, expansão dos mercados para seus produtos.

Do lado de lá, a grande vitoriosa foi a indústria alemã. As tarifas que Donald Trump já anunciou que imporá sobre importações europeias não são bons presságios para as manufaturas europeias, especialmente as alemãs. Do lado de cá, o acordo favorece o agronegócio e a mineração. Nunca é demais lembrar que esses dois setores empregam pouco, não geram inovação, criam enormes passivos ambientais e são associados à violência no campo contra indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.

Ademais, não há o que se falar em transferência de tecnologia, afinal, a Europa não é mais um polo tecnológico. Das oito empresas que concentram 80% do mercado de computação em nuvem, serviço essencial para a indústria 4.0, seis são estadunidenses e duas, chinesas. Das 11 empresas de tecnologia que estão entre as 50 maiores em valor de mercado, seis são estadunidenses, três estão em território chinês, uma é sul-coreana e apenas uma é europeia e, ainda assim, ocupa a 41ª posição.

Das 50 maiores empresas que desenvolvem inteligência artificial (IA), apenas seis têm sede na União Europeia. Quando o assunto é dispositivos eletrônicos, metade do mercado de smartphones está nas mãos da Samsung (Coreia do Sul), Apple (Estados Unidos) e Xiaomi (China) e mais da metade do de computadores está com a Lenovo (China), HP (Estados Unidos) e Dell (Estados Unidos).

Quando o assunto é indústria associada à energia renovável, a situação não é melhor para a União Europeia. Das dez empresas que respondem por três quartos dos painéis solares, a China é a sede de sete, enquanto Canadá, Coreia do Sul e Estados Unidos abrigam uma cada um. Em se tratando de baterias de lítio, 80% do mercado está nas mãos de seis empresas: três chinesas, duas sul-coreanas e uma japonesa. Apenas no mercado de turbinas eólicas a União Europeia se destaca, sendo a sede de quatro das sete que concentram 70% do mercado. 

Além disso, trata-se de um acordo anacrônico. Quando se iniciaram as negociações, vivia-se o auge da globalização neoliberal. Hoje, quando as partes dão as negociações por encerradas, assiste-se a uma onda protecionista. Sem embargo, a presidenta da Comissão Europeia falou ainda em “momento crucial para nosso futuro compartilhado”. Bem, parece o prenúncio da reedição de nosso passado compartilhado: superexploração e passivos ambientais por aqui garantem o desenvolvimento, o bem-estar e a estabilidade política por lá.

Especificamente no caso brasileiro, o acordo compromete a já tão difícil reindustrialização. Como a liberalização experimentada nos anos 1980 e 1990 é parte da explicação da precoce desindustrialização brasileira, não há malabarismo teórico ou retórico capaz de sustentar que a liberalização do comércio com a União Europeia contribuirá para a retomada ou reinvenção da indústria nacional.

De alimentos e bebidas (produtos em que a certificação de origem é um diferencial) a aeronaves, passando por máquinas e equipamentos, verdade seja dita, nossa indústria tem pouca condição de competir com a europeia. (Não cabe aqui discutir e comparar a história e as estratégias de desenvolvimento; as possibilidades e os constrangimentos externos que geraram essa desproporção entre as capacidades produtivas daqui e de lá: o fato é que, a preços de hoje, nossa indústria não tem condições de competir com a europeia, especialmente com a alemã).

A título de comparação, nossa indústria de transformação responde por 1,05% do setor no mundo, enquanto a da Alemanha participa com 8,65%, a dos Países Baixos, com 3,52%, a da Itália com 3,43% e a da França com 3,05%.[ Portanto, o acordo tende a resultar na redução de postos de trabalho qualificado, poder aquisitivo e de diversidade produtiva. Ao fim do dia, o resultado será o fortalecimento do setor primário.

Em que pese o risco que corre a indústria brasileira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) não apenas parece bem satisfeita com o acordo, como também o vê como “estratégico na diversificação das exportações brasileiras” e “importante para reverter o processo de reprimarização das exportações nacionais”, afinal, “incentivará a indústria do Brasil a exportar bens de maior valor agregado para um mercado altamente competitivo”.

No entanto, é inescapável observar que não se percebe na burguesia brasileira qualquer interesse no desenvolvimento autônomo do país, muito menos pretensão de transformá-lo num dos protagonistas da economia política internacional, inclusive porque parte expressiva da indústria aqui instalada é de capital estrangeiro. Do ponto de vista geral, isso pode ser visto pelo apoio dado às manifestações de 2013, ao golpe de 2016 e ao governo de Jair Bolsonaro. No entanto, se quisermos um exemplo mais concreto e atual, podemos ficar com posição da CNI face ao PL 2.338, que regulamenta o uso de Inteligência artificial no Brasil.

Uma das razões alegadas para sua oposição ao PL foi que ele poderia fazer o Brasil perder atratividade para alocação dos centros de processamentos de dados. Essas unidades físicas são fundamentais para a computação em nuvem, que, por seu turno, são de suma importância para a Inteligência artificial e para a indústria 4.0 em geral. Os datacenters consomem muita energia para o resfriamento dos processadores. Segundo a CNI, um dos principais potenciais do Brasil no desenvolvimento da Inteligência artificial é “a matriz energética limpa para atender a demanda dos datacenters.

Os países estão buscando descarbonizar seus processos produtivos direcionando a produção para regiões que oferecem energia limpa, segura, barata e abundante, como o Brasil”. Nesse sentido, afirma Jefferson Gomes, diretor de Tecnologia e Inovação da CNI, o PL 2.338 poderia “afugentar novos investimentos, prejudicar os projetos de Inteligência artificial do setor produtivo que nem sequer utilizam dados pessoais e levar o país a perder competitividade e a oportunidade de se inserir como importante player nas cadeias globais.

Ou seja, o projeto de nossos industriais não é desenvolver o setor digital, mas aproveitar nossas potencialidades naturais para que os tubarões do capitalismo digital reduzam suas pegadas ecológicas. O desenvolvimento do setor digital passou muito longe.

Não obstante, o encerramento das negociações do acordo não significa que o mesmo entre em vigor imediatamente. O acordo precisa ser internalizado pelas partes. No Brasil e do Mercosul, essa etapa inclui a avaliação e aprovação nos Parlamentos locais. No Brasil, levando em consideração que o atual governo, por contraditório que seja, é entusiasta do tratado e que a oposição é particularmente interessada por tudo que prejudique nosso desenvolvimento, a aprovação do acordo contará com fortes apoios. Finalmente, há que se destacar que a mobilização por parte do movimento social, tal qual se fez para barrar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), seria algo urgente, necessário e bem-vindo.

No caso da União Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia. O Parlamento representa os cidadãos europeus e é proporcional à população de cada país. Já o Conselho é formado por ministros dos Estados-parte. Enquanto no Parlamento a votação é por maioria simples, no Conselho o cálculo é mais complicado: é preciso aprovação de ao menos 55% dos países e representar no mínimo 65% da população do bloco. E é aqui que o Steinheager fica aguado. O acordo enfrenta maior ou menor resistência por parte da França (15% da população do bloco), Itália (13%), Polônia (9%), Países Baixos (4%), Hungria (2%) e Áustria (2%), o que somado supera o corte demográfico.

Como se vê, o campeonato ainda está sendo jogado. Porém, há que se reconhecer que, por ora, Ursula von der Leyen tem razão: “este acordo é uma vitória para a Europa”.

 

¨      China 'continuará a prevalecer' no Mercosul para além do acordo com a União Europeia, diz analista

A intenção de "vencer a China" é um dos elementos que leva a União Europeia a reavivar o acordo comercial com o Mercosul, disse à Sputnik o analista Marcelo Robba que considera que "a preponderância da China é inegável" e que Pequim continuará a ser o maior parceiro dos países do Mercosul.

O anúncio de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE) lançado no início de dezembro pode "não ser uma boa notícia" para a China, que há anos tenta fechar um tratado semelhante com o bloco sul-americano, embora sem sucesso. De qualquer forma, pode ser que mesmo com uma situação não tão positiva, o gigante asiático não perca espaço como principal parceiro dos países do Cone Sul.

Marcelo Robba, analista de Negócios Internacionais e membro do Grupo de Estudos da China (GEChina) da Universidade Nacional Argentina de Rosário, disse à Sputnik que, embora Pequim "não o declare", o anúncio feito no dia 6 de dezembro em Montevidéu pode manter atento ao governo chinês. "Os processos de integração fortalecem os países, mas às vezes também complicam porque assumem compromissos com aquele bloco e perdem um pouco de liberdade de manobra", disse o analista.

Robba destacou ainda que, além da resistência interna que o acordo ainda apresenta no velho continente, a UE busca que o acordo com o bloco fundado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai seja visto como um duelo vencido contra a potência asiática.

"A Europa vê a China como um rival internacional e uma das variáveis que leva em conta na abordagem ao Mercosul é tentar obter uma pequena vantagem sobre a China", disse o especialista.

Neste quadro, Robba lembrou que a UE procura "colocar obstáculos" em alguns setores em que a China se consolida como líder mundial, como os veículos elétricos (VEs) ou o desenvolvimento da inteligência artificial (IA). "O mundo está mudando com novas indústrias e novas tecnologias e a China parece mais bem posicionada, por isso a Europa está buscando como se proteger disso", afirmou o analista, salientando que o acordo com o Mercosul "tem a ver com essa realidade".

Além disso, acrescentou Robba, a China encontra atualmente um panorama político "pouco auspicioso" dentro do Mercosul, principalmente devido à assunção da presidência pro tempore da Argentina de Javier Milei, à relutância do Paraguai nas relações com Pequim e a uma mudança de governo no Uruguai que abre um período de espera para negociações sobre um possível acordo de livre comércio.

Para o especialista, o Brasil é neste contexto "aquele que poderia promover uma maior aproximação com a China" se não fosse uma "tradição protecionista" que, em defesa dos seus setores industriais, o distancia da possibilidade de um acordo.

<><> China não perderá posição na América do Sul

De qualquer forma, o especialista lembrou que há um longo caminho entre o anúncio de 6 de dezembro e uma eventual entrada em vigor do acordo, uma vez que as condições estipuladas devem ser aprovadas por todos os países europeus, um processo que já deixou o acordo, anunciado em 2019, paralisado.

Assim, Robba previu que a China deve continuar a ter uma atitude "muito ativa" e "continuará a prevalecer na região independentemente dos acordos que forem feitos".

"A preponderância da China é inegável e acredito que o país continuará a fazer prevalecer a sua importância e qualidade como parceiro fundamental para cada um dos membros do Mercosul. E, na medida que pode, avançará com os acordos que possa fazer", ponderou.

Na verdade, nas últimas semanas Pequim mostrou que não descarta a sua intenção de promover acordos com o Mercosul. Além de se reunir com o presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, no dia seguinte à sua vitória eleitoral, o embaixador chinês em Montevidéu, Huang Yazhong, declarou à mídia local que seu país mantém uma "posição aberta" para insistir em um acordo de livre comércio, seja bilateral com o Uruguai ou multilateral com todo o Mercosul.

Para reforçar a relevância da proposta, o diplomata lembrou que dois principais concorrentes do Uruguai, como a Austrália e a Nova Zelândia, já assinaram acordos com a China, pelo que têm acesso a vantagens tarifárias.

Também em dezembro, a China enviou o seu representante para a América Latina e Caribe, Xu Wei, a Assunção para se reunir com senadores da oposição paraguaia e explorar a possibilidade de o país sul-americano abandonar os seus laços com Taiwan para se aproximar da China.

Robba considerou, em todo o caso, que um sinal inequívoco da importância da China para a região é "a mudança de posição do governo Milei", que finalmente procurou manter relações diplomáticas e comerciais com o gigante asiático apesar das suas palavras hostis para com os chineses e seu sistema político.

O especialista considerou que uma fórmula plausível para a China reforçar a sua presença na região nos próximos anos pode ser avançar em acordos "setoriais" que permitam estabelecer facilidades comerciais para setores específicos da economia.

"Podem ser alcançados avanços em questões setoriais que permitem a redução de tarifas mútuas em determinados setores, facilitando o embarque de produtos do Mercosul em troca de facilitar a entrada de determinados itens chineses", concluiu.

<><> Disputa comercial EUA-China atinge produção de drones e ameaça mais consequências, diz mídia

Depois de os EUA reforçarem ainda mais os controles de exportação para a China, chegou a vez de Pequim pagar na mesma moeda ao limitar as vendas de componentes-chave de drones para EUA e Europa.

Após os EUA reforçarem ainda mais os controles de exportação para a China envolvendo equipamentos de fabricação de semicondutores, chips de armazenamento e outros itens no início deste mês, Pequim alertou que retaliaria, ao mesmo tempo em que disse que nenhum dos lados se beneficiaria de travar uma guerra comercial.

De acordo com a Bloomberg, a China está começando a limitar as vendas de componentes-chave de drones para EUA e Europa.

Produtores chineses de motores, baterias e controladores de voo estão supostamente limitando ou interrompendo as remessas, segundo fontes afirmaram à mídia. As futuras aprovações de licenças podem ser baseadas no uso das peças, com os fabricantes chineses possivelmente obrigados a relatar seus planos de remessa.

A China controla quase 80% do mercado comercial de drones, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. Com isso, as empresas afetadas estão correndo para obter suprimentos de mercados alternativos.

Em outra espiral recente da disputa comercial EUA-China, Washington impôs restrições em dezembro às remessas para a China de chips de memória de alta largura de banda (HBM, na sigla em inglês); ferramentas adicionais de fabricação de chips e software; e equipamentos de fabricação de chips feitos em países terceiros.

<><> Quais são as consequências?

As restrições dos EUA violam as regras do mercado, interrompem as cadeias de suprimentos e podem sair pela culatra para a própria indústria de chips norte-americana, alertou a China.

Os consumidores dos EUA sofrem o impacto da guerra comercial por meio de preços mais altos; a renda real agregada despenca, de acordo com a pesquisa de 2021 do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA. As empresas de manufatura, automotivas e de tecnologia estão particularmente em risco em relação à receita e à dinâmica da cadeia de suprimentos, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Strategy Risks.

O presidente eleito Donald Trump, cujas tarifas comerciais de 2018 desencadearam a guerra comercial, ameaçou cobrar taxas de 10% a 60% sobre produtos chineses com potencial para consequências em escala épica, que segundo Pequim prejudica não apenas as duas maiores economias do mundo, mas toda a cadeia de suprimentos global.

¨      Diplomacia da Coreia do Sul está no limbo após a tentativa de lei marcial presidencial

A diplomacia da Coreia do Sul foi "efetivamente paralisada" pela tentativa fracassada de impor uma lei marcial do presidente Yoon Suk-yeol, abalando globalmente a reputação de Seul e estagnando a agenda internacional do país, segundo a mídia asiática.

De acordo com o South China Morning Post, a tentativa de Yoon Suk-yeol de impor uma lei marcial no país deixou o governo da Coreia do Sul em desordem. Como resultado, investigações criminais e esforços de impeachment visando Yoon foram reunidos para tentar resolver a questão o mais rápido possível com algum senso de justiça diante da opinião pública.

Apesar de tudo, o líder sul-coreano sobreviveu a uma votação inicial de impeachment no sábado (7), mas os esforços para destituí-lo não se encerraram. Já nesta segunda-feira (9) o Ministério da Justiça aprovou uma proibição de viagem para Yoon, o que o impediria de viagens ao exterior, incluindo cúpulas com líderes estrangeiros.

Segundo analistas ouvidos pela mídia, esta crise política pode resultar na séria perda de senso de oportunidade para lidar com o futuro líder norte-americano Donald Trump, em um momento em que o mundo navega por águas turbulentas.

Para o professor visitante de estudos internacionais e ciência política na Universidade Dankook na Coreia do Sul, Benjamin Engel, ouvido pelo SCMP, "agora, quem está lá para jogar golfe com Trump e sussurrar em seus ouvidos sobre comércio, Coreia do Norte e compartilhamento de ônus de defesa? Ninguém", afirmou.

Ainda em novembro, o governo sul-coreano chegou a informar à imprensa que Yoon se preparava para um encontro com Trump e que até mesmo havia começado a treinar golfe para o encontro.

Enquanto a situação de Seul não se estabiliza, cada vez mais vozes se juntam aos que protestam pela cassação de Yoon Suk-yeol, afirmando que somente com a substituição do líder, a Coreia do Sul poderá retomar os trilhos de suas relações exteriores.

Fontes têm especulado que Yoon pode ter tentado provocar a Coreia do Norte para justificar a imposição da lei marcial, o que, se comprovado, poderia ter "consequências devastadoras" para as relações de Seul com Washington.

O ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Cho Tae-yul, disse na segunda-feira (9) que Seul deve ser incessante em seus esforços para restaurar a confiança da comunidade internacional após a crise enquanto os parlamentares sul-coreanos encontram uma forma de resolver o imbróglio em que foram mergulhados pelo líder do Executivo sem correr o risco de tomar uma atitude inconstitucional.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Sputnik Brasil

 

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