Raphael Ribeiro: Coaches e dominionismo -
puro suco de extrema direita
Por muito tempo houve
o projeto pedagógico neopentecostal baseado na afirmação do mundo e de gozo do
dinheiro. Na perspectiva da teologia da prosperidade, o crente está destinado a
ser próspero, saudável e feliz neste mundo. E o principal sacrifício que Deus
exige de seus servos, segundo essa teologia, é de natureza financeira: “ser
fiel nos dízimos e dar generosas ofertas com alegria, amor e desprendimento”,
afirma a socióloga Christina Vital da Cunha.
Contudo, essa noção de
prosperidade terrena na religiosidade cristã é fruto de um processo de
secularização do protestantismo ascético, como bem mostra a tese de Max Weber.
Inspirados no calvinismo, interpretava-se, já nos primeiros anos do século XIX,
o caminho para a salvação eterna como decorrente do sucesso mundano e visível.
A ética protestante
funciona da seguinte maneira: “De fato, se Deus, cujas mãos os puritanos viam
em todas as ocorrências da vida, aponta para um de Seus eleitos uma
oportunidade de lucro, este deve segui-la com um propósito, de modo que um
cristão de fé deve atender a tal chamado tirando proveito da oportunidade”. Max
Weber mostra que a ideia de que “quanto maior a posse [...], mais pesado o
sentimento de responsabilidade em mantê-la intacta para a glória de Deus e em
fazê-la crescer em um esforço contínuo” tem suas origens na Idade Média, “mas
foi na ética do protestantismo ascético que encontrou fundamentos éticos
consistentes. Seu significado para o desenvolvimento do capitalismo é óbvio”.
Foi nessa lógica que a
literatura de autoajuda nasceu nos EUA sob forte influência calvinista. De
acordo com a historiadora Karina Bellotti, a primeira obra identificada com o
título “Autoajuda” é do escocês (residente nos EUA) Samuel Smiles, “que apostava
num ideal calvinista de autoaprimoramento do caráter”.
Contudo essa
literatura se transforma na passagem do século XIX para o XX: “Se em meados do
século XIX o conceito de autoajuda denotava na literatura popular
norte-americana a ideia moral de ética de trabalho e cultivo de bons hábitos, a
partir da virada do século XIX para o XX, o conceito de autoajuda implica o
cultivo de poderes mentais para a transformação do indivíduo em pessoa de
sucesso”. Na tensão da Guerra Fria, essas obras adquiriram uma ênfase em
aspectos psicológicos e psiquiátricos e o Estado de Bem- estar social promoveu
“uma preocupação maior com a saúde física e emocional coincidente com o
declínio da preocupação com a riqueza”.
Entretanto, no mundo
de hoje, parece que a religião vai perdendo forças nessa empreitada material da
vida e vai cedendo lugar para o influenciador ou coach. Só em 2019 houve um
aumento de 300% no número de profissionais desta área e o Instagram acabou se
tornando “uma ótima vitrine para esses coaches. Afinal, é um ambiente em que é
possível, e até mesmo desejável, mostrar-se bem-sucedido e feliz, respaldando o
discurso meritocrático que é reverberado por esse tipo de profissional”.
Agora para se tornar
um sujeito de sucesso é preciso adotar a lógica do empreendedor de si mesmo,
investir em si mesmo, tornar-se um capital humano.
O coach é aquele que
faz a função do pastor que pregava a teologia da prosperidade, mas com a
possibilidade de atrair desengrejados e agnósticos. Pablo Marçal, por exemplo,
lança mão da retórica evangélica com frequência. Em um curso de R$ 15 mil, o
coach afirma que fará seu aluno “crescer e prosperar sobre a terra”. De acordo
com Milena de Azeredo Pacheco Venancio, “Pablo é apresentado como um guru ou
pastor responsável por conduzir o ‘rebanho’ que faz seus cursos”.
Não sei se a briga
entre Silas Malafaia e Marçal está relacionada ao “roubo” de fiéis (somente o
futuro irá desvendar essa questão). Acredito que tudo não passa de um
espetáculo e que duas frentes de extrema direita se abrem.
O influenciador
digital possui uma função no mercado. Uma pesquisa realizada em 2019 pelo
Instituto QualiBest aponta que 73% das pessoas entrevistadas “compraram um
produto ou serviço por indicação de um influenciador digital”.Esse
influenciador, por sua vez, não vende apenas produtos físicos, mas, também,
estilo de vida. A própria transformação das blogueiras em influenciadoras
digitais alterou o ethos desse profissional. A pesquisa da jornalista Issaaf
Karhawi observa “alterações na construção do ethos profissional das blogueiras,
que deixam de se intitular apenas como produtoras de conteúdo, passando a se
apresentar como empresárias digitais”. “É a mercantilização do próprio sujeito
que passa a compor sua atividade profissional”.
Na disputa de vender a
mesma mercadoria (o sucesso pessoal), o influenciador digital vem ocupando o
espaço das igrejas neopentecostais que passam a se dedicar a outro projeto
ideológico: a batalha espiritual entre o Bem e o Mal.
·
Teologia do Domínio ou
Dominionismo
Segundo Magali Cunha,
a Teologia do Domínio é “a busca da reconstrução da teocracia na sociedade
contemporânea, no cumprimento da predestinação dos cristãos/ãs ocuparem postos
de comando no mundo (presidências, ministérios, parlamentos, lideranças de estados,
províncias, municípios, supremas cortes) – o domínio religioso cristão – para
incidirem na vida pública”. É uma teologia inspirada em Gênesis 1:28, onde se
encontra o versículo “dominai a terra”, que é também um aval para o ser humano
explorar o meio ambiente para o seu interesse próprio.
De acordo com essa
teologia, nós “vivemos e participamos de uma empedernida guerra cósmica entre
Deus e o Diabo pelo domínio da humanidade. Nessa batalha, nessa guerra cósmica,
para obter a vitória sobre o Mal é importante se fortalecer espiritualmente, dizem
as lideranças religiosas, e o comparecimento aos cultos e a participação em um
sem número de correntes e campanhas de cura e libertação é condição sine
qua non da vitória”.
Michelle Bolsonaro,
logo depois de dizer que houve o equívoco de separar religião e política, o que
ela basicamente quis dizer é que ela pretende voltar ao século XVII, que é a
monarquia absoluta e direito divino. Ela usou a categoria do mal, “o mal dominou”,
“o mal ocupou o terreno”.
O professor João Cezar
de Castro Rocha mostra que “quando Michelle Bolsonaro traz para a esfera da
política a categoria do mal, é uma indicação precisa de que se trata de uma
distopia. Usando as palavras corretas, é uma distopia teocrática, fundamentalista.
É uma distopia teonomista porque é uma distopia que pretende subordinar toda a
nossa vida à religião”.
Se a racionalidade
neoliberal tem como objetivo impor a lógica do custo-benefício a todas as
esferas da sociedade, a teologia do domínio tem o objetivo de resumir tudo à
batalha entre o Bem e o Mal. Contudo, essas duas formações discursivas não se
chocam, já que uma das bases do protestantismo moderno é a riqueza material, o
sucesso pessoal.
Portanto, duas frentes
ideológicas da extrema direita se abrem para cativar e convencer as pessoas a
votarem em princípios que não resolvem os seus problemas reais, pelo contrário,
os intensifica. As classes populares, largadas ao abandono e à exclusão, sem
barreiras cognitivas e emocionais para se proteger dessas ideias, acabam se
dobrando a esse projeto de dominação reacionário. Cabe à esquerda fornecer as
ferramentas para blindar os oprimidos de modo que “a realidade concreta de
opressão já não seja para eles uma espécie de ‘mundo fechado’ (em que se gera o
seu medo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas
os limita e que eles podem transformar. É fundamental, então, que, ao
reconhecerem o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste
reconhecimento, o motor de sua ação libertadora”.
¨ As muitas armas da extrema-direita. Por Florestan Fernandes Jr
Governar o país depois
da terra arrasada deixada pela dupla Temer/Bolsonaro não tem sido uma tarefa
fácil. Que o diga o presidente Lula, forçado a empenhar toda a sua expertise
política e liderança para avançar em pautas importantes para o desenvolvimento
do país. Não tem sido fácil para o presidente negociar com um Congresso hostil,
uma Justiça titubeante e em meio a toda sorte de pressões de grupos políticos
que vão desde o agronegócio, bancada da bala, até as igrejas dos chamados
mercadores da fé.
Não à toa, é nas
políticas públicas voltadas para as áreas de educação e segurança pública que
se observa maior dificuldade de implementação nas esferas estadual e municipal.
Imenso desafio tem
sido desfazer as políticas negacionistas e armamentistas implementadas por
governantes belicistas. A liberação irresponsável e indiscriminada da comercialização
de armas e munições durante a presidência de Jair Bolsonaro continua fazendo
vítimas fatais, dia sim e dia também.
Nos quatro anos de
desgoverno, foram vendidos aos civis mais de 904 mil armas de fogo, que ainda
fulminam a vida de inocentes. Nos últimos anos, inúmeros são os casos de
pessoas assassinadas pelos tais CACs, (colecionador, atirador desportivo e
caçador). Estes, ao que parece, têm "confundido" o objeto da caça.
Caça-se gente, preferencialmente mulheres e pretos. Não faltam notícias de
massacres na imprensa diária.
Na última quarta-feira
(23/10), em Novo Hamburgo, região metropolitana de Porto Alegre, o atirador
Edson Fernando Crippa, de 45 anos, que tinha histórico de esquizofrenia, atirou
em doze pessoas, das quais matou três: seu pai, irmão e um policial. Com o atirador,
a polícia encontrou farta munição: duas pistolas - uma de calibre 9 mm e outra
de calibre.380 – além de duas carabinas. Armas compradas legalmente durante o
governo Bolsonaro.
Em julho do ano
passado, o Ministério da Justiça aprovou um decreto restringindo a venda de
armas de fogo aos civis no país. Mas como convencer os atiradores ilegais a
devolverem suas armas sem o necessário engajamento das secretarias de segurança
pública?
Estados como São
Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina estão nas mãos de uma
direita belicista. Defendem a tese estadunidense de que o cidadão tem o direito
fundamental de possuir e portar uma arma para se defender. Mas não respondem à
questão óbvia: como nós, os pacifistas, vamos nos defender de atiradores
descontrolados? Quem controla os armados? Ao que parece, ninguém. As
autoridades que deveriam gerenciar e fiscalizar as armas de fogo se omitem
criminosamente. O Exército reconheceu que não sabe quantas armas existem em
mãos dos CACs nas cidades brasileiras. O TCU constatou que o glorioso
verde-oliva, que se arvora de uma eficiência que não tem, descumpre as medidas
para controle de armas e impôs a todos nós as mazelas do descaso e do descontrole.
Mas há ainda outra
arma, tão poderosa quanto às de fogo, a ser desarmada: a da ideologia fascista.
Nos governos, tanto estaduais como municipais de extrema-direita, as pautas
ideológicas vêm sendo implementadas, usando a estrutura pública que deveria servir
ao cidadão. Escolas, creches e hospitais e, como acompanhamos recentemente, os
Conselhos Tutelares vêm sendo instrumentalizados. Lembro, caro leitor, que em
outubro do ano passado, a extrema-direita se engajou fortemente na eleição dos
conselheiros.
Nessa linha, aqui, na
cidade de São Paulo, mesmo antes do segundo turno da eleição municipal,
integrantes do PL, partido da coligação de Ricardo Nunes, já negociam, segundo
reportagem do site Metrópoles, uma nova divisão de cargos importantes da
prefeitura. O PL de Jair Bolsonaro e do Coronel Mello Araújo (vice de Nunes
imposto por Bolsonaro) estaria reivindicando a cobiçada secretaria da Educação.
Uma pasta duplamente desejável para essa turma: além de sensível do ponto de
vista ideológico, possui um orçamento de 23 bilhões para o ano que vem. Será o
próximo capítulo de um desmonte já em curso. Nos últimos anos, tanto a saúde
como a educação públicas, vêm sendo entregues a empresas prestadoras de serviço
numa privatização perigosa e nada eficiente, com repercussões temerárias na
formação pedagógica das nossas crianças e adolescentes e na saúde de todos nós.
Isso sem falar nas escolas cívico-militares, que avançam a passos largos no
governo de São Paulo.
É nesse cenário que
muitas cidades, inclusive São Paulo, Cuiabá, Fortaleza, Belo Horizonte,
Curitiba, elegerão no próximo domingo os seus prefeitos. Estamos, mais uma vez,
diante da nada difícil escolha entre democracia e fascismo, entre a vida e a
negação dela.
¨ Ciro Gomes expulso do PDT? Entenda essa história
Após ter uma votação pífia
na eleição presidencial de 2022, Ciro Gomes adotou uma
postura errática e reacionária, principalmente quando a pauta envolve Lula e o
Partido dos Trabalhadores.
Ciro Gomes também
acumula uma série de derrotas à frente do PDT cearense: ainda nas eleições de
2022, o grupo cirista se recusou a apoiar a candidatura de Izolda Cela e
se coligar com o PT para disputar o governo estadual. Resultado: Elmano de
Freitas, do PT, se elegeu no primeiro turno.
Outra derrota veio na
eleição deste ano: José Sarto, prefeito de Fortaleza, perdeu no primeiro turno
e se tornou o primeiro a não se reeleger na capital cearense. O segundo turno
está entre Evandro Leitão (PT) e André Fernandes (PL).
Por causa do histórico
do PDT no campo da esquerda, acreditava-se que a legenda iria apoiar o
candidato do PT contra Fernandes, que é bolsonarista. Ledo engano: o grupo
cirista declarou apoio ao candidato da extrema direita, fato que abriu uma
grave crise na legenda.
Carlos Lupi,
presidente do PDT e atual ministro do Trabalho, foi a público rechaçar qualquer
apoio a André Fernandes. "Um partido como o nosso, que tem a
nossa história, jamais poderá estar ao lado dos filhotes da ditadura",
disparou Lupi.
Segundo informações da
CNN Brasil, as posições de Ciro Gomes e suas sucessivas derrotas se tornaram um
peso para o PDT, pois o ex-presidenciável rachou com seu irmão, Cid Gomes
(PSB-CE), e virou um obstáculo para a formação de uma federação entre PSB e PDT.
Além disso, a bancada
federal, a executiva nacional e a base do PDT no movimento sindical rejeitam a
postura anti-PT de Ciro Gomes.
Por conta de todo esse
contexto, uma ala do PDT defende que Ciro Gomes seja convidado a se retirar da
sigla. Caso ele se recuse, um processo de expulsão pode ser aberto contra
Ciro.
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Força política de Ciro derrete
"Veja, a minha
importância é declinante. Eu tenho humildade para perceber que a minha palavra
cada vez tem menos audiência no Ceará. Isso eu tenho que aceitar com
humildade."
A declaração acima é
do ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes, dada no primeiro turno das eleições municipais. E a
derrota prematura do candidato pedetista à prefeitura de Fortaleza não se
deu por falta de recursos financeiros. A queda na capital foi um símbolo
do declínio do PDT no estado e de seu principal nome, Ciro Gomes. Em 2020, o
partido elegeu 67 prefeitos no Ceará e, agora, somente cinco.
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Rachas e ladeira abaixo
Para entender a
derrota de agora, é preciso retroceder para a implosão da união entre o PT
cearense e os irmãos Ferreira Gomes, aliança que foi funcional para ambos de
2002 até meados de 2018, ano da derrota de Ciro nas eleições
presidenciais, marcada pela sua viagem a Paris no segundo turno.
Mais recentemente,
houve um racha entre os irmãos Gomes, com Cid e Ivo, o prefeito de Sobral,
saindo da legenda e migrando para o PSB. Levaram com eles diversos prefeitos,
vereadores e outras figuras políticas, fazendo com que o PDT reduzisse seu
número de prefeituras para dez.
Agora, no primeiro
turno, o PSB de Cid se tornou a sigla com maior número de
prefeituras, vencendo em 65 cidades. O PT, antes aliado no estado e agora
alvo de Ciro, elegeu 46 prefeitos, e está no segundo turno em
Fortaleza e Caucaia, segunda cidade mais populosa do Ceará.
O isolamento trouxe à
tona as limitações do tipo de liderança exercida pelo ex-ministro. "Do
ponto de vista da lógica de funcionamento do grupo ferreiragomista, que foi
hegemônico no Ceará de 2006 a 2022, havia uma clara divisão de funções: Ciro
cuidava da articulação nacional e Cid gerenciava o grupo no estado. Se, por um
lado, a racionalização das funções otimizou a eficiência do grupo, também
serviu para afastar Ciro dos debates locais. O ministro era acionado
esporadicamente como bombeiro em contextos de crises. Ao contrário de Cid, que,
síndico das coalizões lideradas pelos Gomes no Ceará, transformou-se em
liderança reconhecida por sua habilidade em gerenciar tensões entre aliados e
montar arranjos eleitorais competitivos", explica, em artigo, a professora de
Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará Monalisa Torres.
Ciro já havia
sofrido uma derrota dura no Ceará em 2022, quando, pela primeira vez numa
campanha presidencial, não venceu no estado, ficando atrás de Lula e Bolsonaro.
As eleições de 2024 mostraram que ele não conseguiu exercer a função que Cid
desempenhava, articulando localmente com prefeitos, vereadores e lideranças
regionais. O PDT cearense pagou por isso.
Fonte: Fórum
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