Pesquisadores dos Pampas tentam salvar um
dos felinos mais raros do mundo
Os campos dos Pampas,
que abrangem o sul do Brasil, o Uruguai e o nordeste da Argentina, são o lar de
um gato selvagem tão raro que os pesquisadores o consideram o mais ameaçado de
extinção de sua família nas Américas e, possivelmente, no mundo. A maioria dos
avistamentos desse felino do tamanho de um gato doméstico vem de imagens de
armadilhas fotográficas. Trata-se do esquivo gato-palheiro-pampeano (Leopardus
munoai).
“Estima-se que existam
cerca de cem indivíduos ou menos na natureza”, diz Fábio Mazim, ecologista da
Pró-Carnívoros, organização sem fins lucrativos voltada para a conservação de
mamíferos carnívoros no Brasil. “É uma espécie que, acredito, será extinta em
cinco a dez anos.”
Sabe-se tão pouco
sobre o gato-palheiro-pampeano que os cientistas não conseguem nem mesmo
concordar se ele é uma espécie distinta ou uma subespécie do gato-palheiro,
Leopardus colocola. Embora o Leopardus munoai ainda não seja reconhecido pelo
Grupo de Especialistas em Felinos da IUCN, a autoridade global de conservação
da vida selvagem, os cientistas começaram a reconhecê-lo como uma espécie
distinta em 2021.
Conservar o
gato-palheiro-pampeano não tem sido fácil. As recentes enchentes no Rio Grande
do Sul interromperam abruptamente todos os esforços de conservação para
proteger a espécie. Os planos incluíam a criação de uma aliança de conservação
nos três países onde o gato vive, visitas educativas a universidades e escolas
locais, reuniões com representantes do estado, uma campanha de captura para
equipar os felinos com coleiras GPS de rastreamento e monitoramento de 60
armadilhas fotográficas instaladas em todo o estado — embora os pesquisadores
lamentem a possível perda de câmeras nas enchentes.
“Tudo precisa ser
replanejado”, diz Felipe Peters, biólogo e pesquisador de pequenos felinos da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Grande parte do pouco
que se sabe sobre esse felino esquivo vem de avistamentos esporádicos. Em um
projeto independente que durou 25 anos, as armadilhas fotográficas monitoradas
por Mazim e quatro amigos — o veterinário Paulo Wagner e os biólogos Maurício
Santos, Moisés Barp e Yan Rodrigues — capturaram apenas nove registros de
quatro indivíduos. Suas descobertas incluem o primeiro caso registrado de
melanismo no gato-palheiro-pampeano, uma condição na qual o pelo é
completamente preto, avistado em 2021.
“Precisamos instalar
armadilhas fotográficas em 50% da área dos Pampas [brasileiros], que abrange
17,6 milhões de hectares, o que demonstra a raridade desse felino”, diz Mazim.
No total, 32
registros, incluindo pegadas, imagens de armadilhas fotográficas, observações e
indivíduos mortos do gato-palheiro-pampeano, foram obtidos no Brasil desde
1997. Mais da metade desses registros foram mortes em estradas. Apesar dos
esforços de longo prazo para monitorar os animais remanescentes, os
pesquisadores ainda não detectaram uma população residente.
“Parece que esse gato
vive como um nômade, vagando pelos Pampas em busca de território”, diz Mazim.
Outros pesquisadores
coletaram quatro registros na Argentina, representando dois adultos e um
indivíduo jovem, bem como dois no Uruguai desde 2000. Desde que a espécie foi
descrita pela primeira vez em meados da década de 1920, pouco mais de 200
registros foram compilados em todo o bioma dos Pampas.
“A natureza secreta e
o comportamento esquivo dos pequenos felinos dificultam seu estudo e
monitoramento eficaz”, diz Wai-Ming Wong, diretor de ciência de conservação de
pequenos felinos da Panthera, a ONG global de conservação de gatos selvagens.
• Diminuição do habitat
A principal ameaça ao
gato-palheiro-pampeano é a perda de habitat nos Pampas, o maior bioma de
pastagens da América do Sul. Ele se estende por mais de 1,2 milhão de
quilômetros quadrados, com dois terços na Argentina e o restante no Uruguai e
no extremo sul do Brasil. É o lar de mais de 12.500 espécies de vida selvagem,
representando 9% da biodiversidade brasileira
Também é considerado
um dos biomas mais alterados do planeta. Nas últimas cinco décadas, a vegetação
nativa foi rapidamente desmatada para dar lugar a vastas monoculturas de soja,
arroz e eucalipto, deixando intactos apenas 43%
da vegetação original dos Pampas.
“Os Pampas foram um
pouco esquecidos. A ideia de que uma área de pastagem é complexa e biodiversa é
algo estranho para muitas pessoas”, diz Gerhard Overbeck, ecologista de
vegetação e professor do departamento de Botânica da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. “A sociedade, incluindo os tomadores de decisão e os
políticos, tem um grande viés florestal na conservação, vendo os ambientes
diversos, como as florestas, como mais merecedores de proteção.”
Com a redução de seu
habitat a pequenos bolsões de vegetação, o gato-palheiro-pampeano está cada vez
mais exposto a ameaças associadas à espécie humana, incluindo cães domésticos,
retaliação por predar aves domésticas e atropelamento por veículos motorizados.
Todas essas ameaças aproximam o felino da extinção. “Quando há tão poucos
indivíduos, qualquer morte pode representar uma grande porcentagem de perda”,
diz Mazim.
Salvar o
gato-palheiro-pampeano é fundamental para a própria espécie e para proteger os
Pampas. “A preservação de pequenos felinos é importante para a biodiversidade,
pois eles desempenham funções exclusivas na manutenção do equilíbrio do
ecossistema”, diz Wong. “Eles regulam as populações de presas, controlam
espécies de pragas e contribuem para a dinâmica e a resiliência do ecossistema.
A presença de pequenos felinos indica um ecossistema saudável, e seu
desaparecimento pode levar a efeitos em cascata sobre outras espécies.”
• Salvando as espécies
Um projeto de
renaturalização poderia aumentar o número de gatos-palheiros-pampeanos para
protegê-lo da extinção, mas é um processo complicado. “Estamos falando de uma
espécie para a qual não há nenhuma informação, exceto a de que está em perigo
crítico de extinção”, diz Augusto Distel, biólogo da Rewilding Argentina. “A
primeira coisa que devemos fazer é encontrar o animal para começar a estudá-lo
e poder propor capturas e colocação de colares de satélite.”
No Brasil, os
pesquisadores estão explorando a ideia de retornar à pecuária extensiva — uma
prática usada durante séculos nos Pampas antes da agricultura intensiva. Ao
contrário desta última, a pecuária preserva e mantém grande parte do habitat
original. Desta vez, a ideia é concentrar-se na preservação do habitat natural
específico em que o gato-palheiro-pampeano normalmente vive. Para que isso
funcione, no entanto, é preciso garantir uma renda para os proprietários
rurais, “caso contrário, não haverá justificativa para manter os campos, dada a
maior rentabilidade gerada pelo [cultivo] da soja”, diz Mazim.
Uma forma de tornar a
pecuária extensiva mais lucrativa é certificar a carne bovina produzida em
pastagens nativas como sendo “verde” ou “ecológica”, diz Mazim, o que lhe daria
valor agregado. No entanto, mudar de terras agrícolas para a pecuária extensiva
não é uma transição fácil. Um estudo de 2018 descobriu que as terras agrícolas
podem gerar até 29% mais lucro do que a criação de gado no bioma dos pampas, o
que significa que a soja é muito mais lucrativa do que a carne bovina.
“Atualmente, faltam políticas públicas que apoiem a pecuária extensiva”, diz
Overbeck.
Os especialistas
também estão explorando a possibilidade de criação em cativeiro dos felinos até
que seus números possam se recuperar, um processo chamado de manejo ex situ. No
entanto, não há gatos-palheiros-pampeanos oa atualmente em cativeiro no Brasil,
e as tentativas de reproduzir indivíduos no Uruguai não tiveram sucesso.
“A criação de um
programa de reprodução ex situ é urgentemente necessária. Mesmo que percamos a
espécie na natureza, não podemos deixar que ela se extinga”, diz Mazim. “O
gato-palheiro-pampeano não pode mais se salvar sozinho; ele precisa da ajuda
das pessoas.”
Fonte: Mongabay
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