Consequências da homofobia: LGBTQIA+ e
saúde mental
As consequências da
homofobia são velhas conhecidas da população LGBTQIA+ no mundo todo. Ao longo
da vida, pessoas homossexuais e/ou transexuais – lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgênero, dentre outras à margem do espectro binário
de orientação sexual e identidade de gênero – são forçadas a enfrentar uma
série de adversidades. Pressão familiar, relações sociais afetadas, bullying,
expulsão de casa e exclusão de espaços religiosos, por exemplo, compõem uma
pequena parcela da ampla gama de problemas que caem na conta da homofobia.
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Histórico da luta anti-homofobia
Na década de 1960, a
população LGBTQIA+ enfrentava um sistema jurídico anti-homossexual nos Estados
Unidos. Poucos eram os lugares públicos que aceitavam abertamente a entrada e a
permanência de gays, lésbicas e travestis. No entanto, o Bar Stonewall Inn era
um deles.
Em 28 de junho de
1969, os frequentadores do bar, vítimas constantes de ataques violentos e
extorsão policial em um de seus únicos espaços de lazer, finalmente se
revoltaram e reagiram à brutalidade sofrida. A data acabaria por se tornar um
marco histórico da luta anti-homofobia. Tal evento inspirou movimentos de
libertação e reivindicação de direitos no mundo todo.
Em 1973, a Associação
Americana de Psiquiatria retirou o “homossexualismo” da lista de transtornos
mentais. Isso após décadas de estudos científicos fracassarem em associar a
orientação sexual-afetiva a distúrbios de ordem psiquiátrica. No entanto, somente
em maio de 1990 a Organização Mundial de Saúde seguiu o exemplo e excluiu a
homossexualidade da lista internacional de doenças.
Não é à toa que a
terminologia incorreta ainda é tão presente no vocabulário popular. Afinal, o
sufixo “ismo” é associado a condições patológicas. Até o final do século
passado, a própria ciência estabelecia, erroneamente, a orientação homossexual
como doença.
<><> No
Brasil
No Brasil, o Supremo
Tribunal Federal (STF) passou a reconhecer a união estável entre casais
homossexuais como entidade familiar em maio de 2011. Ao final de 2019, o país
foi o 43º do mundo a criminalizar a homofobia. Os avanços e conquistas da
população LGBTQIA+, no entanto, podem ser incômodos para muita gente. Segundo
levantamento do Grupo Gay da Bahia, publicado em 2019, a violência homofóbica
mata uma pessoa a cada 26 horas no país.
A marginalização e o
preconceito se voltam ainda mais violentamente contra transexuais, transgêneros
e travestis. Esse grupo registra a baixíssima expectativa de vida de 35 anos no
Brasil – metade da média nacional.
No século 21 a
transgeneridade e o amor por pessoas do mesmo sexo/gênero ainda são vistos por
parte da sociedade brasileira como uma anomalia. Embora após décadas de empenho
de movimentos de defesa dos direitos humanos.
Sobretudo, essa visão
é reforçada por determinados grupos religiosos. Alguns deles, infiltrados em
instituições públicas, como o Congresso Nacional e a Câmara dos Deputados,
atuam para dificultar ou impedir o acesso da população LGBTQIA+ a direitos
civis básicos.
<><> Como
a homofobia afeta a saúde mental?
A Mental Health
Foundation, instituição de promoção à saúde mental do Reino Unido, afirma que,
segundo estatísticas, pessoas homossexuais e transexuais estão mais suscetíveis
a doenças psiquiátricas do que heterossexuais. Os motivos? Consequências da homofobia:
desigualdades, desvantagens sociais e discriminação.
Estudos revelam que
membros da comunidade LGBTQIA+ são mais propensos a experimentar uma série de
problemas de saúde mental. Depressão, ansiedade, pensamentos suicidas,
automutilação e abuso de álcool e substâncias são alguns exemplos recorrentes.
Essa prevalência pode ser atribuída a diversos fatores, entre eles
discriminação, isolamento e homofobia.
<><> Menor
qualidade de vida
Além disso, eles
correm um risco maior de sofrer crimes de ódio em comparação com pessoas
heterossexuais. Entre a população afetada, as mais atingidas pela violência
também fazem parte de outros grupos minoritários – étnicos e negros, em
particular. E, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas Britânico
(ONS, da sigla em inglês), em 2015, as métricas de qualidade de vida dos
membros da comunidade LGBTQIA+ eram mais baixas do que as registradas por
pessoas heterossexuais.
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Transtornos mentais
Em 2007, um estudo
conduzido pelo pesquisador Ilan H. Meyer, do Departamento de Ciências Sociais e
Médicas da Universidade de Columbia (EUA), também se debruçou sobre a
prevalência de transtornos mentais em pessoas LGBTQIA+. Segundo o autor, os
estigmas e as discriminações que rodeiam essas minorias criam em seu entorno um
ambiente socialmente hostil. Isso favorece o desenvolvimento de problemas de
saúde.
O estudo descreve os
processos de estresse vivenciados por lésbicas, gays e transexuais. Estes
processos incluem experiências de rejeição, homofobia internalizada e eventos
de preconceito, entre outros.
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Depressão
Uma pesquisa realizada
na Universidade do Estado de Michigan, conduzida por professores de Sociologia
da instituição e publicada na revista The Gerontologist, em 2020, reforça as
informações apresentadas e acrescenta um dado ainda mais preocupante: membros
da comunidade LGBTQIA+ têm mais chances de desenvolver demência na velhice. O
estudo explica que estresse e depressão, prevalentes nessas pessoas, são
fatores de risco para o prejuízo cognitivo ao longo da vida.
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Comprometimento cognitivo
O trabalho foi o
primeiro a usar uma amostra nacional (com recorte estadunidense) e uma
ferramenta de triagem para avaliar as disparidades de saúde cognitiva entre
pessoas LGBTQIA+ e heterossexuais. Com isso, os pesquisadores descobriram que,
em média, os LGBTQIA+ eram mais propensos a se enquadrar nas categorias de
comprometimento cognitivo leve ou demência precoce em comparação com outros
adultos da mesma faixa etária, mas heterossexuais.
A equipe também testou
fatores sociais e de saúde específicos, como condições físicas e mentais,
estilo de vida saudável e conexões sociais. O único fator relacionado às
diferenças cognitivas para as minorias sexuais foi a depressão.
Para o professor Ning
Hsieh, responsável por liderar o estudo, a desigualdade social torna grupos
menos privilegiados, mais propensos a desenvolver deficiência cognitiva. Ele
sugere que uma sociedade mais justa e tolerante com orientações sexuais e identidades
de gênero diversas pode ajudar a prevenir a demência e reduzir a carga
crescente de problemas de saúde mental.
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Homofobia é uma doença?
Em 2015, uma equipe de
pesquisadores da Universidade de Roma Tor Vergata, na Itália, ousou ao publicar
um controverso estudo. Ele levantava a possibilidade de se estabelecer a
própria homofobia como uma doença mental. Publicado no Journal of Sexual Medicine,
o artigo foi o primeiro a sugerir que a verdadeira doença a ser curada seria a
homofobia, que possivelmente estava associada a psicopatologias graves.
Embora o próprio
estudo não tenha feito menção à homofobia como “doença”, os resultados
revelaram algumas evidências que sustentam a hipótese de que o comportamento de
pessoas homofóbicas apresenta, de fato, características de um distúrbio
psiquiátrico. Para os pesquisadores, há uma associação notável entre aspectos
disfuncionais da personalidade e a atitude homofóbica desse grupo. Eles
concluem que o psicoticismo e os mecanismos de defesa imatura são capazes de
predizer se alguém é ou não homofóbico.
<><> Quais
são os impactos da homofobia na sociedade?
Entre abril e maio de
2020, em um contexto de pandemia do coronavírus, foi publicado um relatório com
os resultados da pesquisa “Diagnóstico LGBT+ na pandemia”, organizada pelo
coletivo #VoteLGBT em conjunto com a Box1824.
Em resposta à pergunta
“Qual é a maior dificuldade que você está enfrentando durante o isolamento?”,
42,72% dos participantes disseram ter como principal preocupação a saúde
mental. Em seguida, surgiram questões como as novas regras de convívio com
16,58%, solidão com 11,7%, e renda com 10,62%.
Os resultados da
pesquisa revelam que a população LGBT+ está ciente das consequências que a
homofobia pode impor sobre suas vidas.
Afinal, manter a mente
em equilíbrio diante de tantos obstáculos – preconceito, falta de apoio
familiar, exclusão dos espaços públicos, necessidade de se esconder sob uma
máscara de conformidade social e enfrentamento a questões que envolvem a
homofobia no cotidiano, como a discriminação no ambiente de trabalho e nas ruas
– exige uma resiliência e o empreendimento de esforços com os quais, comumente,
pessoas heterossexuais (especialmente não minorias) não têm de lidar no dia a
dia.
<><> Falta
de apoio familiar
Além disso, pessoas
homossexuais afeminadas e, sobretudo, transexuais e travestis são
frequentemente empurradas para a prostituição. Isso devido à ausência de
suporte familiar e da impossibilidade, sustentada pela homofobia, de encontrar
empregos formais. Aqui é possível traçar um paralelo com o machismo e a
misoginia que permeiam a sociedade brasileira. Para o cidadão médio, quanto
mais “afeminada” é a pessoa homossexual, menos dignidade ela merece.
Lésbicas, por sua vez,
são alvos do chamado “estupro corretivo”, inclusive dentro da família. Não são
incomuns casos em que os próprios pais, padrastos, tios ou outros familiares do
sexo masculino cometem crimes de estupro contra mulheres lésbicas sob a
justificativa de que “elas precisam aprender a gostar de homem”.
<><> Quais
os desafios da homofobia no Brasil?
Em âmbito mundial, a
ciência e os movimentos formados para assegurar direitos à população LGBTQIA+
têm atuado paralelamente e em conjunto. Assim, aumentam os esforços para
encontrar soluções práticas e urgentes que dissolvam, ou pelo menos minimizem,
as consequências da homofobia.
Os estudos que se
debruçam sobre a prevalência de doenças de ordem psiquiátrica na comunidade
LGBTQIA+ são importantes para o enfrentamento e o tratamento adequado dessas
pessoas no campo da saúde. Da mesma forma, eles são essenciais para fundamentar
políticas públicas capazes de proteger essa população de ataques, crimes de
ódio, violências e humilhações.
Além disso, ações e
campanhas de combate à homofobia e à violência contra pessoas LGBTQIA+, ainda
escassas no país, não são somente necessárias: são urgentes. Afinal, é
necessário que todo o mundo entenda que vidas dependem disso. No Brasil, uma
vida a cada 26 horas pode ser salva, se nos unirmos contra a homofobia.
• Sororidade: a importância da união entre
mulheres
Afinal, o que é
sororidade? Se você é mulher e tem o hábito de acompanhar páginas, grupos e
referências feministas nas redes sociais, provavelmente já ouviu falar sobre
sororidade por aí. A origem da palavra sororidade vem do latim soror, que
significa irmã. O termo, em língua portuguesa, evoca a solidariedade e o apoio
mútuo entre as mulheres, como alternativa feminina à fraternidade (frater, em
latim, significa irmão).
<><> Onde
surgiu a sororidade?
O conceito de
sororidade começou a tomar forma com os movimentos feministas, sobretudo os
norte-americanos, que passaram a se organizar politicamente nas décadas de 1960
e 1970. Para as teóricas e ativistas da chamada segunda onda do feminismo,
todas as mulheres, sob o jugo da sociedade patriarcal, compartilham uma
característica comum: elas compõem o “segundo sexo”, como estabeleceu Simone de
Beauvoir.
Contra a opressão
imposta ao gênero feminino, a sororidade é eleita pelas feministas da segunda
onda como uma ferramenta de defesa e proteção às violências cotidianas, por
meio da união entre as mulheres. A primeira obra a ser reconhecida como
referência desse feminismo é, justamente, Sisterhood is powerful (“A sororidade
é poderosa”), antologia publicada em 1970 pela norte-americana Robin Morgan.
A partir de 2010, a
sororidade desponta como fundamento ético que sustenta o ideal das relações
entre as mulheres do século XXI. Isso devido ao fomento do debate sobre o
assunto e a popularização de conceitos-chave das diversas teorias de teor
feminista. Tais popularizações foram estimuladas pela democratização das mídias
sociais. Para além da teoria, o conceito alçou novos voos, alcançando meninas e
mulheres de idades, classes, cores e trajetórias diferentes.
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“Vamos juntas?”: A sororidade como apoio mútuo entre mulheres
Em 2015, a jornalista
Babi Souza criou o movimento “Vamos juntas?”, que não só viralizou nas redes
sociais como acabou se tornando um símbolo de sororidade no Brasil. Inspirada
pelo medo constante de andar sozinha nas ruas, vulnerável a assédios, abordagens
agressivas e perseguições de homens mal-intencionados, Babi lançou nas redes
uma proposta a todas as mulheres: “Quando estiver sozinha, olhe para os lados e
procure outra mulher. Por que não vão juntas?”.
A ideia rompeu as
barreiras da internet e rapidamente tomou os espaços públicos da cidade. No
Twitter e no Facebook, por exemplo, pipocavam relatos de mulheres que
encontraram em outras mulheres a segurança necessária para exercerem, em paz, o
seu direito de ir e vir. O movimento deu origem ao livro Vamos juntas?,
publicado em 2016 pela editora Galera, e inspirou garotas em todo o país a
praticarem a sororidade em suas relações cotidianas.
<><> Qual
é o foco da sororidade?
Segundo o Dicionário
Online de Português, o substantivo feminino sororidade é definido como “relação
de irmandade, união, afeto ou amizade entre mulheres, assemelhando-se àquela
estabelecida entre irmãs”. Buscas pela palavra sororidade também retornam resultados
como respeito, igualdade de gênero, empatia e aliança.
Em uma cultura que
encoraja a rivalidade feminina e a busca por aprovação masculina a todo custo,
a sororidade oferece um caminho mais saudável de conexão entre mulheres,
promovendo identificação e reconhecimento entre pessoas que compartilham
problemas semelhantes.
É importante destacar
que sororidade não é “amar todas as mulheres”, e muito menos concordar com elas
o tempo todo. Cada uma de nós é única e carrega narrativas, histórias e lutas
diferentes. O ideal da sororidade deve ser buscado em consonância com as nuances
biopsicossociais que distinguem nossas trajetórias individuais, como classe,
raça, identificação de gênero, etnia, culturas e múltiplas formas de amar,
sentir e perceber o outro e o mundo.
Na contemporaneidade,
a união entre as mulheres pressupõe mais do que o reconhecimento da condição
comum que nos aproxima – o “ser-mulher”. É preciso, sobretudo, enxergar também
as características que nos distanciam umas das outras. Por isso, praticar a sororidade
envolve assumir privilégios, dar voz a mulheres historicamente silenciadas,
promover a escuta ativa e, acima de tudo, exercitar a empatia no seu dia a dia.
Segundo a renomada
escritora e feminista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie: “Qualquer um que
entenda o que é o feminismo sabe que ele não busca divisão e, sim justiça.
Ninguém que conhece a história do mundo pode dizer que as mulheres não foram
excluídas. As mulheres foram excluídas porque eram mulheres.“
<><> Como
agir com sororidade?
1. Esqueça a velha e ultrapassada rivalidade
feminina. Mulheres não são suas inimigas naturais. Lembre-se de que, como você,
as outras mulheres recebem, em média, salários menores do que homens na mesma
função; como você, costumam enfrentar triplas jornadas de trabalho; e, como
você, todas já sofreram assédio, agressão sexual ou violência psicológica, em
maior ou menor grau. Por isso, se existe um inimigo a combater, ele
definitivamente não é outra garota. Para lidar com a desigualdade de gênero, é
preciso apoio mútuo. Competir com mulher não está com nada!
2. Escute, respeite, aprenda e assimile a
fala de outras mulheres que vivem realidades diferentes da sua. Não concorda?
Converse com educação. Às vezes, ficamos tão concentradas em defender uma
verdade absoluta que acabamos perdendo a oportunidade de adquirir novos
conhecimentos e descobrir lições valiosas de vida.
3. Não meça o comportamento de outras
mulheres pela sua régua – muito menos quando essa régua utiliza critérios
diferentes para medir mulheres e homens. Às vezes, estabelecemos, mesmo
inconscientemente, padrões morais e éticos machistas ao avaliar outras mulheres.
Antes de criticar uma irmã, pare e pense: por que ela está agindo assim? Se ela
fosse um homem, eu a julgaria tanto? Promova a ideia de irmandade feminina em
suas avaliações e julgamentos.
4. Não culpe mulheres vítimas pelas
agressões que sofreram. Nada justifica violência, seja física, sexual ou
psicológica. Se perceber que alguém precisa de ajuda, ofereça apoio e
acolhimento, como gostaria que fizessem por você.
5. Quando estiver na rua, preste atenção às
mulheres que estão ao seu redor. Se notar que existe alguma em situação de
risco, finja surpresa e a cumprimente: “Fulana, quanto tempo! Vamos tomar um
café?”. Assim, você a ajuda a escapar de um eventual perigo e ainda tem a
chance de ganhar uma nova amiga.
Fonte: eCycle
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