Luís Nassif: As semelhanças entre os
terraplanistas e os faria limers
Os vencedores do
Prêmio Nobel de Economia de 2024 foram Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A.
Robinson. Um dos temas que exploram é a maneira como os bancos passaram a
dominar a opinião pública, mesmo após o desastre de 2008. Na ocasião,
conseguiram desenvolver um discurso que levou o FED a salvá-los – em vez de
abrir processos criminais contra os responsáveis pelos golpes – e a deixar os
clientes se afogando.
Vamos recorrer a
trechos do livro “Poder e Progresso – uma luta de mil anos entre a tecnologia e
a prosperidade”.
<><>
O viés da confirmação
Temos uma série de
vieses, como a propensão a encontrar provas para algo em que já acreditamos (“
viés da confirmação”), ou a pensar que eventos raros são mais comuns do que na
verdade são.
<><>
O poder da persuasão
Uma heurística
aparentemente razoável consiste em prestar mais atenção em quem tem mais
prestígio. De fato, acreditamos quase por instinto que as ideias e
recomendações de gente dotada de status merecem nossa atenção. (…) Em outras
palavras, somos imitadores tão bons que é difícil não absorvermos a informação
embutida nas ideias e visões com que nos deparamos, normalmente propostas pelos
mais poderosos.
Aliás, é só conferir
repórteres da área econômica que tratam a Faria Lima como “elite”.
<><>
O poder dos bancos
No meio da pior
recessão desde os anos 1930, nove instituições financeiras que estavam entre as
maiores beneficiadas pelos resgates pagaram bônus de mais de 1 milhão de
dólares a 5 mil funcionários—sob a justificativa de que precisavam reter o
“talento”.(…)
A retórica de que a
grande indústria financeira é benéfica para a sociedade pareceu irresistível
porque os banqueiros e sua turma conquistaram uma posição de autoridade,
conceberam a narrativa e forneceram sua interpretação das evidências.
<><>
Vacinas e Selics
A partir dessas
constatações, vamos tentar entender porque a opinião pública anti-vacina é tão
similar à opinião pública que inclui de caça-fantasmas de gastos públicos até
autoridades econômicas que acreditam que a fé cega que a faca amolada do
superávit fiscal levará à salvação da Nação (os Faria Limers e seus porta-vozes
ainda não foram rezar em porta de quartel, mas chegam lá).
O indicador mais
relevante não é o do superávit primário – o que calcula receitas e despesas do
governo, excluindo juros. A prova do pudim, o indicador central, é a relação
dívida/PIB. O tamanho do superávit primário é definido por sua capacidade de
estabilizar – e até reduzir – a relação dívida/PIB.
Vamos a algumas
continhas singelas para entender o busílis da questão.
Hoje em dia, a relação
dívida/PIB está em 78,3% do PIB. A relação dívida/PIB depende da seguinte
fórmula:
(PIB x taxa de
crescimento x superávit) – (dívida x taxa real de juros).
Vamos a dados:
- Com o PIB crescendo a 3% ao ano, em 10 anos quanto seria
necessário de superávit primário para estabilizar a relação dívida/PIB em
78,3%
Segundo nossos
cálculos, o superávit necessário seria de 2,3% todo ano. Quem achar isso
possível acredita em discos voadores.
2. Mas
suponhamos que a economia seja impactada pelos juros e só consiga crescer 2,%
ao ano.
Nesse caso, para
estabilizar a relação dívida/PIB, o superávit deveria ser de 3,05% todo o ano.
Eu disse estabilizar.
3. Mas, por algum milagres do divino,
suponhamos um PIB crescendo a 4% ao ano. Nesse caso, as regras atuais das metas
inflacionárias espalharão terrorismo sobre a volta da inflação e, suponhamos,
conseguem elevar a taxa real para 7% ao ano. Nesse caso, seria necessário um
superávit primário de 2,2% todo ano.
4. Finalmente, com fé
em Deus, a economia consegue superar todas as armadilhas e crescer a 5% ao ano.
Nesse caso, os discos voadores desceriam em plena Faria Lima.
Trata-se de uma
hipótese quase impossível, já que cada sopro de crescimento é abortado pelo
terrorismo com a “gastança” e com a volta da inflação. Mas se conseguiria
estabilizar a dívida com um superávit de 1,5% todo ano.
Agora, vamos a algumas
contas com a taxa real da dívida pública em 4%. Nesse caso, com a economia
crescendo sistematicamente 3% ao ano, seria necessário um superávit de 0,7%.
Ou seja, todo esse
malabarismo, de tentar investir contra salário emprego, contra a vinculação de
gastos sociais, corroerá a base de apoio de Lula, sem convencer minimamente a
Faria Lima, que apoia um presidente capaz de queimar a Petrobras, como Tarcísio
de Freitas fez com a Sabesp.
·
A estratégia da
Fazenda e os rumos do governo
Há uma estratégia no
Ministério da Fazenda, mas que paira no ar devido à falta de uma estratégia de
governo.
O que a Fazenda tem
feito é ganhar tempo, melhorar um pouco a disponibilidade de recursos, enquanto
o governo, como um todo, define uma estratégia clara de desenvolvimento.
O arcabouço fiscal
surgiu devido à pressão de tempo. Se não fosse criada uma nova lei, haveria a
renovação automática do teto de gastos, sufocando definitivamente o governo.
Conseguiu-se uma
ampliação dos gastos e da base de cálculo do crescimento da despesa para os
anos seguintes.
As despesas podem
crescer até 70% da variação real da receita (receita corrigida pela inflação).
Existe uma banda de variação de 0,6% a 2,5% para o crescimento anual da despesa
primária.
Isso significa que,
mesmo com aumento expressivo na arrecadação, o crescimento da despesa não
poderá superar 2,5% ao ano. Por outro lado, em momentos de baixa arrecadação,
as despesas não poderão crescer menos do que 0,6% ao ano.
Pelos cálculos da
Fazenda, o cumprimento dessas condições poderá permitir um gasto adicional de
até R$100 bilhões em 2026.
Por outro lado,
anda-se no fio da navalha, com o poder que a Faria Lima, aliada à mídia
corporativa, ganhou de manipular o dólar e as taxas longas. Na Fazenda,
demarca-se o mercado entre sistema bancário convencional e as assets – os
fundos de investimento, característicos da Faria Lima.
Os bancões ganham com
a economia em ordem. Seu lucro vem do crédito e de outras operações que exigem
um mínimo de previsibilidade. Já a Faria Lima ganha em cima da volatilidade e,
desde que descobriu seu poder de manipular as taxas, passou a atuar politicamente,
contando com um cúmplice poderoso – o atual presidente do BC, Roberto Campos
Neto.
O terremoto atual no
câmbio e taxas começou com suas declarações no seminário da XP em Nova York,
quando inverteu os prognósticos de melhoria dos fundamentos da economia.
Desde que o governador
de São Paulo, Tarcisio de Freitas, montou a jogada da década – com a
privatização escandalosa da Sabesp – tornou-se o candidato preferido da Faria
Lima. Os mesmos agentes que espalhamo terrorismo da gastança calaram-se ante as
loucuras de Paulo Guedes e, agora, apostam na alternativa Tarcisio.
Com os níveis atuais e
futuros da Selic, essa estratégia poderá ser facilmente engolida por uma Faria
Lima politizada.
O grande problema da
estratégia da Fazenda é o tempo político e a inação do atual Ministério de
Lula. Nas últimas semanas, Lula tem dado alguns sinais de que está despertando
para a situação política, reclama planos, criatividade do Ministério, mas até agora
não consolidou um programa de governo com prazos e metas.
Ao mesmo tempo, os
partidos políticos de esquerda e centro só agora começam a se articular, e de
forma muito tímida. Não se trata apenas de um problema de comunicação pública,
mas de projeto de país. Hoje em dia a grande disputa não é entre esquerda e direita,
mas entre civilização e barbárie.
A grande arma da
direita é o exercício continuado do preconceito e do individualismo exacerbado.
A arma da civilização precisa ser a solidariedade, o trabalho colaborativo. Mas
não bastam as boas intenções. Há que se ter um conjunto articulado de ideias e
de ações, mobilizando estruturas de governo, associações empresariais e de
trabalhadores, cooperativas e movimentos sociais, universidades, institutos de
pesquisa, a classe artística, em suma, os setores que não sucumbiram à
selvageria.
Hoje em dia há um
enorme desânimo e descrença em relação às possibilidades da civilização virar o
jogo. Esse desânimo é sinal da enorme demanda não atendida por otimismo. E, por
ser enorme, pode-se mobilizar uma enorme parcela da opinião pública através de
planos e ideias claras sobre os rumos a seguir.
¨ O terrorismo do Tesouro com as estatais
A Secretaria do
Tesouro Nacional usou um truque engenhoso para apontar prejuízos das estatais.
Retirou da conta todas as estatais que vendem serviços ao público. E deixou
apenas aqueles que fornecem serviços ao Estado. Tirou os bancos, por serem
instituições financeiras, e a Petrobras, por ter governança.
Teria sido mais
honesto dizer que tirou todas as que dão lucros e deixou apenas as que prestam
serviços. A única exceção foram os Correios, que registraram prejuízo de R$1,3
bilhão no semestre. Como é uma empresa pública essencial, inclusive para dar um
mínimo de viabilidade ao comércio independente, espera-se que encontre o rumo
em breve.
Se incluir todas as
estatais, o governo recebeu R$ 51,5 bilhões em dividendos no acumulado de 12
meses até agosto de 2024.
Houve valores maiores
em agosto do ano passado (pegando um pedaço de 2022) e em agosto de 2022, mas
devido à política de canibalização das estatais, da venda de patrimônio em
operações nebulosas, visando aumentar a distribuição de dividendos – já que essas
estatais têm participação privada.
Por exemplo, a
Petrobras vendeu a Refinaria Landulpho Alves (RLAM) em 2021 por US$ 1,8
bilhão. Houve a venda da BR Distribuidora, com R$ 11,3 bilhões. E
diversos campos de petróleo e gás.
No total, a queima de
patrimônio da Petrobras chegou a quase R$ 34 bilhões apenas no governo
Bolsonaro até agosto de 2022.
O mesmo aconteceu com
o BNDES, que vendeu R$ 22,4 bilhões em ações da Petrobras, resultando em uma
perda de R$ 22,4 bilhões dos dividendos que a empresa distribuiu no período.
O mesmo ocorreu com a
Caixa Econômica Federal que vendeu a Caixa Seguridade e a Caixa Cartões.
<><> E
quais as estatais que, afinal, deram prejuízo?
Estatais |
Resultado (R$ bilhões) |
Correios (logística) |
-R$1,5 |
Emgepron (construção naval) |
-R$ 0,7 |
Dataprev (tecnologia
da informação) |
-R$ 0,4 |
Serpro (tecnologia da informação) |
-R$ 0,4 |
Hemobrás
(farmacêutica) |
-R$ 0,2 |
Infraero (aviação) |
-R$ 0,2 |
ENBPar
(energia) |
R$ 0,4 |
<><> Vamos
entender o papel de cada uma delas:
# A Emgepron (Empresa
Gerencial de Projetos Navais) é uma estatal vinculada ao Ministério da Defesa e
atua principalmente no apoio ao desenvolvimento e à gestão de projetos
estratégicos da Marinha do Brasil. Sua função principal é fornecer suporte em
áreas como construção naval, modernização de embarcações e gerenciamento de
projetos navais, além de contribuir para a indústria de defesa nacional. Além
de atender às demandas da Marinha, a Emgepron também oferece serviços e
produtos para o mercado civil e internacional, o que contribui para a geração
de receita. Ela representa um custo, não um prejuízo.
# A Dataprev (Empresa
de Tecnologia e Informações da Previdência Social) é uma estatal vinculada ao
Ministério da Previdência Social que fornece soluções tecnológicas para a
administração pública. A empresa tem um papel essencial na gestão de dados
previdenciários e sociais e no suporte à implementação de políticas públicas
voltadas para o cidadão. A Dataprev teve papel central na implementação do
Auxílio Emergencial durante a pandemia da Covid-19, processando milhões de
pedidos e integrando dados de diferentes bases governamentais para evitar
fraudes.
# O Serpro (Serviço
Federal de Processamento de Dados) é uma estatal brasileira vinculada ao
Ministério da Fazenda, e sua principal função é fornecer soluções de tecnologia
da informação e serviços de processamento de dados para órgãos e entidades da
administração pública.
# A Hemobras (Hemobras
– Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia) é uma estatal brasileira
vinculada ao Ministério da Saúde. Sua principal função é a produção e
distribuição de hemoderivados, que são medicamentos derivados do sangue,
essenciais para o tratamento de diversas condições de saúde.
# A ENBPar (Empresa
Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional) é uma estatal
brasileira criada em 2021 com a função de administrar e coordenar ativos
estratégicos do setor energético, com foco em energia nuclear e projetos
binacionais, especialmente a Itaipu Binacional. Sua criação ocorreu como parte
da reestruturação do setor energético, com o desmembramento de algumas
atividades que eram geridas pela Eletrobras, após a privatização parcial desta
empresa.
Se fossem menos
cabeças de planilha, os técnicos que elaboraram esse estudo ao menos estimariam
o preço dos serviços prestados por essas estatais aos respectivos ministérios.
Aí, ao menos serviria de subsídio para uma melhoria gerencial. Do modo como o trabalho
foi elaborado, serviu apenas para alimentar manchetes terroristas.
Fonte: Jornal GGN
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