sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Marcelo Zero: O Brics e os interesses do Brasil

Infelizmente, a lógica excludente e belicista da nova Guerra Fria tornou-se ubíqua. Na mídia conservadora brasileira, ela é, há muito, predominante.

Grande parte da nossa mídia analisa a reunião do BRICS em Kazan com base nessa mentalidade. Estão mais preocupados em criticar Putin ou com a entrada ou não da Venezuela que com os grandes temas que são tratados na reunião.

Segundo essa lógica, o Brasil teria de escolher um “lado”, na disputa entre as supostas “democracias” e as supostas “autocracias”.

Em outras palavras, nosso país teria de escolher entre ser um aliado dos EUA e do Ocidente ou ser aliado da China, da Rússia etc., além de um membro do BRICS.

Ora, o Brasil não pode se submeter a esse dilema geopolítico falacioso. O Brasil não tem de escolher um “lado’.

O lado do Brasil é o Brasil, país que tem interesses próprios e soberanos, os quais não se subordinam ao de nenhum outro país.

Como diz Paulo Nogueira Batista Júnior, o “Brasil não cabe no quintal de ninguém”.

Nem no quintal monroísta dos EUA, nem no quintal da UE, nem no quintal da China, da Rússia etc. Queremos dialogar e cooperar com todo o mundo, mas não nos submetemos a ninguém.

No quadro dessa lógica falaciosa, a ordem mundial é um jogo de soma zero. Para que alguns prosperem e se fortaleçam outros têm de se enfraquecer e fracassar.

O Brasil, ao contrário, vê a ordem mundial como um jogo de soma positiva, no qual a ascensão e a prosperidade de novos atores não implicam, necessariamente, a ruína de protagonistas já consolidados.

Se houver cooperação, respeito mútuo e reciprocidade, todos podem ganhar.

A prosperidade de uns pode e deve estimular a prosperidade de outros. Apostar em assimetrias é burrice.

Nesse sentido, o BRICS, uma criação do Brasil, não pode ser visto com o olhar paranoico de “uma ameaça aos países do Ocidente”, embora muitos no Ocidente assim o vejam.

Na realidade, o crescente protagonismo do BRICS e o grande número de pré-candidatos para integrá-lo são resultados de uma clara insuficiência de governança global, da inação e insuficiência representativa do Conselho de Segurança da ONU, da política agressiva dos EUA e do Ocidente contra o Sul Global e da necessidade de se superar a extrema dependência que o mundo ainda tem, relativamente ao dólar, entre vários outros fatores.

EUA e seus grandes aliados, que compõem o chamado Ocidente, representam cerca de 1, 2 bilhão de pessoas. Ora, o mundo tem ao redor de 8 bilhões de indivíduos.

A maioria dessa população e dos países do planeta não se sente bem representada numa ordem mundial ainda dominada pelo unilateralismo, pelo belicismo e pela inoperância em temas cruciais, como o das mudanças climáticas, o da pobreza, o das desigualdades etc.

Nesse sentido, os que dizem defender as “democracias” sustentam uma ordem mundial pouco democrática e assimétrica.

Assim, por mais paradoxal que possa parecer para os ideólogos do maniqueísmo internacional, o BRICS representa um importante vetor para a construção de uma ordem mundial mais multipolar, cooperativa, pacífica, simétrica e efetivamente democrática, na qual os países do Sul Global sejam mais ouvidos e representados.

O BRICS não é “anti-Ocidente” é “pró-humanidade”.

Para quem não sabe, a Rússia de Putin quis fazer parte da União Europeia e até mesmo da Otan, mas foi rejeitada.

Jeffrey Sachs, criador do acrônimo BRIC, é testemunha disso.

Para quem não sabe, a China não tem qualquer desejo de confrontar-se com os EUA, mas o governo desse país está obcecado em “conter Beijing”.

O Brasil, soft power por excelência, cresce na cooperação e nas negociações e beneficia-se do BRICS, sem se colocar como antagonista de quem quer que seja.

Definitivamente, o Brasil jamais cederá à lógica primitiva e reacionária de quem vê o mundo com os olhos restritivos, excludentes e belicosos de uma ordem planetária baseada no jogo de soma zero.

Quem enxerga inimigos em todos os lados torna-se inimigo de si mesmo. E quem quer impor “democracia” não é democrático.

Parafraseando Noel Rosa, o Brasil não quer “abafar” ninguém, só quer mostrar que faz samba também.

E isso o Brasil faz muito bem.

 

•        No Brics, Lula pede diálogo contra a escalada de guerras; veja a íntegra do discurso

Na manhã desta quarta-feira, 23/10, o presidente Lula participou da plenária aberta da 16ª Cúpula do Brics, que acontece em Kazan, na Rússia.

Foi por videoconferência, já que, devido ao acidente doméstico no sábado. ficou impedido de viajar.

Lula abriu seu discurso mencionando a proposta brasileira de Aliança Global contra a Fome e à Miséria, apresentada pela presidência do País no G20, em novembro.

Convidou os parceiros do Brics a aderir à aliança. E também a ajudar na criação de um regime global de tributação dos superricos.

O presidente defendeu a discussão de uma moeda alternativa ao dólar no comércio internacional, de modo a favorecer as transações comerciais entre os países emergentes.

Lula saudou a presidência de Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, da sigla em inglês, New Development Bank), o Banco dos Brics, que atualmente financia cerca de 100 projetos de desenvolvimento e infraestrutura.

Citou a fala do presidente da Turquia na ONU, que classificou o território de Gaza, atacado por Israel há um ano, como o maior cemitério de mulheres e crianças do mundo.

“Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano”, afirmou.

E fez um apelo para que o mundo reaja para promover negociações de paz entre Ucrânia e Rússia, diálogo “crucial” para se evitar, ainda, uma escalada de conflitos na região e no mundo.

“No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar junto sem prol de objetivos comuns. Por isso, o lema da presidência brasileira (nos Brics, a partir de 2025) será: fortalecer a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável.”

Leia o ‘Discurso do presidente Lula na sessão plenária aberta da 16ª Cúpula dos BRICS’

”Mesmo sem estar pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos companheiros do BRICS. Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm estendido à presidência brasileira do G20.

Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das desigualdades, como a taxação de super-ricos.

Nossos países implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas que podem servir de exemplo para o resto do mundo.

A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões.

Convido todos a se somarem à iniciativa, que nasceu no G20, mas está aberta a outros participantes.

O BRICS é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima.

Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje.

É preciso ir além dos 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos.

Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes.

O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva.

Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.

Na COP 30, em Belém, vamos juntos mostrar que é possível conciliar maior ambição em nossas Contribuições Nacionalmente Determinadas com o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

Na presidência brasileira do BRICS, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países.

Não podemos aceitar a imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos.

Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados.

O BRICS foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas.

Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social.

Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite.

Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas.

É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido.

As iniciativas e instituições do BRICS rompem com essa lógica.

A atuação do Conselho Empresarial contribuiu para ampliar o comércio entre nós.

As exportações brasileiras para os países do BRICS cresceram doze vezes entre 2003 e 2023.

O BRICS é hoje a origem de quase um terço das importações do Brasil.

A Aliança Empresarial de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino e combater as desigualdades de gênero que persistem.

Por meio do Mecanismo de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas.

O Novo Banco de Desenvolvimento (o NDB), que neste ano completa dez anos, tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana.

Sob a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares.

Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando.

Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais.

Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto.

Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países.

Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional.

Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada.

Muitos insistem em dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão interessados em dicotomias simplistas.

O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade.

É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência.

É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes.

Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”.

Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano.

Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia.

No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns.

Por isso, o lema da presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.

Companheiros, espero vê-los na próxima Cúpula para construir mais um capítulo da nossa história comum.

Muito obrigado presidente Putin e muito obrigado aos companheiros que estão em Kazan”.

 

•        Brasil deve aderir Cinturão e Rota da China; entenda

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que o Brasil deveria considerar a adesão à Iniciativa do Cinturão e Rota da China como forma de enfrentar as medidas protecionistas impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. A proposta tem gerado divisões internas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que busca atrair novos investimentos para a maior economia da América Latina.

A possibilidade de se unir ao principal programa global de comércio e infraestrutura da China tem provocado intensos debates dentro do governo de Lula, com alguns ministros defendendo que essa parceria é essencial para atrair investimentos em larga escala, enquanto outros temem que isso possa comprometer as relações diplomáticas já estabelecidas com os EUA e a UE.

Durante o evento Bloomberg New Economy no B20 em São Paulo, nesta terça-feira (22), Fávaro argumentou que o Brasil pode integrar-se à iniciativa chinesa sem “criar disputas com ninguém”. “Precisamos manter um ótimo relacionamento com os Estados Unidos e a União Europeia, mas também é essencial combater algumas medidas protecionistas por meio da expansão de parcerias comerciais”, declarou. Ele acrescentou que fortalecer os laços com a China e outras nações é uma “oportunidade para superar barreiras comerciais” que têm sido impostas ao Brasil.

Lula, por sua vez, está cada vez mais no centro de uma competição global intensa entre as duas maiores economias do mundo, enquanto busca atrair investimentos externos para impulsionar a economia brasileira, desenvolver a infraestrutura e apoiar seus planos de transição verde.

Fávaro tem sido um dos principais atores nas tentativas de Lula de estreitar os laços com a China. No ano passado, ele liderou uma delegação de executivos do agronegócio até o país asiático, com o objetivo de ampliar a cooperação agrícola entre as duas nações. Como resultado, o Brasil assinou acordos para exportar mais carne bovina e outros produtos para o gigante asiático desde então.

O ministro também informou que o Brasil está em negociações para obter aprovação de Pequim para que mais frigoríficos possam exportar para a China. Segundo ele, estão em andamento tratativas para autorizar entre 10 e 15 novas instalações de carne bovina, de frango e de porco. Fávaro mencionou que um anúncio oficial pode ser feito já no próximo mês, durante a reunião do Grupo dos 20 no Brasil.

Enquanto isso, os EUA e o Brasil continuam em uma disputa histórica por proteções para o etanol e outros produtos, competindo pela supremacia global na exportação de commodities como soja, milho e algodão.

No mesmo evento, o vice-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jonathan Finer, reconheceu o aumento da competição com a China, mas negou que os EUA estejam perdendo influência na região. “Esta é uma região que tomará suas próprias decisões econômicas e comerciais, assim como decisões sobre parcerias de segurança”, disse Finer em entrevista ao editor-chefe da Bloomberg, John Micklethwait. “E os Estados Unidos respeitam plenamente a soberania dos países da região e a sua capacidade de decidir o que é melhor para o seu futuro.”

Sob o comando do presidente Joe Biden, Finer afirmou que os EUA “reverteram” a narrativa de que o país estaria “perdendo terreno para a China como potência econômica, de que a influência dos Estados Unidos estaria diminuindo no mundo e que a influência da China estaria aumentando”.

Recentemente, uma lei histórica da União Europeia voltada para o combate ao desmatamento global gerou atritos entre o Brasil e a UE. O país sul-americano, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, criticou os planos europeus por temer que eles prejudiquem os agricultores e as exportações brasileiras.

Diante da pressão de países produtores de commodities e líderes do setor, a Comissão Europeia decidiu adiar a implementação da lei no início deste mês. No entanto, Fávaro reafirmou a oposição do Brasil à medida durante o evento, afirmando que ela foi elaborada “unilateralmente” e que ignorou a “soberania de outras nações”.

“O Brasil jamais concordará com essa lei”, declarou ele enfaticamente.

 

Fonte: Viomundo/Agencia GOV./O Cafezinho

 

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