Marcelo Zero: O Brics e os interesses do
Brasil
Infelizmente, a lógica
excludente e belicista da nova Guerra Fria tornou-se ubíqua. Na mídia
conservadora brasileira, ela é, há muito, predominante.
Grande parte da nossa
mídia analisa a reunião do BRICS em Kazan com base nessa mentalidade. Estão
mais preocupados em criticar Putin ou com a entrada ou não da Venezuela que com
os grandes temas que são tratados na reunião.
Segundo essa lógica, o
Brasil teria de escolher um “lado”, na disputa entre as supostas “democracias”
e as supostas “autocracias”.
Em outras palavras,
nosso país teria de escolher entre ser um aliado dos EUA e do Ocidente ou ser
aliado da China, da Rússia etc., além de um membro do BRICS.
Ora, o Brasil não pode
se submeter a esse dilema geopolítico falacioso. O Brasil não tem de escolher
um “lado’.
O lado do Brasil é o
Brasil, país que tem interesses próprios e soberanos, os quais não se
subordinam ao de nenhum outro país.
Como diz Paulo
Nogueira Batista Júnior, o “Brasil não cabe no quintal de ninguém”.
Nem no quintal
monroísta dos EUA, nem no quintal da UE, nem no quintal da China, da Rússia
etc. Queremos dialogar e cooperar com todo o mundo, mas não nos submetemos a
ninguém.
No quadro dessa lógica
falaciosa, a ordem mundial é um jogo de soma zero. Para que alguns prosperem e
se fortaleçam outros têm de se enfraquecer e fracassar.
O Brasil, ao
contrário, vê a ordem mundial como um jogo de soma positiva, no qual a ascensão
e a prosperidade de novos atores não implicam, necessariamente, a ruína de
protagonistas já consolidados.
Se houver cooperação,
respeito mútuo e reciprocidade, todos podem ganhar.
A prosperidade de uns
pode e deve estimular a prosperidade de outros. Apostar em assimetrias é
burrice.
Nesse sentido, o
BRICS, uma criação do Brasil, não pode ser visto com o olhar paranoico de “uma
ameaça aos países do Ocidente”, embora muitos no Ocidente assim o vejam.
Na realidade, o
crescente protagonismo do BRICS e o grande número de pré-candidatos para
integrá-lo são resultados de uma clara insuficiência de governança global, da
inação e insuficiência representativa do Conselho de Segurança da ONU, da
política agressiva dos EUA e do Ocidente contra o Sul Global e da necessidade
de se superar a extrema dependência que o mundo ainda tem, relativamente ao
dólar, entre vários outros fatores.
EUA e seus grandes
aliados, que compõem o chamado Ocidente, representam cerca de 1, 2 bilhão de
pessoas. Ora, o mundo tem ao redor de 8 bilhões de indivíduos.
A maioria dessa
população e dos países do planeta não se sente bem representada numa ordem
mundial ainda dominada pelo unilateralismo, pelo belicismo e pela inoperância
em temas cruciais, como o das mudanças climáticas, o da pobreza, o das
desigualdades etc.
Nesse sentido, os que
dizem defender as “democracias” sustentam uma ordem mundial pouco democrática e
assimétrica.
Assim, por mais
paradoxal que possa parecer para os ideólogos do maniqueísmo internacional, o
BRICS representa um importante vetor para a construção de uma ordem mundial
mais multipolar, cooperativa, pacífica, simétrica e efetivamente democrática,
na qual os países do Sul Global sejam mais ouvidos e representados.
O BRICS não é
“anti-Ocidente” é “pró-humanidade”.
Para quem não sabe, a
Rússia de Putin quis fazer parte da União Europeia e até mesmo da Otan, mas foi
rejeitada.
Jeffrey Sachs, criador
do acrônimo BRIC, é testemunha disso.
Para quem não sabe, a
China não tem qualquer desejo de confrontar-se com os EUA, mas o governo desse
país está obcecado em “conter Beijing”.
O Brasil, soft power
por excelência, cresce na cooperação e nas negociações e beneficia-se do BRICS,
sem se colocar como antagonista de quem quer que seja.
Definitivamente, o
Brasil jamais cederá à lógica primitiva e reacionária de quem vê o mundo com os
olhos restritivos, excludentes e belicosos de uma ordem planetária baseada no
jogo de soma zero.
Quem enxerga inimigos
em todos os lados torna-se inimigo de si mesmo. E quem quer impor “democracia”
não é democrático.
Parafraseando Noel
Rosa, o Brasil não quer “abafar” ninguém, só quer mostrar que faz samba também.
E isso o Brasil faz
muito bem.
• No Brics, Lula pede diálogo contra a
escalada de guerras; veja a íntegra do discurso
Na manhã desta
quarta-feira, 23/10, o presidente Lula participou da plenária aberta da 16ª
Cúpula do Brics, que acontece em Kazan, na Rússia.
Foi por
videoconferência, já que, devido ao acidente doméstico no sábado. ficou
impedido de viajar.
Lula abriu seu
discurso mencionando a proposta brasileira de Aliança Global contra a Fome e à
Miséria, apresentada pela presidência do País no G20, em novembro.
Convidou os parceiros
do Brics a aderir à aliança. E também a ajudar na criação de um regime global
de tributação dos superricos.
O presidente defendeu
a discussão de uma moeda alternativa ao dólar no comércio internacional, de
modo a favorecer as transações comerciais entre os países emergentes.
Lula saudou a
presidência de Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, da sigla
em inglês, New Development Bank), o Banco dos Brics, que atualmente financia
cerca de 100 projetos de desenvolvimento e infraestrutura.
Citou a fala do
presidente da Turquia na ONU, que classificou o território de Gaza, atacado por
Israel há um ano, como o maior cemitério de mulheres e crianças do mundo.
“Essa insensatez agora
se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano”, afirmou.
E fez um apelo para
que o mundo reaja para promover negociações de paz entre Ucrânia e Rússia,
diálogo “crucial” para se evitar, ainda, uma escalada de conflitos na região e
no mundo.
“No momento em que
enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental
resgatar nossa capacidade de trabalhar junto sem prol de objetivos comuns. Por
isso, o lema da presidência brasileira (nos Brics, a partir de 2025) será: fortalecer
a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável.”
Leia o ‘Discurso do
presidente Lula na sessão plenária aberta da 16ª Cúpula dos BRICS’
”Mesmo sem estar
pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos
companheiros do BRICS. Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm
estendido à presidência brasileira do G20.
Seu respaldo foi
fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das
desigualdades, como a taxação de super-ricos.
Nossos países
implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas que podem servir
de exemplo para o resto do mundo.
A Aliança Global
contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões.
Convido todos a se
somarem à iniciativa, que nasceu no G20, mas está aberta a outros
participantes.
O BRICS é ator
incontornável no enfrentamento da mudança do clima.
Não há dúvida de que a
maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões
culminou na crise climática que nos aflige hoje.
É preciso ir além dos
100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de
monitoramento dos compromissos assumidos.
Os dados da ciência
exprimem um sentido de urgência sem precedentes.
O planeta é um só e
seu futuro depende da ação coletiva.
Também cabe aos países
emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um
grau e meio.
Na COP 30, em Belém,
vamos juntos mostrar que é possível conciliar maior ambição em nossas
Contribuições Nacionalmente Determinadas com o princípio das responsabilidades
comuns, mas diferenciadas.
Na presidência
brasileira do BRICS, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo
multipolar e por relações menos assimétricas entre os países.
Não podemos aceitar a
imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na
pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para
tornar-se privilégio de poucos.
Precisamos fortalecer
nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais
não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses
privados.
O BRICS foi
responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas
últimas décadas.
Juntos, somos mais de
3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade
social.
Representamos 36% do
PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras
do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite.
Entretanto, os fluxos
financeiros continuam seguindo para nações ricas.
É um Plano Marshall às
avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo
desenvolvido.
As iniciativas e
instituições do BRICS rompem com essa lógica.
A atuação do Conselho
Empresarial contribuiu para ampliar o comércio entre nós.
As exportações
brasileiras para os países do BRICS cresceram doze vezes entre 2003 e 2023.
O BRICS é hoje a
origem de quase um terço das importações do Brasil.
A Aliança Empresarial
de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino
e combater as desigualdades de gênero que persistem.
Por meio do Mecanismo
de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão
estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de
transação de pequenas e médias empresas.
O Novo Banco de
Desenvolvimento (o NDB), que neste ano completa dez anos, tem investido na
infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma
transição justa e soberana.
Sob a liderança da
companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase
100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares.
Ele foi pensado para
ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando.
Em vez de oferecer
programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a
prioridades nacionais.
Em vez de aprofundar
disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto.
Agora é chegada a hora
de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre
nossos países.
Não se trata de
substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar
que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional.
Essa discussão precisa
ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais
adiada.
Muitos insistem em
dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão
interessados em dicotomias simplistas.
O que eles querem é
comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal
e de qualidade.
É um meio ambiente
sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência.
É uma vida de paz, sem
armas que vitimam inocentes.
Como disse o
presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou “o maior
cemitério de crianças e mulheres do mundo”.
Essa insensatez agora
se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano.
Evitar uma escalada e
iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia.
No momento em que
enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental
resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns.
Por isso, o lema da
presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma
Governança mais Inclusiva e Sustentável”.
Companheiros, espero
vê-los na próxima Cúpula para construir mais um capítulo da nossa história
comum.
Muito obrigado
presidente Putin e muito obrigado aos companheiros que estão em Kazan”.
• Brasil deve aderir Cinturão e Rota da
China; entenda
O ministro da
Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que o Brasil deveria considerar a adesão à
Iniciativa do Cinturão e Rota da China como forma de enfrentar as medidas
protecionistas impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. A proposta
tem gerado divisões internas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que busca atrair novos investimentos para a maior economia da América
Latina.
A possibilidade de se
unir ao principal programa global de comércio e infraestrutura da China tem
provocado intensos debates dentro do governo de Lula, com alguns ministros
defendendo que essa parceria é essencial para atrair investimentos em larga
escala, enquanto outros temem que isso possa comprometer as relações
diplomáticas já estabelecidas com os EUA e a UE.
Durante o evento
Bloomberg New Economy no B20 em São Paulo, nesta terça-feira (22), Fávaro
argumentou que o Brasil pode integrar-se à iniciativa chinesa sem “criar
disputas com ninguém”. “Precisamos manter um ótimo relacionamento com os
Estados Unidos e a União Europeia, mas também é essencial combater algumas
medidas protecionistas por meio da expansão de parcerias comerciais”, declarou.
Ele acrescentou que fortalecer os laços com a China e outras nações é uma
“oportunidade para superar barreiras comerciais” que têm sido impostas ao
Brasil.
Lula, por sua vez,
está cada vez mais no centro de uma competição global intensa entre as duas
maiores economias do mundo, enquanto busca atrair investimentos externos para
impulsionar a economia brasileira, desenvolver a infraestrutura e apoiar seus
planos de transição verde.
Fávaro tem sido um dos
principais atores nas tentativas de Lula de estreitar os laços com a China. No
ano passado, ele liderou uma delegação de executivos do agronegócio até o país
asiático, com o objetivo de ampliar a cooperação agrícola entre as duas nações.
Como resultado, o Brasil assinou acordos para exportar mais carne bovina e
outros produtos para o gigante asiático desde então.
O ministro também
informou que o Brasil está em negociações para obter aprovação de Pequim para
que mais frigoríficos possam exportar para a China. Segundo ele, estão em
andamento tratativas para autorizar entre 10 e 15 novas instalações de carne
bovina, de frango e de porco. Fávaro mencionou que um anúncio oficial pode ser
feito já no próximo mês, durante a reunião do Grupo dos 20 no Brasil.
Enquanto isso, os EUA
e o Brasil continuam em uma disputa histórica por proteções para o etanol e
outros produtos, competindo pela supremacia global na exportação de commodities
como soja, milho e algodão.
No mesmo evento, o
vice-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jonathan Finer,
reconheceu o aumento da competição com a China, mas negou que os EUA estejam
perdendo influência na região. “Esta é uma região que tomará suas próprias
decisões econômicas e comerciais, assim como decisões sobre parcerias de
segurança”, disse Finer em entrevista ao editor-chefe da Bloomberg, John
Micklethwait. “E os Estados Unidos respeitam plenamente a soberania dos países
da região e a sua capacidade de decidir o que é melhor para o seu futuro.”
Sob o comando do
presidente Joe Biden, Finer afirmou que os EUA “reverteram” a narrativa de que
o país estaria “perdendo terreno para a China como potência econômica, de que a
influência dos Estados Unidos estaria diminuindo no mundo e que a influência da
China estaria aumentando”.
Recentemente, uma lei
histórica da União Europeia voltada para o combate ao desmatamento global gerou
atritos entre o Brasil e a UE. O país sul-americano, um dos maiores produtores
agrícolas do mundo, criticou os planos europeus por temer que eles prejudiquem
os agricultores e as exportações brasileiras.
Diante da pressão de
países produtores de commodities e líderes do setor, a Comissão Europeia
decidiu adiar a implementação da lei no início deste mês. No entanto, Fávaro
reafirmou a oposição do Brasil à medida durante o evento, afirmando que ela foi
elaborada “unilateralmente” e que ignorou a “soberania de outras nações”.
“O Brasil jamais
concordará com essa lei”, declarou ele enfaticamente.
Fonte:
Viomundo/Agencia GOV./O Cafezinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário