Como Think Tanks e fundações ocidentais
criminalizam o BRICS e o Sul Global
Desde sua fundação, os
BRICS têm sido alvo de uma campanha sistemática de marginalização conduzida por think
tanks, fundações e agências ocidentais e mídias tradicionais. O temor de
que essa coalizão emergente possa ameaçar a hegemonia econômica dos Estados
Unidos e o dólar como moeda central impulsiona a construção de narrativas
negativas sobre o grupo e seus parceiros no Sul Global. Esses discursos,
promovidos por instituições como o Atlantic Council, Carnegie Endowment e
National Endowment for Democracy (NED), entre um ecossistema vasto de outras
instituições, não apenas reforçam a falsa dicotomia entre o progresso ocidental
e a “ameaça externa”, mas também operam como ferramentas de guerra cultural e
operações psicológicas (psyops), modelando a percepção pública e influenciando
políticas globais. As guerras e operações psicológicas (psyops) são estratégias
utilizadas para influenciar percepções e comportamentos, frequentemente visando
deslegitimar adversários e controlar narrativas. No contexto das tensões
geopolíticas atuais, essas operações são empregadas para criminalizar os BRICS
e demais iniciativas de fora do eixo ocidental, apresentando-os como uma ameaça
à ordem mundial, criando uma imagem negativa perante a opinião pública, assim
como em setores da economia, que visa justificar intervenções e isolar essas
nações no cenário internacional. Ao moldar a opinião pública por meio de
desinformação e campanhas midiáticas, essas instituições buscam reforçar a
hegemonia ocidental e deslegitimar iniciativas de cooperação entre os países do
Sul Global, por exemplo. O bloco BRICS surgiu visando reestruturar as relações
internacionais, promovendo uma governança mais equilibrada e descentralizada,
algo que desafia a arquitetura do poder estabelecida desde a Segunda Guerra
Mundial. Além de buscar alternativas ao domínio das instituições financeiras
tradicionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, o
bloco propõe a diversificação das moedas usadas no comércio global,
questionando a primazia do dólar. Essa agenda desperta reações intensas entre
as elites ocidentais, que enxergam o grupo como uma ameaça ao status quo,
temendo que uma ordem multipolar comprometa tanto o poder financeiro dos EUA
quanto a influência diplomática do Ocidente.
Think tanks como o
Atlantic Council e fundações como a NED, entre muitos outros, passaram a
produzir uma vasta quantidade de relatórios como “The BRICS and the
Future of Global Governance” de 2012, The Rise of BRICS:
Implications for U.S. Interests de 2013 e Are the BRICS
a Threat to the US? de 2023, são exemplos destas análises que retratam
o BRICS como uma coalizão autoritária e antidemocrática. Essas publicações,
embora travestidas de estudos imparciais, funcionam como apitos de cachorro (dog
whistles) para um ecossistema midiático que amplifica essas narrativas.
Esses relatórios são rapidamente absorvidos pelas grandes agências de notícias
do Ocidente, como Reuters, CNN, The New York Times e BBC, que os utilizam como
base para pautar coberturas enviesadas sobre o BRICS e os países do Sul
Global. Think tanks são instituições que, embora
frequentemente apresentem suas análises como baseadas em ciência e dados
rigorosos, muitas vezes utilizam métodos questionáveis para corroborar
interesses não científicos ou corporativos. A produção de relatórios e estudos
por essas entidades passa raramente por processos de revisão por pares, o que
compromete sua legitimidade e validade científica. Em vez de promover um debate
informado e fundamentado, essas instituições tendem a veicular narrativas que
servem a agendas políticas específicas, minando a confiança no discurso
acadêmico e na busca por soluções justas e equitativas para os problemas
globais. Essa falta de rigor metodológico contribui para a construção de um consenso
artificial que marginaliza iniciativas como o BRICS, colocando em xeque a
integridade da pesquisa e a autenticidade das informações disseminadas.
O discurso,
inicialmente construído por essas instituições, é replicado por portais,
jornais e redes de televisão ao redor do mundo, incluindo a mídia brasileira,
alimentando um ciclo contínuo de criminalização e desprestígio das iniciativas
soberanistas e autônomas desses países. Os veículos da mídia mainstream
ocidental atuam em sinergia com think tanks e fundações, como
o Atlantic Council e o NED, que funcionam como uma espécie de incubadora para
as narrativas que serão reverberadas pela mídia tradicional. Essa relação
simbiótica se manifesta na cobertura seletiva de eventos e na amplificação de
discursos que deslegitimam iniciativas como o BRICS, contribuindo para a
construção de uma visão polarizada do mundo. Ao adotar essas perspectivas, a
mídia não apenas informa, mas também molda a opinião pública, consolidando uma
agenda que favorece os interesses geopolíticos do Ocidente. Dessa forma, o
ethos dos BRICS, que defendem uma governança multipolar e um caminho
independente para o desenvolvimento dos povos do Sul Global, é sistematicamente
distorcido e apresentado como uma ameaça à ordem liberal, criando um clima de
perseguição constante ao bloco e seus valores. Os discursos sugerem que o bloco
seria não apenas uma ameaça econômica, mas também ideológica, posicionando-o
como antagonista da ordem liberal ocidental. Essa propaganda é disseminada em
múltiplos canais, alimentando a mídia corporativa e moldando a opinião pública
para justificar pressões diplomáticas, sanções econômicas e isolamento
político. Assim, a construção dessa polarização – Ocidente versus BRICS/Sul
Global – reflete uma disputa inevitável pela manutenção do seu poder
hegemônico, mas uma narrativa artificial que favorece os interesses das
potências ocidentais. Por meio de operações psicológicas sofisticadas, essas
organizações buscam manter a hegemonia do Ocidente enquanto deslegitimam
qualquer tentativa de reorganização da ordem mundial. Nos próximos parágrafos,
examinaremos como essas instituições produzem essas narrativas e as consequências
que elas têm para o Sul Global e, particularmente, para o Brasil.
·
O Discurso da Ameaça
do Sul Global e dos BRICS
No atual cenário
global, marcado por instabilidade política e econômica, a guerra informacional
tornou-se uma ferramenta central de disputa entre potências. Em um contexto de
Sociedade 4.0 — caracterizada pela interconexão digital, automação e fluxo massivo
de dados —, narrativas estratégicas são moldadas para influenciar percepções
públicas e consolidar interesses políticos e econômicos. O BRICS, como bloco
emergente que propõe alternativas à hegemonia ocidental, desperta reações
intensas nesse campo de batalha informacional. Ameaçando o status quo
financeiro, político e geopolítico liderado pelo Ocidente, o BRICS torna-se
alvo de campanhas de desinformação e operações psicológicas que buscam
deslegitimá-lo. Essas ofensivas, conduzidas por think tanks, governos e grandes
veículos de mídia, alimentam a polarização, retratando o bloco e seus membros
como ameaças à “ordem liberal” e justificando sanções e pressões econômicas.
Desde o surgimento do
BRICS em junho 2009, as reações do Ocidente foram marcadas por agressividade,
refletindo a resistência à possibilidade de uma ordem global multipolar,
lideram essa ofensiva ideológica e geopolítica, sempre instrumentalizadas por
instituições de Estado como Central Intelligence Agency CIA, National Security
Agency (NSA), U.S. Agency for International Development (USAID) entre
outros, assim como instituições privadas dos países centrais, em especial dos
EUA. Embora essas instituições se apresentem como defensoras da democracia, dos
direitos humanos e da liberdade econômica, suas práticas revelam outra faceta:
uma intervenção ativa em processos políticos e econômicos globais, com o
objetivo de proteger a hegemonia do Ocidente e marginalizar qualquer projeto
alternativo, como o promovido pelo BRICS e por outras nações do Sul Global. A
NED, por exemplo, foi criada nos anos 1980 com a missão declarada de promover a
democracia ao redor do mundo. No entanto, desde sua fundação, a instituição tem
sido acusada de interferir em processos políticos internos de vários países,
financiando movimentos alinhados aos interesses dos Estados Unidos. De forma
semelhante, o Atlantic Council tem desempenhado um papel fundamental na
construção de narrativas que associam a ascensão de países não ocidentais, como
China e Rússia, a ameaças globais, promovendo a ideia de que a única
alternativa legítima é a manutenção da ordem liberal liderada pelos EUA. A
Heritage Foundation e a Carnegie Endowment também se inserem nesse ecossistema,
cada uma com abordagens distintas – conservadora e liberal, respectivamente –
mas convergindo na defesa da hegemonia ocidental. Tanto os conservadores quanto
os neoliberais enxergam qualquer projeto que promova soberania econômica e autonomia
política como uma ameaça aos seus interesses globais, atuando de maneira
coordenada para desacreditar e desestabilizar essas iniciativas.
Além das influências
internacionais, no Brasil, think tanks ultraliberais também
desempenham um papel relevante na disseminação de narrativas alinhadas ao
Ocidente e contrárias ao BRICS. Instituições como o Instituto Millenium[1], o Centro de
Liderança Pública (CLP), a Fundação Lemann e o Livres reforçam o discurso de
que a aproximação com o bloco representa um risco para o país, defendendo uma
maior adesão ao modelo econômico e geopolítico liderado pelos EUA e pela
Europa. O Instituto Millenium, por exemplo, promove desde 2005 uma visão de
mercado livre que se opõe a projetos de desenvolvimento autônomo e soberano,
característicos do ethos do BRICS. Sua retórica sugere que o Brasil deveria se
afastar de alianças com China e Rússia e aprofundar laços com as potências
ocidentais, sob a justificativa de modernização econômica. De forma semelhante,
o CLP, ao capacitar lideranças e influenciar políticas públicas, reproduz o
discurso neoliberal e desconfia de arranjos multipolares que escapem à órbita
de influência ocidental. Embora voltada principalmente para a educação, a
Fundação Lemann também exerce um papel relevante nesse contexto. Com laços
estreitos com instituições internacionais como o Atlantic Council e a Carnegie
Endowment, a fundação participa de discussões globais que promovem uma visão
tecnocrática e favorável ao alinhamento do Brasil aos interesses das economias
centrais. Por meio de parcerias e programas de formação, seus projetos reforçam
a narrativa de que iniciativas de cooperação com o Sul Global são secundárias
ou inviáveis. O Livres, por sua vez, adota uma postura ultraliberal que critica
não apenas a política econômica brasileira, mas também a política externa ativa
e autônoma que busca estreitar relações com o BRICS. A organização apresenta
frequentemente a aproximação com potências emergentes como arriscada,
sustentando que o caminho mais seguro para o Brasil é a adesão plena ao mercado
global liderado pelo Ocidente. Esses think tanks operam em sinergia com fundações
internacionais e ajudam a moldar o debate público e a opinião da elite
econômica e política brasileira. Suas publicações, eventos e colaborações
internacionais reforçam uma narrativa de que os BRICS representam uma ameaça à
estabilidade global e aos interesses do Brasil, alinhando-se ao esforço mais
amplo de marginalização do bloco e de promoção de uma ordem unipolar. Dessa
forma, esses atores locais funcionam como peças-chave em uma rede mais ampla de think
tanks, governos e mídia ocidentais, replicando as mesmas narrativas e
sustentando a hegemonia do Ocidente. Neste contexto, a Atlas Network emerge
como um influente ecossistema de think tanks que atua
globalmente na promoção de ideais ultraliberais, com forte ênfase na
deslegitimação de iniciativas como o BRICS. Ao financiar e coordenar
instituições ao redor do mundo, a Atlas Network contribui para a criminalização
do bloco, fomentando narrativas que o apresentam como uma ameaça à ordem
liberal e aos interesses ocidentais. Além da produção de relatórios, essas
instituições moldam o discurso internacional e influenciam políticas públicas
por meio de conferências, seminários e lobby político, nos quais participam
autoridades, empresários e lideranças de opinião. Essas plataformas se tornam
espaços para legitimar narrativas de confronto, promovendo a imagem de que o
BRICS e o Sul Global representam uma ameaça à estabilidade mundial. Os estudos
produzidos por esses think tanks são amplamente disseminados
na mídia ocidental e acabam pautando governos e políticas externas, incluindo
no Brasil, que frequentemente replica o discurso de desconfiança e
criminalização do bloco.
·
Operações
Psicológicas: A Manipulação da Percepção Global Sobre do BRICS
O resultado desse
esforço conjunto é uma operação psicológica (psyop) sofisticada e sistemática
que sustenta uma polarização artificial entre o Ocidente e o BRICS. De um lado,
o Ocidente se posiciona como o guardião da ordem global, da democracia e dos
direitos humanos; de outro, os países do BRICS são rotulados como autoritários,
instáveis ou ameaçadores, como nos casos de China, Rússia e Irã, os dois
últimos rotulados como sendo do “eixo do mal”. Essa narrativa se constrói não
por meio de uma ação isolada, mas por um ecossistema coordenado que envolve
instituições diversas privadas, mídia corporativa e governos, todos atuando de
forma orquestrada para minar qualquer projeto alternativo à hegemonia
ocidental. As técnicas mais comuns de psyops incluem campanhas de
desinformação, manipulação seletiva de dados e uso de narrativas alarmistas. Um
exemplo claro disso são as análises publicadas pelo Atlantic Council, que
frequentemente caracterizam o BRICS como uma coalizão que ameaça
“desestabilizar a ordem democrática global”, associando os países do bloco a
regimes autoritários. Essa associação busca criar uma imagem negativa que molda
o debate público e legitima a desconfiança contra o bloco, mesmo em países que
têm interesses concretos na cooperação Sul-Sul. Outra técnica utilizada é a
amplificação coordenada de relatórios e estudos por meio de mídias tradicionais
e redes sociais. Fundações como a NED (National Endowment for Democracy)
produzem relatórios que rotulam o BRICS como uma força desestabilizadora e
autoritária, enquanto esses conteúdos são repercutidos por grandes veículos de
imprensa, como CNN, The New York Times, e Financial Times. Essa narrativa
também é reproduzida pela mídia brasileira, que adota o enquadramento ocidental
e apresenta as iniciativas do BRICS de maneira enviesada, reforçando a
percepção de ameaça ao “bom funcionamento” da ordem global. O uso de think
tanks conservadores e neoliberais também é estratégico. Instituições
como a Heritage Foundation e a Rand Corporation, publicam estudos que reforçam
a necessidade de os EUA e seus aliados manterem a primazia econômica e militar.
Esses relatórios influenciam diretamente formuladores de políticas públicas e
governos, moldando decisões internacionais e fomentando a desconfiança em
relação ao BRICS. Um exemplo concreto foi o tratamento dado ao Novo Banco de Desenvolvimento
(NBD) do BRICS, apresentado em diversos estudos como um instrumento de
influência chinesa, embora tenha sido concebido como uma alternativa legítima
ao sistema financeiro dominado pelo FMI e pelo Banco Mundial. Além disso,
campanhas de medo e suspeição são utilizadas para fortalecer a imagem de um
BRICS hostil ao Ocidente. Exemplos incluem acusações de espionagem cibernética
por parte da China, Irã e da Rússia, associação da política energética do bloco
com a insegurança energética global, e a acusação de que o BRICS apoia regimes
autoritários na África e na América Latina. Essas campanhas utilizam uma
linguagem sutil, mas eficaz, para criar uma percepção pública de que qualquer
aproximação com o bloco é um risco econômico ou diplomático. Essas operações
não se limitam ao campo da política e da economia, mas avançam também para o
campo ideológico e cultural. A promoção de valores neoliberais e a
deslegitimação de modelos alternativos de desenvolvimento buscam enfraquecer as
bases de cooperação do Sul Global e criar divisões internas nos países que
integram o BRICS. Assim, qualquer tentativa de soberania econômica, tecnológica
ou geopolítica por parte desses países é rapidamente rotulada como “ameaça à
estabilidade global”. Esse ecossistema coordenado de psyops revela que a guerra
cultural e ideológica conduzida pelo Ocidente não se dá por força militar
explícita, mas pela manipulação da percepção pública, controle narrativo e
criminalização de projetos autônomos. Dessa forma, a narrativa hegemônica é
constantemente reforçada, garantindo que alternativas multipolares como o BRICS
permaneçam marginalizadas no debate público global. As organizações
internacionais do Ocidente constroem e disseminam uma narrativa de ameaça em
torno do BRICS e do Sul Global, apresentando essas nações como riscos à “ordem
liberal” liderada pelos EUA e seus aliados. Esse discurso é moldado com o
objetivo de manter o status quo geopolítico e econômico, criminalizando
projetos que defendam soberania nacional e desenvolvimento independente. A
narrativa da ameaça é central para sustentar a hegemonia ocidental,
justificando a necessidade de intervenções políticas, pressões econômicas e
campanhas de desinformação. Essa narrativa é alimentada pela demonização de
dois dos principais membros do BRICS, China e Rússia, apresentadas como
potências revisionistas que desafiam o poder hegemônico dos EUA. O Brasil,
especialmente durante governos progressistas, também é alvo desse discurso. Ao
tentar promover um desenvolvimento soberano e alianças com o Sul Global, o país
é frequentemente enquadrado como um “desalinhado” com os interesses do
Ocidente. Governos que investem em políticas de desenvolvimento independente,
como no Brasil sob Luiz Inácio Lula da Silva, são frequentemente apresentados
pela mídia e por essas instituições como populistas, ineficientes ou inclinados
ao autoritarismo. A narrativa de ameaça também é reforçada por meio da pressão
diplomática e econômica. A mídia ocidental e relatórios desses think tanks
vendem a ideia de que alianças fora dos padrões ocidentais são arriscadas,
desincentivando a aproximação entre países do Sul Global. Assim, qualquer
tentativa de integração fora da órbita do Ocidente é vista como uma ameaça à
ordem internacional, reforçando a dependência econômica e política desses
países em relação aos EUA e à Europa.
·
A Falsa Polarização:
Ocidente vs Sul Global
As campanhas de psyops e
desinformação são frequentemente utilizadas para dividir o campo do Sul Global
e impedir a consolidação de blocos alternativos como o BRICS. Exemplos disso
incluem a campanha de desinformação sobre a infraestrutura digital chinesa,
como a Huawei, rotulada como uma ameaça à segurança nacional em diversos
países. Outro exemplo concreto é a campanha de demonização da Rússia, que, além
de ser apresentada como uma ameaça militar, é constantemente acusada de
interferir em eleições e crises políticas ao redor do mundo. Essa estratégia é
parte de uma guerra informacional que visa isolar diplomaticamente a Rússia e,
por extensão, enfraquecer o BRICS como um todo. A criminalização de projetos
soberanos é uma das táticas mais recorrentes. Quando governos do Sul Global,
como o Brasil, a Índia ou a África do Sul, defendem políticas econômicas
autônomas, são frequentemente alvo de pressões internacionais e campanhas de
descrédito. As instituições ocidentais promovem a ideia de que esses projetos
representam uma ameaça à estabilidade regional e aos mercados globais,
restringindo a margem de manobra desses países e promovendo a ideia de que
somente alianças com o Ocidente garantem progresso e segurança. Portanto, o
discurso da ameaça em torno do BRICS e do Sul Global não é apenas retórico, mas
faz parte de uma estratégia deliberada de guerra cultural e operações
psicológicas. Think tanks, fundações e mídia corporativa trabalham
em sintonia para garantir que qualquer alternativa à ordem liberal seja percebida
como ilegítima ou perigosa. Ao manter o controle sobre a narrativa global,
essas instituições bloqueiam o surgimento de modelos alternativos de cooperação
e desenvolvimento, preservando a hegemonia ocidental.
É importante destacar
que o Sul Global não busca antagonismo, mas alternativas à hegemonia ocidental.
Na verdade, países como Brasil, China, Índia e África do Sul têm se engajado em
fóruns multilaterais e tentativas de construir uma nova ordem econômica que
priorize suas necessidades e interesses, sem necessariamente se opor ao
Ocidente. A polarização promovida por instituições ocidentais é, portanto, uma
construção artificial, utilizada como justificativa para intervenções
políticas, pressões econômicas e sanções que visam neutralizar qualquer projeto
que desafie a hegemonia global. Esse tipo de retórica desumaniza os países do
Sul Global, reduzindo-os a meras ameaças, enquanto ignora suas legítimas
aspirações por desenvolvimento e autonomia. Casos concretos ilustram essa
dinâmica de polarização e manipulação. Por exemplo, durante a crise do
petróleo, think tanks ocidentais e veículos de comunicação
propagaram a ideia de que as ações dos membros do BRICS eram responsáveis pela
volatilidade dos preços, sem considerar os fatores globais que realmente
influenciavam o mercado. Além disso, em contextos eleitorais, como nas eleições
na África do Sul, campanhas de desinformação foram lançadas para sugerir que o
apoio ao BRICS equivalia a um alinhamento com regimes autoritários, uma
narrativa que se replicou em várias partes do mundo. Essas campanhas são
frequentemente apoiadas por estudos e relatórios que legitimam a pressão
econômica e política sobre os países do BRICS, criando um ciclo vicioso de
desinformação e intervenção que busca manter a hegemonia ocidental.
·
Brasil no BRICS: O
Papel do Brasil na Reorganização das Relações Internacionais
O Brasil, como um dos
membros fundadores do BRICS, desempenha um papel crucial na tentativa de
reorganizar as relações internacionais e desafiar a hegemonia ocidental. A
partir de sua liderança, o Brasil tem buscado promover uma agenda que prioriza
a soberania e o desenvolvimento autônomo, destacando a importância de um novo
paradigma que respeite as diversidades e aspirações dos países do Sul Global.
No entanto, essa postura tem gerado reações negativas das elites ocidentais,
que veem o fortalecimento do BRICS como uma ameaça aos seus interesses
econômicos e políticos. A mídia mainstream, muitas vezes alinhada com essas
elites, têm contribuído para a construção de narrativas que criminalizam o
Brasil, distorcendo suas ações e intenções no cenário internacional. A
cobertura da mídia sobre o BRICS e suas iniciativas é frequentemente marcada
por uma perspectiva negativa, enfatizando supostas falta de democracia ou
desrespeito aos direitos humanos nos países membros. Essa abordagem não apenas
marginaliza as vozes do Sul Global, mas também promove uma narrativa que
legitima a intervenção ocidental, distorcendo a verdadeira natureza das
relações e cooperações que estão sendo construídas. Assim, o Brasil se vê, por
um lado, como um ator importante na formação de um novo bloco de poder e, por
outro, como alvo das operações de desinformação que buscam desacreditar seu
papel e sua liderança.
Neste momento crucial
em que ocorre a cúpula do BRICS de 2024, a mídia nacional tem adotado uma
postura cada vez mais crítica em relação ao bloco, especialmente no que tange à
posição do Brasil e à inclusão de países como Venezuela e Cuba. Artigos e editoriais
têm sido veiculados com o intuito de afastar o Brasil do BRICS e de
criminalizar esses países, que são frequentemente retratados como exemplos de
regimes autoritários que ameaçam a estabilidade e a segurança da América
Latina. Em um editorial recente do G1, a cobertura enfatiza a necessidade de
“definir critérios claros” para a participação de novos países no BRICS,
insinuando que a inclusão de nações como Venezuela e Cuba não é apenas
indesejável, mas potencialmente danosa ao prestígio e à imagem do Brasil no
cenário internacional. Essa narrativa é reforçada pela BBC, que destaca as
preocupações em torno do apoio brasileiro a governos percebidos como
ditatoriais, insinuando que tal aliança poderia comprometer a credibilidade do
Brasil frente à comunidade internacional. Essa abordagem midiática não apenas
deslegitima a atuação do Brasil dentro do BRICS, mas também busca construir uma
percepção de que as cooperações com países do Sul Global, particularmente
aqueles que desafiam a hegemonia ocidental, são riscos à democracia e ao
desenvolvimento. Essa estratégia de criminalização é uma tentativa clara de
polarizar a opinião pública, sugerindo que o fortalecimento do BRICS e a
presença de nações como Venezuela e Cuba representam uma ameaça à ordem liberal
estabelecida. Através de uma cobertura tendenciosa e alarmista, a mídia
nacional alimenta uma narrativa que visa não só desacreditar os valores e as
aspirações dos países do Sul Global, mas também assegurar que a agenda
ocidental permaneça dominante nas discussões sobre geopolítica e
desenvolvimento. Dessa forma, a cúpula do BRICS se torna não apenas um evento
de cooperação internacional, mas também um campo de batalha discursivo onde a
luta pela narrativa hegemônica se intensifica.
A afirmação de que a
entrada da Venezuela no BRICS não convém aos interesses do Brasil levanta uma
dicotomia interessante sobre a obrigação moral e ideológica de apoiar um país
vizinho que enfrenta profundas crises políticas e econômicas. Enquanto alguns
argumentam que a Venezuela representa uma ameaça à estabilidade da região e aos
interesses brasileiros, outros sustentam que, em um mundo multipolar, é
imperativo que o Brasil assuma uma postura solidária em relação aos seus
parceiros do Sul Global, independentemente das divergências ideológicas. Por um
lado, a perspectiva de que a Venezuela sempre foi parte da esfera de influência
dos Estados Unidos, pela sua proximidade geográfica, sugere que o Brasil
deveria se afastar de um país que poderia ser visto como um agente
desestabilizador na geopolítica sul-americana. Essa visão pragmática aponta
para a necessidade de o Brasil priorizar suas relações com países que,
historicamente, têm compartilhado uma aliança estratégica, como a Argentina. No
entanto, essa lógica pode simplificar uma realidade complexa, onde as condições
de vida e as aspirações do povo venezuelano deveriam ser consideradas ao
oferecer oportunidades de desenvolvimento dentro do BRICS e com isso não ficar
refém das sanções dos EUA. Por outro lado, a obrigação moral e ideológica de
apoiar a Venezuela pode ser vista como um imperativo ético em tempos em que a
solidariedade entre nações do Sul Global se torna crucial para contrabalançar a
hegemonia ocidental. Essa perspectiva argumenta que o Brasil, como uma potência
emergente, tem o dever de apoiar nações que enfrentam sanções e pressões
externas, promovendo uma narrativa de resistência e cooperação em vez de uma
divisão baseada em interesses geopolíticos. Assim, a reflexão sobre essa
dicotomia leva à conclusão de que a política externa brasileira deve encontrar
um equilíbrio entre os interesses pragmáticos e as responsabilidades éticas. A
questão não é apenas se a Venezuela deve ou não ser incluída no BRICS, mas como
o Brasil pode liderar uma coalizão que busca não apenas a estabilidade
geopolítica, mas também a justiça social e o desenvolvimento sustentável para
todos os povos do Sul Global. Essa abordagem não apenas fortalece a posição do
Brasil como um ator global responsável, mas também contribui para a construção
de um mundo mais justo, onde a colaboração supera a polarização.
O discurso de
marginalização do Sul Global e dos BRICS é uma construção estratégica lideradas
pelas elites ocidentais que, ao longo do tempo, têm sistematicamente reforçado
a narrativa de que a cooperação entre esses países representa uma ameaça à
ordem liberal. Esse esforço conjunto não só distorce a realidade, mas também
desumaniza nações inteiras, reduzindo suas aspirações legítimas a meras ameaças
à estabilidade global. Ao expor essa dinâmica, fica claro que a luta contra
essas narrativas hegemônicas é fundamental para a defesa da soberania dos
países do Sul Global, e o Brasil, como membro do BRICS, tem um papel central
nesse processo. É imperativo que o Sul Global se prepare para combater essas
operações psicológicas e construa uma narrativa independente e soberana, que
reflita suas realidades e aspirações. Isso envolve não apenas uma maior
conscientização sobre as táticas de desinformação e marginalização, mas também
a promoção de uma cooperação que transcenda as divisões artificiais impostas
pelas elites ocidentais. Ao fazer isso, os países do Sul Global podem
reivindicar seu espaço no cenário internacional de forma digna e autêntica. É
fundamental que se combata as narrativas hegemônicas e se fomente a cooperação
global fora da lógica de antagonismo fabricado. Em um mundo cada vez mais
interconectado, a colaboração entre os países do Sul Global pode oferecer
alternativas viáveis ao modelo ocidental, promovendo um futuro mais justo e
equilibrado. Que esta reflexão sirva como um convite à ação, inspirando
líderes, acadêmicos e cidadãos a unirem forças na construção de um novo
paradigma que respeite as diferenças e busque a justiça global.
Fonte: Por Reynaldo
Aragon e Wanderley Anchieta, no Jornal GGN
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