sexta-feira, 25 de outubro de 2024

'Eixo da Revolta': Norte Global cria termo para tentar isolar países não alinhados, notam analistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que o uso do termo expõe que na política internacional a comunicação é mais um front de guerra, mas que é pouco provável que a tática consiga impor pressão sobre o Sul Global e membros do BRICS.

A aproximação entre Rússia, China, Irã e Coreia do Norte passou a ser designada pela mídia e por institutos de análises políticas ocidentais como "Axis of Upheaval", algo como "Eixo da Revolta" em inglês.

Tais análises tentam apresentar os países citados como uma espécie de bloco párea da comunidade internacional. Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam o potencial do termo para influenciar países do Sul Global ou impactar na demanda por uma nova ordem mundial.

Héctor Saint-Pierre, especialista em segurança internacional da Universidade Estadual Paulista (UNESP), destaca que a comunicação é mais um teatro de operações da guerra contemporânea, por isso as palavras têm um sentido mais pragmático do que semântico, ou seja, importa mais o impacto que elas podem ter nas pessoas que o conteúdo em si.

Ele diz que é importante notar que o uso do termo vem em concomitância com a publicação do relatório da Comissão sobre a Estratégia de Defesa Nacional dos EUA, em julho deste ano, que basicamente aponta a inevitabilidade de uma próxima guerra, uma terceira guerra mundial, que seria justamente contra um eixo composto por China, Coreia do Norte, Rússia e Irã.

"Então, se procura juntar todos esses quatro países para criar um ambiente por linhas exteriores, quer dizer, a parte diplomática, separar os outros países desse eixo, como se esse eixo tivesse uma manifestação, como se fosse um eixo do mal contra o qual os países têm que tomar precauções e não se aproximar, de forma a ir definindo as alianças para a futura guerra", explica.

Pierre acrescenta que o relatório fala que essa guerra inevitável seria travada em múltiplos teatros, incluindo as regiões de Eurásia, Oriente Médio e Indo-Pacífico, e que neste momento os EUA não teriam condições de fazer frente a esse eixo, pois ainda precisam completar sua capacidade militar, reformular a força, a estrutura, o recrutamento e a formação dos seus militares e modificar o desenho da produção industrial da Defesa, que hoje está atrasada.

"Então, para se preparar para 2026 [ano apontado como possível eclosão do conflito], [os EUA] também têm que modificar sua linha diplomática para operar por linhas exteriores. Nessa operação por linhas exteriores, que é ganhar opinião do público internacional, está a ferramenta ou a arma principal, que são as palavras."

Ele afirma que um dos objetivos do termo é tentar impedir que países não alinhados a Washington se aproximem ou passem a compor esse eixo, evitando também uma posição de neutralidade.

"Evitar a neutralidade significa obrigar os países, por exemplo, os países latino-americanos, a se alinharem automaticamente com os EUA. Por isso também há um combate contra o BRICS. Dentro do BRICS estão justamente esses países que fazem parte desse novo conceito bélico, menos Coreia do Norte."

Segundo Pierre, esses países, não apenas do BRICS, mas aqueles não alinhados, se apresentam não como um bloco anti-Ocidente, mas como algo diferente do Ocidente, uma alternativa diante de uma guerra que ele afirma estar sendo provocada.

"Porque estão se preparando para a guerra, e o preparo para a guerra não garante a paz, muito pelo contrário, normalmente provoca a guerra", afirma.

Ele aponta que atualmente há mais resistência à hegemonia dos EUA, por ser muito autoritária e defender um mundo regido por regras que são criadas pelos EUA e pelo Ocidente.

"Essas regras não são impessoais, tem alguém que dita as regras e normalmente é quem venceu a guerra. Isso, obviamente, cria certos aspectos de ódio, de tensão. Veja, por exemplo, o caso do [caça] Gripen, que os EUA mandaram fazer uma análise minuciosa do contrato da Saab com o Brasil. Isso é atentar contra a soberania nacional do Brasil. Isso não pode passar assim, em branco."

Pierre afirma que o cenário atual não pode ser comparado ao vivenciado durante a Guerra Fria, pois as relações entre Estados hoje são muito mais complexas que naquela época, quando havia a divisão do mundo em dois blocos bem definidos, liderados por dois países, EUA e URSS, com posições e economias totalmente distintas, sem nenhuma relação entre elas.

"Hoje a interdependência recíproca e complexa dos países impede a imagem de uma Guerra Fria. Hoje não há nenhuma tecnologia que seja puramente nacional, que corresponda a algum país. São tecnologias que dependem de relações complexas, de uma dependência complexa entre os países."

Entrentanto, o analista aponta que o mundo hoje está muito mais próximo de uma guerra mundial do que no período da Guerra Fria.

"Neste momento, temos pontos de tensão, já com beligerância, no Oriente Médio é uma situação de beligerância que é uma amostra de uma conflitividade maior, e quem está operando no Oriente Médio são os EUA através de Israel."

Pierre enfatiza que atualmente é apresentada no cenário internacional uma imagem de que Israel não obedece aos EUA, mas diz discordar dessa versão.

"Como [Israel] não obedece aos EUA se está lutando com o armamento dos EUA? Se os EUA estão comprometidos no Oriente Médio, talvez para ampliar o projeto de um grande Israel, mas [também] para basicamente cercar o Irã e combater o Irã em separado?", questiona o analista.

Ele acrescenta que há ainda provocações à China com relação ao estreito de Taiwan, com Japão e Austrália firmando alianças sob o argumento de conter Pequim na região, e também o confronto travado entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Rússia na Ucrânia.

"É uma guerra claramente por procuração [o conflito ucraniano], que está se fazendo com a carne de ucranianos, mas que por trás está todo o apoio da OTAN, a OTAN está completamente comprometida. Então, a possibilidade de uma escalada para uma guerra mundial já está dada."

<><> Termo pode impactar negativamente em países do BRICS?

O fato de três dos quatro países enquadrados no chamado "Eixo da Revolta" serem membros do BRICS traz preocupação sobre a possibilidade de pressão ao grupo por parte do Ocidente.

Tainah Pereira, doutoranda em economia política internacional no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que o BRICS surge justamente como uma contestação às práticas das chamadas organizações Bretton Woods, sobretudo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que ela afirma atuarem também como reguladores de normas que estabelecem uma visão específica a respeito da cooperação internacional, fortalecendo a visão política ocidental e o modelo capitalista como sistema de produção, o que tem favorecido essas mesmas organizações do Norte Global.

Workshop sobre o F-39 Gripen, na Ala 1 da Base Aérea de Brasília (DF). O Comando

"Então, é natural que quando surgem movimentos de contestação a essa ordem, ao funcionamento dessas organizações, uma disputa por mais espaço dentro desse sistema, haja contraposição. [...] A mídia nos EUA tem refletido uma preocupação grande dos cidadãos estadunidenses de forma geral com essa percepção, que hoje é global, de uma certa redução do poder de influência dos EUA nos rumos da política global, e daí surgem terminologias como essa do 'Eixo da Revolta'", explica.

Pereira afirma que o BRICS, como plataforma de organização do Sul Global, "sempre teve contestação".

"Sempre teve críticos e uma tentativa de enquadramento, sobretudo por analistas políticos dos EUA, da Europa, como algo pouco funcional ou algo que estava fadado ao fracasso por inúmeras razões, que, enfim, é parte de um projeto político."

No entanto, ela afirma não considerar que o uso do termo possa impor pressão ou influenciar os países do grupo.

"Não é algo que vai influenciar a diplomacia de um país como o Brasil, por exemplo, no fortalecimento do BRICS. Porque o BRICS é um projeto muito caro para o Estado brasileiro, independentemente do governo. O Brasil, nos últimos dez anos, teve o seu engajamento muito reduzido na construção do BRICS como plataforma porque viveu muitas crises políticas internas. Mas já tem pelo menos três anos que a diplomacia brasileira voltou a se dedicar a debater coisas fundamentais, como a moeda digital do BRICS, o R5, e o sistema de pagamento. Então eu acho que essa pressão é uma pressão externa", afirma.

¨      Plano de Washington e Bruxelas para isolar Rússia fracassou, diz parlamentar russo

O plano dos Estados Unidos e das organizações ocidentais de isolar a Rússia fracassou, porque hoje as pessoas querem viver em um mundo multipolar e mais justo, disse o presidente da Duma de Estado (câmara baixa do parlamento), Vyacheslav Volodin.

O líder parlamentar comentava os resultados preliminares da 16ª Cúpula do BRICS em Kazan, com a participação de representantes de 36 países e seis organizações internacionais, que teve início em 22 de outubro e acaba hoje (24).

"O plano de Washington e Bruxelas para isolar a Rússia fracassou. O tempo de Biden, Macron e Scholz passou. Os países querem viver em um mundo multipolar e equitativo. Ele se baseia no respeito mútuo e na igualdade soberana dos Estados", escreveu Volodin em seu canal do Telegram.

O presidente da Duma observou que a Rússia se tornou um país de atração. Segundo ele, a ampla representação na cúpula mostra a influência do BRICS no cenário mundial.

Ele destacou que a participação do BRICS no PIB global em paridade de poder de compra deverá ser no fim deste ano de 36,7%, o que já ultrapassa os países do Grupo dos Sete (G7).

O G7 é o grupo dos países considerados mais desenvolvidos e inclui a Alemanha, o Canadá, os Estados Unidos, a França, a Itália, o Japão e o Reino Unido, com a participação da União Europeia.

"As economias dos países do BRICS, que representam quase metade da população mundial, estão crescendo mais rapidamente e demonstram a resiliência."

O chefe da câmara baixa do parlamento russo também acredita que o alto nível de reconhecimento do papel do BRICS no mundo é confirmado pela participação do secretário-geral da ONU, António Guterres, que assume um papel central na manutenção da paz e da segurança.

"Os países do BRICS também estão desenvolvendo a cooperação interparlamentar. Esse formato de cooperação vai se expandir", acrescentou.

O presidente da Duma lembrou que a cidade russa de São Petersburgo acolheu em julho o 10º Fórum Parlamentar do BRICS, onde foram discutidas questões importantes da atualidade.

Segundo ele, a principal tarefa da dimensão parlamentar do BRICS é garantir a implementação legislativa das decisões dos chefes de Estado.

¨      Novo presidente dos EUA deve enviar a Pequim e Taiwan sinais claros de 'desescalada', diz mídia

A democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump, apesar de terem diferenças em sua abordagem em relação à China, compartilham a visão de que ela é a "principal concorrente estratégica" para os EUA. Mas, seja quem for o próximo presidente americano, ele deve agir para minimizar "riscos de escalada" na Ásia-Pacífico, segundo um think tank.

De acordo com o South China Morning Post (SCMP), um think tank europeu afirmou que a estratégia de dupla dissuasão de Washington é "a única base viável para preservar a paz no estreito de Taiwan", sinalizando que ambos os candidatos à presidência dos EUA devem deixar claro que Washington não busca o colapso de Pequim e não deve encorajar esforços pela independência de Taiwan.

Ainda segundo a apuração, com essa estratégia de dupla dissuasão, os EUA buscam não apenas impedir a China continental de atacar Taiwan, mas também impedir Taiwan de declarar independência caso isso desencadeie um ataque. Desta forma, os EUA também devem dizer ao líder taiwanês William Lai Ching-te que adotar uma linha mais dura do que sua antecessora, Tsai Ing-wen, "poderia complicar os esforços de Washington para apoiar Taipé e contribuir para a coerção de Pequim".

Pequim vê Taiwan como uma província independentista, a ser colocada sob controle continental pela força, se necessário. A maioria dos países, incluindo os EUA, não reconhece a ilha como um Estado independente, mas Washington se opõe a uma mudança unilateral no status quo.

Embora os aliados e parceiros de Washington possam compartilhar suas apreensões sobre a China, o relatório do think tank aponta que poucos, se algum, se uniriam aos EUA para "depor o Partido Comunista chinês ou relegar a China à periferia da ordem internacional", propondo ainda que seja adotada uma estratégia mais sutil sobre a trajetória da China, uma vez que para Washington ou Pequim está "em uma marcha em direção à hegemonia global ou à beira do declínio sistêmico".

"Independentemente de quem vença a eleição de novembro, o próximo governo dos EUA deve buscar uma coabitação sustentável que permita que Washington e Pequim possam competir de forma responsável, reduzam o risco de conflito armado e protejam o espaço para cooperação bilateral", destaca o relatório.

O relatório de 42 páginas descreveu as abordagens "marcadamente diferentes" em relação à China que Harris e Trump podem adotar com base em suas declarações anteriores e entrevistas conduzidas pelo think tank.

Trump foi visto como o mais provável de ver as relações EUA-China através de uma lente de comércio enquanto a política de Harris para a China pode se basear em sua criação como filha de ativistas dos direitos civis e promotora.

¨      China espera por batalha comercial sem trégua com UE ante indicados da Comissão Europeia

Autoridades sêniores indicadas para ajudar a administrar a Comissão Europeia liderada por Ursula von der Leyen ecoam sua abordagem de confronto com a China, sugerindo que novas investigações e regras mais rigorosas aguardam as relações comerciais entre Pequim e Bruxelas.

De acordo com declarações escritas e fornecidas por autoridades sêniores indicadas para ajudar a administrar a Comissão Europeia, a União Europeia (UE) deve continuar em um caminho combativo em relação à China nos próximos cinco anos de mandato de von der Leyen.

Segundo o South China Morning Post, mais investigações comerciais, triagem mais rigorosa de subsídios injustos, esforços renovados para combater os impactos do excesso de capacidade industrial, os laços da China com a Rússia e as interdependências armadas, todos apareceram com destaque em meia dúzia de submissões sobre os portfólios mais relevantes para Pequim.

As declarações chegaram ainda na quarta-feira (23), antes das audiências de confirmação no Parlamento Europeu nas próximas semanas e com a nova comissão prevista para entrar em vigor até o final de novembro.

Para se ter uma ideia da temperatura, a ex-primeira-ministra estoniana Kaja Kallas, que possivelmente deve substituir o chefe de política externa do bloco, Josep Borrell, declarou que "os desafios mais urgentes aqui são o apoio da China à Rússia, bem como os desequilíbrios estruturais entre a UE e a China que resultam de políticas e práticas não mercantis, que criam concorrência desleal e um campo de jogo desigual".

Em um tom muito mais assertivo do que seu potencial antecessor, Kallas disse que o bloco deve usar o "novo regime de sanções horizontais sobre ameaças híbridas" para proteger os cidadãos da UE de "atores como Rússia, Irã, Coreia do Norte e, em parte, China", que ela alegou "visar armar as interdependências e explorar a abertura de nossas sociedades contra nós".

Embora Kallas tenha alguma influência sobre as prioridades da política externa do bloco, elas serão amplamente ditadas por seus 27 Estados-membros, mas nas áreas sobre as quais a comissão tem controle total, comércio e concorrência, a agenda dura em relação a Pequim deve continuar.

Segundo a apuração, a UE caminha para cada vez mais longe da direção de seu passado de livre comércio com as práticas e ferramentas que tem aplicado nas relações comerciais que estabelece. Os regimes de controles de exportação em todo o bloco têm reforçado seu mecanismo de triagem de investimentos de entrada e também explorado se uma ferramenta de triagem de investimentos de saída funcionaria daqui para frente.

No entanto, essas ferramentas enfrentaram uma resistência significativa dos membros da UE, que se manifestaram contra uma tomada de poder percebida por Bruxelas.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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