'Eixo da Revolta': Norte Global cria termo
para tentar isolar países não alinhados, notam analistas
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam que o uso do termo expõe que na política
internacional a comunicação é mais um front de guerra, mas que é pouco provável
que a tática consiga impor pressão sobre o Sul Global e membros do BRICS.
A aproximação entre
Rússia, China, Irã e Coreia do Norte passou a ser designada pela mídia e por
institutos de análises políticas ocidentais como "Axis of Upheaval",
algo como "Eixo da Revolta" em inglês.
Tais análises tentam
apresentar os países citados como uma espécie de bloco párea da comunidade
internacional. Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam o
potencial do termo para influenciar países do Sul Global ou impactar na demanda
por uma nova ordem mundial.
Héctor Saint-Pierre,
especialista em segurança internacional da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), destaca que a comunicação é mais um teatro de operações da guerra
contemporânea, por isso as palavras têm um sentido mais pragmático do que
semântico, ou seja, importa mais o impacto que elas podem ter nas pessoas que o
conteúdo em si.
Ele diz que é
importante notar que o uso do termo vem em concomitância com a publicação do
relatório da Comissão sobre a Estratégia de Defesa Nacional dos EUA, em julho
deste ano, que basicamente aponta a inevitabilidade de uma próxima guerra, uma
terceira guerra mundial, que seria justamente contra um eixo composto por
China, Coreia do Norte, Rússia e Irã.
"Então, se
procura juntar todos esses quatro países para criar um ambiente por linhas
exteriores, quer dizer, a parte diplomática, separar os outros países desse
eixo, como se esse eixo tivesse uma manifestação, como se fosse um eixo do mal
contra o qual os países têm que tomar precauções e não se aproximar, de forma a
ir definindo as alianças para a futura guerra", explica.
Pierre acrescenta que
o relatório fala que essa guerra inevitável seria travada em múltiplos teatros,
incluindo as regiões de Eurásia, Oriente Médio e Indo-Pacífico, e que neste
momento os EUA não teriam condições de fazer frente a esse eixo, pois ainda precisam
completar sua capacidade militar, reformular a força, a estrutura, o
recrutamento e a formação dos seus militares e modificar o desenho da produção
industrial da Defesa, que hoje está atrasada.
"Então, para se
preparar para 2026 [ano apontado como possível eclosão do conflito], [os EUA]
também têm que modificar sua linha diplomática para operar por linhas
exteriores. Nessa operação por linhas exteriores, que é ganhar opinião do
público internacional, está a ferramenta ou a arma principal, que são as
palavras."
Ele afirma que um dos
objetivos do termo é tentar impedir que países não alinhados a Washington se
aproximem ou passem a compor esse eixo, evitando também uma posição de
neutralidade.
"Evitar a
neutralidade significa obrigar os países, por exemplo, os países
latino-americanos, a se alinharem automaticamente com os EUA. Por isso também
há um combate contra o BRICS. Dentro do BRICS estão justamente esses países que
fazem parte desse novo conceito bélico, menos Coreia do Norte."
Segundo Pierre, esses
países, não apenas do BRICS, mas aqueles não alinhados, se apresentam não como
um bloco anti-Ocidente, mas como algo diferente do Ocidente, uma alternativa
diante de uma guerra que ele afirma estar sendo provocada.
"Porque estão se
preparando para a guerra, e o preparo para a guerra não garante a paz, muito
pelo contrário, normalmente provoca a guerra", afirma.
Ele aponta que
atualmente há mais resistência à hegemonia dos EUA, por ser muito autoritária e
defender um mundo regido por regras que são criadas pelos EUA e pelo Ocidente.
"Essas regras não
são impessoais, tem alguém que dita as regras e normalmente é quem venceu a
guerra. Isso, obviamente, cria certos aspectos de ódio, de tensão. Veja, por
exemplo, o caso do [caça] Gripen, que os EUA mandaram fazer uma análise minuciosa
do contrato da Saab com o Brasil. Isso é atentar contra a soberania nacional do
Brasil. Isso não pode passar assim, em branco."
Pierre afirma que o
cenário atual não pode ser comparado ao vivenciado durante a Guerra Fria, pois
as relações entre Estados hoje são muito mais complexas que naquela época,
quando havia a divisão do mundo em dois blocos bem definidos, liderados por
dois países, EUA e URSS, com posições e economias totalmente distintas, sem
nenhuma relação entre elas.
"Hoje a
interdependência recíproca e complexa dos países impede a imagem de uma Guerra
Fria. Hoje não há nenhuma tecnologia que seja puramente nacional, que
corresponda a algum país. São tecnologias que dependem de relações complexas,
de uma dependência complexa entre os países."
Entrentanto, o
analista aponta que o mundo hoje está muito mais próximo de uma guerra mundial
do que no período da Guerra Fria.
"Neste momento,
temos pontos de tensão, já com beligerância, no Oriente Médio é uma situação de
beligerância que é uma amostra de uma conflitividade maior, e quem está
operando no Oriente Médio são os EUA através de Israel."
Pierre enfatiza que
atualmente é apresentada no cenário internacional uma imagem de que Israel não
obedece aos EUA, mas diz discordar dessa versão.
"Como [Israel]
não obedece aos EUA se está lutando com o armamento dos EUA? Se os EUA estão
comprometidos no Oriente Médio, talvez para ampliar o projeto de um grande
Israel, mas [também] para basicamente cercar o Irã e combater o Irã em
separado?", questiona o analista.
Ele acrescenta que há
ainda provocações à China com relação ao estreito de Taiwan, com Japão e
Austrália firmando alianças sob o argumento de conter Pequim na região, e
também o confronto travado entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN) e a Rússia na Ucrânia.
"É uma guerra
claramente por procuração [o conflito ucraniano], que está se fazendo com a
carne de ucranianos, mas que por trás está todo o apoio da OTAN, a OTAN está
completamente comprometida. Então, a possibilidade de uma escalada para uma
guerra mundial já está dada."
<><> Termo
pode impactar negativamente em países do BRICS?
O fato de três dos
quatro países enquadrados no chamado "Eixo da Revolta" serem membros
do BRICS traz preocupação sobre a possibilidade de pressão ao grupo por parte
do Ocidente.
Tainah Pereira,
doutoranda em economia política internacional no Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que o BRICS surge
justamente como uma contestação às práticas das chamadas organizações Bretton
Woods, sobretudo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que
ela afirma atuarem também como reguladores de normas que estabelecem uma visão
específica a respeito da cooperação internacional, fortalecendo a visão
política ocidental e o modelo capitalista como sistema de produção, o que tem
favorecido essas mesmas organizações do Norte Global.
Workshop sobre o F-39
Gripen, na Ala 1 da Base Aérea de Brasília (DF). O Comando
"Então, é natural
que quando surgem movimentos de contestação a essa ordem, ao funcionamento
dessas organizações, uma disputa por mais espaço dentro desse sistema, haja
contraposição. [...] A mídia nos EUA tem refletido uma preocupação grande dos
cidadãos estadunidenses de forma geral com essa percepção, que hoje é global,
de uma certa redução do poder de influência dos EUA nos rumos da política
global, e daí surgem terminologias como essa do 'Eixo da Revolta'",
explica.
Pereira afirma que o
BRICS, como plataforma de organização do Sul Global, "sempre teve
contestação".
"Sempre teve
críticos e uma tentativa de enquadramento, sobretudo por analistas políticos
dos EUA, da Europa, como algo pouco funcional ou algo que estava fadado ao
fracasso por inúmeras razões, que, enfim, é parte de um projeto político."
No entanto, ela afirma
não considerar que o uso do termo possa impor pressão ou influenciar os países
do grupo.
"Não é algo que
vai influenciar a diplomacia de um país como o Brasil, por exemplo, no
fortalecimento do BRICS. Porque o BRICS é um projeto muito caro para o Estado
brasileiro, independentemente do governo. O Brasil, nos últimos dez anos, teve
o seu engajamento muito reduzido na construção do BRICS como plataforma porque
viveu muitas crises políticas internas. Mas já tem pelo menos três anos que a
diplomacia brasileira voltou a se dedicar a debater coisas fundamentais, como a
moeda digital do BRICS, o R5, e o sistema de pagamento. Então eu acho que essa
pressão é uma pressão externa", afirma.
¨ Plano de Washington e Bruxelas para isolar Rússia fracassou, diz
parlamentar russo
O plano dos Estados
Unidos e das organizações ocidentais de isolar a Rússia fracassou, porque hoje
as pessoas querem viver em um mundo multipolar e mais justo, disse o presidente
da Duma de Estado (câmara baixa do parlamento), Vyacheslav Volodin.
O líder parlamentar
comentava os resultados preliminares da 16ª Cúpula do BRICS em Kazan, com a
participação de representantes de 36 países e seis organizações internacionais,
que teve início em 22 de outubro e acaba hoje (24).
"O plano de
Washington e Bruxelas para isolar a Rússia fracassou. O tempo de Biden, Macron
e Scholz passou. Os países querem viver em um mundo multipolar e equitativo.
Ele se baseia no respeito mútuo e na igualdade soberana dos Estados",
escreveu Volodin em seu canal do Telegram.
O presidente da Duma
observou que a Rússia se tornou um país de atração. Segundo ele, a ampla
representação na cúpula mostra a influência do BRICS no cenário mundial.
Ele destacou que a
participação do BRICS no PIB global em paridade de poder de compra deverá ser
no fim deste ano de 36,7%, o que já ultrapassa os países do Grupo dos Sete
(G7).
O G7 é o grupo dos
países considerados mais desenvolvidos e inclui a Alemanha, o Canadá, os
Estados Unidos, a França, a Itália, o Japão e o Reino Unido, com a participação
da União Europeia.
"As economias dos
países do BRICS, que representam quase metade da população mundial, estão
crescendo mais rapidamente e demonstram a resiliência."
O chefe da câmara
baixa do parlamento russo também acredita que o alto nível de reconhecimento do
papel do BRICS no mundo é confirmado pela participação do secretário-geral da
ONU, António Guterres, que assume um papel central na manutenção da paz e da segurança.
"Os países do
BRICS também estão desenvolvendo a cooperação interparlamentar. Esse formato de
cooperação vai se expandir", acrescentou.
O presidente da Duma
lembrou que a cidade russa de São Petersburgo acolheu em julho o 10º Fórum
Parlamentar do BRICS, onde foram discutidas questões importantes da atualidade.
Segundo ele, a
principal tarefa da dimensão parlamentar do BRICS é garantir a implementação
legislativa das decisões dos chefes de Estado.
¨ Novo presidente dos EUA deve enviar a Pequim e Taiwan sinais
claros de 'desescalada', diz mídia
A democrata Kamala
Harris e o republicano Donald Trump, apesar de terem diferenças em sua
abordagem em relação à China, compartilham a visão de que ela é a
"principal concorrente estratégica" para os EUA. Mas, seja quem for o
próximo presidente americano, ele deve agir para minimizar "riscos de
escalada" na Ásia-Pacífico, segundo um think tank.
De acordo com o South
China Morning Post (SCMP), um think tank europeu afirmou que a estratégia de
dupla dissuasão de Washington é "a única base viável para preservar a paz
no estreito de Taiwan", sinalizando que ambos os candidatos à presidência
dos EUA devem deixar claro que Washington não busca o colapso de Pequim e não
deve encorajar esforços pela independência de Taiwan.
Ainda segundo a
apuração, com essa estratégia de dupla dissuasão, os EUA buscam não apenas
impedir a China continental de atacar Taiwan, mas também impedir Taiwan de
declarar independência caso isso desencadeie um ataque. Desta forma, os EUA
também devem dizer ao líder taiwanês William Lai Ching-te que adotar uma linha
mais dura do que sua antecessora, Tsai Ing-wen, "poderia complicar os
esforços de Washington para apoiar Taipé e contribuir para a coerção de
Pequim".
Pequim vê Taiwan como
uma província independentista, a ser colocada sob controle continental pela
força, se necessário. A maioria dos países, incluindo os EUA, não reconhece a
ilha como um Estado independente, mas Washington se opõe a uma mudança unilateral
no status quo.
Embora os aliados e
parceiros de Washington possam compartilhar suas apreensões sobre a China, o
relatório do think tank aponta que poucos, se algum, se uniriam aos EUA para
"depor o Partido Comunista chinês ou relegar a China à periferia da ordem
internacional", propondo ainda que seja adotada uma estratégia mais sutil
sobre a trajetória da China, uma vez que para Washington ou Pequim está
"em uma marcha em direção à hegemonia global ou à beira do declínio
sistêmico".
"Independentemente
de quem vença a eleição de novembro, o próximo governo dos EUA deve buscar uma
coabitação sustentável que permita que Washington e Pequim possam competir de
forma responsável, reduzam o risco de conflito armado e protejam o espaço para
cooperação bilateral", destaca o relatório.
O relatório de 42
páginas descreveu as abordagens "marcadamente diferentes" em relação
à China que Harris e Trump podem adotar com base em suas declarações anteriores
e entrevistas conduzidas pelo think tank.
Trump foi visto como o
mais provável de ver as relações EUA-China através de uma lente de comércio
enquanto a política de Harris para a China pode se basear em sua criação como
filha de ativistas dos direitos civis e promotora.
¨ China espera por batalha comercial sem trégua com UE ante
indicados da Comissão Europeia
Autoridades sêniores
indicadas para ajudar a administrar a Comissão Europeia liderada por Ursula von
der Leyen ecoam sua abordagem de confronto com a China, sugerindo que novas
investigações e regras mais rigorosas aguardam as relações comerciais entre Pequim
e Bruxelas.
De acordo com
declarações escritas e fornecidas por autoridades sêniores indicadas para
ajudar a administrar a Comissão Europeia, a União Europeia (UE) deve continuar
em um caminho combativo em relação à China nos próximos cinco anos de mandato
de von der Leyen.
Segundo o South China
Morning Post, mais investigações comerciais, triagem mais rigorosa de subsídios
injustos, esforços renovados para combater os impactos do excesso de capacidade
industrial, os laços da China com a Rússia e as interdependências armadas,
todos apareceram com destaque em meia dúzia de submissões sobre os portfólios
mais relevantes para Pequim.
As declarações
chegaram ainda na quarta-feira (23), antes das audiências de confirmação no
Parlamento Europeu nas próximas semanas e com a nova comissão prevista para
entrar em vigor até o final de novembro.
Para se ter uma ideia
da temperatura, a ex-primeira-ministra estoniana Kaja Kallas, que possivelmente
deve substituir o chefe de política externa do bloco, Josep Borrell, declarou
que "os desafios mais urgentes aqui são o apoio da China à Rússia, bem
como os desequilíbrios estruturais entre a UE e a China que resultam de
políticas e práticas não mercantis, que criam concorrência desleal e um campo
de jogo desigual".
Em um tom muito mais
assertivo do que seu potencial antecessor, Kallas disse que o bloco deve usar o
"novo regime de sanções horizontais sobre ameaças híbridas" para
proteger os cidadãos da UE de "atores como Rússia, Irã, Coreia do Norte e,
em parte, China", que ela alegou "visar armar as interdependências e
explorar a abertura de nossas sociedades contra nós".
Embora Kallas tenha
alguma influência sobre as prioridades da política externa do bloco, elas serão
amplamente ditadas por seus 27 Estados-membros, mas nas áreas sobre as quais a
comissão tem controle total, comércio e concorrência, a agenda dura em relação
a Pequim deve continuar.
Segundo a apuração, a
UE caminha para cada vez mais longe da direção de seu passado de livre comércio
com as práticas e ferramentas que tem aplicado nas relações comerciais que
estabelece. Os regimes de controles de exportação em todo o bloco têm reforçado
seu mecanismo de triagem de investimentos de entrada e também explorado se uma
ferramenta de triagem de investimentos de saída funcionaria daqui para frente.
No entanto, essas
ferramentas enfrentaram uma resistência significativa dos membros da UE, que se
manifestaram contra uma tomada de poder percebida por Bruxelas.
Fonte: Sputnik Brasil
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