Por soja, governo do MT ‘ataca’ acordo que
baixou desmatamento na Amazônia em 69%
O GOVERNADOR do Mato
Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), sancionou na quinta-feira (24) um projeto
de lei que, na avaliação de ambientalistas, desmonta um dos principais
instrumentos de preservação da Amazônia: a Moratória da Soja.
Por meio desse
compromisso, as processadoras do grão deixaram de comprar a soja produzida em
áreas desmatadas após julho de 2008 no bioma. Até 2022, a moratória contribuiu
para uma redução de 69% na derrubada de mata nativa, de acordo com dados da
Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais).
O acordo é considerado
um dos mais bem-sucedidos exemplos de colaboração entre empresas, sociedade
civil e governo.
No entanto, a nova
legislação retira a concessão de incentivos fiscais a empresas que seguem os
critérios da moratória. Entre as 24 signatárias da moratória, estão gigantes do
setor, como Amaggi, Bunge, Cargill e Cofco.
De autoria do deputado
estadual Gilberto Cattani (PL), a legislação aprovada atende aos anseios dos
sojeiros, especialmente do norte do Mato Grosso, região de origem do
parlamentar.
A lei vai prejudicar
as empresas que evitam comprar de áreas devastadas e contribuir para o aumento
das taxas de desmatamento no Mato Grosso, avalia o diretor-executivo da WWF no
Brasil, Maurício Volvodic. “É um baita retrocesso, que vai na contramão de toda
a discussão global”, afirma. A organização ambientalista é uma das signatárias
da moratória e representa a sociedade civil no acordo.
Foi sob pressão
liderada pelas organizações da sociedade civil, alarmadas com o desmatamento da
floresta provocado pela expansão das lavouras de soja no início dos anos 2000,
que as empresas deram início às negociações que resultaram na moratória.
“Agora estamos em um
contexto de emergência climática, e os entes públicos precisam aumentar a
ambição das ações em vez de retroceder ”, afirma a coordenadora da área de
florestas do Greenpeace, Cristiane Mazzetti. A organização também é signatária
da moratória. “As propostas que querem flexibilizar a conservação ambiental
deveriam ser vetadas”, complementa.
Procurada diversas
vezes ao longo da semana, a Abiove, entidade representante das principais
processadoras de soja, não se manifestou. O texto será atualizado, se um
posicionamento for enviado.
• Governador diz que moratória se sobrepõe
à legislação nacional
O Mato Grosso lidera
com folga a produção de soja entre os estados brasileiros, sendo responsável
por 27% do grão, segundo estimativa da Conab (Companhia Nacional de
Abastecimento) para a próxima safra.
O argumento do
governador Mauro Mendes ao sancionar a lei foi de que as regras da moratória se
sobrepõem às da legislação nacional, especificamente ao Código Florestal.
O acordo firmado entre
empresas, ONGs e governo federal não permite a compra de soja produzida em
áreas desmatadas no bioma amazônico após julho de 2008, mesmo que a derrubada
da floresta tenha ocorrido dentro dos limites legais do Código Florestal, promulgado
em 2012. A lei brasileira permite que até 20% da área de uma propriedade rural
na Amazônia sejam desmatados para atividades econômicas.
“Nosso país é soberano
e nenhuma empresa pode descumprir as nossas leis ambientais, que são as mais
restritivas do mundo”, disse o governador ao sancionar o projeto de lei.
Caso continuem
seguindo os critérios da Moratória da Soja, mais restritivos que os do Código
Florestal, as processadoras de grãos não terão acesso a um desconto de ICMS que
pode chegar a 50% na venda de farelo e óleo. Além disso, não contarão mais com
incentivos estaduais para instalação de fábricas, compras de equipamentos e
aquisição de terrenos.
As exportações de
farelo e óleo de soja que contam com benefícios fiscais somaram US$ 2,5 bilhões
de janeiro a agosto deste ano, de acordo com dados da Federação das Indústrias
do Mato Grosso (Fiemt).
Filiado ao partido do
ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado Cattani também é autor de um projeto
de lei que cria o Dia do Patriota, em 8 de janeiro, data da tentativa de golpe
de estado ocorrida em 2023.
Outro projeto do
parlamentar prevê a redução da distância mínima para aplicação de agrotóxicos
em locais próximos a povoados, cidades, vilas, bairros, mananciais de captação
de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais e nascentes.
• A influência da Aprosoja
A decisão de Mendes de
sancionar o projeto de Cattani que enfraquece a Moratória da Soja reflete a
ligação do governador com parte do agronegócio do Mato Grosso, principalmente a
porção bolsonarista, intrinsecamente ligada à principal associação do setor, a
Aprosoja.
Em maio, a nova
diretoria nacional da Aprosoja foi empossada. Antônio Galvan, indiciado pela
CPMI do 8 de janeiro por suspeita de financiar a tentativa de golpe de Estado,
deixou o comando e passou o bastão para Mauricio Buffon, produtor com fazendas
no Tocantins.
No ato da posse, a
principal bandeira de Buffon foi justamente acabar com a moratória na Amazônia
e impedir que o acordo seja estendido para o Cerrado, região onde atua. No Mato
Grosso, Buffon chegou a ser multado em R$ 3 milhões por causa de uma propriedade
sem licença ambiental.
“O governador Mauro
Mendes prometeu combater a Moratória da Soja e ele cumpriu a palavra, ele
cumpriu a promessa. Houve um grande diálogo com a associação e todos ganham com
isso”, declarou o presidente da regional da Aprosoja no Mato Grosso, Luiz Pedro
Bier, para a assessoria de comunicação do governo mato-grossense.
Apesar de ser
reconhecida como importante ferramenta de preservação ambiental, a moratória
não é infalível. Investigações da Repórter Brasil revelaram que produtores
utilizavam fazendas regularizadas para comercializar soja produzida em áreas
“embargadas” (de uso proibido), mascarando a verdadeira origem.
A prática, conhecida
como “lavagem de soja” ou “soja pirata”, se beneficiava de falhas na devida
diligência das grandes empresas que integram a moratória.
• Enclave antiambiental
Há um discurso único
em Mato Grosso favorável ao agronegócio, avalia o cientista político
mato-grossense João Edsom, que destaca a prevalência de dois grupos políticos
ligados ao agro no estado.
O grupo de Mauro
Mendes, em seu segundo mandato de governador, após ter sido prefeito de Cuiabá,
alia-se à ala bolsonarista, incluindo os produtores ligados à Aprosoja.
O outro grupo, também
ligado ao agronegócio, tem como expoente o atual ministro da Agricultura,
Carlos Fávaro, e conta com a participação do megaempresário, sojeiro e
ex-ministro do governo Lula Blairo Maggi (PP), além de outros políticos, como o
ex-deputado federal e ex-ministro Neri Geller (PP). “São governistas, mas não
são petistas”, destaca o cientista político.
No primeiro turno,
nenhum candidato petista foi eleito para as 141 prefeituras do Mato Grosso. O
grande vencedor foi o partido do governador, o União Brasil, com 60 eleitos. O
PL ficou em segundo, com 22 prefeitos eleitos.
A única chance do PT
está justamente na capital Cuiabá, onde Abilio Brunini (PL) e Lúdio (PT)
disputam a prefeitura. Em sua campanha, o petista tem adotado um tom de pragmatismo, afastando-se de bandeiras
históricas do PT e de críticas ao agronegócio.
“Os políticos ficam
reféns disso (do agronegócio) e não conseguem contrariar. Há uma pressão para
um único tipo de discurso. Um patrulhamento. Qualquer político que defenda
questões ambientais vai ser execrado”, analisa Edsom.
A disputa na capital
opõe os dois grupos dominantes, mas quando o assunto é a Moratória da Soja, o
entendimento é o mesmo. “O projeto (moratória) foi mais legal que a lei, e isso
gera uma insatisfação legítima dos produtores, que têm o seu direito de usar o
Código Florestal a seu favor”, disse o ministro Fávaro, em um evento do agro
realizado em São Paulo nesta semana.
Fávaro acredita que a
aprovação da lei no Mato Grosso provocará o diálogo entre os entes que formaram
a Moratória da Soja para “chegar a bom termo para não punir produtores que
fizeram tudo dentro da legalidade”.
• Onda nacional contra a moratória
O Mato Grosso não é o
único estado onde a moratória está sob desmonte. No último dia 14, o deputado
federal Delegado Caveira (PL-PA) apresentou um projeto semelhante na Câmara dos
Deputados, com abrangência nacional.
Em Rondônia, uma lei
que ataca a moratória foi aprovada em julho por unanimidade entre os deputados
estaduais e sancionada pelo governador Marcos Rocha (União Brasil).
“Eles (sojeiros) estão
atuando de maneira orquestrada, determinados a acabar com qualquer obstáculo ao
modelo de agricultura predatório que defendem. Foram ganhando muita força no
governo Bolsonaro, que foi derrotado, mas o movimento conservador antiambientalista
segue muito forte”, avalia Mazzetti, do Greenpeace.
Volvodic, da WWF,
entende que os legislativos estaduais e municipais na Amazônia são muito
sensíveis aos pleitos dos produtores rurais e que esse movimento de ataque à
moratória começou a ganhar corpo nas cidades produtoras de soja antes de chegar
à assembleia.
“É um movimento mais
amplo do que o ataque à moratória. É um movimento de uma parcela de produtores
rurais que querem continuar desmatando e seguirem na contramão do caminho do
Brasil e do mundo que se preocupam com a emergência climática, a seca, as queimadas
e as enchentes”, analisa.
Com respaldo político,
o governador do Mato Grosso vem encampando uma agenda bastante criticada por
ambientalistas nos últimos anos. Mauro Mendes tenta liberar a mineração em
áreas de reserva e já aprovou uma lei que proíbe a pesca profissional, beneficiando
a pesca esportiva em detrimento da pesca artesanal.
A lei é objeto de uma
ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) e é criticada
por prejudicar milhares de famílias que dependem da pesca para subsistência.
Questionado, o governo do Mato Grosso não respondeu aos questionamentos.
Fonte: Repórter Brasil
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