sábado, 26 de outubro de 2024

Luciano Fazio: Os insucessos da ONU

É evidente a dificuldade de as Nações Unidas (ONU) cumprir sua principal missão: a prevenção de conflitos, o fim das guerras em curso, o desarmamento das nações e a garantia da paz mundial. Criada há quase 80 anos e com 193 membros, a ONU lembra a fracassada Liga das Nações, nascida após a 1ª Guerra Mundial.

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Apesar de ter reunido 50 países, a Liga foi dissolvida porque não conseguiu impedir a 2ª Guerra Mundial, assim como não evitou a ocupação da Renânia alemã (1923) pela França, que cobrava reparações de guerra; a agressão japonesa na Manchúria (1931); a invasão italiana da Etiópia (1935); o rearmamento da Alemanha de Hitler (1935) e as agressões subsequentes à Tchecoslováquia (1938) e à Polônia (1939); e o ataque da União Soviética contra a Finlândia (1939).

Mesmo com os ventos da guerra soprando com força novamente pelo mundo e todos os países se rearmando, a ONU não consegue adotar iniciativas eficazes para mitigar essa tendência. Por quais motivos?

A causa principal parece ser o uso frequente do veto pelas grandes potências que ocupam permanentemente o Conselho de Segurança (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França), o que paralisa a organização.

Somente neste século, em violação ao direito internacional e contra a vontade das Nações Unidas, os EUA atacaram Afeganistão (2001) e Iraque (2003), e a Rússia agrediu a Chechênia (2000), a Geórgia (2008) e a Ucrânia (2014 e 2022), sem que a ONU aprovasse sequer resoluções relativas a esses conflitos.

A dificuldade da ONU em aprovar resoluções, soma-se a não aplicação daquelas que já foram aprovadas. É o caso de Israel que, nos últimos 20 anos, ignorou a proibição de demolir casas em Rafah, na Faixa de Gaza (2004); o cessar-fogo no conflito com o Hamas em Gaza (2009); a proibição de estabelecer colônias de judeus nos territórios palestinos da Cisjordânia (2016); a suspensão dos ataques a Gaza e a criação de corredores humanitários (novembro de 2023); a proteção dos civis em Gaza (dezembro de 2023); e o cessar-fogo na Palestina, aprovado em março deste ano.

É crescente a perda de credibilidade e prestígio da ONU, como também mostra a ausência de reações firmes por parte de outros países quando, no início de outubro, foi negada a entrada do secretário-geral da ONU em Israel, que o declarou “persona non grata” por seus esforços para promover a paz na região.

Urge revisão dos mecanismos e poderes da ONU. Essa reforma não pode se limitar apenas ao aumento dos assentos permanentes no Conselho de Segurança, como defendem vários países, entre esses o Brasil.

O maior desafio é garantir que a ONU tenha poder de intervenção eficaz, mesmo quando estão em jogo os interesses das grandes potências e de seus aliados. Será objetivo ambicioso demais?

Não raramente, as ações da ONU confrontam os interesses de 1 ou outro país. As dificuldades são previsíveis, mas quando os fracassos se sucedem, 1 após o outro, a paciência por si só não é virtude. Sem medidas corretivas, como as Nações Unidas poderão cumprir sua missão principal?

¨      Conselho de Segurança da ONU “não tem eficiência para extinguir o fogo da crise” no Oriente Médio, diz presidente do Irã

O presidente irariano, Masoud Pezeshkian, criticou o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidos (ONU), diante dos representantes de 32 nações, na 16º Cúpula dos Brics, que acontece em Kaza, na Rússia. 

Pezeshkian afirmou que o órgão tem se mostrado ineficiente diante da escalada da crise no Oriente Médio, que tem Israel no centro dos conflitos contra o Hezbollah e o Hamas. Os grupos paramilitares contam com o apoio do Irã, enquanto os israelenses tem os Estados Unidos como braço. 

“O fogo da guerra ainda arde na Faixa de Gaza e nas cidades libanesas, e nas instituições e assembleias internacionais. No topo disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas – como impulsionador da paz e segurança internacional – não tem a eficiência necessária para extinguir o fogo desta crise”, declarou Pezeshkian.

Mais cedo, o Ministério das Relações Exteriores do Irã já havia criticado a ONU, no aniversário de sua fundação em 1945. Para os iranianos, a ONU “se transformou em uma plataforma frustrantemente disfuncional, incapaz de tomar quaisquer medidas coletivas eficazes para impedir o genocídio maníaco de Israel em Gaza e sua guerra agressiva no Líbano e além”, escreveu o porta-voz Esmaeil Baghaei, em uma publicação no X.

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“A ONU está infelizmente frustrando seu propósito, pois o apoio incondicional dos EUA ao regime de ocupação o encorajou tanto a ponto de expandir suas agressões e atrocidades por toda a região”, disse ele sobre Israel.

Baghaei acrescentou ainda que a ONU deve ser “revitalizada por seus membros responsáveis ​​para conter o belicismo dessa entidade desonesta”.

¨      Israel fez plano de matar o norte de Gaza de fome para forçar Hamas a se render, diz Financial Times

Uma reportagem do portal Financial Times publicada nesta quinta, 24 de outubro, revela um plano desumano por parte militar de Israel que pode matar milhares de palestinos de fome ao norte de Gaza.

A ideia seria sitiar o norte de Gaza, emitir ordem de evacuação, declarar área militar e impedir a entrada de ajuda humanitária, para forçar o Hamas a se render. Quem não abandonar a região, como orientado, será considerado alvo militar e não terá acesso a medicamentos, comida ou qualquer tipo de ajuda humanitária.

Na prática, isso significa que civis que permanecerem no local podem morrer de fome. Segundo estimativas da ONU, ainda há cerca de 400.000 mil palestinos ao norte de Gaza.

Segundo o FT, após um ano de massacre israelense em Gaza, o plano batizado de “Plano dos Generais” surgiu com uma tentativa desesperada de recuperar os reféns israelenses que ainda estão presos pelo Hamas e extinguir o grupo.

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O plano que viola o direito internacionais foi criado pelo ex-conselheiro de segurança nacional Giora Eiland. Ao sitiar e estabelecer-se militarmente ao norte de Gaza, Israel passaria a mensagem de que não deixaria a região até o Hamas ceder.

De acordo com o FT, a Defesa de Israel nega oficialmente que tenha aderido ao plano. Mas Benjamin Betanyahu teria dito a parlamentares, semanas atrás, que estava “considerando” a ação. Financial Times ouviu de entidades que defendem os direitos humanos em Israel e acompanham a situação em Gaza, que há sinais de que o plano está sendo executado silenciosamente.

<><> Os sinais do plano em andamento

Um desses sinais seria o fato de que Israel isolou uma cidade ao norte de Gaza e emitiu ordens de evacuação para o sul, mesmo não existindo mais região segura no enclave.

Em uma semana, a área sitiada foi bombardeada mais de 100 vezes, quase equivalendo à quantidade de ataques para todo o mês de setembro em Gaza. O jornal ainda relata que a expansão desse tipo de ação está em curso para outras regiões.

Além disso, houve redução considerável da entrada de ajuda humanitária. A agência da ONU para refugiados palestinos foi proibida de prestar qualquer assistência desde o final de setembro. Depois de muita pressão internacional, Israel permitiu a entrada de um caminhão de farinha.

O hospital Kamal Adwan em Beit Lahia, no norte de Gaza, está impedido de receber medicamentos e outros insumos há semanas. Também recebeu ordem para evacuar, mas os médicos alegam que não conseguem sair nem remover os pacientes e as outras pessoas que se instalam pela ajuda humanitária. Com a unidade sitiada, eles relataram que se mais ajuda humanitária não puder entrar nos próximos dias, a fome será o principal desafio a enfrentar.

<><> Sem comentários

Segundo o FT, embora o governo de Israel negue oficialmente executar o “Plano dos Generais”, “a mídia israelense relatou no mês passado que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu havia dito aos parlamentares que estava considerando o esquema.” Mas agora, o gabinete de Bibi prefere não comentar.

Quatro grupos de direitos humanos — Gisha, B’Tselem, PHR-I e Yesh Din — disseram que havia “sinais alarmantes” de que Israel estava “silenciosamente” começando a implementar o plano e pediram intervenção à comunidade internacional esta semana.

O fato de declarar uma região em Gaza como área militar e invadi-la, não exime Israel da responsabilidade sobre o que vier a acontecer com os civis palestinos, que seria considerado crime de guerra e violação ao direito internacional. FT ressaltou que é por isso que, dentro do próprio governo, haveria alguma resistência, entre a cúpula militar, em executar o plano.

 

¨      O genocidio em Gaza e a ideologia liberal internacionalista. Por Isabela Agostinelli e Reginaldo Nasser

Apesar de se tratar de uma pequena faixa de terra de 360 km2, com uma população de 2,5 milhões vivendo em condições sub-humanas, a Faixa de Gaza fez com que a Questão Palestina se transformasse no centro da política internacional, depois do dia 07 de outubro de 2023, quando os massacres perpetrados pelo Hamas desencadearam uma ação militar israelense de grandes proporções.

Já não resta mais dúvidas entre os estudiosos de guerras de que Gaza sofreu uma das campanhas de bombardeio mais devastadoras de todos os tempos e, consequentemente, a punição de civis mais intensa da história.

Foram lançadas mais de 75 mil toneladas de bombas – superando o peso combinado das bombas lançadas em Londres, Dresden e Hamburgo durante toda a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Essas bombas destruíram ou danificaram mais da metade de todos os edifícios em Gaza e limitaram o acesso do território à água, alimentos e eletricidade, deixando toda a população à beira da fome. Mais de 16 mil crianças foram mortas, enquanto outras 22 mil estão desaparecidas.[ Mais de 40 mil palestinos foram mortos, mas o número total de mortos — tanto os que foram diretamente atingidos quanto os indiretamente mortos pela destruição de infraestruturas civis — pode atingir a cifra de 186 mil.

A comunidade internacional, as organizações internacionais e os movimentos sociais em todo mundo e, principalmente, nas metrópoles ocidentais, passaram a se manifestar sobre os acontecimentos em Gaza com grande destaque na mídia global. Em encontro com Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia, em novembro de 2023, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky lamentou que a guerra no Oriente Médio estivesse tirando o foco da Ucrânia. Efetivamente, a Questão Palestina ocupa, há mais de um ano, o tema mais importante da agenda internacional.

As comparações entre ambos os conflitos, Ucrânia e Palestina, passaram a ser um dos focos do debate global, seja sob a perspectiva da geopolítica — isto é, em torno dos interesses e alianças entre Estados — ou do alcance do direito internacional, que reverbera a discussão sobre as trágicas consequências humanitárias e possíveis ações para pôr um fim às atrocidades.

Foram apresentadas várias propostas de resoluções no Conselho de Segurança da ONU, mas grande parte delas foi vetada, principalmente pelos EUA, ou apresentaram problemas para adotar medidas concretas. Em janeiro de 2024, a Corte Internacional de Justiça, por 15 votos a favor e dois contrários, admitiu que era “plausível” que Israel tivesse cometido atos de genocídio em Gaza, tendo o tribunal votado 15-2 para ordenar ao Estado que tomasse todas as medidas possíveis para pôr termo a tais atos.

O julgamento na Corte assumiu o centro do palco internacional, um teste crucial para os EUA e aliados ocidentais. As denominadas democracias liberais estariam dispostas a imputar a Israel, a extensão do poder do Ocidente no Oriente Médio, o crime dos crimes ou as afinidades geopolíticas e ideológicas têm precedência sobre a lei e a moral?

O posicionamento das democracias ocidentais em relação à Guerra na Ucrânia é muito recente para que pudesse ser esquecido em Gaza. Em junho de 2022, o presidente Biden publicou um artigo em que dizia que a invasão da Ucrânia pela Rússia “poderia marcar o fim da ordem internacional baseada em regras e abrir a porta para a agressão em outros lugares, com consequências catastróficas em todo o mundo”. O termo em inglês Rules Based International Order (Ordem Internacional Baseada em Regras) ganhou notoriedade após o fim da guerra fria. Mais recentemente, após a invasão da Ucrânia, o termo se tornou um mantra.

Os alicerces dessa ordem foram estabelecidos sob a hegemonia do pensamento liberal, após os massacres da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, com a criação da ONU e a promulgação das Convenções de Genebra de 1949. A justificativa dos Estados que conceberam essas instituições internacionais era no sentido de aperfeiçoar o direito humanitário e, portanto, a proteção jurídica dos não combatentes. Mas, desde seu início, as regras dessa ordem, para efeitos de responsabilização legal, teve validade apenas para os vencidos, o que não aconteceu com os bombardeios indiscriminados de Dresden ou as bombas atômicas a Hiroshima e Nagasaki, que não foram sequer julgados.

Desde então, as democracias ocidentais tratam o termo “ordem internacional baseada em regras” como sinônimo de direito internacional. Entretanto, por vezes, essa ordem é saudada quando serve aos interesses dos países quando, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional emite ordem de prisão para Putin por seus crimes de guerra na Ucrânia. Mas, na maioria das vezes, as “regras” são colocadas de lado.

São centenas de exemplos, entretanto, chama a atenção a dimensão da tragédia humanitária em decorrência da denominada Guerra Global ao Terror, no imediato pós-11 de setembro. Segundo cálculo do Costs of War, estima-se que mais de 400 mil pessoas tenham morrido de forma violenta e cerca de 3,6 a 3,8 milhões de pessoas morreram indiretamente nas zonas de guerra. Diante disso, como é possível falar em ordem internacional baseada no Direito Internacional?

Na verdade, o termo “ordem internacional baseada em regras” deve ser visto como uma poderosa ideologia que escamoteia a realidade e tem desempenhado um importante papel na geopolítica ao longo das últimas décadas. As regras podem valer para os adversários dos EUA, mas os EUA e os seus aliados ficam livres para decidir se querem ou não participar dessa ordem.

Todavia, é provável que estejamos a mudança de posicionamento dos EUA em relação à Ordem Internacional baseada em regras. Não se trata mais de ignorá-la, como sempre foi feito, mas sim criticar deliberadamente as instituições internacionais, como Corte Internacional da Justiça e o Tribunal Penal Internacional. No dia em que o procurador do TPI, Karim Khan, anunciou a intenção de pedir mandatos de prisão para Benjamin Netanyahu e o seu ministro da Defesa, Joe Biden não apenas rejeitou agressivamente a medida, mas foi mais longe, dizendo que, independentemente do que o Tribunal Penal Internacional dissesse ou não dissesse, Israel não era culpado de genocídio.

Ou seja, não é a “ordem internacional baseada em regras” que está em crise, mas sim a ideologia do liberal internacionalismo que a sustenta. Sempre apoiado, implícita ou explicitamente, pelas “democracias ocidentais”, Israel chegou a sugerir que a Corte Internacional de Justiça era cúmplice de ações terroristas.

Se, no início da ação das forças militares israelenses em Gaza, Israel colocava em dúvida a veracidade das abundantes denúncias de atrocidades que chegavam das mais diversas fontes, depois de certo tempo, as autoridades israelenses mudaram de tática e passaram a justificar as ações sob a rubrica “necessidades militares”.  Independentemente de usar a linguagem do direito humanitário de proporcionalidade e minimização de danos, Israel argumenta que o objetivo principal, superior a qualquer tipo de dano que pudesse ocorrer aos civis palestinos, era resgatar os civis sequestrados e erradicar o Hamas e toda a sua infraestrutura.

A insustentabilidade da ordem internacional baseada em regras advém não apenas de um posicionamento político defendido pelo Sul Global, mas também da opinião pública nas cidades do Ocidente. Nenhum dos princípios que definem a ordem mundial é convincente. A Questão Palestina ocupa agora um lugar simbólico contra uma ordem pós-colonial injusta. Se o Direito Internacional e as instituições internacionais que sustentam sua aplicabilidade não são mais o teste decisivo da legitimidade para os EUA e aliados, que outras diretrizes devem substituir a ordem internacional baseada em regras?

Ainda é cedo para responder a essa questão, mas o que acontece em Gaza nos permite imaginar o que seria uma ordem que admite o genocídio.

 

Fonte: DIAP/Jornal GGN/A Terra é Redonda

 

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