Luciano Fazio: Os insucessos da ONU
É evidente
a dificuldade de as Nações Unidas (ONU) cumprir sua principal missão: a prevenção
de conflitos, o fim das guerras em curso, o desarmamento das nações e a
garantia da paz mundial. Criada há quase 80 anos e com 193 membros, a ONU
lembra a fracassada Liga das Nações, nascida após a 1ª Guerra Mundial.
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Apesar de ter reunido
50 países, a Liga foi dissolvida porque não conseguiu impedir a 2ª Guerra
Mundial, assim como não evitou a ocupação da Renânia alemã (1923) pela França,
que cobrava reparações de guerra; a agressão japonesa na Manchúria (1931); a invasão
italiana da Etiópia (1935); o rearmamento da Alemanha de Hitler (1935) e as
agressões subsequentes à Tchecoslováquia (1938) e à Polônia (1939); e o ataque
da União Soviética contra a Finlândia (1939).
Mesmo com os ventos da
guerra soprando com força novamente pelo mundo e todos os países se rearmando,
a ONU não consegue adotar iniciativas eficazes para mitigar essa tendência. Por
quais motivos?
A causa principal
parece ser o uso frequente do veto pelas grandes potências que ocupam
permanentemente o Conselho de Segurança (EUA, Rússia, China, Reino Unido e
França), o que paralisa a organização.
Somente neste século,
em violação ao direito internacional e contra a vontade das Nações Unidas, os
EUA atacaram Afeganistão (2001) e Iraque (2003), e a Rússia agrediu a Chechênia
(2000), a Geórgia (2008) e a Ucrânia (2014 e 2022), sem que a ONU aprovasse
sequer resoluções relativas a esses conflitos.
A dificuldade da ONU
em aprovar resoluções, soma-se a não aplicação daquelas que já foram aprovadas.
É o caso de Israel que, nos últimos 20 anos, ignorou a proibição de demolir
casas em Rafah, na Faixa de Gaza (2004); o cessar-fogo no conflito com o Hamas
em Gaza (2009); a proibição de estabelecer colônias de judeus nos territórios
palestinos da Cisjordânia (2016); a suspensão dos ataques a Gaza e a criação de
corredores humanitários (novembro de 2023); a proteção dos civis em Gaza
(dezembro de 2023); e o cessar-fogo na Palestina, aprovado em março deste ano.
É crescente a perda de
credibilidade e prestígio da ONU, como também mostra a ausência de reações
firmes por parte de outros países quando, no início de outubro, foi negada a
entrada do secretário-geral da ONU em Israel, que o declarou “persona non grata”
por seus esforços para promover a paz na região.
Urge revisão dos
mecanismos e poderes da ONU. Essa reforma não pode se limitar apenas ao aumento
dos assentos permanentes no Conselho de Segurança, como defendem vários países,
entre esses o Brasil.
O maior desafio é
garantir que a ONU tenha poder de intervenção eficaz, mesmo quando estão em
jogo os interesses das grandes potências e de seus aliados. Será objetivo
ambicioso demais?
Não raramente, as
ações da ONU confrontam os interesses de 1 ou outro país. As dificuldades são
previsíveis, mas quando os fracassos se sucedem, 1 após o outro, a paciência
por si só não é virtude. Sem medidas corretivas, como as Nações Unidas poderão
cumprir sua missão principal?
¨ Conselho de Segurança da ONU “não tem eficiência para extinguir
o fogo da crise” no Oriente Médio, diz presidente do Irã
O presidente irariano,
Masoud Pezeshkian, criticou o Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidos (ONU), diante dos representantes de 32 nações, na 16º Cúpula dos Brics,
que acontece em Kaza, na Rússia.
Pezeshkian afirmou que
o órgão tem se mostrado ineficiente diante da escalada da crise no Oriente
Médio, que tem Israel no centro dos conflitos contra o Hezbollah e o Hamas. Os
grupos paramilitares contam com o apoio do Irã, enquanto os israelenses tem os
Estados Unidos como braço.
“O fogo da guerra
ainda arde na Faixa de Gaza e nas cidades libanesas, e nas instituições e
assembleias internacionais. No topo disso, o Conselho de Segurança das Nações
Unidas – como impulsionador da paz e segurança internacional – não tem a
eficiência necessária para extinguir o fogo desta crise”, declarou Pezeshkian.
Mais cedo, o
Ministério das Relações Exteriores do Irã já havia criticado a ONU, no
aniversário de sua fundação em 1945. Para os iranianos, a ONU “se transformou
em uma plataforma frustrantemente disfuncional, incapaz de tomar quaisquer
medidas coletivas eficazes para impedir o genocídio maníaco de Israel em Gaza e
sua guerra agressiva no Líbano e além”, escreveu o porta-voz Esmaeil Baghaei,
em uma publicação no X.
“A ONU está
infelizmente frustrando seu propósito, pois o apoio incondicional dos EUA ao
regime de ocupação o encorajou tanto a ponto de expandir suas agressões e
atrocidades por toda a região”, disse ele sobre Israel.
Baghaei acrescentou
ainda que a ONU deve ser “revitalizada por seus membros responsáveis para conter o belicismo dessa entidade desonesta”.
¨ Israel fez plano de matar o norte de Gaza de fome para forçar
Hamas a se render, diz Financial Times
Uma reportagem do
portal Financial Times publicada nesta quinta, 24 de outubro, revela um plano
desumano por parte militar de Israel que pode matar milhares de palestinos de
fome ao norte de Gaza.
A ideia seria sitiar o
norte de Gaza, emitir ordem de evacuação, declarar área militar e impedir a
entrada de ajuda humanitária, para forçar o Hamas a se render. Quem não
abandonar a região, como orientado, será considerado alvo militar e não terá
acesso a medicamentos, comida ou qualquer tipo de ajuda humanitária.
Na prática, isso
significa que civis que permanecerem no local podem morrer de fome. Segundo
estimativas da ONU, ainda há cerca de 400.000 mil palestinos ao norte de Gaza.
Segundo o FT, após um
ano de massacre israelense em Gaza, o plano batizado de “Plano dos Generais”
surgiu com uma tentativa desesperada de recuperar os reféns israelenses que
ainda estão presos pelo Hamas e extinguir o grupo.
O plano que viola o
direito internacionais foi criado pelo ex-conselheiro de segurança nacional
Giora Eiland. Ao sitiar e estabelecer-se militarmente ao norte de Gaza, Israel
passaria a mensagem de que não deixaria a região até o Hamas ceder.
De acordo com o FT, a
Defesa de Israel nega oficialmente que tenha aderido ao plano. Mas Benjamin
Betanyahu teria dito a parlamentares, semanas atrás, que estava “considerando”
a ação. Financial Times ouviu de entidades que defendem os direitos humanos em
Israel e acompanham a situação em Gaza, que há sinais de que o plano está sendo
executado silenciosamente.
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Os sinais do plano em andamento
Um desses sinais seria
o fato de que Israel isolou uma cidade ao norte de Gaza e emitiu ordens de
evacuação para o sul, mesmo não existindo mais região segura no enclave.
Em uma semana, a área
sitiada foi bombardeada mais de 100 vezes, quase equivalendo à quantidade de
ataques para todo o mês de setembro em Gaza. O jornal ainda relata que a
expansão desse tipo de ação está em curso para outras regiões.
Além disso, houve
redução considerável da entrada de ajuda humanitária. A agência da ONU para
refugiados palestinos foi proibida de prestar qualquer assistência desde o
final de setembro. Depois de muita pressão internacional, Israel permitiu a
entrada de um caminhão de farinha.
O hospital Kamal Adwan
em Beit Lahia, no norte de Gaza, está impedido de receber medicamentos e outros
insumos há semanas. Também recebeu ordem para evacuar, mas os médicos alegam
que não conseguem sair nem remover os pacientes e as outras pessoas que se
instalam pela ajuda humanitária. Com a unidade sitiada, eles relataram que se
mais ajuda humanitária não puder entrar nos próximos dias, a fome será o
principal desafio a enfrentar.
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Sem comentários
Segundo o FT, embora o
governo de Israel negue oficialmente executar o “Plano dos Generais”, “a mídia
israelense relatou no mês passado que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
havia dito aos parlamentares que estava considerando o esquema.” Mas agora, o
gabinete de Bibi prefere não comentar.
Quatro grupos de
direitos humanos — Gisha, B’Tselem, PHR-I e Yesh Din — disseram que havia
“sinais alarmantes” de que Israel estava “silenciosamente” começando a
implementar o plano e pediram intervenção à comunidade internacional esta
semana.
O fato de declarar uma
região em Gaza como área militar e invadi-la, não exime Israel da
responsabilidade sobre o que vier a acontecer com os civis palestinos, que
seria considerado crime de guerra e violação ao direito internacional. FT
ressaltou que é por isso que, dentro do próprio governo, haveria alguma
resistência, entre a cúpula militar, em executar o plano.
¨ O genocidio em Gaza e a ideologia liberal internacionalista. Por
Isabela Agostinelli e Reginaldo Nasser
Apesar de se tratar de
uma pequena faixa de terra de 360 km2, com uma população de 2,5
milhões vivendo em condições sub-humanas, a Faixa de Gaza fez com que a Questão
Palestina se transformasse no centro da política internacional, depois do dia
07 de outubro de 2023, quando os massacres perpetrados pelo Hamas desencadearam
uma ação militar israelense de grandes proporções.
Já não resta mais
dúvidas entre os estudiosos de guerras de que Gaza sofreu uma das campanhas de
bombardeio mais devastadoras de todos os tempos e, consequentemente, a punição
de civis mais intensa da história.
Foram lançadas mais de
75 mil toneladas de bombas – superando o peso combinado das bombas
lançadas em Londres, Dresden e Hamburgo durante toda a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945). Essas bombas destruíram ou danificaram mais da metade de todos os
edifícios em Gaza e limitaram o acesso do território à água, alimentos e
eletricidade, deixando toda a população à beira da fome. Mais de 16 mil
crianças foram mortas, enquanto outras 22 mil estão desaparecidas.[ Mais de 40 mil
palestinos foram mortos, mas o número total de mortos — tanto os que foram
diretamente atingidos quanto os indiretamente mortos pela destruição de
infraestruturas civis — pode atingir a cifra de 186 mil.
A comunidade
internacional, as organizações internacionais e os movimentos sociais em todo
mundo e, principalmente, nas metrópoles ocidentais, passaram a se manifestar
sobre os acontecimentos em Gaza com grande destaque na mídia global. Em
encontro com Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia, em novembro
de 2023, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky lamentou que a guerra no
Oriente Médio estivesse tirando o foco da Ucrânia. Efetivamente, a Questão
Palestina ocupa, há mais de um ano, o tema mais importante da agenda
internacional.
As comparações entre
ambos os conflitos, Ucrânia e Palestina, passaram a ser um dos focos do debate
global, seja sob a perspectiva da geopolítica — isto é, em torno dos interesses
e alianças entre Estados — ou do alcance do direito internacional, que reverbera
a discussão sobre as trágicas consequências humanitárias e possíveis ações para
pôr um fim às atrocidades.
Foram apresentadas
várias propostas de resoluções no Conselho de Segurança da ONU, mas grande
parte delas foi vetada, principalmente pelos EUA, ou apresentaram problemas
para adotar medidas concretas. Em janeiro de 2024, a Corte Internacional de
Justiça, por 15 votos a favor e dois contrários, admitiu que era “plausível”
que Israel tivesse cometido atos de genocídio em Gaza, tendo o tribunal votado
15-2 para ordenar ao Estado que tomasse todas as medidas possíveis para pôr
termo a tais atos.
O julgamento na Corte
assumiu o centro do palco internacional, um teste crucial para os EUA e aliados
ocidentais. As denominadas democracias liberais estariam dispostas a imputar a
Israel, a extensão do poder do Ocidente no Oriente Médio, o crime dos crimes ou
as afinidades geopolíticas e ideológicas têm precedência sobre a lei e a moral?
O posicionamento das
democracias ocidentais em relação à Guerra na Ucrânia é muito recente para que
pudesse ser esquecido em Gaza. Em junho de 2022, o presidente Biden publicou um
artigo em que dizia que a invasão da Ucrânia pela Rússia “poderia marcar o fim
da ordem internacional baseada em regras e abrir a porta para a agressão em
outros lugares, com consequências catastróficas em todo o mundo”. O termo em
inglês Rules Based International Order (Ordem Internacional
Baseada em Regras) ganhou notoriedade após o fim da guerra fria. Mais
recentemente, após a invasão da Ucrânia, o termo se tornou um mantra.
Os alicerces dessa
ordem foram estabelecidos sob a hegemonia do pensamento liberal, após os
massacres da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, com a criação da ONU e a
promulgação das Convenções de Genebra de 1949. A justificativa dos Estados que
conceberam essas instituições internacionais era no sentido de aperfeiçoar o
direito humanitário e, portanto, a proteção jurídica dos não combatentes. Mas,
desde seu início, as regras dessa ordem, para efeitos de responsabilização
legal, teve validade apenas para os vencidos, o que não aconteceu com os
bombardeios indiscriminados de Dresden ou as bombas atômicas a Hiroshima e
Nagasaki, que não foram sequer julgados.
Desde então, as
democracias ocidentais tratam o termo “ordem internacional baseada em regras”
como sinônimo de direito internacional. Entretanto, por vezes, essa ordem é
saudada quando serve aos interesses dos países quando, por exemplo, o Tribunal
Penal Internacional emite ordem de prisão para Putin por seus crimes de guerra
na Ucrânia. Mas, na maioria das vezes, as “regras” são colocadas de lado.
São centenas de
exemplos, entretanto, chama a atenção a dimensão da tragédia humanitária em
decorrência da denominada Guerra Global ao Terror, no imediato pós-11 de
setembro. Segundo cálculo do Costs of War, estima-se que mais
de 400 mil pessoas tenham morrido de forma violenta e cerca de 3,6 a 3,8
milhões de pessoas morreram indiretamente nas zonas de guerra. Diante disso,
como é possível falar em ordem internacional baseada no Direito Internacional?
Na verdade, o termo
“ordem internacional baseada em regras” deve ser visto como uma poderosa
ideologia que escamoteia a realidade e tem desempenhado um importante papel na
geopolítica ao longo das últimas décadas. As regras podem valer para os
adversários dos EUA, mas os EUA e os seus aliados ficam livres para decidir se
querem ou não participar dessa ordem.
Todavia, é provável
que estejamos a mudança de posicionamento dos EUA em relação à Ordem
Internacional baseada em regras. Não se trata mais de ignorá-la, como sempre
foi feito, mas sim criticar deliberadamente as instituições internacionais,
como Corte Internacional da Justiça e o Tribunal Penal Internacional. No dia em
que o procurador do TPI, Karim Khan, anunciou a intenção de pedir mandatos de
prisão para Benjamin Netanyahu e o seu ministro da Defesa, Joe Biden não apenas
rejeitou agressivamente a medida, mas foi mais longe, dizendo que,
independentemente do que o Tribunal Penal Internacional dissesse ou não
dissesse, Israel não era culpado de genocídio.
Ou seja, não é a
“ordem internacional baseada em regras” que está em crise, mas sim a ideologia
do liberal internacionalismo que a sustenta. Sempre apoiado, implícita ou
explicitamente, pelas “democracias ocidentais”, Israel chegou a sugerir que a
Corte Internacional de Justiça era cúmplice de ações terroristas.
Se, no início da ação
das forças militares israelenses em Gaza, Israel colocava em dúvida a
veracidade das abundantes denúncias de atrocidades que chegavam das mais
diversas fontes, depois de certo tempo, as autoridades israelenses mudaram de
tática e passaram a justificar as ações sob a rubrica “necessidades
militares”. Independentemente de usar a linguagem do direito humanitário
de proporcionalidade e minimização de danos, Israel argumenta que o objetivo
principal, superior a qualquer tipo de dano que pudesse ocorrer aos civis
palestinos, era resgatar os civis sequestrados e erradicar o Hamas e toda a sua
infraestrutura.
A insustentabilidade
da ordem internacional baseada em regras advém não apenas de um posicionamento
político defendido pelo Sul Global, mas também da opinião pública nas cidades
do Ocidente. Nenhum dos princípios que definem a ordem mundial é convincente. A
Questão Palestina ocupa agora um lugar simbólico contra uma ordem pós-colonial
injusta. Se o Direito Internacional e as instituições internacionais que
sustentam sua aplicabilidade não são mais o teste decisivo da legitimidade para
os EUA e aliados, que outras diretrizes devem substituir a ordem internacional
baseada em regras?
Ainda é cedo para
responder a essa questão, mas o que acontece em Gaza nos permite imaginar o que
seria uma ordem que admite o genocídio.
Fonte: DIAP/Jornal GGN/A
Terra é Redonda
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