sábado, 26 de outubro de 2024

BRICS é chave contra guerra de sanções que tenta estrangular o Sul Global, diz analista após cúpula

No encerramento da Cúpula do BRICS em Kazan, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ressaltou o comprometimento do grupo em construir uma ordem mundial mais democrática, multipolar e harmônica. Entre os destaques das discussões, estão o foco em fortalecer as transações nas moedas nacionais e a criação de um sistema de pagamento próprio.

Nos últimos dias, a Rússia chamou a atenção de todo o mundo por conta de uma das cúpulas do BRICS mais aguardadas desde a criação do grupo, em 2009, durante o encontro em Ecaterimburgo, também no país: foi a primeira reunião de líderes e chefes de Estado desde a expansão inédita neste ano. Além de Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul, são agora integrantes Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Irã e Arábia Saudita.

Em mais uma demonstração de união do Sul Global por uma ordem mundial mais democrática e multipolar, o BRICS se mostrou combativo à guerra de sanções promovida pelo Ocidente para estrangular países em desenvolvimento com seus bloqueios. É o que avaliou à Sputnik Brasil o professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), João Cláudio Pitillo.

Ao comentar a coletiva dada pelo presidente Vladimir Putin ao final do evento, o especialista ressaltou o foco do grupo em fortalecer as transações nas moedas nacionais de cada país e também a criação de um sistema de pagamento próprio.

"Com esses pontos, o presidente Putin mostra que os países na esfera do BRICS tentam alcançar segurança financeira, bancária e econômica, com menos interferência externa e não pautada em especulação, o que também vai se estender para as áreas estratégicas. É a garantia de que o processo vai ser regido a nível de Estado, e não por uma política de conveniência", resume.

Além disso, Pitillo pontua que o presidente Putin deixou claro que a intenção do grupo não é derrotar outros sistemas comerciais existentes, mas sim criar formas de interação comercial mais justas.

"Para os países mais pobres e em desenvolvimento, o dólar acaba sendo uma escravidão e uma forma de mordaça, um garrote, porque você precisa ter muitos recursos na moeda, enquanto a própria moeda desses países costuma ser extremamente desvalorizada perante o dólar […]. Sendo em dólar os juros, torna-se uma agiotagem, que nunca é paga; vira uma dívida infinita que sufoca os países mais pobres. E se você valoriza a moeda nacional nas relações comerciais entre os países do BRICS, você não só permite que esses países consigam se desenvolver de maneira mais fácil, mas você intensifica o comércio desses países numa política de ganha-ganha, gerando riqueza para ambos os lados."

Durante a fala, Putin também sugeriu a extensão do mandato da atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como o banco do BRICS, Dilma Rousseff. Isso por conta do trabalho realizado pela ex-presidente do Brasil na instituição.

"Estender a gestão do Brasil à frente do NDB é excelente e uma prova de que a Dilma está sendo correta e entendeu o espírito da instituição. O interessante do banco do BRICS é que ele não é um agiota internacional, como o BIRD [Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, ligado ao Banco Mundial], mas uma instituição de fomento e ajuda aos países na sua corrida pelo desenvolvimento autônomo", acrescenta.

<><> BRICS seguirá em expansão?

Outro ponto que gerou grande expectativa sobre a cúpula era o possível anúncio de países parceiros do BRICS, uma nova categoria de adesão criada em meio ao forte interesse de nações em fazer parte do grupo. Porém, a lista não será divulgada neste momento.

"Esse dilema não é fácil, mas acredito que o espírito que rege o BRICS, que é de extrema cooperação e de relações justas e fraternas, vai ser capaz de criar uma lista e um grupo de países que vão, durante o processo, afinando as suas relações. Mas é importante que isso seja um critério que também abarque a questão política, não pode ser nada meramente comercial", analisa Pitillo.

Essa também é uma questão que envolve diretamente o Brasil. Isso por conta do desejo da Venezuela em fazer parte da lista, mas foi vetada por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde as eleições no país vizinho, as relações entre Brasília e Caracas estão abaladas por conta do não reconhecimento do governo brasileiro da vitória do presidente Nicolás Maduro. Na coletiva, Putin ressaltou que a Rússia tem uma posição diferente e expressou esperança de que o diálogo seja retomado.

Para o professor da UERJ, a fala mostra que Moscou pode ser uma aliada na mediação de uma retomada das conversas entre as duas nações sul-americanas, essenciais para a integração maior no continente.

"A Venezuela é um parceiro importante do Brasil, o presidente Maduro é um aliado histórico do presidente Lula. Maduro foi solidário ao presidente Lula quando ele esteve preso, foi solidário ao impeachment da presidente Dilma, foi solidário ao Brasil durante a pandemia na crise de oxigênio no estado do Amazonas [...]. O Maduro tem sido um aliado muito leal do Brasil nas questões regionais e o Brasil não tem correspondido, há um ruído na comunicação entre Brasil e Venezuela muito grande desde a eleição e também sobre a questão de Essequibo", argumenta.

Enquanto isso, Putin ainda reafirmou que nenhum país terá a adesão aprovada caso não haja consenso entre todos os atuais membros.

"Vários dos países que solicitaram ingresso no BRICS são nações que têm dificuldade em ter acesso a investimento entre os países capitalistas centrais, vêm de uma herança colonialista e escravocrata, de subdesenvolvimento, de desequilíbrios sociais e ambientais terríveis, e não tiveram apoio para superar isso até agora. E quando fazem aceno, é porque percebem que essa nova ordem que o BRICS pode construir é extremamente produtiva", pontua.

<><> BRICS mostra que Rússia não está 'isolada' como o Ocidente queria

Em meio à adesão cada vez maior da iniciativa de paz liderada por Brasil e China para resolver o conflito na Ucrânia, o presidente Putin também comentou a situação e lembrou que não foram as ações russas que levaram à escalada das tensões na região. Segundo o líder russo, a cúpula mostrou ainda que todos os países participantes estão comprometidos em apoiar o fim pacífico dos combates o mais rápido possível.

O especialista acredita que o sucesso do evento em Kazan mostra também ao mundo ocidental que a Rússia não está isolada e, pelo contrário, recebe apoio no Sul Global.

"A maioria dos países não concordou com a estratégia estadunidense de a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] em transformar a Rússia em um pária. Pelo contrário, as relações com a região se ampliaram, e não a partir de um movimento bélico ou de apoio à questão militar russa, mas no aspecto político", diz.

As tensões no Oriente Médio também se mostraram como outro ponto de preocupação para os países do BRICS, com a região à beira de uma guerra total provocada por Israel. Putin lembrou que os líderes defendem uma negociação com a participação de todos os agentes envolvidos no conflito, como Hamas e Hezbollah.

"Como Israel tem o apoio incondicional da União Europeia e dos Estados Unidos, ele se sente à vontade para agredir seus vizinhos. E essa agressão leva a uma reação de diferentes escalas. Então, o presidente Putin chama a atenção de que isso tem que ser freado e os aliados de Israel têm que ser chamados. É importante que Estados Unidos e União Europeia entrem em campo para diminuir essa escalada, que é uma escalada feroz", finaliza.

¨      'Alternativa para fazer diferente': Arce elogia trabalho do BRICS

Para a Bolívia, é uma honra participar de um evento de tal magnitude, disse o presidente boliviano, Luis Arce, à Sputnik, referindo-se à 16ª Cúpula do BRICS, na cidade russa de Kazan.

Arce destacou que os países-membros do BRICS têm a oportunidade de falar, de ser ouvidos e de apresentar suas sugestões sobre para onde devem ir, mostrando ao mundo que é possível fazer as coisas de forma mais justa e equitativa.

"É importante consolidar e mostrar para todo o planeta que existe uma alternativa, que não existe apenas um caminho, mas que existe uma alternativa para podermos fazer as coisas de forma diferente, mais justa, mais equitativa, com maiores oportunidades, especialmente para os países que nunca tiveram a oportunidade de ser ouvidos", declarou o presidente.

O chefe do Executivo boliviano classificou o arranjo como "altamente positivo", enfatizando se tratar de "um dia histórico".

"Este bloco vai se consolidar como tal ao admitir novos membros, novos parceiros, novos países que vão dar impulso a essa iniciativa que os países fundadores do BRICS tiveram", afirmou.

Sobre a participação da Bolívia na cúpula, Arce ressaltou que se sente honrado por participar de um evento desta magnitude.

"Também nos sentimos parte [do evento] e queremos seguir contribuindo para […] dar continuidade a um bloco que […] está enfrentando as mudanças que existem no mundo, no planeta, neste momento", acrescentou.

Alguns países espalharam rumores de que a Rússia está supostamente isolada devido às sanções impostas após o início da operação militar especial na Ucrânia. Nesse sentido, Arce sublinhou que a Rússia, tal como o BRICS, não está sozinha.

"Acho que o mais resgatável é que, a pedido dos países do BRICS, viemos aqui [para participar da cúpula], apenas demonstrando que a Rússia não está sozinha, que o BRICS não está sozinho, mas que há muito mais países que querem fazer parte, que querem aderir, que querem ser envolvidos na formação do nosso novo bloco", explicou o presidente.

Ao final, Arce voltou a destacar que a realidade mostrará que a Rússia não está sozinha.

<><> Paquistão espera aderir ao BRICS em um futuro próximo

O Paquistão pretende ingressar no BRICS em um futuro próximo, disse à Sputnik o porta-voz do governo paquistanês, Rana Ihsaan Afzal Khan.

"O Paquistão pediu para ser incluído no BRICS e tem bastantes esperanças nesse sentido. Acredito que em um futuro próximo estaremos no grupo. É óbvio que o BRICS é um fórum forte, que representa uma parte importante da economia mundial", afirmou o porta-voz.

Afzal Khan disse esperar que o pedido do Paquistão seja aprovado.

"Acho que o Paquistão deveria fazer parte do BRICS", enfatizou.

A entrada de novos membros vem sendo um tema muito discutido na 16ª Cúpula do BRICS em Kazan.

Nesta quarta-feira (23), em entrevista à Sputnik, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, explicou que foi atingido um consenso sobre princípios e critérios que guiarão a expansão do bloco. "Os países-membros do BRICS aderem a certos princípios, e os próximos membros também acederão a eles."

No dia 1º de janeiro, a Rússia assumiu a presidência rotativa do BRICS para 2024, ano que começou com a admissão de cinco novos membros: Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia.

 

¨      Em discurso no Brics, Maduro pede reforma no sistema financeiro internacional e mudança na ONU

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, pediu nesta quinta-feira (24) uma reforma no sistema financeiro e monetário internacional que seja feito de maneira ampla e que contemple os países do Sul global. A fala foi feita durante o discurso do venezuelano na cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia. 

De acordo com Maduro, o bloco liderado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul criou um novo paradigma na disputa econômica e política em nível global. Segundo ele, é preciso mudanças profundas no comércio e no sistema financeiro internacional, que hoje busca impor a hegemonia de países “coloniais”.

“É preciso uma nova agenda econômica para o comércio internacional, com soluções práticas para o intercâmbio monetário. É uma necessidade, um novo sistema monetário mundial. E temos que dizer com nome e sobrenome. Não se trata só de fazer pequenas reformas no sistema monetário e financeiro, que parece não aguentar reformas, porque querem reimpor a hegemonia de países coloniais do ocidente pelos mecanismos da moeda, do sistema financeiro, dos créditos, dos pacotes econômicos com condições econômicas”, afirmou o mandatário. 

Maduro disse que o comércio global precisa contemplar uma cesta de moedas que inclua não só as dos países hegemônicos, como o dólar e o euro, mas que tenha também a possibilidade de uso de dinheiro local. Ele pediu “passos mais audázes” do Banco do Brics nos investimentos em países do Sul e na criação de um novo banco de pagamentos.

O venezuelano destacou também a necessidade de uma reformulação da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo o mandatário, o organismo cumpriu um papel importante em determinado momento histórico, mas precisa ser reestruturado para se adaptar ao novo contexto de um mundo “multipolar e multicêntrico”. 

“Depois da 2ª Guerra Mundial, a reconfiguração de um sistema das Nações Unidas centrou os esforços de todos os povos e efetivamente se estabeleceu um sistema que criou uma grande esperança e fixou as bases do direito internacional, que foi assumida de maneira consciente e voluntária por países de todas as regiões do planeta. É preciso refundar o sistema das Nações Unidas. Cada vez que cai um míssil de alta precisão em um prédio em Gaza, eles incendeiam e destroem a própria disposição da ONU”, afirmou. 

O presidente da Venezuela criticou a ineficiência das Nações Unidas em relação aos ataques realizados por países como Israel na Faixa de Gaza e afirmou que o Brics surge para contrapor a lógica da Corte Internacional de Justiça de inanição em relação aos massacres promovidos pelas superpotências. 

“O Brics surge num momento de mudança da época histórica. Surgiram novas superpotências e países que, modestamente como a Venezuela, Cuba e Nicarágua, aspiramos que se respeite o direito à nossa independência, futuro e desenvolvimento”, disse. 

Expansão sem a Venezuela

O país ficou de fora da nova rodada de expansão do Brics por conta de um veto do Brasil - segundo apurou o Brasil de Fato - , apresentado durante as negociações preliminares da cúpula. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que os países líderes do Brics chegaram a um consenso sobre os "critérios e princípios" que irão reger a expansão do bloco no futuro. A afirmação foi feita na última quarta-feira (23) durante uma entrevista coletiva à mídia brasileira presente em Kazan, na Rússia, durante a 16ª Cúpula do Brics.

"A discussão foi sobre os critérios e os princípios que vão orientar a ampliação futura dos Brics. Agora, são 10 países e, no futuro, haverá outros. Foi discutido, foi aprovado, houve consenso sobre os princípios e critérios que guiarão essa ampliação", disse o ministro.

Os países do Brics chegaram a uma definição de 13 países para se juntar à associação na categoria de "Estados parceiros". Os países convidados a fazer parte do Brics nesta categoria são: Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda.

A Venezuela havia formalizado o pedido de entrada em maio deste ano, mas foi rejeitado pelo Brasil depois das eleições presidenciais que tiveram a vitória de Maduro em 28 de julho. O pleito foi contestado pela oposição, que disse ter recolhido as cópias das atas eleitorais e que, esses resultados somados dariam a vitória ao candidato da oposição Edmundo González Urrutia. Essas atas, no entanto, não foram apresentadas à Justiça.

<><> Putin diz que posições de Brasil e Rússia sobre Venezuela não coincidem

presidente russo, Vladimir Putin, comentou para a imprensa no final da 16ª Cúpula do Brics, em Kazan, na Rússia, a possibilidade de a Venezuela aderir ao bloco como país parceiro. De acordo com Putin, qualquer adesão ao grupo Brics só é possível com o consentimento de todos os participantes da associação e o Brasil se oporia a isso.

"Quanto à admissão da Venezuela ou de qualquer outro estado ao Brics, quero dizer que isso só é possível com consenso. Temos uma regra segundo a qual, para admitir qualquer candidato a esta organização, à associação Brics, é necessário o consentimento de todos os participantes. Sem esta unificação, é impossível dar esse passo", disse Putin na coletiva de imprensa após a Cúpula do Brics.

Ele comentou que há divergências entre as posições de Rússia e Brasil sobre a Venezuela, destacando que Moscou reconhece a legitimidade de Nicolás Maduro após as eleições presidenciais do país sul-americano.  

"Nossa posição não coincide com a do Brasil nas questões venezuelanas. Falo sobre isso abertamente. Falamos sobre isso ao telefone anteontem com o presidente do Brasil, com quem tenho relações muito boas, considero que são relações amigáveis", disse o líder russo.

Putin observou também que Moscou considera justa a vitória do presidente venezuelano Nicolás Maduro nas eleições e apoia o seu governo. Ele manifestou esperança de que o Brasil, guiado pelos princípios da objetividade, consiga resolver as relações bilaterais com a Venezuela.

Cerca de 300 jornalistas participaram da coletiva de imprensa com o presidente russo. Putin falou por mais de 1h com a mídia que cobre a Cúpula do Brics e respondeu a perguntas da mídia russa e da mídia estrangeira. 

Lista de países parceiros do Brics

Apesar de não declarar oficialmente quais foram os países aceitos para fazer parte do Brics como Estados parceiros, a reportagem do Brasil de Fato apurou com as fontes diplomáticas brasileiras os países do Brics chegaram a uma definição de 13 países para se juntar à associação na categoria de "Estados parceiros". 

No entanto, não haverá uma oficialização da entrada destes países durante a cúpula, já que a partir desta definição, a presidência russa passa a realizar consultas com os países parceiros para oficializar a adesão ao Brics. 

O grupo dos países convidados a fazer parte do Brics como "Estados parceiros" é composto por: Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda.

De acordo com fontes diplomáticas da delegação brasileira em Kazan ouvidas pela reportagem do Brasil de Fato, a Venezuela ficou fora da lista por conta de um veto do Brasil, apresentado durante as negociações preliminares da cúpula.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil de Fato

 

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