Beber urina, infectar-se com parasitas:
veja experimentos médicos ousados
O apresentador de TV e
jornalista científico inglês Michael Mosley — morto no último dia 5 de junho,
no Egito — era conhecido, não apenas por sua experiência, energia e paixão como
radialista, mas também por realizar experimentos em si mesmo. Desde engolir
ovos de tênia até ter áreas de seu cérebro desligadas, Mosley se juntou a
outros pioneiros da medicina que não tinham medo de usar seus próprios corpos
na busca de aprender mais sobre eles.
O “pai da medicina”,
Hipócrates, assim como outras figuras importantes da história chinesa, indiana,
egípcia e árabe, observou sede excessiva, micção e perda de peso em alguns
pacientes. Esses sintomas estão relacionados à condição diabetes mellitus, o distúrbio
metabólico do aumento de açúcar no sangue. O termo “diabetes” refere-se ao
aumento da produção de urina e a palavra latina “mellitus” significa doce, como
o mel.
Uma das maneiras pelas
quais Hipócrates investigava seus pacientes era provando a urina para ver se
era doce. E ele não foi a única figura médica histórica a se comportar como
Bear Grylls em relação ao consumo de xixi. O antigo médico indiano Shushruta (por
volta de 500 a.C.) descreveu o sabor adocicado da urina da pessoa com diabetes
como “madhumeha” ou urina de mel.
No século 17, embora o
médico britânico Thomas Willis tenha chamado o diabetes de “o mal da urina”,
ele parecia gostar bastante do sabor do xixi do diabético, que descreveu como
“extremamente doce” e “maravilhosamente doce, como açúcar ou mel”. Quero saber
quem realmente fez toda a degustação.
Será que Hipócrates
tomou um gole ele mesmo ou ofereceu ao paciente para que experimentasse? Se os
médicos provavam uma amostra de urina, talvez esse seja um dos primeiros
exemplos de dedicação à causa. Muito nobre, mas, como médico, fico feliz que
isso não faça parte do juramento de Hipócrates atualmente.
• Agonia e êxtase
A autoexperimentação
pode ser controversa, mas contribuiu significativamente para a medicina
moderna. Na década de 1980, o médico Barry Marshall observou a associação entre
a inflamação do estômago (gastrite) e a bactéria Helicobacter pylori. A
pesquisa de Marshall foi inicialmente rejeitada e recusada para publicação em
revistas clínicas, então ele decidiu resolver o problema com suas próprias
mãos.
Ao consumir uma
solução contendo H-pylori, Marshall conseguiu demonstrar que a bactéria havia
desencadeado uma inflamação extensa. Ele também consolidou a ligação entre a
H-pylori e o desenvolvimento de úlceras estomacais. Publicado finalmente logo
depois, Marshall e seu colaborador, Robin Warren, receberam o prêmio Nobel em
2005. Graças ao autoteste de Marshall, a H-pylori pode ser facilmente tratada
com antibióticos e outros medicamentos.
Outros médicos se
infectaram deliberadamente com vírus e bactérias para estudar sua propagação ou
seus efeitos, inclusive cólera, campilobactéria e febre amarela.
Além da descoberta de
causas e diagnósticos de doenças, a autoexperimentação levou ao desenvolvimento
e à disponibilidade de muitos tratamentos essenciais. Por exemplo, o anestésico
local amplamente utilizado lidocaína, que evita que os pacientes sintam dor
durante procedimentos cirúrgicos sem os efeitos colaterais da anestesia geral.
Ele foi desenvolvido na década de 1940 pelos químicos suecos Nils Löfgren e
Bengt Lundqvist — Lundqvist testou o composto em si mesmo.
Outros experimentos
envolveram a síntese e o teste de novos medicamentos, o teste de vacinas e o
desenvolvimento de tratamentos e operações cirúrgicas importantes. Muitos
cientistas examinaram os efeitos de novos compostos como remédios por meio da
automedicação e da elaboração de crônicas sobre os efeitos, inclusive o químico
Alexander Shulgin. Shulgin, conhecido como “o padrinho do ecstasy”, testou a
droga por conta própria antes de apresentá-la aos psicólogos para uso em
terapias.
Outros não foram tão
bem-sucedidos. O pesquisador francês Daniel Zagury injetou em si mesmo e em
vários outros voluntários uma possível vacina contra a AIDS, que, embora tenha
sido saudada como “ousada” e “empolgante” na época, não funcionou. Outros pesquisadores
que se autoexperimentaram fizeram novas descobertas importantes por acidente.
Ao desenvolver um novo medicamento antimicrobiano, um grupo dinamarquês
testou-o em si mesmo e descobriu que ele tinha efeitos desagradáveis quando
consumido com álcool. Isso levou ao desenvolvimento do dissulfiram, um
medicamento ainda usado para tratar a dependência de álcool.
Talvez o fisiologista
vitoriano Joseph Barcroft seja um dos mais prolíficos autoexperimentadores. Seu
repertório abrange desde a investigação dos efeitos do gás cianeto até a
oxigenação do sangue em ambientes extremos e a resposta do corpo à hipotermia, todos
testados nele mesmo.
• Dr. Michael Mosley: cobaia humana
Michael Mosley, então,
seguiu um caminho bem trilhado, embora eticamente questionável, ao usar seu
corpo como campo de testes para pesquisas médicas. Ele realmente se dedicou a
fazer algo pela equipe.
Em 2014, Mosley se
infectou com larvas de tênia para entender o efeito delas no corpo humano.
Imagine alimentar uma
segunda boca em seu estômago que absorveria as calorias que você está
ingerindo. As tênias têm sido comercializadas como um produto para perda de
peso há mais de um século. Como Mosley ganhou 2 kg durante o experimento, isso
sugere que talvez as tênias sejam auxiliares ineficazes para a perda de peso,
além de altamente perigosas.
Mosley defendeu o
jejum intermitente e a dieta 5:2 depois de ele mesmo ter seguido o regime.
Embora a dieta tenha atraído controvérsias, pesquisas sugerem que o jejum
intermitente poderia não apenas apoiar a perda de peso, mas também reverter o
diabetes tipo 2 em alguns pacientes.
Mosley fazia parte de
uma rica tradição médica de autoexperimentos, juntando-se àqueles cuja
dedicação e destemor foram suficientes para testar o método científico da
maneira mais pessoal possível.
Fonte: Por Dan
Baumgardt, para The Conversation
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