Neiva Ribeiro: Enel virou um símbolo do
fracasso das privatizações
Após sucessivos dias
sem energia elétrica em São Paulo, existe um novo modus operandi na cidade:
sempre que a meteorologia indica chuva, o paulistano muda sua programação com o
medo de alagamento, queda de árvores e apagão na sua residência ou estabelecimento.
No último temporal,
dia 11, mais de dois milhões de pessoas ficaram no escuro na região
metropolitana da capital. Foram quase dez dias de prejuízos para a população em
suas casas ou em bares, restaurantes e padarias. A Fecomercio estimou perda de
R$ 1,65 bilhão, em apenas quatro dias.
Enquanto promete
melhor investimento e atendimento aos seus 18 milhões de clientes espalhados em
24 municípios da Grande São Paulo, a Enel dobrou seu lucro em apenas quatro
anos. Em 2022, o lucro da Enel São Paulo foi de R$ 1,41 bilhão. Em 2019,
primeiro ano completo de atuação da Enel em São Paulo, o lucro foi de R$ 777,07
milhões. No primeiro semestre do ano, a Enel em São Paulo teve lucro de R$ 905
milhões.
Com atuação
transnacional em 30 países nas Américas, África, Ásia, Oceania e Europa, a Enel
é uma das maiores companhias do setor elétrico do mundo. São 70 milhões de
consumidores, 67 mil colaboradores próprios e mais de 2 milhões de quilômetros
de redes elétricas.
A Enel passou a
atender as cidades de São Paulo e da região do ABC, entre outras, após a
privatização feita pelo governo paulista em 1999, e piorou seu atendimento
depois de demitir mais de 30% do quadro dos trabalhadores mais experientes, o
que provocou uma perda significativa na qualidade do serviço prestado. Os novos
contratados têm os salários reduzidos em mais de um terço na comparação com os
que foram demitidos.
Além disso, há um alto
grau de precarização nas condições de trabalho, saúde e segurança. Todas essas
mazelas são de responsabilidade da Enel que está cometendo todos os erros
possíveis na gestão da concessão.
Vamos lembrar que a maior empresa de energia
do país, a Eletrobras, foi privatizada e a um preço abaixo do mercado pelo
ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em 2022, após uma imensa
batalha jurídica em que os sindicatos de eletricitários contestaram a venda da
estatal.
O Brasil foi na
contramão de países como Alemanha e França, que reestatizaram suas companhias
de energia, água e saneamento, porque constatam que as privatizações ou
parcerias público-privadas (PPPs) acarretam tarifas muito altas, não cumprem
promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma
série de problemas.
Lucram muito,
economizam com a mão de obra e a população arca com altas tarifas: 36% das
famílias brasileiras gastam mais da metade do orçamento mensal com energia
elétrica e gás de cozinha, de acordo com pesquisa do Instituto Pólis
Por tudo isso, antes
de apoiar as privatizações, pense bem nos exemplos que já estão em andamento. A
Enel se tornou mais um exemplo de fracasso de uma política neoliberal, que
apoia a venda do capital público, mas não se responsabiliza por seus erros e prejuízos.
• PRIVATIZA QUE MELHORA: Lula libera até
R$ 150 mil para empreendedores que tiveram prejuízos com apagão em SP
Menos de uma semana
após o pedido feito ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva liberou recursos com crédito subsidiado pelo governo
federal a empreendedores, microempresas e empresas de pequeno porte da capital
paulista que tiveram prejuízos com o apagão e o descaso da administração
Ricardo Nunes (MDB), que deixaram milhares de residências sem luz por uma
semana.
Em portaria do
Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte,
divulgada na edição desta quinta-feira (24) do Diário Oficial da União, o
ministro Márcio França libera "até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil
reais), limitado a até 60% (sessenta por cento) da receita bruta anual".
Já os profissionais
liberais poderão requisitar até R$ 100 mil, limitado a 50% do rendimento do
trabalho no ano anterior.
O subsídio será feito
por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte (Pronampe).
"As instituições
financeiras participantes das linhas de crédito de que trata esta Portaria,
poderão formalizar as operações de crédito no âmbito do Programa, observando-se
a taxa de juros anual máxima igual à taxa do Sistema Especial de Liquidação e
de Custódia (Selic), acrescida de 4,5% (quatro e meio por cento), no máximo,
sobre o valor concedido", determina a portaria do governo.
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Em visita a São Paulo
na última sexta-feira (18), Lula anunciou uma linha de crédito especial para os
paulistanos que tiveram prejuízo com o apagão de seis dias pela inoperância do
prefeito Ricardo Nunes (MDB), do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)
e da concessionária de energia Enel.
"Seguinte: vocês
viram o apagão que está tendo em São Paulo. Ontem eu pedi para o [ministro da
Fazenda, Fernando] Haddad e para a Casa Civil trabalharem porque nós vamos
fazer para a cidade de São Paulo o mesmo que fizemos no Rio Grande do Sul. As pessoas
que tiveram prejuízo por conta do apagão, que perderam geladeira, inclusive a
comida que estava na geladeira, o pequeno comerciante, nós vamos estabelecer
uma linha de crédito para que as pessoas possam se recuperar", anunciou
Lula ao fim de seu discurso no lançamento do Programa Acredita.
Em seguida, o
presidente ainda alfinetou Nunes e Tarcísio, que estão há dias em reuniões, mas
não conseguiram sanar o problema.
"Eu não quero
saber de quem é a culpa. Eu quero saber quem é que vai dar a solução. E nós
queremos encontrar a solução", emendou Lula.
• O que é privatização? Ela é boa ou ruim?
Quais aconteceram no Brasil?
No centro do debate
econômico brasileiro desde a década da década de 1980, as privatizações, que
consistem na venda de empresas ou instituições públicas à iniciativa privada,
continuam gerando polêmica no Brasil.
Para além da simples
transferência de posse de um ativo público para as mãos de alguma empresa
privada, tirando do Poder Público a função de gerir ou controlá-la, as
privatizações também moldam um debate ideológico sobre o tamanho e o papel do
Estado na condução da economia.
No Brasil, os anos
1990 marcaram a aceleração das privatizações, com destaque para as vendas da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Vale do Rio Doce, hoje chamada apenas
de Vale, e da Telebrás.
Após um período de
concessões menores à iniciativa privada nos anos 2000, a entrega de empresas à
iniciativa privada retornou à pauta após 2016 e mantém o debate aceso desde
então.
<><> O que
é uma privatização?
A privatização é um
processo de transferência de órgãos ou empresas estatais à iniciativa privada.
Isso acontece quando o Estado precisa levantar recursos ou porque o governante
acredita que manter aquela empresa já não faz mais sentido.
Empresa estatal é, por
definição, toda aquela cujo controle acionário pertence em sua totalidade ou em
sua maior parte ao Estado. Elas atuam, normalmente, em segmentos de interesse
público, como os setores de energia, telecomunicações e infraestrutura. Essa
transferência à iniciativa privada ocorre por meio da realização de vendas, que
costumam acontecer por meio de leilões públicos, venda de ações, deixando o
governo como sócio minoritário, ou outros dispositivos previstos na
Constituição.
Há quem defenda que o
livre mercado predomine, enquanto outros acreditam que o Estado deve atuar em
diversos setores econômicos.
<><> Qual
a diferença entre privatização e concessão?
O Estado pode utilizar
dois mecanismos para transferir a gestão de um ativo público para a iniciativa
privada: privatização ou concessão.
Na concessão, há
apenas a transferência temporária da gestão a uma empresa privada. O Estado
permanece como proprietário e retorna como gestor quando o período de concessão
acabar.
Na privatização, essa
transferência de gestão é definitiva, e o Estado, na maioria dos casos, não
possui mais qualquer influência sobre a empresa.
<><> Como
as privatizações podem ocorrer?
A Lei Nº 9.491/1997,
que estabelece os procedimentos vigentes hoje no Programa Nacional de
Desestatização, prevê que a privatização de uma empresa pública pode ocorrer
das seguintes formas:
#Alienação de
participação societária
- É quando o Estado
vende parte das ações da empresa para a iniciativa privada. Para ter uma
privatização total, o Estado deve vender a participação majoritária da
companhia por meio de leilões.
# Abertura de capital
- Quando o Estado faz
a empresa lançar ações na Bolsa de Valores, permitindo que outros agentes
comprem papéis da companhia.
# Aumento de capital
- Se a empresa já for
listada na Bolsa, ela poderá emitir novas ações. Nesse processo, o governo não
comprará as novas ações. Assim, sua participação na empresa será diluída, ao
ponto em que o Estado não terá mais o controle dela.
# Alienação,
arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações
- Esse modelo pode ser
utilizado para que o Estado venda ativos como prédios e terrenos.
# Dissolução de
sociedades ou desativação parcial
- Ocorre quando o
Estado abre mão da participação em uma chamada "estatal mista" (parte
pública e parte privada). Assim, a empresa torna-se apenas privada.
<><> O que
diz quem defende as privatizações?
Os defensores das
privatizações argumentam, de forma geral, que empresas privadas conseguem ser
mais eficientes do que as públicas e não consomem recursos do Orçamento
público.
Eles dizem que a
passagem do controle à iniciativa privada faz com que o país consiga gastar
menos em setores não essenciais, deixando mais espaço para gastos em saúde e
educação. Há também a ressalva de que a privatização tem de ser acompanhada por
uma regulação eficiente, para que se evite a formação de um monopólio privado
ou uma má prestação de serviços.
<><> O que
diz quem é contra as privatizações?
Os argumentos de quem
é contrário às privatizações centram-se na capacidade do Estado de ter uma
visão de investimentos de longo prazo, tolerando prejuízos em certos períodos
da operação, e na atuação em setores em que a iniciativa privada não possui interesse,
porque não são lucrativos.
Quem é contra diz que
a entrega de empresas à iniciativa privada faz com que o Estado perca a
capacidade de investimentos de longo prazo. Outro argumento é de que uma
empresa privada não é sempre mais capaz de gerir os recursos do que a pública.
<><> Como
foram as privatizações no Brasil?
As privatizações no
Brasil avançaram a partir do fim da década de 1980. Na época, o Estado passou
pela chamada "reprivatização" pois vendeu companhias que haviam sido
absorvidas pelo Estado, na maioria dos casos, em função de dificuldades financeiras.
Já na década de 1990,
com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), no governo Fernando
Collor de Mello, a privatização tornou-se parte integrante das reformas
econômicas.
Segundo o BNDES, nessa
época, "a magnitude e o escopo da privatização foram significativamente
ampliados". "A venda da Usiminas, por exemplo, em outubro de 1991,
permitiu a arrecadação de mais que o dobro do obtido na década de 80", informou
o banco, em nota.
No governo Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), intensifica-se o processo de transferência de empresas
públicas ao setor privado, quando ocorrem algumas das mais famosas e polêmicas
privatizações.
A então estatal Vale
do Rio Doce foi vendida em leilão para um consórcio de investidores. Também
foram privatizados vários bancos estaduais e começou o processo de privatização
do setor de telecomunicações, com a venda de empresas como a Telesp para a espanhola
Telefónica, por exemplo.
Nos anos após o
governo FHC, o Estado passou a focar mais em concessões de ativos públicos,
como estradas federais, do que em vender grandes empresas estatais.
Fonte: Fórum/UOL
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