sábado, 26 de outubro de 2024

Neiva Ribeiro: Enel virou um símbolo do fracasso das privatizações

Após sucessivos dias sem energia elétrica em São Paulo, existe um novo modus operandi na cidade: sempre que a meteorologia indica chuva, o paulistano muda sua programação com o medo de alagamento, queda de árvores e apagão na sua residência ou estabelecimento.

No último temporal, dia 11, mais de dois milhões de pessoas ficaram no escuro na região metropolitana da capital. Foram quase dez dias de prejuízos para a população em suas casas ou em bares, restaurantes e padarias. A Fecomercio estimou perda de R$ 1,65 bilhão, em apenas quatro dias.

Enquanto promete melhor investimento e atendimento aos seus 18 milhões de clientes espalhados em 24 municípios da Grande São Paulo, a Enel dobrou seu lucro em apenas quatro anos. Em 2022, o lucro da Enel São Paulo foi de R$ 1,41 bilhão. Em 2019, primeiro ano completo de atuação da Enel em São Paulo, o lucro foi de R$ 777,07 milhões. No primeiro semestre do ano, a Enel em São Paulo teve lucro de R$ 905 milhões.

Com atuação transnacional em 30 países nas Américas, África, Ásia, Oceania e Europa, a Enel é uma das maiores companhias do setor elétrico do mundo. São 70 milhões de consumidores, 67 mil colaboradores próprios e mais de 2 milhões de quilômetros de redes elétricas.

A Enel passou a atender as cidades de São Paulo e da região do ABC, entre outras, após a privatização feita pelo governo paulista em 1999, e piorou seu atendimento depois de demitir mais de 30% do quadro dos trabalhadores mais experientes, o que provocou uma perda significativa na qualidade do serviço prestado. Os novos contratados têm os salários reduzidos em mais de um terço na comparação com os que foram demitidos.

Além disso, há um alto grau de precarização nas condições de trabalho, saúde e segurança. Todas essas mazelas são de responsabilidade da Enel que está cometendo todos os erros possíveis na gestão da concessão.

 Vamos lembrar que a maior empresa de energia do país, a Eletrobras, foi privatizada e a um preço abaixo do mercado pelo ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em 2022, após uma imensa batalha jurídica em que os sindicatos de eletricitários contestaram a venda da estatal.

O Brasil foi na contramão de países como Alemanha e França, que reestatizaram suas companhias de energia, água e saneamento, porque constatam que as privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs) acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas.

Lucram muito, economizam com a mão de obra e a população arca com altas tarifas: 36% das famílias brasileiras gastam mais da metade do orçamento mensal com energia elétrica e gás de cozinha, de acordo com pesquisa do Instituto Pólis

Por tudo isso, antes de apoiar as privatizações, pense bem nos exemplos que já estão em andamento. A Enel se tornou mais um exemplo de fracasso de uma política neoliberal, que apoia a venda do capital público, mas não se responsabiliza por seus erros e prejuízos.

•        PRIVATIZA QUE MELHORA: Lula libera até R$ 150 mil para empreendedores que tiveram prejuízos com apagão em SP

Menos de uma semana após o pedido feito ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou recursos com crédito subsidiado pelo governo federal a empreendedores, microempresas e empresas de pequeno porte da capital paulista que tiveram prejuízos com o apagão e o descaso da administração Ricardo Nunes (MDB), que deixaram milhares de residências sem luz por uma semana.

Em portaria do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, divulgada na edição desta quinta-feira (24) do Diário Oficial da União, o ministro Márcio França libera "até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), limitado a até 60% (sessenta por cento) da receita bruta anual".

Já os profissionais liberais poderão requisitar até R$ 100 mil, limitado a 50% do rendimento do trabalho no ano anterior.

O subsídio será feito por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).

"As instituições financeiras participantes das linhas de crédito de que trata esta Portaria, poderão formalizar as operações de crédito no âmbito do Programa, observando-se a taxa de juros anual máxima igual à taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acrescida de 4,5% (quatro e meio por cento), no máximo, sobre o valor concedido", determina a portaria do governo.

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Em visita a São Paulo na última sexta-feira (18), Lula anunciou uma linha de crédito especial para os paulistanos que tiveram prejuízo com o apagão de seis dias pela inoperância do prefeito Ricardo Nunes (MDB), do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e da concessionária de energia Enel.

"Seguinte: vocês viram o apagão que está tendo em São Paulo. Ontem eu pedi para o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad e para a Casa Civil trabalharem porque nós vamos fazer para a cidade de São Paulo o mesmo que fizemos no Rio Grande do Sul. As pessoas que tiveram prejuízo por conta do apagão, que perderam geladeira, inclusive a comida que estava na geladeira, o pequeno comerciante, nós vamos estabelecer uma linha de crédito para que as pessoas possam se recuperar", anunciou Lula ao fim de seu discurso no lançamento do Programa Acredita.

Em seguida, o presidente ainda alfinetou Nunes e Tarcísio, que estão há dias em reuniões, mas não conseguiram sanar o problema.

"Eu não quero saber de quem é a culpa. Eu quero saber quem é que vai dar a solução. E nós queremos encontrar a solução", emendou Lula.

 

•        O que é privatização? Ela é boa ou ruim? Quais aconteceram no Brasil?

No centro do debate econômico brasileiro desde a década da década de 1980, as privatizações, que consistem na venda de empresas ou instituições públicas à iniciativa privada, continuam gerando polêmica no Brasil.

Para além da simples transferência de posse de um ativo público para as mãos de alguma empresa privada, tirando do Poder Público a função de gerir ou controlá-la, as privatizações também moldam um debate ideológico sobre o tamanho e o papel do Estado na condução da economia.

No Brasil, os anos 1990 marcaram a aceleração das privatizações, com destaque para as vendas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Vale do Rio Doce, hoje chamada apenas de Vale, e da Telebrás.

Após um período de concessões menores à iniciativa privada nos anos 2000, a entrega de empresas à iniciativa privada retornou à pauta após 2016 e mantém o debate aceso desde então.

<><> O que é uma privatização?

A privatização é um processo de transferência de órgãos ou empresas estatais à iniciativa privada. Isso acontece quando o Estado precisa levantar recursos ou porque o governante acredita que manter aquela empresa já não faz mais sentido.

Empresa estatal é, por definição, toda aquela cujo controle acionário pertence em sua totalidade ou em sua maior parte ao Estado. Elas atuam, normalmente, em segmentos de interesse público, como os setores de energia, telecomunicações e infraestrutura. Essa transferência à iniciativa privada ocorre por meio da realização de vendas, que costumam acontecer por meio de leilões públicos, venda de ações, deixando o governo como sócio minoritário, ou outros dispositivos previstos na Constituição.

Há quem defenda que o livre mercado predomine, enquanto outros acreditam que o Estado deve atuar em diversos setores econômicos.

<><> Qual a diferença entre privatização e concessão?

O Estado pode utilizar dois mecanismos para transferir a gestão de um ativo público para a iniciativa privada: privatização ou concessão.

Na concessão, há apenas a transferência temporária da gestão a uma empresa privada. O Estado permanece como proprietário e retorna como gestor quando o período de concessão acabar.

Na privatização, essa transferência de gestão é definitiva, e o Estado, na maioria dos casos, não possui mais qualquer influência sobre a empresa.

<><> Como as privatizações podem ocorrer?

A Lei Nº 9.491/1997, que estabelece os procedimentos vigentes hoje no Programa Nacional de Desestatização, prevê que a privatização de uma empresa pública pode ocorrer das seguintes formas:

#Alienação de participação societária

- É quando o Estado vende parte das ações da empresa para a iniciativa privada. Para ter uma privatização total, o Estado deve vender a participação majoritária da companhia por meio de leilões.

# Abertura de capital

- Quando o Estado faz a empresa lançar ações na Bolsa de Valores, permitindo que outros agentes comprem papéis da companhia.

# Aumento de capital

- Se a empresa já for listada na Bolsa, ela poderá emitir novas ações. Nesse processo, o governo não comprará as novas ações. Assim, sua participação na empresa será diluída, ao ponto em que o Estado não terá mais o controle dela.

# Alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações

- Esse modelo pode ser utilizado para que o Estado venda ativos como prédios e terrenos.

# Dissolução de sociedades ou desativação parcial

- Ocorre quando o Estado abre mão da participação em uma chamada "estatal mista" (parte pública e parte privada). Assim, a empresa torna-se apenas privada.

<><> O que diz quem defende as privatizações?

Os defensores das privatizações argumentam, de forma geral, que empresas privadas conseguem ser mais eficientes do que as públicas e não consomem recursos do Orçamento público.

Eles dizem que a passagem do controle à iniciativa privada faz com que o país consiga gastar menos em setores não essenciais, deixando mais espaço para gastos em saúde e educação. Há também a ressalva de que a privatização tem de ser acompanhada por uma regulação eficiente, para que se evite a formação de um monopólio privado ou uma má prestação de serviços.

<><> O que diz quem é contra as privatizações?

Os argumentos de quem é contrário às privatizações centram-se na capacidade do Estado de ter uma visão de investimentos de longo prazo, tolerando prejuízos em certos períodos da operação, e na atuação em setores em que a iniciativa privada não possui interesse, porque não são lucrativos.

Quem é contra diz que a entrega de empresas à iniciativa privada faz com que o Estado perca a capacidade de investimentos de longo prazo. Outro argumento é de que uma empresa privada não é sempre mais capaz de gerir os recursos do que a pública.

<><> Como foram as privatizações no Brasil?

As privatizações no Brasil avançaram a partir do fim da década de 1980. Na época, o Estado passou pela chamada "reprivatização" pois vendeu companhias que haviam sido absorvidas pelo Estado, na maioria dos casos, em função de dificuldades financeiras.

Já na década de 1990, com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), no governo Fernando Collor de Mello, a privatização tornou-se parte integrante das reformas econômicas.

Segundo o BNDES, nessa época, "a magnitude e o escopo da privatização foram significativamente ampliados". "A venda da Usiminas, por exemplo, em outubro de 1991, permitiu a arrecadação de mais que o dobro do obtido na década de 80", informou o banco, em nota.

No governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), intensifica-se o processo de transferência de empresas públicas ao setor privado, quando ocorrem algumas das mais famosas e polêmicas privatizações.

A então estatal Vale do Rio Doce foi vendida em leilão para um consórcio de investidores. Também foram privatizados vários bancos estaduais e começou o processo de privatização do setor de telecomunicações, com a venda de empresas como a Telesp para a espanhola Telefónica, por exemplo.

Nos anos após o governo FHC, o Estado passou a focar mais em concessões de ativos públicos, como estradas federais, do que em vender grandes empresas estatais.

 

Fonte: Fórum/UOL

 

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