quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Boom de minerais críticos atrai bilhões de dólares, mas ignora meio ambiente e direitos humanos

A DEMANDA POR MINERAIS CRÍTICOS deve disparar nas próximas décadas, com investimentos estimados na casa do trilhão de dólares. Contudo, governos e empresas ainda não firmaram compromissos robustos para limitar os impactos da mineração sobre comunidades e florestas. Para especialistas, não há transição energética “justa” se as consequências negativas dessa corrida forem ignoradas.

Minerais como lítio e terras raras são considerados peças-chave da transição energética por seus usos na produção de baterias e ímãs de alta potência. Se por um lado são fundamentais para uma economia menos dependente de combustíveis fósseis, por outro a exploração intensiva pode provocar novos impactos ao meio ambiente e aos direitos humanos.

“Há uma narrativa sendo construída em torno do setor mineral, para vendê-lo como o motor da transição energética. As tecnologias são mais limpas, mas não são limpas em todos os sentidos”, alerta Melissa Marengo, do NRGI (Natural Resource Governance Institute), organização que acompanhou as discussões sobre o assunto na COP30, em Belém.

Durante a Conferência anual da ONU sobre Mudanças Climáticas, alguns países se esforçaram para que as preocupações socioambientais fossem contempladas na declaração final do evento. No entanto, o tema “lamentavelmente” não apareceu no documento, critica Marengo.

“Para que uma transição seja chamada de justa, é fundamental discutir como esses minerais são extraídos, em que condições e quais serão os resultados desse aproveitamento. Não podemos falar de transição justa se as consequências negativas são invisibilizadas”, afirma a representante do NRGI.

<><> Painel da ONU pede mineração responsável, mas recomendações seguem ignoradas

A Agência Internacional de Energia projeta um crescimento vultoso da demanda pelos chamados “minerais estratégicos”. A procura por lítio, por exemplo, deve aumentar cinco vezes até 2040. Já a demanda por grafite e níquel deve dobrar no mesmo período.

Em razão desse boom, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, convocou no passado um painel de alto nível de especialistas para discutir os minerais críticos para a transição energética. “Um mundo movido a energias renováveis é um mundo ávido por minerais críticos”, disse ele no lançamento, em abril de 2024.

“Para os países em desenvolvimento, os minerais críticos representam uma oportunidade crucial — para criar empregos, diversificar as economias e aumentar drasticamente as receitas. Mas somente se forem geridos adequadamente. A corrida para emissões líquidas zero não pode atropelar os pobres”, afirmou na ocasião.

Em setembro de 2024, o grupo apresentou um relatório, elaborado com a participação do setor industrial, propondo sete princípios para a extração mineral voltada à transição energética, incluindo: mais transparência na cadeia de suprimentos; medidas de mitigação de impactos; e reconhecimento dos direitos de povos indígenas.

Durante a COP em Belém, foi feita uma articulação para garantir que os impactos fossem considerados pelos países. Uma proposta dos Emirados Árabes Unidos sugeriu reconhecer no texto final da conferência “os riscos sociais e ambientais associados à ampliação das cadeias de suprimento de tecnologias de energia limpa, inclusive os riscos decorrentes da extração e do processamento de minerais críticos”. Contudo, não houve consenso entre os diplomatas e o trecho caiu.

Para Bruno Milanez, pesquisador da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), a exclusão enfraquece o debate sobre transição energética justa. “Entre os compromissos para uma transição energética justa, a mineração e seus impactos têm que entrar juntos”. Incorporar o tema da mineração no texto final “exigiria uma preocupação maior com os impactos ambientais e sociais da extração mineral”, explica.

<><> Setor privado admite necessidade de mais compromissos

Na COP30, o setor privado enviou um representante que concorda que as mineradoras deveriam assumir mais compromissos socioambientais. “[A mineração] precisa ser responsável, ou não pode ser feita”, disse à Repórter Brasil John Lindberg, gerente sênior de Políticas Públicas e Relações Governamentais do ICMM (International Council on Mining and Metals).

O ICMM reúne algumas das maiores mineradoras do mundo, como a Vale, BHP, Alcoa e Anglo Gold Ashanti, compondo “um terço da indústria global de metais e mineração”, segundo o site da organização. A instituição foi a voz do setor privado no painel da ONU sobre minerais críticos para a transição energética.

Lindberg alerta que a corrida global por minerais essenciais à transição energética não pode servir de justificativa para avançar sobre territórios sem garantias de responsabilidade socioambiental. Para ele, a criação de um padrão global de mineração responsável é a única forma de assegurar que o aumento da demanda por cobre, níquel, lítio e outros minerais críticos não venha acompanhado de violações ambientais e conflitos com comunidades. “Precisa ser assim, senão não podemos falar sobre uma transição justa”, disse. Contudo, ainda não há um padrão acordado entre governos e empresas.

<><> Brasil se firma como ‘estrela’ dos minerais críticos, mas corre riscos pela falta de compromissos

No Brasil, a corrida pelos minerais críticos ganha força. Levantamento da Repórter Brasil identificou mais de 7.700 requerimentos de exploração de minerais críticos na Amazônia Legal. Uma parte deles está muito próxima ou mesmo dentro de áreas de preservação ou ocupadas por comunidades tradicionais.

“Viemos do outro lado do mundo. Fomos atraídos para o Brasil, que tem uma jurisdição mineral e recursos incríveis”, disse Dale Henderson, diretor da empresa australiana PLS, que atua na mineração de lítio em Minas Gerais. Ele esteve ao lado de representantes do IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração), em uma mesa sobre compromissos do setor mineral na Zona Azul.

“Não vejo a transição [energética] ocorrendo sem a mineração”, disse Anderson Baranov, CEO da Norsk Hydro, em outra atividade no espaço oficial de negociações da COP.

“Na próxima década, precisamos multiplicar por cinco o tamanho total dos investimentos em minerais. O Brasil é uma potência industrial”, afirmou Demetrios Papathanasiou, diretor global do Departamento de Energia e Extrativismo do Banco Mundial, em uma mesa sobre minerais críticos e cooperação internacional, realizada no Pavilhão do Brasil na Zona Azul.

A expectativa é grande e vem acompanhada de planos bilionários. Segundo a Agência Internacional de Energia, serão necessários cerca de 800 bilhões de dólares (R$ 4,5 trilhões na cotação atual) em mineração até 2040 para manter o mundo em um cenário compatível com a meta de 1,5 ºC.

Um representante do setor financeiro apresentou números mais otimistas na COP. Marcelo Marangon, presidente do banco Citi Brasil, fez coro ao representante do Banco Mundial e disse que “a mineração vai demandar 1,7 trilhão de dólares (R$ 9,69 trilhões)” nos próximos dez anos. “A mineração em geral, e especialmente a de minerais críticos, exige investimentos enormes. É importante que os bancos apoiem esses projetos”, acrescentou.

Marengo, do NRGI, teme que esse cenário tenda a aumentar a pressão sobre territórios e populações vulneráveis. “O aumento da demanda resultará em uma pressão cada vez mais forte e, quanto mais forte a pressão, menor será a capacidade dos países de proteger e salvaguardar adequadamente sua população”, alerta.

•        Inspiradas no ‘agro é pop’, Vale e Hydro promovem ‘mineração é top’

O setor de mineração aproveitou a COP30 para promover suas operações não só como “sustentáveis”, mas também como “essenciais” para a transição energética. Comunidades e organizações sociais alertam, no entanto, para os riscos da exploração dos chamados minerais críticos, que já tem causado impactos no Brasil afora.

“Não vejo a transição [energética] ocorrendo sem a mineração”, cravou Anderson Baranov, CEO da Norsk Hydro, no primeiro dia da COP30, em Belém.

A animação diante do potencial brasileiro de minerais críticos contagiou as mesas da Zona Azul, a área das negociações oficiais da Conferência do Clima da ONU.

“Muito se falou que o agro é pop, mas a mineração é top. Está no topo das discussões que estão acontecendo”, continuou Baranov.

A Hydro opera em Barcarena (PA) a refinaria Alunorte, uma das maiores de extração de alumínio no mundo. O elemento integra uma lista de minerais considerados estratégicos para as indústrias tecnológica e bélica, assim como lítio, cobre, terras raras, entre outros.

Esses minérios são a base de componentes como baterias, painéis solares e veículos elétricos, fundamentais para a transição energética por reduzirem a dependência de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural), um dos principais responsáveis pelo efeito estufa.

“A mineração é top, com certeza absoluta”, concordou Marco Braga, vice-presidente do Projeto Novo Carajás, da Vale. Ambos participaram de um painel promovido pela FIEPA, a Federação das Indústrias do Estado do Pará, na segunda-feira (10) na Blue Zone.

Maior mineradora do país, a Vale aposta na expansão da mineração de cobre na região de Carajás, no Pará. “À medida que você vai eletrificando o mundo, [tendo] mais datacenters, você precisa de mais eletricidade, de mais cobre”, afirmou Braga, durante o painel.

Por serem considerados “estratégicos” pelo governo federal, os projetos de exploração desses minérios tendem a ganhar incentivos do poder público, tanto do ponto de vista financeiro como no âmbito do licenciamento ambiental.

É o que acontece no Pará, onde esses projetos vêm recebendo tratamento prioritário durante o licenciamento na Semas (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará). “[A secretaria] prioriza internamente aquele [projeto] que traz o componente mineral estratégico, que serve inclusive para a transição energética”, contou à Repórter Brasil o secretário adjunto do órgão, Rodolpho Zahluth Bastos.

<><> Repaginada da mineração deixa impactos socioambientais em 2º plano

Até o momento, porém, as comunidades que vivem no entorno dos projetos de mineração vêm ficando de fora dos debates promovidos pela indústria na COP30.

“Os povos indígenas continuam sem voz nas negociações”, critica Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Apesar da participação recorde de indígenas na cúpula da ONU, ele lamenta a falta de representatividade nas discussões oficiais. “Somos apenas citados. Quem tem voz são os representantes dos países, os diplomatas”, afirma.

“O que é ocultado são as consequências socioambientais e territoriais desses megaprojetos de infraestrutura de mineração nos territórios”, avalia Elisangela Soldatelli, coordenadora do Programa Latino-americano de Clima e Energia da Fundação Rosa Luxemburgo.

Levantamento da Repórter Brasil identificou mais de 7.700 requerimentos de exploração de minerais críticos na Amazônia Legal. Uma parte deles está muito próxima ou mesmo dentro de áreas de preservação ou ocupadas por territórios tradicionais.

É o caso de um pedido minerário da empresa Brasmet, que ganhou aval da ANM (Agência Nacional da Mineração) para explorar terras raras dentro dos quilombos Kalunga do Mimoso (Tocantins) e Kalunga (Goiás). A Justiça Federal ordenou a paralisação de todos os processos que afetam a porção goiana do território.

A pesquisadora da Fundação Rosa Luxemburgo cita também como exemplo as operações de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Movimentos sociais dizem que moneradoras na região violam direitos das comunidades e infringem a legislação ambiental.

Em Barcarena, a Hydro já foi denunciada por comunidades por suposta contaminação de afluentes do rio Amazonas. Em 2025, a Justiça holandesa iniciou o julgamento de uma ação movida pela Associação Cainquiama, que representa cerca de 11 mil moradores de Barcarena e Abaetetuba, por contaminação e violação de direitos humanos. A Justiça holandesa, no entanto, rejeitou as reclamações.

Já a Vale é alvo de uma ação civil pública do MPF (Ministério Público Federal) pela contaminação por metais pesados dos indígenas Xikrin da Terra Indígena Xikrin do Cateté, no sudeste paraense. O MPF sustenta que o problema teria sido causado pela mina de níquel Onça Puma, administrada por uma subsidiária da Vale na região da Serra dos Carajás, e licenciada pelo governo estadual. O níquel é outro mineral considerado essencial à transição energética. A Vale nega a relação de suas operações com a contaminação do rio Cateté e afirma que o tema já foi “amplamente analisado” pela Vara Federal de Redenção (PA).

“O próprio termo ‘transição energética’ vem sendo apropriado por parte dessas empresas de mineração como se fosse equivalente à ‘transição energética justa’, um termo que já vinha sendo usado por organizações, num marco que a gente considera também  como maquiagem verde”, continua Soldatelli.

 

Fonte: Repórter Brasil

 

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