terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Gustavo Tapioca: O roteiro neofascista contra o STF - é assim que as democracias morrem

Da Hungria à Polônia, da Venezuela a El Salvador, a extrema-direita global segue o manual dos autocratas do século XXI: capturar, intimidar ou destruir as supremas cortes. No Brasil, o ataque ao STF não é debate jurídico — é a linha de frente de um projeto neofascista que quer reescrever as regras do país de cima para baixo.

<><> O mundo já viu esse filme — e ele sempre termina mal

A escalada internacional da extrema-direita não é um fenômeno isolado. É a reorganização global de um neofascismo adaptado ao século XXI, higienizado, conectado às redes sociais, embalado por discursos moralistas e travestido de “reformas administrativas”. Seu objetivo é antigo: desmontar os limites institucionais ao poder absoluto. E nenhum limite é mais incômodo para um projeto autoritário do que as cortes constitucionais.

Na Hungria, Polônia, Venezuela, El Salvador, por exemplo, quatro geografias distintas, quatro culturas políticas diversas, quatro democracias que colapsaram por caminhos diferentes — mas todas começaram pelo mesmo ponto:

  • Atacar o Judiciário
  • Deslegitimar o Judiciário
  • Capturar o Judiciário
  • E então governar sem oposição.

O Brasil de hoje está, perigosamente, dentro dessa gramática.

<><> O laboratório húngaro: onde nasceu o autoritarismo 2.0

Quando Viktor Orbán voltou ao poder em 2010, fez exatamente o que estudiosos como Levitsky e Ziblatt descrevem em Como as Democracias Morrem: o autocrata do século XXI captura instituições de dentro, sem golpes clássicos, sem rupturas explícitas, sem rasgar a Constituição.

O Tribunal Constitucional húngaro foi o primeiro alvo. Reduziram suas competências, aumentaram cadeiras, nomearam aliados, criaram barreiras para revisar leis. O Judiciário virou adereço. A democracia virou fachada.

Orbán inventou o que hoje chamamos de autoritarismo de baixa intensidade: eleições continuam, mas árbitros desaparecem. É o sonho da extrema-direita brasileira. Porque, aqui também, o discurso é o mesmo: “O STF se intromete demais”, “precisa de limite”, “precisa de reforma”, “precisa de mais ministros”, “precisa de menos”. O conteúdo muda; a intenção é idêntica: abrir brechas para capturar o Supremo.

<><> Polônia: o ataque silencioso disfarçado de tecnicismo

O PiS polonês fez ainda pior: anulou indicações do Parlamento anterior, paralisou o Tribunal Constitucional com quóruns impossíveis, alterou regras internas até transformar o tribunal em peça decorativa. Nada disso soou como golpe. Tudo foi aprovado por lei, transmitido pela TV, legitimado por uma retórica moralizante.

É o que Levitsky e Ziblatt chamam de autocratização legal: o uso da própria legalidade para corroer os pilares da democracia. No Brasil, o movimento é semelhante. Sob o pretexto de “equilibrar poderes”, “rever decisões monocráticas” ou “atualizar o modelo”, setores extremistas tentam mudar por dentro o funcionamento do STF, com o claro objetivo de alterar sua composição e seu poder de contenção.

<><> Venezuela: quando mudar cadeiras muda o país

Em 2004, Chávez ampliou o número de ministros da Suprema Corte e nomeou aliados. Foi o golpe técnico perfeito: não precisava fechar o Congresso, nem censurar jornais — bastava transformar a Corte em instrumento de obediência.

Quando um governo controla o tribunal constitucional, controla:

  • o sentido da lei,
  • o alcance da Constituição,
  • e a própria definição de democracia.

É por isso que cada vez que, no Brasil, alguém propõe aumentar ou reduzir o número de ministros do STF, devemos perguntar: quem ganha com isso? E para quê? Porque essa história, lá, acabou com a captura total do Estado.

<><> El Salvador: o autogolpe sem tanques e sem ruído

Bukele mostrou ao mundo a versão TikTok do autoritarismo: em 1º de maio de 2021, sua base legislativa destituiu cinco juízes da Sala Constitucional, ao vivo, sem debate, sem processo. Bastou uma sessão. Nenhum tiro. Nenhuma marcha militar. Apenas a destruição de um poder que modera.

Desde então, Bukele governa sem oposição judicial — e vende ao mundo a fantasia de um “autoritarismo eficiente”. É essa estética sedutora do “líder providencial” que a extrema-direita brasileira tenta imitar: militarizada, messiânica, higienizada, instagramável. Mas, para isso funcionar, é preciso eliminar o obstáculo: o STF.

<><> A teoria é clara: o Judiciário é o primeiro alvo do fascismo

Jason Stanley, em How Fascism Works, ensina que o fascismo moderno precisa destruir os locais onde ainda existe verdade verificável: imprensa, universidades, ciência e cortes constitucionais. Cortes são o último espaço institucional onde fatos ainda têm força — onde propaganda não vence evidências. Por isso, o fascismo, ontem e hoje, precisa deslegitimá-las. Quando não consegue deslegitimar, tenta capturar. Quando não consegue capturar, tenta destruir.

Levitsky e Ziblatt afirmam que líderes autoritários seguem três passos:

  1. rejeitam regras democráticas,
  2. toleram a violência política,
  3. perseguem opositores e buscam restringir direitos civis.

Só conseguem executar o passo 3 — e avançar para o 4, o domínio total — quando o Judiciário é neutralizado. É o que vemos no mundo inteiro. É o que vemos no Brasil.

<><> O Brasil no espelho: o STF virou alvo porque funciona

A extrema-direita brasileira sabe que:

  • foi o STF que manteve o país de pé durante a tentativa golpista,
  • foi o STF que desmantelou a milícia digital,
  • foi o STF que garantiu eleições limpas,
  • foi o STF que impediu rupturas institucionais em 2022–2023,
  • foi o STF que enquadrou generais, financiadores, agitadores e articuladores de ataques à República.

É por isso que o STF virou o inimigo público número um do neofascismo brasileiro. Não porque erra. Mas porque acerta onde mais dói. E porque, enquanto existir, impede que o projeto neofascista cumpra sua etapa final: a captura total do Estado, seguida da legitimação jurídica da exceção permanente.

<><> A escolha diante de nós: travar a porta ou deixá-la escancarar

O Brasil está num ponto crítico entre repetir o roteiro da Hungria, Polônia, Venezuela e El Salvador — ou interrompê-lo de vez. A campanha diária contra o STF não é ruído político: é o campo de batalha central do projeto autoritário brasileiro. Sua força não está apenas no discurso — mas em manobras legislativas, PECs oportunistas, pressões institucionais, tentativas de deslegitimar ministros, intimidação política e propostas que parecem técnicas, mas são golpes por dentro. A democracia não morre quando o tanque avança. Morre quando a sociedade acha normal enfraquecer sua Suprema Corte.

O STF não é um fim em si mesmo. É o mecanismo que impede que o Brasil amanheça, um dia, sob a lógica do líder absoluto, da verdade única, do inimigo interno, da violência autorizada — pilares do neofascismo global. Proteger o STF não é proteger ministros. É proteger o futuro do país.

¨      Gilmar repete Brizola e defende a legalidade. Por Cesar Fonseca

Ao dar um tranco constitucional no Congresso conservador dominado pela direita e ultradireita golpista articuladas para abrir processo de impeachment contra Lula, inviabilizando sua quarta candidatura em 2026, o decano do Supremo Tribunal Federal(STF), Gilmar Mendes, foi pragmático: agiu como ex-governador nacionalista, Leonel Brizola, a favor da Legalidade, ameaçada pela cúpula do Legislativo.

Foi, na verdade, um casuísmo legalista gilmarmendesiano como antítese ao casuísmo golpista alcolumbriano-hugomottiano; o presidente Lula ficou/está quieto, aparentemente, como animal político, deixando Legislativo e Judiciário brigarem; sentiu que Gilmar está a seu favor - ou foi jogo combinado -, pela Legalidade, alinhado ao presidencialismo constitucional, que o senador Davi Alcolumbre(UB-AM) e o deputado Hugo Motta(Republicanos-AL) detonaram, com o semipresidencialismo inconstitucional, para tentar melar a governabilidade lulista; o jogo ainda não terminou.

O enredo do episódio das emendas parlamentares impositivas, como todo mundo manja, está na origem de tudo: é golpe político do Congresso reacionário majoritário contra o Executivo progressista minoritário; é o aborto antidemocrático civilista; Lula, no meio dos golpistas, está de pés e mãos amarrrados, mas não quebrados; se tentar ir para o confronto, dança, como as últimas votações, no Legislativo, comprovaram; o STF está em campo, sintonizado, constitucionalmente, com o Executivo, sabendo que este está sendo golpeado por aquele: semipresidencialismo inconstitucional – aliado à Faria Lima e ao Banco Central Independente(de araque) – para barrar a governabilidade progressista lulista, expressa no presidencialismo constitucional.

O STF, como guardião da Constituição, sabe que Lula está certo e que o papel da Suprema Corte é preservar a constitucionalidade, a democracia, vulgarizada pelo semipresidencialismo golpista; o golpismo bolsonarista, que está na cadeia, salve!, salve!, prova qual o lado está certo; a justiça brasileira, nesse momento, é aplaudida, mundialmente, pela sua postura em salvar o processo democrático; o ministro Alexandre de Moraes, pelo seu protagonismo, foi escolhido pelo Financial Times personalidade do ano; Lula exercitou protagonismo internacional magistral; Gilmar Mendes tem consciência de que os golpistas estão no Legislativo, para impor as emendas impositivas inconstitucionais, de modo a impedir avanço democrático, cercar Lula, para não atravessar 2026 e chegar ao Rubicão do quarto mandato, dando o golpe do impeachment; é um jogo que está sendo jogado, ainda sem vencedores.

Por isso, o decano agiu, deflagrando o anti-golpe, o anti impeachment; determinou que impeachment só com despacho da Procuradoria Geral; protege, dessa forma, não só o presidente, mas, principalmente, o STF, que conduz, constitucionalmente, o impeachment.

<><> CASUÍSMO!

Gilmar Mendes antecipou-se ao Legislativo, aplicando medicina homeopática contra a alopatia golpista: veneno de cobra contra veneno de cobra!

A luta política que está por trás da indicação do Procurador Geral da República, pernambucano, Jorge Messias, escolhido por Lula, para assumir vaga no STF, é isso aí: evitar que o candidato de Alcolumbre, o senador  Rodrigo Pacheco(PSD-MG), nascido em Porto Velho(Rondônia), seja indicado para o Supremo, a fim de fortalecer corrente de juízes para dar livre curso às emendas legislativas impositivas inconstitucionais semipresidencialistas, sob análise política da Suprema Corte; seria a receita para enforcar o presidencialismo constitucional  capaz de matar politicamente Lula, favorito nas pesquisas para faturar 2026.

<><> REPETECO HISTÓRICO

O governador Brizola(PTB-RS), nacionalista-trabalhista-getulista,  em 1961, sentindo cheiro de sangue dos militares golpistas, que não queriam deixar Jango Goulart tomar posse, quando retornava de visita à China para substituir Jânio Quadros, que havia renunciado, ocupou rádio gaúcha e proclamou resistência democrática republicana para defender a Legalidade; heroísmo histórico brizolista; teve o apoio do Terceiro Exército, pressionado pela opinião pública, que estava em armas; os brucutus de farda, apoiados por Washington/UDN, recuaram, e a democracia venceu, naquele instante dramático.

Mutatis mutandis, neste momento, 2025, os brucutus do Congresso, a fonte do golpe de direita e ultradireita fascista bolsonarista, tinham armado o bote: tentar impeachment nos juízes e em Lula; Gilmar Brizola, em lance de audácia calculado, macaco velho, antecipou e deu o seu bote primeiro, afogando o bolsonarismo golpista parlamentar.

<><> O perigo está totalmente afastado?

Talvez, não, mas os golpistas estão acuados porque, desta vez, têm que enfrentar eleição, as ruas, às urnas, onde o povão, segundo pesquisas de opinião, indica Lula favorito; a fragilidade essencial da direita e da ultra direita fascista está no fato de não possuírem programa político-econômico-social, salvo o neoliberalismo impopular, que não deixa o país crescer, sustentavelmente; a sociedade parece vacinada contra a aventura bolsonarista fascista de 2018-2022; terão os antidemocratas, com o golpe civil que ensaiaram em 2023, o apoio dos quartéis, em 2026, eles que sempre foram lá, quando precisaram, pedir para derrubar a Legalidade?

Parece inverossímil, nessa altura do campeonato, depois do processo que acaba de ser concluído pelo STF, mandando os golpistas de 8 de janeiro de 2023 para a cadeia; o golpe está derrotado, aparentemente e legalmente; Gilmar, de caso pensado, porque é um gênio da jurisprudência conservadora, conseguiu o que Brizola alcançou, espetacularmente: assustar e paralisar, pelo medo, mais uma tentativa golpista civil, neste triste, mas vibrante Brasil democrático, desta vez, sem o apoio da farda.

O STF mostra, de fato e de direito, ser o guardião da democracia brasileira, até segunda ordem, porque a história do golpismo tupiniquim pode ter muito gás para seguir em frente, nesses novos tempos trumpistas de ameaça de uma direita mundial em crise na debacle capitalista.

Lula, por enquanto, tem Donald Trump, ao seu lado, a arma que o bolsonarismo pensou que havia conquistado, como triunfo.

Até quando, ninguém sabe.

 

Fonte: Brasil 247

 

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