Como
'ativar' a gordura marrom, que ajuda a queimar calorias e emagrecer
Com a
chegada das noites mais longas, a queda das folhas e a geada cobrindo o mundo
exterior nessa época do ano no Hemisfério Norte, muitos são tentados a aumentar
o termostato.
Ao sair
de casa, vestem cachecol e gorro, e sobrepõem camadas de roupa para se aquecer.
No
entanto, sentir frio e desconforto pode ser a chave para melhorar a saúde e até
perder peso.
A razão
está em um tipo especial de gordura chamado gordura marrom.
Diferentemente
da gordura branca, que se acumula nas coxas, cintura e quadris, a gordura
marrom queima calorias e as transforma em calor quando o corpo enfrenta o frio.
Alguns
especialistas acreditam que, se ativada corretamente, poderia ajudar na perda
de peso.
Teoricamente,
basta tomar um banho frio ou consumir alimentos picantes e cafeína para
ativá-la.
Mas
antes de se jogar em um lago gelado ou tomar a quarta xícara de café, vale
analisar se o interesse em torno da gordura marrom realmente faz sentido.
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Como a gordura marrom é diferente?
Ao
nascer, todos temos reservas abundantes de gordura marrom, que funcionam como
um aquecedor interno. Bebês não têm massa muscular suficiente para tremer, por
isso dependem da gordura marrom para converter açúcares e gorduras em calor.
As
células de gordura marrom têm um número muito alto de mitocôndrias — as
fábricas de energia dentro das células. Mas, ao contrário das mitocôndrias
normais, que produzem trifosfato de adenosina (ATP) — a moeda energética usada
pelo corpo —, as mitocôndrias das células de gordura marrom contêm uma proteína
chamada termogenina, ou UCP1, que transforma calorias diretamente em calor.
"Quando
estimulada, a gordura marrom tem capacidade de produzir 300 vezes mais calor
por unidade de massa do que qualquer outro tecido ou órgão do corpo",
afirma Michael Symonds, professor de fisiologia do desenvolvimento da
Universidade de Nottingham, no Reino Unido.
Grande
parte do que se sabe sobre a gordura marrom vem de estudos com pequenos
mamíferos, como camundongos e ratos. Esses roedores têm grandes reservas da
gordura, que os mantêm aquecidos durante o inverno, período em que hibernam.
"Para
nossos ancestrais, ou para pequenos animais como camundongos, o frio era uma
ameaça à sobrevivência, então era vantajoso ter uma gordura capaz de
transformar energia em calor", diz Paul Cohen, professor associado da The
Rockefeller University, em Nova York (EUA), especialista em metabolismo
molecular.
Décadas
de pesquisas mostram que, pelo menos em ratos, a gordura marrom consome
açúcares e gorduras presentes na corrente sanguínea. Ela também parece proteger
os animais da obesidade e de doenças metabólicas relacionadas ao peso, como
diabetes e problemas cardíacos.
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Gordura marrom em adultos
Os
seres humanos adultos, no entanto, encontraram outras formas de se aquecer —
ligando o aquecimento, se enrolando em cobertores grossos ou usando casacos
mais quentes. Por isso, se acreditava que a gordura marrom praticamente
desaparecia após a puberdade, sendo substituída pela gordura branca que se
acumula em coxas e com a qual estamos todos familiarizados.
Isso
levou muitos cientistas a concluir que a gordura marrom não teria papel
relevante na saúde além da infância. Essa percepção mudou em 2009, quando
pesquisadores da Finlândia e da Suécia mostraram que adultos ainda possuem
gordura marrom e que, em temperaturas abaixo de 16 ºC, ela se ativa, começando
a absorver glicose e gorduras da corrente sanguínea.
Além
disso, houve uma correlação clara entre o peso corporal e as reservas de
gordura marrom: indivíduos mais magros tinham mais, enquanto pessoas com
obesidade tinham menos. Quem possuía mais gordura marrom também apresentava
taxas metabólicas mais altas no frio, sugerindo que a gordura marrom poderia
ser um alvo no tratamento da obesidade.
O campo
ganhou impulso em 2021 com um estudo de Cohen e colegas da Universidade
Rockefeller. A equipe analisou exames de tomografia por emissão de pósitrons
(PET, na sigla em inglês) de mais de 52 mil pessoas. Comparando indivíduos sem
gordura marrom detectável com aqueles que tinham gordura marrom, os
pesquisadores constataram que taxas de diabetes tipo 2, doenças cardíacas, AVC
e hipertensão eram muito menos comuns entre quem tinha gordura marrom.
Eles
também descobriram que pessoas mais magras tinham maior probabilidade de
apresentar tecido adiposo marrom do que indivíduos obesos.
Além
disso, pessoas com maiores reservas de gordura marrom apresentavam níveis mais
baixos de glicose e triglicerídeos na corrente sanguínea, melhor sensibilidade
à insulina e maior quantidade do chamado colesterol "bom", a
lipoproteína de alta densidade (HDL), todos sinais de metabolismo saudável.
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Gordura marrom pode ajudar a perder peso?
Ainda
não está claro se a gordura marrom é responsável pelos benefícios à saúde
observados. Na prática, nossos corpos são grandes demais e contêm pouca gordura
marrom para queimar gordura branca em quantidade capaz de reduzir
significativamente o peso. A maioria dos adultos possui apenas entre 0,02g e
300g, ou menos de 0,5% da massa corporal total.
"Enquanto
a gordura branca tem capacidade quase ilimitada de expansão — há pessoas com
mais de 100kg de gordura branca —, a gordura marrom provavelmente não passa de
algumas centenas de gramas", diz Cohen, da Universidade Rockefeller.
No
entanto, mesmo que a gordura marrom não ajude a reduzir o peso, ela ainda pode
trazer benefícios à saúde. Ela pode melhorar a saúde metabólica — a capacidade
do corpo de processar e usar energia proveniente dos alimentos de forma
eficiente, por exemplo. Pessoas com metabolismo comprometido não conseguem
eliminar a glicose do sangue rapidamente, aumentando o risco de diabetes tipo
2. A gordura marrom pode agir absorvendo glicose da corrente sanguínea ou
secretando hormônios que regulam a sensibilidade à insulina.
"Em
termos de gasto energético total do corpo, ela [a gordura marrom] provavelmente
não desempenha um papel tão grande em humanos quanto em camundongos", diz
Cohen. "Portanto, minha impressão pessoal, com base nos dados, é que a
ativação da gordura marrom não será um bom método para tratar a obesidade ou
perder quantidades significativas de peso."
"Os
dados, porém, indicam que ativar a gordura marrom pode reduzir a glicose e
melhorar a saúde metabólica. Assim, acredito que, se houver um potencial
terapêutico, ele será mais relevante para tratar complicações da obesidade e do
envelhecimento do que para tratar a obesidade em si."
Mas
como ativar a gordura marrom e aproveitar os "superpoderes" que ela
pode ou não oferecer? Uma forma é se expor ao frio, por mais desconfortável que
seja. Pense em banhos de gelo, natação em águas frias ou câmaras de crioterapia
— um equipamento que submete o corpo a temperaturas extremamente baixas por 1 a
3 minutos para promover bem-estar e recuperação. O choque térmico dispara a
resposta de luta ou fuga, liberando noradrenalina, que se liga às células de
gordura marrom e as "ativa".
Susanna
Søberg, cientista metabólica e fundadora do Søberg Institute, na Dinamarca,
estudou os efeitos da natação em água gelada. Em um estudo, sua equipe comparou
homens que mergulham regularmente em lagos escandinavos durante o inverno com
outros que não praticam o hábito.
Os
participantes receberam um copo de água com açúcar e, duas horas depois,
tiveram seus níveis de glicose e insulina medidos. Os nadadores de água fria
eliminaram a glicose do sangue mais rapidamente e apresentaram melhor
sensibilidade à insulina. A pesquisa mostrou que apenas alguns minutos de
exposição a temperaturas congelantes, duas a três vezes por semana, eram
suficientes para ativar a gordura marrom, melhorar a sensibilidade à insulina e
reduzir o estresse.
No
entanto, é possível que os nadadores também pratiquem natação ou exercícios em
geral, o que poderia explicar sua melhor saúde.
O grupo
de Cohen também investiga se efeitos semelhantes ocorrem com pessoas que nadam
nos lagos congelados de Minneapolis, Minnesota (EUA), durante o inverno.
"No inverno, faz tanto frio que os lagos congelam, então eles [os
nadadores] frequentemente precisam abrir um buraco no gelo para entrar",
diz Cohen.
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Como aumentar os níveis de gordura marrom
Pesquisas
indicam que temperaturas frias, mas não extremas, podem produzir efeitos
semelhantes aos observados em exposições mais intensas.
Em um
estudo de 2014, cinco homens saudáveis dormiram por um mês em um quarto
aquecido a 19ºC, usando apenas roupas e lençóis finos de hospital.
Ao
final do período, o volume de gordura marrom aumentou 42%, e a resistência à
insulina, um indicador importante de saúde, também melhorou. Porém, quando os
pesquisadores elevaram o termostato para 24ºC, a gordura marrom desapareceu
novamente.
Em
2013, pesquisadores da Holanda submeteram 17 adultos saudáveis a temperaturas
de 15-16ºC por seis horas ao dia. Dez dias foram suficientes para aumentar a
atividade da gordura marrom, reduzir tremores e elevar a tolerância ao frio.
O grupo
de Cohen investiga atualmente se o uso de um "colete frio" por três
horas diárias pode produzir efeitos semelhantes. "O colete frio se parece
quase com um colete salva-vidas e tem água gelada circulando por dentro",
afirma Cohen. "A ideia não é fazer as pessoas tremerem, mas chegar à
temperatura em que os tremores começam e, depois, aumentar cerca de dois graus
Celsius."
É
possível que reduzir o termostato ou tomar um banho frio também melhore a saúde
de forma semelhante. Um estudo mostrou que viver em um quarto aquecido a
14-15ºC aumentou a sensibilidade à insulina de oito pacientes com diabetes tipo
2. Já um estudo controlado e randomizado na Holanda constatou que pessoas que
tomavam banho frio diariamente tiveram menos dias de afastamento do trabalho, e
apenas 30 segundos sob água gelada já geravam algum benefício.
"Pequenos
estudos sugerem que práticas como tomar banho frio podem ter efeitos benéficos,
embora quem adota esse hábito possa já ser mais saudável", afirma Michael
Symonds, da Universidade de Nottingham. "A maioria das pessoas considera
desafiador tomar banho frio, mesmo que por pouco tempo."
Então,
há outras formas de estimular a gordura marrom sem encarar frio extremo?
Pesquisas
de Symonds sugerem que a cafeína, especialmente a do café, pode ativar a
gordura marrom ao estimular a queima de glicose e a produção de calor. Outros
cientistas, porém, afirmam que seriam necessárias cerca de 100 xícaras de café
por dia para alcançar efeitos significativos; uma quantidade inviável, mesmo
para consumidores assíduos.
A
capsaicina, composto presente em pimentas, também demonstrou ativar a gordura
marrom em camundongos, e há indícios de que o efeito pode ocorrer em humanos.
Em um estudo, dez homens tomaram cápsulas de capsaicina diariamente durante
seis semanas. Ao final do período, aqueles que ingeriram as cápsulas
apresentaram maior ativação da gordura marrom quando expostos ao frio do que no
início do experimento.
A
pergunta, então, é se deveríamos desligar o aquecimento e enfrentar baixas
temperaturas com mais frequência. Possivelmente, embora existam medidas mais
eficazes para melhorar a saúde. Cohen ressalta que manter uma alimentação
saudável para o coração, praticar exercícios regularmente, controlar o
colesterol, a pressão arterial e a glicose, além de se manter próximo do peso
ideal, seguem como prioridades.
Também
é importante consultar um médico antes de tentar a natação em águas geladas,
pois a prática pode não ser segura ou adequada para todos. Symonds acredita que
ativar a gordura marrom pode contribuir para a melhora da saúde e perda de
peso, mas apenas quando associado a outras mudanças no estilo de vida.
"Quando
publicamos nosso estudo sobre os benefícios da cafeína para ativar a gordura
marrom, recebi mensagens de pessoas dizendo: 'Tomo 10 xícaras de café por dia e
ainda tenho problema de peso'", diz Symonds, da Universidade de
Nottingham.
"Não
é que quanto mais cafeína você consumir, maior será a chance de perder peso. A
cafeína é apenas um fator que pode estimular a gordura marrom. Mas, no fim das
contas, trata-se de manter uma alimentação equilibrada, um estilo de vida
saudável, permanecer ativo, evitar longos períodos de sedentarismo e consumir
menos alimentos ultraprocessados."
Fonte:
BBC Future

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