terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Os algoritmos de recomendação

Os algoritmos de recomendação das redes sociais no Brasil têm se tornado uma espécie de “arquiteto invisível” da vida pública. Eles escolhem o que vemos, o que lemos e, em muitos casos, o que acreditamos. Sob a aparência de neutralidade tecnológica, moldam o espaço público digital, delimitando as fronteiras entre a diversidade de informação, a disposição ao diálogo e o próprio acesso ao conhecimento.

O feed que cada usuário recebe é, em última instância, um espelho distorcido de suas preferências e talvez um espelho menos democrático do que gostaríamos de admitir.

De acordo com reportagem de Santini para a revista Veja, sobre “como os algoritmos influenciam o acesso à informação nas redes sociais”, o princípio básico dessas plataformas é simples: manter o usuário engajado pelo máximo de tempo possível. Isso significa que, em vez de promover a pluralidade de ideias, o algoritmo tende a reforçar o que já pensamos, criando bolhas informacionais. O resultado é um cenário em que a divergência se torna incômoda, e o diálogo, um esporte de risco.

A agência BBC, em matéria de Barrett, apontou que o algoritmo das redes sociais age como um “curador emocional”, prioriza conteúdos que despertem emoções fortes, especialmente raiva e indignação, pois são esses que geram mais cliques e compartilhamentos. O problema é que, quando a economia da atenção se baseia na polêmica, o espaço público digital se torna um campo minado. Assim, o que era para ser uma ágora de ideias se converte em uma arena de gladiadores virtuais, onde cada curtida é um golpe e cada comentário, uma espada.

Essa lógica do engajamento tem implicações diretas na democracia. Cortez (2023), em um estudo sobre “Inteligência Artificial, Mudanças Climáticas e Governança Democrática Inovadora”, defende que a inteligência artificial pode ser uma aliada na construção de sociedades mais participativas e eficientes. No entanto, quando usada sem transparência e regulação, ela tende a se tornar um instrumento de concentração de poder e manipulação de comportamento.

No contexto brasileiro, essa ambiguidade é particularmente perigosa: temos um histórico de desigualdade informacional e um apetite coletivo por narrativas simples, uma combinação explosiva quando mediada por algoritmos.

A promessa inicial das redes sociais era democratizar o acesso à informação. E de fato, houve avanços: nunca foi tão fácil publicar uma opinião, gravar um vídeo ou denunciar injustiças. Mas, paradoxalmente, essa mesma tecnologia que ampliou vozes também passou a filtrá-las. A pluralidade foi substituída por uma espécie de personalização excessiva, onde cada um vive em sua bolha de confirmação. A diversidade de informação virou um cardápio sob medida, só que o garçom é um algoritmo que não entende de ética nem de pluralismo.

Tomemos como exemplo a curiosa “guerra dos bonés” que tomou conta do Brasil em 2025. Tudo começou quando, após a adoção do boné vermelho “MAGA” de Donald Trump nos Estados Unidos, ministros do governo Lula apareceram no Congresso com bonés azuis estampando a frase “O Brasil é dos brasileiros”. A reação foi imediata: as redes sociais explodiram em memes, debates, e, claro, compras.

Há quem diga que o Brasil vive uma crise institucional. Outros, mais atentos à moda, afirmam que a verdadeira crise é capilar: uma batalha travada não entre ideologias, mas entre bonés. O que antes era uma simples proteção contra o sol, ou contra um bad hair day, virou, em 2025, o acessório mais inflamado da política nacional. Quem diria que um pedaço de tecido com uma aba poderia virar instrumento de disputa política e cultural?

As plataformas amplificaram o debate, transformando um acessório em símbolo político. O aumento nas vendas dos bonés foi acompanhado por um crescimento expressivo nas menções ao acessório nas redes sociais. Cada postagem reforçava um pertencimento, e cada curtida validava uma posição. A pergunta que fica é: até que ponto essas opiniões foram autênticas e até que ponto foram moldadas pelos algoritmos?

É nesse ponto que a reflexão se torna inevitável: os algoritmos são neutros? Evidentemente, não. Eles são projetados por empresas que têm interesses econômicos e, muitas vezes, políticos. Quando uma plataforma decide o que é “relevante” ou “tendência”, ela não apenas organiza a informação, ela define o que será visto e, portanto, o que existirá socialmente. O invisível, nesse contexto, é quase inexistente. E o que é mostrado, muitas vezes, é apenas o que gera lucro.

O cenário brasileiro adiciona camadas de complexidade. Segundo Santini para a revista Veja, o país é um dos líderes mundiais em consumo de redes sociais e, paradoxalmente, também um dos mais vulneráveis à desinformação. O ambiente digital brasileiro é fértil para polarizações, pois mistura alta conectividade, baixa educação midiática e forte dependência de plataformas estrangeiras. Nesse ecossistema, o algoritmo não apenas recomenda, ele dita o ritmo da conversa pública.

E o diálogo, onde entra nisso tudo? Cada vez mais, parece que as redes sociais transformaram o ato de conversar em uma competição de egos. A disposição ao diálogo se perde quando cada um fala para um público já convertido. Em vez de escutar, respondemos; em vez de ponderar, reagimos. E assim, a democracia se fragiliza, porque a escuta é um de seus pilares. O algoritmo, porém, não está interessado em escuta: ele quer ruído, movimento, cliques.

A situação se agrava quando percebemos que os próprios mecanismos de Inteligência artificial empregados por governos ou empresas privadas não são submetidos a critérios claros de transparência. Como garantir que esses sistemas estejam alinhados com princípios democráticos? Cortez (2023) propõe um caminho: regulação baseada em valores de participação, responsabilização e justiça algorítmica. No Brasil, no entanto, essa discussão ainda engatinha. Falamos muito sobre o potencial da Inteligência artificial, mas pouco sobre seus impactos concretos na cidadania.

Há quem veja nesse cenário um novo tipo de censura, não a censura explícita do Estado, mas a censura algorítmica, sutil e automatizada. O conteúdo não é proibido, apenas deixado de lado, enterrado sob um mar de postagens mais “engajantes”. O silêncio, nesse caso, não é imposto pela força, mas pela lógica do mercado. O resultado é um empobrecimento do debate público, onde ideias complexas perdem espaço para frases de efeito.

Por outro lado, seria injusto demonizar completamente os algoritmos. Eles também podem servir à democracia quando usados de forma ética. A própria IA pode ser empregada para identificar discursos de ódio, ampliar o alcance de informações científicas ou facilitar a participação cidadã em decisões públicas. O desafio está em equilibrar inovação e controle, liberdade e responsabilidade. É o velho dilema do poder: o que fazemos com ele quando o temos nas mãos?

No fundo, a discussão sobre os algoritmos de recomendação é uma discussão sobre quem somos e quem deixamos que nos moldem. Quando abrimos o feed pela manhã, somos recebidos por uma versão cuidadosamente editada do mundo. E, aos poucos, passamos a acreditar que esse mundo é o único que existe. É um processo de alienação suave, quase imperceptível, mas profundo.

Talvez o primeiro passo para resistir a ele seja reconhecer que a tecnologia, sozinha, não é boa nem má. O que define seu impacto é o uso e, sobretudo, a consciência de quem a utiliza.

Voltando à “guerra dos bonés”, talvez o riso seja o nosso melhor antídoto. Rir do absurdo é um ato político. Mas rir também exige distância crítica, e é essa distância que os algoritmos nos tiram quando reduzem tudo a uma disputa de curtidas. O boné azul, o boné vermelho, pouco importa a cor, se o que nos une é a incapacidade de ver além da aba.

Em última instância, o desafio brasileiro diante dos algoritmos é o mesmo da democracia: como garantir pluralidade em meio à fragmentação? Como promover diálogo em um ambiente que recompensa o conflito? A resposta pode estar na educação digital, na regulação transparente e, quem sabe, em uma pitada de autocrítica coletiva. Afinal, o algoritmo só funciona porque nós clicamos. Ele é, em parte, reflexo do nosso desejo de conforto informacional e de nossa preguiça de discordar.

Talvez a verdadeira revolução democrática não venha da tecnologia, mas da reconquista do nosso tempo e da nossa atenção. Enquanto os algoritmos continuarem decidindo o que é relevante, o espaço público seguirá refém da lógica do engajamento. Cabe a nós, cidadãos, escolher entre o conforto da bolha e o desconforto do diálogo. Porque, no fim das contas, a democracia, assim como um bom boné, só funciona quando cabe na cabeça de todos.

 

Fonte: Por Lucas Silva Pamio, em A Terra é Redonda 

 

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