Os
algoritmos de recomendação
Os
algoritmos de recomendação das redes sociais no Brasil têm se tornado uma
espécie de “arquiteto invisível” da vida pública. Eles escolhem o que vemos, o
que lemos e, em muitos casos, o que acreditamos. Sob a aparência de
neutralidade tecnológica, moldam o espaço público digital, delimitando as
fronteiras entre a diversidade de informação, a disposição ao diálogo e o
próprio acesso ao conhecimento.
O feed
que cada usuário recebe é, em última instância, um espelho distorcido de suas
preferências e talvez um espelho menos democrático do que gostaríamos de
admitir.
De
acordo com reportagem de Santini para a revista Veja, sobre “como os algoritmos
influenciam o acesso à informação nas redes sociais”, o princípio básico dessas
plataformas é simples: manter o usuário engajado pelo máximo de tempo possível.
Isso significa que, em vez de promover a pluralidade de ideias, o algoritmo
tende a reforçar o que já pensamos, criando bolhas informacionais. O resultado
é um cenário em que a divergência se torna incômoda, e o diálogo, um esporte de
risco.
A
agência BBC, em matéria de Barrett, apontou que o algoritmo das redes sociais
age como um “curador emocional”, prioriza conteúdos que despertem emoções
fortes, especialmente raiva e indignação, pois são esses que geram mais cliques
e compartilhamentos. O problema é que, quando a economia da atenção se baseia
na polêmica, o espaço público digital se torna um campo minado. Assim, o que
era para ser uma ágora de ideias se converte em uma arena de gladiadores
virtuais, onde cada curtida é um golpe e cada comentário, uma espada.
Essa
lógica do engajamento tem implicações diretas na democracia. Cortez (2023), em
um estudo sobre “Inteligência Artificial, Mudanças Climáticas e Governança
Democrática Inovadora”, defende que a inteligência artificial pode ser uma
aliada na construção de sociedades mais participativas e eficientes. No
entanto, quando usada sem transparência e regulação, ela tende a se tornar um
instrumento de concentração de poder e manipulação de comportamento.
No
contexto brasileiro, essa ambiguidade é particularmente perigosa: temos um
histórico de desigualdade informacional e um apetite coletivo por narrativas
simples, uma combinação explosiva quando mediada por algoritmos.
A
promessa inicial das redes sociais era democratizar o acesso à informação. E de
fato, houve avanços: nunca foi tão fácil publicar uma opinião, gravar um vídeo
ou denunciar injustiças. Mas, paradoxalmente, essa mesma tecnologia que ampliou
vozes também passou a filtrá-las. A pluralidade foi substituída por uma espécie
de personalização excessiva, onde cada um vive em sua bolha de confirmação. A
diversidade de informação virou um cardápio sob medida, só que o garçom é um
algoritmo que não entende de ética nem de pluralismo.
Tomemos
como exemplo a curiosa “guerra dos bonés” que tomou conta do Brasil em 2025.
Tudo começou quando, após a adoção do boné vermelho “MAGA” de Donald Trump nos
Estados Unidos, ministros do governo Lula apareceram no Congresso com bonés
azuis estampando a frase “O Brasil é dos brasileiros”. A reação foi imediata:
as redes sociais explodiram em memes, debates, e, claro, compras.
Há quem
diga que o Brasil vive uma crise institucional. Outros, mais atentos à moda,
afirmam que a verdadeira crise é capilar: uma batalha travada não entre
ideologias, mas entre bonés. O que antes era uma simples proteção contra o sol,
ou contra um bad hair day, virou, em 2025, o acessório mais inflamado da
política nacional. Quem diria que um pedaço de tecido com uma aba poderia virar
instrumento de disputa política e cultural?
As
plataformas amplificaram o debate, transformando um acessório em símbolo
político. O aumento nas vendas dos bonés foi acompanhado por um crescimento
expressivo nas menções ao acessório nas redes sociais. Cada postagem reforçava
um pertencimento, e cada curtida validava uma posição. A pergunta que fica é:
até que ponto essas opiniões foram autênticas e até que ponto foram moldadas
pelos algoritmos?
É nesse
ponto que a reflexão se torna inevitável: os algoritmos são neutros?
Evidentemente, não. Eles são projetados por empresas que têm interesses
econômicos e, muitas vezes, políticos. Quando uma plataforma decide o que é
“relevante” ou “tendência”, ela não apenas organiza a informação, ela define o
que será visto e, portanto, o que existirá socialmente. O invisível, nesse
contexto, é quase inexistente. E o que é mostrado, muitas vezes, é apenas o que
gera lucro.
O
cenário brasileiro adiciona camadas de complexidade. Segundo Santini para a
revista Veja, o país é um dos líderes mundiais em consumo de redes sociais e,
paradoxalmente, também um dos mais vulneráveis à desinformação. O ambiente
digital brasileiro é fértil para polarizações, pois mistura alta conectividade,
baixa educação midiática e forte dependência de plataformas estrangeiras. Nesse
ecossistema, o algoritmo não apenas recomenda, ele dita o ritmo da conversa
pública.
E o
diálogo, onde entra nisso tudo? Cada vez mais, parece que as redes sociais
transformaram o ato de conversar em uma competição de egos. A disposição ao
diálogo se perde quando cada um fala para um público já convertido. Em vez de
escutar, respondemos; em vez de ponderar, reagimos. E assim, a democracia se
fragiliza, porque a escuta é um de seus pilares. O algoritmo, porém, não está
interessado em escuta: ele quer ruído, movimento, cliques.
A
situação se agrava quando percebemos que os próprios mecanismos de Inteligência
artificial empregados por governos ou empresas privadas não são submetidos a
critérios claros de transparência. Como garantir que esses sistemas estejam
alinhados com princípios democráticos? Cortez (2023) propõe um caminho:
regulação baseada em valores de participação, responsabilização e justiça
algorítmica. No Brasil, no entanto, essa discussão ainda engatinha. Falamos
muito sobre o potencial da Inteligência artificial, mas pouco sobre seus
impactos concretos na cidadania.
Há quem
veja nesse cenário um novo tipo de censura, não a censura explícita do Estado,
mas a censura algorítmica, sutil e automatizada. O conteúdo não é proibido,
apenas deixado de lado, enterrado sob um mar de postagens mais “engajantes”. O
silêncio, nesse caso, não é imposto pela força, mas pela lógica do mercado. O
resultado é um empobrecimento do debate público, onde ideias complexas perdem
espaço para frases de efeito.
Por
outro lado, seria injusto demonizar completamente os algoritmos. Eles também
podem servir à democracia quando usados de forma ética. A própria IA pode ser
empregada para identificar discursos de ódio, ampliar o alcance de informações
científicas ou facilitar a participação cidadã em decisões públicas. O desafio
está em equilibrar inovação e controle, liberdade e responsabilidade. É o velho
dilema do poder: o que fazemos com ele quando o temos nas mãos?
No
fundo, a discussão sobre os algoritmos de recomendação é uma discussão sobre
quem somos e quem deixamos que nos moldem. Quando abrimos o feed pela manhã,
somos recebidos por uma versão cuidadosamente editada do mundo. E, aos poucos,
passamos a acreditar que esse mundo é o único que existe. É um processo de
alienação suave, quase imperceptível, mas profundo.
Talvez
o primeiro passo para resistir a ele seja reconhecer que a tecnologia, sozinha,
não é boa nem má. O que define seu impacto é o uso e, sobretudo, a consciência
de quem a utiliza.
Voltando
à “guerra dos bonés”, talvez o riso seja o nosso melhor antídoto. Rir do
absurdo é um ato político. Mas rir também exige distância crítica, e é essa
distância que os algoritmos nos tiram quando reduzem tudo a uma disputa de
curtidas. O boné azul, o boné vermelho, pouco importa a cor, se o que nos une é
a incapacidade de ver além da aba.
Em
última instância, o desafio brasileiro diante dos algoritmos é o mesmo da
democracia: como garantir pluralidade em meio à fragmentação? Como promover
diálogo em um ambiente que recompensa o conflito? A resposta pode estar na
educação digital, na regulação transparente e, quem sabe, em uma pitada de
autocrítica coletiva. Afinal, o algoritmo só funciona porque nós clicamos. Ele
é, em parte, reflexo do nosso desejo de conforto informacional e de nossa
preguiça de discordar.
Talvez
a verdadeira revolução democrática não venha da tecnologia, mas da reconquista
do nosso tempo e da nossa atenção. Enquanto os algoritmos continuarem decidindo
o que é relevante, o espaço público seguirá refém da lógica do engajamento.
Cabe a nós, cidadãos, escolher entre o conforto da bolha e o desconforto do
diálogo. Porque, no fim das contas, a democracia, assim como um bom boné, só
funciona quando cabe na cabeça de todos.
Fonte:
Por Lucas Silva Pamio, em A Terra é Redonda

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