Sara
York: Prisão de Bolsonaro - justiça para a esquerda, oportunidade para a
direita
Há
eventos que funcionam como espelhos: revelam menos sobre quem cai e mais sobre
quem assiste.
A
prisão de Jair Bolsonaro — preventiva, legalmente fundamentada, e acompanhada
de uma condenação inédita por tentativa de golpe — tornou-se um desses
espelhos. Para parte expressiva da esquerda, trata-se de justiça; para a
direita, surpreendentemente, trata-se de uma redenção. Não de Bolsonaro, mas da
estrutura simbólica que o sucederá.
O que
se observa, com clareza clínica, é a transformação de um corpo político em mito
familiar. E esse movimento é poderoso — não por sua coerência, mas por sua
função psíquica e mercadológica.
A
justiça como narrativa de restauração (à esquerda)
Para o
campo progressista, a prisão de Bolsonaro marca a reabertura de um pacto com o
princípio republicano:
“A lei
alcança todos, inclusive um ex-presidente.”
Há
alívio, mobilização digital e um sentimento difuso de que, finalmente, aquilo
que parecia impossível no Brasil — responsabilizar um líder autoritário —
tornou-se real. Estamos diante do equivalente político de um “retorno do
recalcado”: um país que adia sua própria justiça acaba, mais cedo ou mais
tarde, reencontrando-a de forma abrupta.
A
psicanálise nos lembra que o desejo de justiça é sempre o desejo de reparação:
reparar o que foi ferido, corrigir o que foi distorcido, nomear o que foi
silenciado.
A
esquerda celebra porque, por um instante, a democracia pareceu possível.
A
prisão como rearranjo narcísico — e mercadológico — da direita
Enquanto
isso, a direita não desaparece — ela se reorganiza.
E o faz
não apesar da prisão, mas graças a ela.
Aqui
opera um mecanismo conhecido na política e na clínica:
Quando
o mito cai, surgem seus herdeiros.
A
família Bolsonaro, antes orbitante, agora entra em cena como protagonista.
Em
marketing, chamamos isso de reposicionamento de marca:
o
“produto original” perde valor, mas o branding permanece tão forte que se
reconverte em linha de produtos derivados.
A
prisão, portanto, desfaz Bolsonaro como líder, mas intensifica o bolsonarismo
como marca familiar.
A
ascensão dos herdeiros: da ex-primeira-dama ao filho caçula
Um
fenômeno digno de estudo é a forma como cada membro da família encontrou
rapidamente seu novo lugar ao sol, como se a queda do patriarca liberasse a
energia necessária para que todos ocupassem, finalmente, posições próprias —
não mais como satélites, mas como porta-vozes.
<><>
Flávio Bolsonaro
Assume
a função de “filho primogênito messiânico” — aquele que herda a missão.
Lança
sua candidatura à Presidência de 2026 com a benção do pai encarcerado.
No
Marketing a leitura é chamada de reposicionamento estratégico.
Na
Psicanálise é identificação narcísica com o ideal do pai caído.
<><>
Michelle Bolsonaro
Após
especulações de candidatura, recua.
Não por
fragilidade, mas porque sua função simbólica se desloca e ela se torna o ícone
moral e afetivo da família, o polo de pureza que mantém viva a promessa do
messianismo evangélico. Lembrem-se do lema(m): Deus, pátria e famiglia!
No
Marketing o branding emocional e na Psicanálise a encarnação da “madona” que
sustenta a narrativa de perseguição. Quando difamada é usada por homens, quando
enaltecida se envolve em véus puritanistas, ela não é amante, torna-se “mãe”.
<><>
Os filhos mais jovens (Carlos, Eduardo e Renan)
Mesmo
que em graus distintos, todos encontram sua função política e discursiva.
A
prisão do pai funciona como gatilho para que esses filhos assumam papéis de
“guardiões do legado”, produzindo discursos, mobilizando a base, convocando
vigílias e repassando a narrativa de injustiça. Uma família de injustiçados
inocentes! Erra quem assume a versão e acredita no golpe. Há uma transição do
tom anterior. Eles não falam mais do pai — falam como o pai.
É a
transformação do chefe político em síntese imaginária, ou seja, um objeto que
pode ser imitado, disputado, multiplicado. Nesse caso por minimamente 5
cabeças.
Por que
isso é alegria para a direita?
Porque
o bolsonarismo deixa de ser um problema de um homem e passa a ser um
ecossistema.
O pai
preso cria a necessidade de substitutos — e substitutos são sempre mais
moldáveis, mais jovens, mais marketáveis.
Em
marketing político, isso é ouro.
Em
psicanálise, isso é estrutura: quando o Pai simbólico cai, o desejo coletivo
não se dissolve — ele se desloca rumo aos irmãos. Funciona historicamente desde
“Adão e Eva”.
A
direita interpreta a prisão não como fim, mas como ritual de passagem.
Agora
tem mártir, tem mito e tem sucessores.
A
narrativa de perseguição, tão eficaz para mobilização, ganha um novo capítulo —
e uma nova geração.
A
esquerda venceu a batalha — mas a direita ganhou um enredo
O
paradoxo final é que o ara a esquerda a prisão é vitória jurídica, moral e
histórica. Para a direita é uma oportunidade rara de reorganização e
reposicionamento.
A
esquerda conquista justiça. A direita conquista narrativa. E em política — como
em marketing e como no inconsciente — narrativa é destino e guia quem a conta
com melhores argumentos. Assim, o mito cai para que a marca sobreviva.
O
Brasil vive um momento singular, o primeiro ex-presidente condenado por
tentativa de golpe cumpre pena enquanto sua família ascende como marca
política.
Bolsonaro
preso, mas o bolsonarismo, paradoxalmente, vive uma fase de reestruturação
criativa — tanto psicanalítica quanto mercadológica.
E, como
toda marca que perde seu fundador, agora precisa provar se sobrevive por
identidade ou se desmorona por falta de origem. Enquanto isso a esquerda
celebra a justiça. A direita celebra um recomeço.
Ambas,
por motivos muito diferentes, veem na prisão não o fim, mas o início de um
processo. E nós, seguimos buscando por dias que a democracia possa ser
consolidada e justiça social não seja apenas sonho.
A opção
por Flávio Bolsonaro: entre o desespero e o desastre. Por Maria Luiza Falcão
O
problema para a extrema direita de um candidato para as eleições de 2026 é que
o “projeto Tarcísio” para concorrer à presidência do Brasil não funcionou. A
construção da sua imagem – moderado na economia, duro na segurança, tecnocrata
por fora, “liberal” por conveniência – revelou ter os pés de barro. Ele nunca
conseguiu se desvincular do bolsonarismo, e ao mesmo tempo nunca conseguiu
representá-lo plenamente. Tornou-se um híbrido: não agrada ao centro e não
entusiasma a base radical.
A
própria celebração acrítica da chacina recente no Rio de Janeiro — citada pelo
governador como exemplo de “firmeza” expôs o limite desse projeto. O país está
cansado de violência estatal sem resultados. O eleitorado percebe que essa
estética da brutalidade não resolve crime organizado, não reorganiza
territórios, não cria empregos, não abre horizontes de desenvolvimento.
Alimenta apenas manchetes e curtidas em nichos radicais.
Some-se
a isso o desgaste acumulado pela economia paulista, a instabilidade interna do
bolsonarismo e os próprios cálculos eleitorais de Tarcísio — cada vez mais
receoso de virar refém de um projeto de poder que não controla.
A
desistência de Tarcísio de Freitas de disputar a presidência em 2026, e
concorrer à reeleição para governador de São Paulo, jogou a extrema direita em
um estado de desorientação evidente. Sem um quadro tecnocrático que pudesse
dialogar com o empresariado, com o eleitorado mais conservador e com o campo
institucional, o bolsonarismo se viu diante do próprio impasse: quem poderia
representar o movimento sem provocar rejeição massiva?
É nesse
vácuo que surge o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho primogênito do
ex-presidente Jair Messias Bolsonaro — que está inelegível e condenado a 27
anos e três meses de prisão.
<><>
O vazio de lideranças e a escolha improvisada
A
resposta não veio de um projeto, de um programa ou de uma articulação. Veio da
biologia: o filho mais velho de Jair, o Flávio. A escolha é reveladora — não
nasce da força, mas da necessidade desesperada de manter uma família
politicamente relevante após os abalos jurídicos, policiais e históricos que
atingem Bolsonaro desde 2023.
O
senador Flávio Bolsonaro aparece, portanto, não como candidato natural, mas
como remendo político num campo que já não dispõe de musculatura.
Sua
candidatura revela aquilo que os estrategistas tentam esconder: a direita
organizada perdeu seu eixo e agora tenta se equilibrar em apoios improvisados e
lideranças que não se sustentam.
<><>
O passado que destrói o futuro
Flávio
Bolsonaro carrega um passivo que nenhum candidato viável levaria à disputa
presidencial sem enfrentar rejeição severa. E não é um passivo retórico, mas
documental, jurídico e amplamente conhecido pela opinião pública.
O caso
das rachadinhas, esquema de coleta de dinheiro em espécie, com depósitos
fracionados, laranjas e repasses diretos ao então assessor Fabrício Queiroz,
não é um detalhe administrativo: é a pedra fundamental da engenharia financeira
da família. Revelou o modus operandi, rede de operadores, formas de ocultação e
o padrão de captura de recursos públicos para enriquecimento privado. Nenhuma
narrativa de “perseguição” conseguiu apagar a robustez das evidências.
A
mansão adquirida por Flávio por R$ 6 milhões no Lago Sul, em Brasília,
simbolizou o divórcio definitivo entre o discurso moralista e a prática
familiar. Uma compra incompatível com sua renda declarada, com explicações
cambiantes, e que hoje serve como metáfora perfeita da desconexão entre o
bolsonarismo e a vida real das famílias brasileiras.
A
compra da mansão milionária em Brasília, foi um divisor de águas. Não apenas
pelo valor incompatível com a renda declarada, mas pelos contornos de
inverossimilhança:
• financiamento curioso,
• prestações incompatíveis com o salário,
• valorização imediata,
• mudança abrupta de padrão de vida.
O caso
virou metáfora de um político que ascendeu não por mérito, mas por expedientes
nebulosos.
A
franquia de chocolates usada como fachada para movimentações financeiras
atípicas é um dos episódios mais emblemáticos do bolsonarismo raiz:
um
negócio pensado não para vender produtos, mas para justificar movimentações
financeiras atípicas. Tornou-se símbolo permanente de lavagem de dinheiro,
fraude e marketing vazio.
O
episódio da “Kopenhagen” consolidou a percepção pública de que Flávio utiliza
estruturas privadas. A combinação de baixa lucratividade com entrada e saída de
capital incompatíveis com o fluxo real da loja transformou o caso numa anedota
nacional. A frase “a loja de chocolates do Flávio” tornou-se sinônimo de
operação irregular mascarada de empreendimento familiar.
Ao
longo da carreira, Flávio também acumulou operações imobiliárias marcadas por
lucros instantâneos, compras e vendas com grande variação de preço e narrativas
frágeis sobre origem de recursos.
O
conjunto cria a imagem do político que prospera sem lógica econômica — uma
imagem devastadora para qualquer aspiração presidencial.
Nada
disso desapareceu.
Nada
disso foi esclarecido.
Nada
disso foi politicamente superado.
Para
milhões de brasileiros, Flávio é simplesmente o “senador da rachadinha” — um
rótulo que nenhum marqueteiro remove.
A
ascensão de Flávio como “opção” para 2026 não é fruto de força política. É
fruto de desespero. Com Bolsonaro pai inelegível, Tarcísio esvaziado, e a
extrema direita perdendo musculatura institucional, restou à família recorrer
ao herdeiro 01 — aquele que carrega o histórico político mais problemático, o
mais vulnerável e eleitoralmente mais frágil.
Flávio
é o oposto do quadro ideal para reconstruir um campo político: ele simboliza
tudo o que afundou o bolsonarismo.
<><>
Os Outros Filhos: A Tragédia em Série
Se
Flávio é o núcleo duro da decadência, os outros filhos apenas ampliam a
sensação de colapso:
• Carlos, preso no labirinto de sua guerra
particular contra instituições, jornalistas e até aliados — um personagem
instável e digitalmente tóxico, incapaz de organizar sequer a própria carreira;
• Eduardo, cuja ambição internacional se
dissolveu em vexames diplomáticos, fracassos analíticos e um comportamento que
mistura deslumbramento e despreparo. Sua imagem está ligada a Trump e às
tarifas que desorganizaram o setor exportador brasileiro;
• Renan, um garoto sem qualquer expressão.
É uma
dinastia que se esgota. Um conjunto de figuras incapazes de projetar futuro.
E
Flávio é a tentativa de salvar o que já está perdido.
Nenhum
deles possui densidade política, projeto de país ou capacidade de articulação.
O que resta é o espetáculo — e espetáculo não ganha eleição presidencial.
<><>
A conclusão que se impõe
A
emergência de Flávio como “plano B” evidencia que o bolsonarismo está sem plano
algum. Não se trata de sucessão: trata-se de sobrevivência. A família tenta
reconstruir sua relevância com personagens marcados por escândalos,
inconsistências e limitações gritantes.
Dizer
que o projeto Tarcísio fracassou é correto. Mas o que vem depois é pior:
a
extrema direita brasileira ficou reduzida a uma dinastia política sem talento,
sem credibilidade e sem horizonte.
Flávio
Bolsonaro surge, portanto, não como candidato natural, mas como remendo
político num campo que já não dispõe de musculatura.
Sua
candidatura revela aquilo que os estrategistas tentam esconder: a direita
organizada perdeu seu eixo e agora tenta se equilibrar em apoios improvisados e
lideranças que não se sustentam.
Dois
mil e vinte e seis será uma eleição de agendas — e Flávio não tem agenda. Não
tem programa econômico. Não tem projeto de país. Não tem discurso para além da
retórica ressentida do bolsonarismo.
<><>
O mito da moderação: Flávio é um radical mal disfarçado
A
tentativa de apresentar o senador como “Bolsonaro moderado” falha por motivos
simples:
• Flávio nunca fez autocrítica do
extremismo,
• nunca repudiou ataques às instituições,
• nunca rompeu com a politização das
Forças Armadas,
• nunca se afastou das milícias digitais,
• e nunca propôs uma direita democrática e
moderna.
O
verniz de moderação é apenas um disfarce. Em seu núcleo, Flávio pertence ao
mesmo projeto que levou o Brasil ao caos de 2019–2022.
A
comparação com Tiririca, que circula nas redes, não é gratuita: Tiririca tinha
carisma; Flávio tem passivos.
<><>
O bolsonarismo se contrai, o país avança
O
Brasil de 2026 quer discutir reindustrialização, integração sul-americana,
transição energética, política climática, segurança alimentar e
reposicionamento geopolítico no mundo multipolar. O país que se move exige
líderes capazes de construir, negociar e implementar. O bolsonarismo oferece
uma caricatura cansada — um herdeiro sem projeto.
<><>
A dinastia termina antes de começar
Flávio
Bolsonaro inicia mal porque não há como começar bem carregando tamanha
fragilidade política, moral e histórica.
Sua
candidatura é a evidência final de que o bolsonarismo deixou de ser projeto e
virou remanescente — uma memória de um tempo caótico que o eleitorado já não
deseja reviver.
Flávio
não ameaça Lula; Flávio ameaça apenas a própria relevância.
Fonte:
Brasil 247

Nenhum comentário:
Postar um comentário