terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Sara York: Prisão de Bolsonaro - justiça para a esquerda, oportunidade para a direita

Há eventos que funcionam como espelhos: revelam menos sobre quem cai e mais sobre quem assiste.

A prisão de Jair Bolsonaro — preventiva, legalmente fundamentada, e acompanhada de uma condenação inédita por tentativa de golpe — tornou-se um desses espelhos. Para parte expressiva da esquerda, trata-se de justiça; para a direita, surpreendentemente, trata-se de uma redenção. Não de Bolsonaro, mas da estrutura simbólica que o sucederá.

O que se observa, com clareza clínica, é a transformação de um corpo político em mito familiar. E esse movimento é poderoso — não por sua coerência, mas por sua função psíquica e mercadológica.

A justiça como narrativa de restauração (à esquerda)

Para o campo progressista, a prisão de Bolsonaro marca a reabertura de um pacto com o princípio republicano:

“A lei alcança todos, inclusive um ex-presidente.”

Há alívio, mobilização digital e um sentimento difuso de que, finalmente, aquilo que parecia impossível no Brasil — responsabilizar um líder autoritário — tornou-se real. Estamos diante do equivalente político de um “retorno do recalcado”: um país que adia sua própria justiça acaba, mais cedo ou mais tarde, reencontrando-a de forma abrupta.

A psicanálise nos lembra que o desejo de justiça é sempre o desejo de reparação: reparar o que foi ferido, corrigir o que foi distorcido, nomear o que foi silenciado.

A esquerda celebra porque, por um instante, a democracia pareceu possível.

A prisão como rearranjo narcísico — e mercadológico — da direita

Enquanto isso, a direita não desaparece — ela se reorganiza.

E o faz não apesar da prisão, mas graças a ela.

Aqui opera um mecanismo conhecido na política e na clínica:

Quando o mito cai, surgem seus herdeiros.

A família Bolsonaro, antes orbitante, agora entra em cena como protagonista.

Em marketing, chamamos isso de reposicionamento de marca:

o “produto original” perde valor, mas o branding permanece tão forte que se reconverte em linha de produtos derivados.

A prisão, portanto, desfaz Bolsonaro como líder, mas intensifica o bolsonarismo como marca familiar.

A ascensão dos herdeiros: da ex-primeira-dama ao filho caçula

Um fenômeno digno de estudo é a forma como cada membro da família encontrou rapidamente seu novo lugar ao sol, como se a queda do patriarca liberasse a energia necessária para que todos ocupassem, finalmente, posições próprias — não mais como satélites, mas como porta-vozes.

<><> Flávio Bolsonaro

Assume a função de “filho primogênito messiânico” — aquele que herda a missão.

Lança sua candidatura à Presidência de 2026 com a benção do pai encarcerado.

No Marketing a leitura é chamada de reposicionamento estratégico.

Na Psicanálise é identificação narcísica com o ideal do pai caído.

<><> Michelle Bolsonaro

Após especulações de candidatura, recua.

Não por fragilidade, mas porque sua função simbólica se desloca e ela se torna o ícone moral e afetivo da família, o polo de pureza que mantém viva a promessa do messianismo evangélico. Lembrem-se do lema(m): Deus, pátria e famiglia!

No Marketing o branding emocional e na Psicanálise a encarnação da “madona” que sustenta a narrativa de perseguição. Quando difamada é usada por homens, quando enaltecida se envolve em véus puritanistas, ela não é amante, torna-se “mãe”.

<><> Os filhos mais jovens (Carlos, Eduardo e Renan)

Mesmo que em graus distintos, todos encontram sua função política e discursiva.

A prisão do pai funciona como gatilho para que esses filhos assumam papéis de “guardiões do legado”, produzindo discursos, mobilizando a base, convocando vigílias e repassando a narrativa de injustiça. Uma família de injustiçados inocentes! Erra quem assume a versão e acredita no golpe. Há uma transição do tom anterior. Eles não falam mais do pai — falam como o pai.

É a transformação do chefe político em síntese imaginária, ou seja, um objeto que pode ser imitado, disputado, multiplicado. Nesse caso por minimamente 5 cabeças.

Por que isso é alegria para a direita?

Porque o bolsonarismo deixa de ser um problema de um homem e passa a ser um ecossistema.

O pai preso cria a necessidade de substitutos — e substitutos são sempre mais moldáveis, mais jovens, mais marketáveis.

Em marketing político, isso é ouro.

Em psicanálise, isso é estrutura: quando o Pai simbólico cai, o desejo coletivo não se dissolve — ele se desloca rumo aos irmãos. Funciona historicamente desde “Adão e Eva”.

A direita interpreta a prisão não como fim, mas como ritual de passagem.

Agora tem mártir, tem mito e tem sucessores.

A narrativa de perseguição, tão eficaz para mobilização, ganha um novo capítulo — e uma nova geração.

A esquerda venceu a batalha — mas a direita ganhou um enredo

O paradoxo final é que o ara a esquerda a prisão é vitória jurídica, moral e histórica. Para a direita é uma oportunidade rara de reorganização e reposicionamento.

A esquerda conquista justiça. A direita conquista narrativa. E em política — como em marketing e como no inconsciente — narrativa é destino e guia quem a conta com melhores argumentos. Assim, o mito cai para que a marca sobreviva.

O Brasil vive um momento singular, o primeiro ex-presidente condenado por tentativa de golpe cumpre pena enquanto sua família ascende como marca política.

Bolsonaro preso, mas o bolsonarismo, paradoxalmente, vive uma fase de reestruturação criativa — tanto psicanalítica quanto mercadológica.

E, como toda marca que perde seu fundador, agora precisa provar se sobrevive por identidade ou se desmorona por falta de origem. Enquanto isso a esquerda celebra a justiça. A direita celebra um recomeço.

Ambas, por motivos muito diferentes, veem na prisão não o fim, mas o início de um processo. E nós, seguimos buscando por dias que a democracia possa ser consolidada e justiça social não seja apenas sonho.

A opção por Flávio Bolsonaro: entre o desespero e o desastre. Por Maria Luiza Falcão

O problema para a extrema direita de um candidato para as eleições de 2026 é que o “projeto Tarcísio” para concorrer à presidência do Brasil não funcionou. A construção da sua imagem – moderado na economia, duro na segurança, tecnocrata por fora, “liberal” por conveniência – revelou ter os pés de barro. Ele nunca conseguiu se desvincular do bolsonarismo, e ao mesmo tempo nunca conseguiu representá-lo plenamente. Tornou-se um híbrido: não agrada ao centro e não entusiasma a base radical.

A própria celebração acrítica da chacina recente no Rio de Janeiro — citada pelo governador como exemplo de “firmeza” expôs o limite desse projeto. O país está cansado de violência estatal sem resultados. O eleitorado percebe que essa estética da brutalidade não resolve crime organizado, não reorganiza territórios, não cria empregos, não abre horizontes de desenvolvimento. Alimenta apenas manchetes e curtidas em nichos radicais.

Some-se a isso o desgaste acumulado pela economia paulista, a instabilidade interna do bolsonarismo e os próprios cálculos eleitorais de Tarcísio — cada vez mais receoso de virar refém de um projeto de poder que não controla.

A desistência de Tarcísio de Freitas de disputar a presidência em 2026, e concorrer à reeleição para governador de São Paulo, jogou a extrema direita em um estado de desorientação evidente. Sem um quadro tecnocrático que pudesse dialogar com o empresariado, com o eleitorado mais conservador e com o campo institucional, o bolsonarismo se viu diante do próprio impasse: quem poderia representar o movimento sem provocar rejeição massiva?

É nesse vácuo que surge o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho primogênito do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro — que está inelegível e condenado a 27 anos e três meses de prisão.

<><> O vazio de lideranças e a escolha improvisada

A resposta não veio de um projeto, de um programa ou de uma articulação. Veio da biologia: o filho mais velho de Jair, o Flávio. A escolha é reveladora — não nasce da força, mas da necessidade desesperada de manter uma família politicamente relevante após os abalos jurídicos, policiais e históricos que atingem Bolsonaro desde 2023.

O senador Flávio Bolsonaro aparece, portanto, não como candidato natural, mas como remendo político num campo que já não dispõe de musculatura.

Sua candidatura revela aquilo que os estrategistas tentam esconder: a direita organizada perdeu seu eixo e agora tenta se equilibrar em apoios improvisados e lideranças que não se sustentam.

<><> O passado que destrói o futuro

Flávio Bolsonaro carrega um passivo que nenhum candidato viável levaria à disputa presidencial sem enfrentar rejeição severa. E não é um passivo retórico, mas documental, jurídico e amplamente conhecido pela opinião pública.

O caso das rachadinhas, esquema de coleta de dinheiro em espécie, com depósitos fracionados, laranjas e repasses diretos ao então assessor Fabrício Queiroz, não é um detalhe administrativo: é a pedra fundamental da engenharia financeira da família. Revelou o modus operandi, rede de operadores, formas de ocultação e o padrão de captura de recursos públicos para enriquecimento privado. Nenhuma narrativa de “perseguição” conseguiu apagar a robustez das evidências.

A mansão adquirida por Flávio por R$ 6 milhões no Lago Sul, em Brasília, simbolizou o divórcio definitivo entre o discurso moralista e a prática familiar. Uma compra incompatível com sua renda declarada, com explicações cambiantes, e que hoje serve como metáfora perfeita da desconexão entre o bolsonarismo e a vida real das famílias brasileiras.

A compra da mansão milionária em Brasília, foi um divisor de águas. Não apenas pelo valor incompatível com a renda declarada, mas pelos contornos de inverossimilhança:

•        financiamento curioso,

•        prestações incompatíveis com o salário,

•        valorização imediata,

•        mudança abrupta de padrão de vida.

O caso virou metáfora de um político que ascendeu não por mérito, mas por expedientes nebulosos.

A franquia de chocolates usada como fachada para movimentações financeiras atípicas é um dos episódios mais emblemáticos do bolsonarismo raiz:

um negócio pensado não para vender produtos, mas para justificar movimentações financeiras atípicas. Tornou-se símbolo permanente de lavagem de dinheiro, fraude e marketing vazio.

O episódio da “Kopenhagen” consolidou a percepção pública de que Flávio utiliza estruturas privadas. A combinação de baixa lucratividade com entrada e saída de capital incompatíveis com o fluxo real da loja transformou o caso numa anedota nacional. A frase “a loja de chocolates do Flávio” tornou-se sinônimo de operação irregular mascarada de empreendimento familiar.

Ao longo da carreira, Flávio também acumulou operações imobiliárias marcadas por lucros instantâneos, compras e vendas com grande variação de preço e narrativas frágeis sobre origem de recursos.

O conjunto cria a imagem do político que prospera sem lógica econômica — uma imagem devastadora para qualquer aspiração presidencial.

Nada disso desapareceu.

Nada disso foi esclarecido.

Nada disso foi politicamente superado.

Para milhões de brasileiros, Flávio é simplesmente o “senador da rachadinha” — um rótulo que nenhum marqueteiro remove.

A ascensão de Flávio como “opção” para 2026 não é fruto de força política. É fruto de desespero. Com Bolsonaro pai inelegível, Tarcísio esvaziado, e a extrema direita perdendo musculatura institucional, restou à família recorrer ao herdeiro 01 — aquele que carrega o histórico político mais problemático, o mais vulnerável e eleitoralmente mais frágil.

Flávio é o oposto do quadro ideal para reconstruir um campo político: ele simboliza tudo o que afundou o bolsonarismo.

<><> Os Outros Filhos: A Tragédia em Série

Se Flávio é o núcleo duro da decadência, os outros filhos apenas ampliam a sensação de colapso:

•        Carlos, preso no labirinto de sua guerra particular contra instituições, jornalistas e até aliados — um personagem instável e digitalmente tóxico, incapaz de organizar sequer a própria carreira;

•        Eduardo, cuja ambição internacional se dissolveu em vexames diplomáticos, fracassos analíticos e um comportamento que mistura deslumbramento e despreparo. Sua imagem está ligada a Trump e às tarifas que desorganizaram o setor exportador brasileiro;

•        Renan, um garoto sem qualquer expressão.

É uma dinastia que se esgota. Um conjunto de figuras incapazes de projetar futuro.

E Flávio é a tentativa de salvar o que já está perdido.

Nenhum deles possui densidade política, projeto de país ou capacidade de articulação. O que resta é o espetáculo — e espetáculo não ganha eleição presidencial.

<><> A conclusão que se impõe

A emergência de Flávio como “plano B” evidencia que o bolsonarismo está sem plano algum. Não se trata de sucessão: trata-se de sobrevivência. A família tenta reconstruir sua relevância com personagens marcados por escândalos, inconsistências e limitações gritantes.

Dizer que o projeto Tarcísio fracassou é correto. Mas o que vem depois é pior:

a extrema direita brasileira ficou reduzida a uma dinastia política sem talento, sem credibilidade e sem horizonte.

Flávio Bolsonaro surge, portanto, não como candidato natural, mas como remendo político num campo que já não dispõe de musculatura.

Sua candidatura revela aquilo que os estrategistas tentam esconder: a direita organizada perdeu seu eixo e agora tenta se equilibrar em apoios improvisados e lideranças que não se sustentam.

Dois mil e vinte e seis será uma eleição de agendas — e Flávio não tem agenda. Não tem programa econômico. Não tem projeto de país. Não tem discurso para além da retórica ressentida do bolsonarismo.

<><> O mito da moderação: Flávio é um radical mal disfarçado

A tentativa de apresentar o senador como “Bolsonaro moderado” falha por motivos simples:

•        Flávio nunca fez autocrítica do extremismo,

•        nunca repudiou ataques às instituições,

•        nunca rompeu com a politização das Forças Armadas,

•        nunca se afastou das milícias digitais,

•        e nunca propôs uma direita democrática e moderna.

O verniz de moderação é apenas um disfarce. Em seu núcleo, Flávio pertence ao mesmo projeto que levou o Brasil ao caos de 2019–2022.

A comparação com Tiririca, que circula nas redes, não é gratuita: Tiririca tinha carisma; Flávio tem passivos.

<><> O bolsonarismo se contrai, o país avança

O Brasil de 2026 quer discutir reindustrialização, integração sul-americana, transição energética, política climática, segurança alimentar e reposicionamento geopolítico no mundo multipolar. O país que se move exige líderes capazes de construir, negociar e implementar. O bolsonarismo oferece uma caricatura cansada — um herdeiro sem projeto.

<><> A dinastia termina antes de começar

Flávio Bolsonaro inicia mal porque não há como começar bem carregando tamanha fragilidade política, moral e histórica.

Sua candidatura é a evidência final de que o bolsonarismo deixou de ser projeto e virou remanescente — uma memória de um tempo caótico que o eleitorado já não deseja reviver.

Flávio não ameaça Lula; Flávio ameaça apenas a própria relevância.

 

Fonte: Brasil 247

 

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