terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Luís Nassif:  Os Negócios Obscuros nos Correios

Enquanto o debate público se concentra em privatização ou manutenção da estatal, bilhões de reais escorrem silenciosamente pelos corredores dos Correios. O problema não está nas greves ou na ineficiência operacional, mas em um esquema sofisticado de fraude envolvendo os chamados integradores de carga — empresas que usam a própria estrutura da estatal para competir contra ela.

<><> O Mecanismo da Fraude

Os Correios oferecem códigos industriais de desconto a grandes clientes empresariais que movimentam alto volume de encomendas. Esses contratos, conhecidos como CEM (Contratos de Encomenda Mercantil), podem garantir abatimentos de até 60% sobre o valor do frete.

Até aí, tudo legítimo. O problema surge quando esses códigos são desviados e usados de forma irregular:

•        Revenda de códigos: empresas repassam identificadores tarifários a terceiros.

•        “Conta guarda-chuva”: integradores agrupam dezenas de vendedores sob um único contrato, prática proibida.

•        Subdeclaração: peso e classificação de encomendas são manipulados para reduzir tarifas.

<><> O “Contrato Infinito”

Em 2022, surge um contrato que ampliou os descontos a patamares inéditos: 76% em média. Coincidentemente, diretores que criaram o modelo se associaram depois a empresas integradoras. Funcionários que denunciaram irregularidades relataram retaliações.

O impacto foi imediato: o serviço PAC (Programa de Aceleração do Crescimento Postal), responsável pela maior parte das encomendas econômicas, sofreu retração de 30,7% em relação ao ano anterior. Milhões de pacotes migraram para integradores privados, que continuaram usando a rede dos Correios, mas pagando muito menos.

<><> A Matemática da Sangria

Um cálculo conservador mostra o tamanho do rombo:

•        100 mil encomendas/mês por integrador

•        Desconto irregular médio: R$ 15 por pacote

•        Prejuízo mensal: R$ 1,5 milhão

•        Prejuízo anual: R$ 18 milhões por empresa

Com vários integradores atuando simultaneamente, o prejuízo se multiplica exponencialmente. Em 2022, a receita do segmento “encomenda + mensagem” caiu R$ 1,98 bilhão em relação a 2021.

<><> As “Agências Piratas”

Outro vetor de fraude são agências que firmam contratos para uso próprio, mas vendem etiquetas de postagem a terceiros. Na prática, comercializam os descontos industriais como mercadoria, drenando ainda mais a receita pública.

Relatórios da Polícia Federal e do Ministério Público Federal apontam relações societárias entre integradores e ex-dirigentes dos Correios. Há indícios de que o esquema foi estruturado de dentro para fora, aproveitando brechas regulatórias criadas deliberadamente.

<><> Conclusão: Captura e Colapso

O caso não é mera ineficiência burocrática, mas um exemplo clássico de captura regulatória. Empresas privadas se beneficiam de contratos formais, da falta de fiscalização e da proteção de quem deveria combatê-las.

Enquanto isso, os Correios ficam com a parte mais cara da operação — manutenção da rede nacional — e com a parte mais barata da receita, descontada ilegalmente.

•        Os Correios e as simplificações liberais, por Luís Nassif

É impressionante a dificuldade do pensamento ultraliberal de entender as características de uma empresa pública e de uma empresa privada. Não conseguem trabalhar com o conceito de empresa estratégica, nem entender a lógica de uma empresa estatal.

É o caso dos comentários da economista Zeina Latif, analista séria mas presa aos bordões neoliberais.

Qual a lógica dela? Em vez de tentar salvar os Correios, o governo deveria acelerar a digitalização do país, para acabar de vez com a necessidade de enviar cartas. Como se a missão dos Correios fosse exclusivamente levar cartas a todo território nacional.

Se a nova vida é digital, de que maneira Zeina pretende que brasileiros de regiões afastadas dos grandes centros tenham acesso aos bens de consumo das grandes plataformas. Mercado Livre, Magalu, portais chineses estariam dispostos a enviar produtos para o país todo? E atender às necessidades do Estado brasileiro, que distribuir atestados, certificados, recolhe provas do Enem;

Vamos entender melhor o jogo.

<><> Obrigações dos Correios

Os Correios são, por Constituição, o Serviço Postal Universal. Tem 5 obrigações-núcleo:

1.       Universalizar o serviço postal (chegar a 100% do país).

2.       Garantir continuidade e acessibilidade (sem interrupção).

3.       Cumprir o monopólio postal (cartas, malotes).

4.       Dar suporte logístico ao Estado (eleições, ENEM, emergências).

5.       Manter transparência e integridade operacional como empresa pública.

Não é pouco.

Correios não podem interromper o serviço postal (exceto força maior), mesmo em regiões remotas, inseguras ou deficitárias. Ter agência física ou ponto de atendimento em todos os municípios brasileiros. (Atualmente, 5.568 municípios atendidos.)

Em 2022 os Correios informam atendimento em 5.553 dos 5.570 municípios e 9.409 distritos com “efetiva distribuição” postal.

Legalmente, os Correios prometem universalização. Na prática, o que existe é uma malha de 9,4 mil distritos atendidos com diferentes modalidades de entrega – diária para encomendas, alternada para cartas simples, e, em áreas críticas, nem isso, com retirada em agência ou ponto comunitário.

Para dar conta desses compromissos, ela precisa atuar, também, nos mercados lucrativos. Ele atua em 4 mercados:

1.       Correspondências / Mensagem

o        Cartas, e-Carta, telegrama, impressos, malote corporativo, marketing direto (mala direta, impresso).

2.       Encomendas e Logística

o        SEDEX, PAC e congêneres, logística integrada, soluções para e-commerce.

3.       Internacional

o        Encomendas e cartas internacionais, EMS, LC/AO, Prime etc.

4.       Conveniência / serviços financeiros

o        Vale Postal, alguns serviços de balcão, serviços de terceiros.

No relatório de administração de 2023, as receitas foram separadas:

•        Receita bruta total (2023): R$ 19,9 bi

o        Encomenda: R$ 9,52 bi

o        Mensagem (cartas, telegramas etc.): R$ 4,64 bi

o        Internacional: R$ 4,43 bi

o        Logística: R$ 0,51 bi

o        Marketing direto: R$ 0,33 bi

o        Malote: R$ 0,24 bi

o        Conveniência: R$ 0,19 bi

o        Outros: R$ 0,05 bi

•        Em 2025, comunicado oficial dos Correios mostra que, só no 1º semestre, o segmento de encomendas respondeu por R$ 4,7 bi de R$ 8,9 bi de receita de vendas – de novo, mais da metade de tudo.

•        O que significaria a privatização dos Correios, segundo a ótica de Zeina? Será que a tecnologia permitiria o teletransporte, hoje existentes só nos filmes de ficção? Quem vai garantir todos esses compromissos?

Os programas de gestão

Não se trata de passar pano para os Correios.

O primeiro passo é entender seu caráter de empresa estratégica. O segundo, é o governo tratá-la como empresa estratégica.

1. Não pode mais ser objeto de barganhas políticas.

2. Tem que fechar compromissos com o Ministério da Gestão, com indicadores claros e palpáveis.

3. Tem que recuperar os planos de aposentadoria e criar um plano de cargos e salários capazes de atrair quadros técnicos, em condições de disputar mercado com as plataformas privadas.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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