Luís
Nassif: Os Negócios Obscuros nos
Correios
Enquanto
o debate público se concentra em privatização ou manutenção da estatal, bilhões
de reais escorrem silenciosamente pelos corredores dos Correios. O problema não
está nas greves ou na ineficiência operacional, mas em um esquema sofisticado
de fraude envolvendo os chamados integradores de carga — empresas que usam a
própria estrutura da estatal para competir contra ela.
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O Mecanismo da Fraude
Os
Correios oferecem códigos industriais de desconto a grandes clientes
empresariais que movimentam alto volume de encomendas. Esses contratos,
conhecidos como CEM (Contratos de Encomenda Mercantil), podem garantir
abatimentos de até 60% sobre o valor do frete.
Até aí,
tudo legítimo. O problema surge quando esses códigos são desviados e usados de
forma irregular:
• Revenda de códigos: empresas repassam
identificadores tarifários a terceiros.
• “Conta guarda-chuva”: integradores
agrupam dezenas de vendedores sob um único contrato, prática proibida.
• Subdeclaração: peso e classificação de
encomendas são manipulados para reduzir tarifas.
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O “Contrato Infinito”
Em
2022, surge um contrato que ampliou os descontos a patamares inéditos: 76% em
média. Coincidentemente, diretores que criaram o modelo se associaram depois a
empresas integradoras. Funcionários que denunciaram irregularidades relataram
retaliações.
O
impacto foi imediato: o serviço PAC (Programa de Aceleração do Crescimento
Postal), responsável pela maior parte das encomendas econômicas, sofreu
retração de 30,7% em relação ao ano anterior. Milhões de pacotes migraram para
integradores privados, que continuaram usando a rede dos Correios, mas pagando
muito menos.
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A Matemática da Sangria
Um
cálculo conservador mostra o tamanho do rombo:
• 100 mil encomendas/mês por integrador
• Desconto irregular médio: R$ 15 por
pacote
• Prejuízo mensal: R$ 1,5 milhão
• Prejuízo anual: R$ 18 milhões por
empresa
Com
vários integradores atuando simultaneamente, o prejuízo se multiplica
exponencialmente. Em 2022, a receita do segmento “encomenda + mensagem” caiu R$
1,98 bilhão em relação a 2021.
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As “Agências Piratas”
Outro
vetor de fraude são agências que firmam contratos para uso próprio, mas vendem
etiquetas de postagem a terceiros. Na prática, comercializam os descontos
industriais como mercadoria, drenando ainda mais a receita pública.
Relatórios
da Polícia Federal e do Ministério Público Federal apontam relações societárias
entre integradores e ex-dirigentes dos Correios. Há indícios de que o esquema
foi estruturado de dentro para fora, aproveitando brechas regulatórias criadas
deliberadamente.
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Conclusão: Captura e Colapso
O caso
não é mera ineficiência burocrática, mas um exemplo clássico de captura
regulatória. Empresas privadas se beneficiam de contratos formais, da falta de
fiscalização e da proteção de quem deveria combatê-las.
Enquanto
isso, os Correios ficam com a parte mais cara da operação — manutenção da rede
nacional — e com a parte mais barata da receita, descontada ilegalmente.
• Os Correios e as simplificações
liberais, por Luís Nassif
É
impressionante a dificuldade do pensamento ultraliberal de entender as
características de uma empresa pública e de uma empresa privada. Não conseguem
trabalhar com o conceito de empresa estratégica, nem entender a lógica de uma
empresa estatal.
É o
caso dos comentários da economista Zeina Latif, analista séria mas presa aos
bordões neoliberais.
Qual a
lógica dela? Em vez de tentar salvar os Correios, o governo deveria acelerar a
digitalização do país, para acabar de vez com a necessidade de enviar cartas.
Como se a missão dos Correios fosse exclusivamente levar cartas a todo
território nacional.
Se a
nova vida é digital, de que maneira Zeina pretende que brasileiros de regiões
afastadas dos grandes centros tenham acesso aos bens de consumo das grandes
plataformas. Mercado Livre, Magalu, portais chineses estariam dispostos a
enviar produtos para o país todo? E atender às necessidades do Estado
brasileiro, que distribuir atestados, certificados, recolhe provas do Enem;
Vamos
entender melhor o jogo.
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Obrigações dos Correios
Os
Correios são, por Constituição, o Serviço Postal Universal. Tem 5
obrigações-núcleo:
1. Universalizar o serviço postal (chegar a
100% do país).
2. Garantir continuidade e acessibilidade
(sem interrupção).
3. Cumprir o monopólio postal (cartas,
malotes).
4. Dar suporte logístico ao Estado
(eleições, ENEM, emergências).
5. Manter transparência e integridade
operacional como empresa pública.
Não é
pouco.
Correios
não podem interromper o serviço postal (exceto força maior), mesmo em regiões
remotas, inseguras ou deficitárias. Ter agência física ou ponto de atendimento
em todos os municípios brasileiros. (Atualmente, 5.568 municípios atendidos.)
Em 2022
os Correios informam atendimento em 5.553 dos 5.570 municípios e 9.409
distritos com “efetiva distribuição” postal.
Legalmente,
os Correios prometem universalização. Na prática, o que existe é uma malha de
9,4 mil distritos atendidos com diferentes modalidades de entrega – diária para
encomendas, alternada para cartas simples, e, em áreas críticas, nem isso, com
retirada em agência ou ponto comunitário.
Para
dar conta desses compromissos, ela precisa atuar, também, nos mercados
lucrativos. Ele atua em 4 mercados:
1. Correspondências / Mensagem
o Cartas, e-Carta, telegrama, impressos,
malote corporativo, marketing direto (mala direta, impresso).
2. Encomendas e Logística
o SEDEX, PAC e congêneres, logística
integrada, soluções para e-commerce.
3. Internacional
o Encomendas e cartas internacionais, EMS,
LC/AO, Prime etc.
4. Conveniência / serviços financeiros
o Vale Postal, alguns serviços de balcão,
serviços de terceiros.
No
relatório de administração de 2023, as receitas foram separadas:
• Receita bruta total (2023): R$ 19,9 bi
o Encomenda: R$ 9,52 bi
o Mensagem (cartas, telegramas etc.): R$
4,64 bi
o Internacional: R$ 4,43 bi
o Logística: R$ 0,51 bi
o Marketing direto: R$ 0,33 bi
o Malote: R$ 0,24 bi
o Conveniência: R$ 0,19 bi
o Outros: R$ 0,05 bi
• Em 2025, comunicado oficial dos Correios
mostra que, só no 1º semestre, o segmento de encomendas respondeu por R$ 4,7 bi
de R$ 8,9 bi de receita de vendas – de novo, mais da metade de tudo.
• O que significaria a privatização dos
Correios, segundo a ótica de Zeina? Será que a tecnologia permitiria o
teletransporte, hoje existentes só nos filmes de ficção? Quem vai garantir
todos esses compromissos?
Os
programas de gestão
Não se
trata de passar pano para os Correios.
O
primeiro passo é entender seu caráter de empresa estratégica. O segundo, é o
governo tratá-la como empresa estratégica.
1. Não
pode mais ser objeto de barganhas políticas.
2. Tem
que fechar compromissos com o Ministério da Gestão, com indicadores claros e
palpáveis.
3. Tem
que recuperar os planos de aposentadoria e criar um plano de cargos e salários
capazes de atrair quadros técnicos, em condições de disputar mercado com as
plataformas privadas.
Fonte:
Jornal GGN

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