Migração de
brasileiros ultracapacitados cresce nos EUA em meio à alta de deportações nos
últimos anos
A quantidade de
brasileiros altamente qualificados que emigram para os Estados
Unidos cresceu
a níveis recordes em 2024, apesar dos números também inéditos de deportações
registrados no ano passado. Nos oito primeiros meses de 2024, foram emitidos
2.142 vistos EB-1 e EB-2, destinados a profissionais do Brasil com habilidades
extraordinárias e grau acadêmico avançado — um crescimento de 58% em relação ao
mesmo período de 2023 —, segundo dados do Departamento de Estado levantados
pelo escritório de advocacia imigratória AG Immigration. O número também já é
maior do que a soma de emissões de 2018 a 2021, assim como já supera o volume
de 2022 inteiro. E, segundo especialistas em imigração, a expectativa é
que as emissões até o final de 2024 tenham ultrapassado também as de 2023 (os
dados até dezembro ainda não foram divulgados pelo governo americano). Paralelamente,
os primeiros dois meses de 2025 foram marcados por deportações em massa de
imigrantes irregulares, principalmente da América Latina, como parte da política
anti-imigração do novo presidente Donald Trump. Mas até agora não houve
mudanças nas regras para emissões de vistos para trabalhadores qualificados.
O bilionário Elon
Musk, que chefia o recém-criado Departamento de Eficiência Governamental e é
sul-africano, vem defendendo que os EUA mantenham as portas abertas para
profissionais capacitados de todo o mundo. No Brasil, as estatísticas
referentes aos trabalhadores qualificados emigrando colocam ainda mais pressão
no país e em sua batalha contra a chamada "fuga de cérebros". Os
vistos chamados de EB-1 e EB-2 são utilizados pelo governo americano para
atrair talentos internacionais das mais diversas indústrias, como
pesquisadores, professores universitários, engenheiros, pilotos de avião,
economistas e estatísticos, além de profissionais de áreas como tecnologia, RH
e da saúde. Ambos possuem categorias que permitem ao imigrante conseguir o
green card - o cartão de residência permanente nos Estados Unidos - sem ter uma
oferta de emprego. "Muitos dos que imigram escolhem os Estados Unidos,
porque encontram oportunidades melhor remuneradas no país", explica Leda
Oliveira, CEO do escritório especializado AG Immigration. "A conta que
muitos fazem é simples: 'Vou morar em um país de primeiro mundo, com mais
segurança e melhores oportunidades de educação para minha família, ao mesmo
tempo em que sou mais valorizado como profissional'."
Luiz Gabriel
Vasconcelos, 42, foi um dos mais de 2 mil brasileiros que tiveram seu processo
aprovado no ano passado. O engenheiro da computação se especializou na área de
processamento de sinais e trilhou uma carreira de sucesso no setor de
telecomunicações no Brasil. Em 2019, o carioca natural da cidade do Rio de
Janeiro foi transferido temporariamente pela empresa em que estava há mais de
12 anos para uma nova sede no Vale do Silício, na Califórnia, e teve sua
primeira experiência de trabalho nos Estados Unidos. Com o tempo, as
oportunidades de avançar ainda mais na carreira, interagir com outros
profissionais ultraqualificados e expandir seus conhecimentos fizeram crescer
nele a vontade de se mudar permanentemente para os EUA e explorar novas vagas
de trabalho. Foi aí que o engenheiro se deparou com a possibilidade de
conseguir um green card por meio do visto EB-2 NIW, uma das categorias
disponíveis para os profissionais considerados acima da média. "Me
desenvolvi muito como profissional nos primeiros anos aqui e queria mais",
disse à BBC Brasil. "O mercado da minha área é muito mais avançado, as
empresas tem mais recursos para contratar ferramentas de última geração, a
remuneração tende a ser melhor e os melhores profissionais do mundo estão
aqui."
Luiz Gabriel teve
seu green card emitido em junho do ano passado, mas antes mesmo já havia
conseguido a autorização para procurar emprego no país. Com suas qualificações,
não demorou muito para ele ser contratado pela Walt Disney Company para um
cargo de gerência na área de Engenharia de Software. O carioca vive hoje com a
esposa e o filho recém-nascido em Los Angeles. "Minha decisão de me mudar
para os EUA foi quase toda orientada pela possibilidade de crescer na carreira.
Mas obviamente também contou o fato de viver em um país mais seguro e com uma
economia mais forte, onde posso ter acesso a mais bens, viajar mais e construir
minha aposentadoria", conta.
·
Processo
minucioso e caro
Mas o processo de
obtenção de um visto como o EB-1 ou o EB-2 não é simples — e, principalmente,
não é barato. Após dar entrada no pedido de autorização para viver nos Estados
Unidos, um brasileiro pode esperar entre seis meses e dois anos e meio para
obter uma resposta, segundo Leda Oliveira. Já em termos de investimento,
Oliveira afirma que o processo todo pode custar algo em torno de US$ 30 mil
(cerca de R$ 183 mil) para uma pessoa, considerando o valor das taxas e da
assistência jurídica fornecida pelo seu escritório. Além disso, especialistas
na área de imigração alertam para o fato de que são poucos os profissionais que
se enquadram no perfil imigratório necessário para obter o visto.
O visto EB-2 NIW
tirado por Luiz Gabriel Vasconcelos, por exemplo, requer um diploma superior ao
bacharelado (mestrado, doutorado ou PhD, por exemplo), um mínimo de experiência
de trabalho e evidência de contribuições significativas em sua área de atuação,
entre outras coisas. Já os vistos EB-1 são exclusivo para profissionais que
tenham habilidades extraordinárias nos campos da ciência, arte, educação,
negócios ou esporte. É preciso provar evidência de recebimento de prêmios,
publicações de destaque e outros reconhecimentos da excelência na profissão.
Larissa Salvador,
CEO do escritório Salvador Law, afirma ter notado um aumento expressivo na
procura pelos vistos para profissionais ultracapacitados nos últimos anos. Mas
ela se diz preocupada com a disseminação de informações falsas sobre a
categoria e quem pode se beneficiar. "Muitas pessoas e consultorias,
especialmente no Brasil, venderam o EB-1 ou o EB-2 como a forma mais rápida de
se mudar legalmente para os Estados Unidos para quem tem uma formação ou
pós-gradução", diz a advogada, que assessorou o engenheiro carioca em seu
processo de obtenção do green card. "Mas não é só isso, existem muitos
outros filtros que fazem com que muitas pessoas não se qualifiquem." Segundo
Salvador, ao mesmo tempo que cresce o número de aprovações, também tem se
multiplicado os casos de brasileiros que tiveram seu pedido de visto negado por
não se encaixarem em todos os critérios. Esses imigrantes em potencial, lamenta
a especialista, acabam desperdiçando uma grande quantidade de dinheiro e tempo.
A situação se
repetiu tantas vezes a ponto dos serviços imigratórios americanos publicarem,
em janeiro deste ano, uma atualização das orientações sobre a elegibilidade
para o visto de habilidades extraordinárias. "Costumamos dizer que,
enquanto o EB-1 é voltado para os 5% de destaque de uma determinada indústria,
o EB-2 é para os 25%", diz a advogada Leda Oliveira, que destaca que o
EB-1 é popularmente chamado de "visto Einstein" no meio jurídico, por
sua capacidade de atrair grandes talentos tal como o físico alemão Albert
Einstein. "São similares no propósito de atrair profissionais altamente
qualificados, mas com níveis de exigência diferentes."
·
Mas
e as deportações?
Os números do
governo americano também destacam um contraste que se tornou realidade nos
últimos anos: ao mesmo tempo em que contrataram mais profissionais brasileiros
do que nunca para cargos de alta remuneração e especialidade, os Estados Unidos
ampliaram seu programa de deportação a imigrantes ilegais. No ano fiscal de
2024 (de outubro de 2023 a setembro de 2024), os Estados Unidos deportaram a
maior quantidade de imigrantes em situação irregular desde 2014: foram 271 mil
imigrantes de 192 países. O número de brasileiros deportados no mesmo período
também cresceu. Ao todo, 1.648 pessoas foram enviadas de volta pela Imigração e
Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês), um aumento de 33% em relação ao
ano fiscal de 2023. Já nos quatro anos de governo de Joe Biden, 7.168
brasileiros foram deportados, segundo a ICE. Dados do instituto Pew Center de
2022 estimaram em 11 milhões o total de estrangeiros que vivem irregularmente
nos Estados Unidos — entre eles, 230 mil brasileiros.
Com a chegada de Donald
Trump à Casa Branca,
as ações contra a imigração ilegal foram intensificadas ainda mais. Entre
muitas medidas, o republicano reforçou as fronteiras, assinou decretos para
permitir batidas em igrejas, escolas e hospitais e abolir o direito à cidadania
por nascimento e prometeu deter até 30 mil migrantes irregulares criminosos na
polêmica prisão americana de Guantánamo, em Cuba. Segundo especialistas ouvidos
pela BBC News Brasil, a emissão de vistos para trabalhadores qualificados não
deve ser afetada em um primeiro momento pela troca de governo, já que qualquer
mudança nas normas ou quotas anuais de permissões para viver e trabalhar nos
EUA precisam ser aprovadas pelo Congresso.
Escritórios
especializados em consultoria imigratória consultados pela BBC Brasil também
têm se mostrado confiantes de que as emissões de vistos de trabalho para
profissionais qualificados e green cards não serão afetadas. "Até porque
existe uma escassez hoje de mão de obra nos Estados Unidos: são 7,4 milhões de
vagas abertas e apenas 7 milhões de desempregados, segundo o Departamento de
Trabalho", diz Leda Oliveira, CEO da AG Immigration.
Mas segundo
Margaret Peters, especialista em imigração e professora da Universidade da
Califórnia em Los Angeles (UCLA), demissões e cortes de servidores públicos que
trabalham nas embaixadas americanas pelo mundo e no Departamento de Segurança
Nacional podem fazer com que os processos se tornem mais demorados. "O
novo Departamento de Eficiência Governamental comandado por Elon Musk está
cortando muitos servidores, muitos dos quais podem trabalhar no processamento
de vistos", diz Peters. "Podemos ter atrasos em cima de
atrasos." A especialista lembra, porém, que Donald Trump e outros membros
de seu governo - Elon Musk entre eles - têm
expressado pontos de vista positivos em relação à imigração legal de
profissionais especializados. "Não vimos até agora uma grande reação
negativa em relação a pessoas altamente qualificadas, investidores ou
indivíduos ricos que querem imigrar para os EUA", diz.
Antes de Trump
tomar posse, Musk e outras personalidades no entorno do republicano, como o
empresário Vivek Ramaswamy, se manifestaram a favor da manutenção do programa
de vistos H-1B - outra categoria destinada a profissionais qualificados, mas
que exige uma oferta de trabalho, uma empresa patrocinadora do processo de
imigração e que possui data de expiração.
Essa modalidade é
muito utilizada por empresas de tecnologia para contratar estrangeiros em áreas
especializadas que exigem conhecimento teórico ou técnico.
Em seu primeiro
mandato, Trump chegou a aventar a possibilidade de diminuir a quota de vistos
H-1B emitidos pelo governo (atualmente há um limite de 85 mil vistos
autorizados anualmente). Mas após a defesa feita por alguns integrantes do seu
governo, o presidente passou também a defender o programa. "É um ótimo
programa. Tenho muitos vistos H-1B em minhas propriedades. Acredito no
H-1B", disse Trump ao jornal New York Post. "Mas não podemos esquecer
que a mudança de governo pode afetar o desejo de imigrar para um país onde a
retórica contra imigrantes latinos está crescendo tanto", pondera Margaret
Peters, em referência ao discurso anti-imigração de Donald Trump.
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'Estar
próximo das pesquisas mais avançadas'
O movimento de fuga
de cérebros do Brasil para os Estados Unidos já é observado há alguns anos,
ainda que em intensidade menor do que a registrada até agora em 2024. Em 2023,
por exemplo, o governo americano emitiu 28.050 green cards para brasileiros, o
maior volume da história, segundo o Departamento de Segurança Interna dos
Estados Unidos. E embora o green card possa ser emitido para imigrantes em
situações diversas, advogados especializados na área têm notado cada vez mais
casos de profissionais e pesquisadores deixando o Brasil em busca do documento.
Também no ano passado, o Brasil já havia sido o terceiro país que mais teve
cidadãos recebendo green cards via vistos EB-1 e EB-2, atrás apenas da China e
da Índia, também de acordo com o órgão do governo americano.
Cauê*, 41, também
recebeu seu green card em 2024. O empresário tem no currículo 23 anos de
experiência na área de bioinformática e nos últimos anos se especializou na
área de Inteligência
Artificial (IA) para
Medicina. "Estar nos Estados Unidos é estar mais próximo das pesquisas
mais avançadas na área médica e de IA", diz. "O Brasil está muito
longe desse nível de inovação." Ele deixou o Rio de Janeiro com a esposa
para abrir uma frente do seu negócio em solo americano. E desde agosto do ano
passado, quando completou o processo do seu visto EB-1 e se mudou para Miami,
na Flórida, Cauê afirma que sua empresa já conseguiu estabelecer boas relações
com instituições de prestígio no país, como a Universidade Stanford e a Mayo
Clinic, referência em saúde. Além de especialista em bioinformática, o
empresário carioca tem livros publicados na área, pesquisas aprovadas por
associações da área e é convidado com frequência para dar palestras sobre o
tema - histórico que sustentou sua petição para o visto de habilidades
extraordinárias.
·
Pesquisadores
em fuga
Outro lado da fuga
de cérebros é a emigração de pesquisadores e professores universitários. O Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), órgão vinculado ao Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação, estima que o Brasil tenha perdido 6,7 mil
cientistas entre 2015 e 2022 para o resto do mundo. Muitos desses pesquisadores
deixaram o país para buscar melhores condições para seguirem com seus estudos e
projetos no exterior — em muitos casos nos Estados Unidos.
Em 2023, o Brasil
foi o quarto país com mais pesquisadores e professores atuando em universidades
americanas, atrás apenas de China, Índia e Coreia do Sul, segundo o censo anual
Open Doors, conduzido pelo Instituto de Educação Internacional (IIE). Isso sem
contar os brasileiros que decidem iniciar seus estudos com uma graduação nos
Estados Unidos — e que serão beneficiados pelas mudanças colocadas em prática
pelo governo americano para permitir a permanência no país após o fim do curso.
Ao todo, segundo o IIE, 16.877 estudantes brasileiros estavam matriculados em
universidades ou faculdades americanas (para estudos de graduação,
pós-graduação ou formação não conferentes de grau) no ano acadêmico de
2023/2024. "Nunca recebi tantos e-mails de profissionais e cientistas no
Brasil buscando informações sobre oportunidades para pesquisa ou
doutorado-sanduíche nas universidades daqui como estou recebendo agora",
relata Gabrielle Oliveira, professora associada da Universidade de Harvard e
especialista em imigração e mobilidade.
O físico Henrique
Barbosa encontrou em uma universidade em Baltimore, no leste dos Estados
Unidos, uma oportunidade de trabalho como professor em que se sente mais
valorizado e amparado em sua pesquisa. Professor do Departamento de Física da
Universidade de Maryland, o paulista se mudou definitivamente com a esposa e o
filho pequeno no final de 2021, após passar um ano como professor visitante na
instituição em 2017. No Brasil, Barbosa era professor da Universidade de São
Paulo (USP), onde conduzia uma pesquisa sobre sistemas climáticos, com foco
especial na Floresta Amazônica. Também chefiou o Departamento de Física
Aplicada da universidade de 2018 a 2021. "Antes vivia em constante estado
de incerteza sobre o financiamento das minhas pesquisas. Variava muito de ano
para ano e dependia de questões externas, políticas", diz Barbosa. "Outro
aspecto que me fez querer sair do Brasil foi o custo de vida — apesar do
salário como professor universitário ser muito superior a da maioria dos
brasileiros, ainda sentia que poderia ser maior, considerando gasto com escola
particular do filho, seguro saúde e outros privilégios."
Em Baltimore, o
físico diz ter encontrado condições muito melhores de trabalho. "A
universidade investe muito não só nos salários, mas em nos tornarmos
professores melhores e termos pesquisas de sucesso", relata. "Antes
de eu chegar nos Estados Unidos, eu já tinha uma sala própria com meu nome na
porta. Enquanto sai da universidade no Brasil após 14 anos sem uma placa para
identificar meu local de trabalho." O pesquisador e a família vivem hoje
nos Estados Unidos com um visto H-1B (o mesmo defendido por Elon Musk e outros
empresários). Eles estão no processo de obtenção de um green card. Mas o
próprio visto EB-1 possui uma categoria específica dedicada a "professores
e pesquisadores de destaque", destinada a atrair cientistas.
·
Investimento
em educação
Quando se tratam de
cientistas e professores universitários, as razões apontadas pelos
especialistas para o aumento na "fuga de cérebros" refletem as
queixas mencionadas por Henrique Barbosa e outros cientistas: baixo
investimento em pesquisa, desvalorização do profissional e falta de perspectiva
na carreira. "Por mais que o Brasil tenha melhorado os investimentos em
pesquisa recentemente, as verbas disponíveis ainda são restritas", diz a
economista Graziella Comini, da USP. "Pesquisas que custariam R$ 200 mil
ou R$ 300 mil têm um orçamento de apenas R$ 60 mil aprovado, o que limita muito
o desenvolvimento, especialmente em áreas técnicas em que há muitos gastos com
laboratórios e equipamentos."
Atualmente, o
Brasil investe cerca de 1,2% do produto interno bruto (PIB) no setor de pesquisa
e desenvolvimento, segundo cálculos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Fapesp). O país mais do que duplicou seus investimentos na área
entre 2000 e 2022, mas os mais de US$ 35 bilhões investidos há dois anos são
inferiores a 2015, quando os dispêndios nacionais alcançaram US$ 41,3 bilhões,
ou algo em torno de US$ 54,4 bilhões, considerando a inflação atual. Para
atingir a taxa de 1,6% do PIB, proporção gasta por países como a Espanha e a
Itália, o Brasil precisaria investir ao menos R$ 43,6 bilhões (US$ 7,5 bilhões)
ao ano, diz a Fapesp. Os Estados Unidos investiram cerca de US$ 885,6 bilhões
em pesquisa e desenvolvimento em 2022, algo em torno de 3,5% do PIB. "A
verdade é que, com todos os problemas nos Estados Unidos, ainda tem muitas
oportunidades e muito dinheiro circulando para pesquisa. O país investe muito
nisso e nunca parou de investir", avalia Gabrielle Oliveira, pesquisadora
de Harvard.
Em 2024, o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fundação vinculada
ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que fomenta a pesquisa
científica e tecnológica no país, ampliou em cerca de 50% o orçamento destinado
à concessão de bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ), Produtividade em
Pesquisa Sênior (PQ-Sr) e em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora
(DT). Ainda assim, pesquisadores se queixaram da falta de bolsas de
pós-graduação. Em março deste ano, em um artigo publicado na revista Nature,
representantes da comunidade científica brasileira denunciaram o que disseram
ser cortes em bolsas de estudos. Os pesquisadores também criticaram mudanças de
alocação de bolsas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior). Após as reclamações, o CNPq reafirmou que aumentou o número de
bolsas, mas reconheceu que programas de qualidade podem ter sofrido perdas.
·
Demanda
reprimida, qualidade de vida e mercado aquecido
Mas o que tem
atraído tantos "cérebros" brasileiros para os Estados Unidos? Segundo
especialistas consultados pela BBC Brasil, trata-se de uma combinação de
fatores econômicos de nível macro, mas também circunstanciais e individuais. O
primeiro grande fator identificado por Gabrielle Oliveira, de Harvard, está
relacionado a uma demanda reprimida na imigração durante a pandemia de
covid-19. De acordo com a pesquisadora brasileira, o período em que as
fronteiras ficaram fechadas ainda está refletindo em um aumento na procura por
vistos e até na imigração ilegal, mesmo anos depois. "Durante a pandemia e
imediatamente após a covid, os imigrantes enfrentaram novos obstáculos para a
emissão de vistos, tanto de trabalho como de turismo", diz Oliveira "Com
isso mais brasileiros tentaram entrar ilegalmente pela fronteira. Ao mesmo
tempo, os pedidos de visto de quem buscava uma forma regular de viver aqui se
acumularam — e, agora, temos um aumento de aprovação nos últimos anos."
Os especialistas
também enxergam uma maior capacidade do mercado de trabalho nos Estados Unidos
de absorver — e reter a longo prazo — novos talentos e negócios. "Os
Estados Unidos passaram por um período econômico difícil nos últimos quatro
anos, com a inflação nas alturas", diz a professora de Harvard.
"Mas aos
poucos a economia está ficando mais forte — e, mais importante, se tornando uma
economia de desemprego baixo."
O Fundo Monetário
Internacional (FMI) prevê um crescimento de 2,8% para a economia americana em
2024 — menor do que os 3% calculados para o Brasil no mesmo ano. Mas, em geral,
economistas têm visto os resultados com otimismo, especialmente quando o
momento também é bom quando o assunto são as taxas de desemprego e a média
salarial. A taxa de desemprego dos EUA ficou em 4,2% em novembro, após chegar a
3,4% em janeiro e abril 2023 — a mais baixa em 55 anos. Já o salário médio por
hora aumentou 0,37% em relação a outubro, variação que ficou acima da projeção
do mercado, de queda de 0,3%. Na comparação anual, houve ganho salarial de
4,03% no último mês, acima da previsão de 3,9%.
Os salários nos
dois países variam muito a depender da área, grau de responsabilidade e
formação dos funcionários. O valor da moeda, o poder de compra e os impostos
pagos nos Estados Unidos e no Brasil também são totalmente diferentes. Mas para
efeito de comparação, a plataforma online Glassdoor estima o salário médio
mensal de um desenvolvedor de software em uma empresa americana como algo em
torno de US$ 11.032 mensais. Já no Brasil, a remuneração estimada pela mesma
plataforma e para o mesmo cargo é de R$ 7.250. "Por vezes as empresas
americanas procuram imigrantes justamente porque podem oferecer salários um
pouco menores", diz Oliveira. "Mas ainda assim, o custo-benefício
vale a pena para as famílias brasileiras, considerando o quadro completo em
relação à longevidade da carreira e bem-estar."
Graziella Comini,
economista e professora da Universidade de São Paulo (USP), também vê nos EUA
um mercado de trabalho mais promissor para o crescimento na carreira,
especialmente para profissionais de meia-idade. "As empresas americanas
veem mobilidade entre trabalhos com mais naturalidade. Ou seja: os
trabalhadores têm mais chances de trocar de empregador, melhorando seu posto e
salário", diz Comini. "Enquanto no Brasil muitos profissionais de
mais de 50 anos têm dificuldade de inserção no mercado, nos Estados Unidos, as
empresas tendem a lidar melhor com profissionais mais velhos." Já quando o
foco são os imigrantes que têm desejo de empreender, Comini identifica um
mercado de investimentos de capital de risco (venture capital, em inglês) mais
fortalecido nos Estados Unidos do que no Brasil. "Embora o ecossistema
brasileiro de organizações que alavancam novos negócios esteja se consolidando,
o americano ainda é muito maior, especialmente na área de tecnologia", diz
a economista da USP.
A especialista
afirma, porém, que também não são poucos os obstáculos para empreendedores
brasileiros no exterior, especialmente em termos de investimento inicial,
adaptação às legislação e concorrência. "Temos que lembrar que a
concorrência nos Estados Unidos é maior: existe sim um estímulo ao empreendedorismo,
com muitas organizações dinamizadoras que apoiam venture capital, mas é
inegável que existem mais alternativas e mais empreendedores concorrendo entre
si." Já em âmbito pessoal, os imigrantes são atraídos pelo mesmo conjunto
de fatores mencionados por muitos brasileiros que decidem deixar o país: mais
segurança, melhor qualidade de vida, acesso à educação pública de qualidade
para os filhos e estabilidade financeira.
Tiago Silva, 38, se
mudou para Nova York no início de 2025 após seu visto EB-1 ser aprovado.
Natural de Caruaru, Pernambuco, ele é personal trainer e atleta
de kettlebell sport, uma modalidade de levantamento de peso com um
halter que se assemelha a uma bola de ferro. Além de habilidades
extraordinárias nos campos da ciência, arte, educação e negócios, conquistas na
área do esporte também são reconhecidas pela modalidade EB-1 de visto. Silva
foi vice-campeão mundial de sua categoria em 2022 e representa o Brasil em
diversas competições ao redor do mundo. O pernambucano diz que viu nos Estados
Unidos a oportunidade de "juntar o útil ao agradável": "Percebi
que ao mesmo tempo em que poderia participar de mais campeonatos e me sentir
mais valorizado como atleta, também teria uma qualidade de vida melhor e mais
poder de compra", disse à BBC Brasil. "Quero ter minha própria casa e
trabalhar com o que eu amo", completa Tiago, que diz não ter planos de
voltar a viver no Brasil em um futuro próximo.
·
O
que o Brasil perde?
Para Graziella
Comini, o movimento de aumento na imigração de profissionais qualificados e
cientistas tem potencial de gerar "um efeito perverso". A queda na
produção de conteúdos científicos é uma consequência direta da "fuga de
cérebros", diz a especialista. A publicação de artigos científicos no
Brasil caiu 7,2% em 2023 na comparação com o ano anterior, segundo relatório da
editora Elsevier e da agência de notícias Bori. Mas além das perdas imediatas
em termos de desenvolvimento de conhecimento e inovação, especialistas se
preocupam com o futuro do campo científico no país. "Perdemos talentos que
desenvolvem inovações e também outras pessoas", diz a economista da USP. "Pesquisadores
de referência não só podem atuar como docentes, orientando outros alunos, como
servem de inspiração", prossegue. "E quando falamos de profissionais
que estão atuando diretamente no mercado de trabalho, a imigração pode afetar o
destino das organizações onde essas pessoas trabalhavam ou então impedir que
aquele talento sirva como referência par jovens que estão entrando agora no
mercado."
Comini, porém,
ressalta que o intercâmbio entre pesquisadores e até de funcionários em uma
mesma empresa, mas em países distintos, pode também trazer benefícios. "Os
pesquisadores ou trabalhadores que voltam ao Brasil depois de um período fora
pode trazer consigo muito conhecimento que certamente será útil", diz. "Mas
os profissionais que fazem a transição para um país como os Estados Unidos
muitas vezes investem muito dinheiro e tempo nessa mudança - e não tem intenção
de voltar ao seu país de origem."
Para o carioca
*Cauê, sua mudança para os Estados Unidos não afeta em nada sua capacidade de
colaborar com o Brasil, onde mantém a sucursal original de sua empresa de
biotecnologia. "Meus planos são de continuar morando aqui", diz.
"Mas sei que o que é desenvolvido aqui nos EUA também vai beneficiar o
Brasil e a população. Todos os países estão na luta pela inteligência
artificial e tudo que desenvolvermos aqui podemos aplicar no Brasil. Não vou
perder o laço." O empresário também diz estar se sentindo bem recebido em
solo americano, apesar das mais recentes políticas do governo Trump. "Não
percebi nada de diferente. Especialmente na minha área, todos me tratam muito
bem e ficam, inclusive, feliz que eu esteja aqui", diz.
*O
nome foi alterado a pedido do entrevistado, que preferiu não se identificar
Fonte: BBC News
Brasil
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