Alertas no WhatsApp e
lockdown: brasileiros relatam estratégias para evitar agentes da imigração nos
EUA
Os
relatos de imigrantes que vivem nos Estados Unidos e que temem serem pegos pela
imigração por estarem em situação irregular são parecidos: pessoas sem sair de
casa, crianças sem ir para escola, grupos de sentinelas observando a
movimentação dos agentes da Imigração e Alfândega dos EUA (ICE).
"Tem
dias que dá uma minimizada na polícia, tem dias que é 'caô'", diz um
imigrante que vive na Flórida e preferiu não se identificar. Ele afirma que
mantém comunicação, pelo aplicativo de mensagem WhatsApp, com grupos de
imigrantes, que passam informação em tempo real sobre as ações do ICE.
O
brasileiro, que trabalha na área de construção civil, tem dois filhos no país e
teme ser deportado por estar "sem status", isto é, sem permissão
legal para estar no país.
"Já
parou [ICE] na frente de um condomínio de um amigo meu e pegou uns dois, três
lá", detalha. "Está fazendo muito medo na gente por aqui. Está todo
mundo com medo. Não tem como você andar, muito complicado, muito tenso",
afirma.
O
maior temor dele — que chegou a deixar de trabalhar alguns dias — é de ser
separado dos filhos caso seja deportado e eles não.
"O
medo é deixar as crianças para trás. Com quem vão ficar as crianças? São poucas
as pessoas que a gente conhece. Se eu for pego, não dá para pedir um americano
para pegar", argumenta.
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Ajuda financeira
André
Simões é gerente de projetos em uma das maiores organizações sociais de Boston,
a Brazilian Worker Center. Ele conta que a entidade tem recebido muitas
ligações com pedidos de ajuda, inclusive de ajuda financeira.
"As
pessoas não estão indo trabalhar e quando elas não vão trabalhar — porque a
maioria dos trabalhos é por hora — isso a afeta bastante toda a
comunidade", detalha.
"A
comunidade está com muito medo e ficando em casa mesmo. Essa é a primeira
medida de proteção, de ficar em casa, não sair", pondera.
Ainda
segundo ele, o aplicativo de mensagens é usado para disparar alertas quando
imigrantes avistam agentes do ICE em alguma região.
"A
comunidade usa muito WhatsApp para se comunicar, então a gente sabe onde tem
grupos de brasileiros que moram perto, têm condomínios inteiros e bairros. E o
ICE, que é a polícia de imigração, tem estado presente por lá, então ninguém
sai de casa", destaca.
A
Brazilian Work Center tem feito, junto com outras organizações especializadas
na questão imigratória, sessões do que eles chamam de "conheça seus
direitos" ou, em inglês "know your rights".
André
explica que essas sessões são informativas, para que as pessoas conheçam, de
fato, os seus direitos, como agir e não agir caso tenham alguma interação com a
imigração. Alguns dos encontros contam com a presença de advogados.
"A
gente tem ido bastante em igreja, tem vários eventos em escola, centros
comunitários, on-line. Inclusive, tem vários eventos que a gente tinha que eram
presenciais e foram remarcados para o modo on-line, porque as pessoas estão com
medo de sair", cita Simões.
Na
ocasião das reuniões, os imigrantes podem assinar um documento chamado
"caregiver update", que é uma permissão para que uma outra pessoa
possa ser responsável por buscar o filho do imigrante na escola. E, segundo
ele, há debates para que as crianças tenham aulas remotas.
"São
justamente esses documentos que ajudam a comunidade a se preparar junto desses
eventos que a gente faz", frisa.
"A
gente ainda não sabe o tamanho do impacto, mas a gente sabe que localmente isso
já representa algum impacto, pelo menos na minha percepção, quando eu vou para
os comércios, eu vejo que está muito mais vazio, tem muito menos imigrantes e
que as crianças têm deixado de ir para escola", completa.
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Crianças e imigrantes recém chegados são mais vulneráveis
Uma
professora brasileira que vive em Massachusetts, que preferiu o anonimato,
revela que as próprias crianças estão com medo. Ela atende crianças do
primário.
"Eles
se sentem com uma liberdade maior de falar comigo, por eu ser imigrante. Então,
muitas vezes eles chegam lá e falam: 'E se a imigração vier aqui? Se o ICE vier
aqui? Se me pararem na hora que eu sair do ônibus da escola. Vocês vão me
ajudar? O que vocês vão fazer? Então, a gente vê nos olhos das crianças o
medo", afirma.
Segundo
ela, desde a posse de Trump e a implementação das
políticas de deportação acelerada, o número de faltas cresceu 50%.
"O
número de faltas é imenso. Cada professor é responsável por marcar a presença
de alguns alunos. Eu sou responsável por um grupo. Eu recebo numa prancheta uma
lista dentro do ônibus. Na semana passada, por exemplo, a maioria que é
imigrante faltou", explica.
Em
entrevista ao g1, uma
socióloga brasileira e organizadora comunitária da equipe do Massachusetts
Immigrants and Refugees Advocacy Coalition (MIRA) também frisou a
vulnerabilidade de imigrantes que acabaram de chegar aos Estados Unidos.
"Na
internet, os algoritmos espalham muita informação errada, de coisas que estão
acontecendo em outros lugares, como se fossem aqui. E no WhatsApp também. Então
isso tem continuado trazendo um medo muito grande, onde os pais não levam os
filhos para as escolas, nem para as creches, também evitam de atender as
consultas médicas que já estavam planejadas e até mesmo de ir na igreja",
detalha.
Outra
questão destacada pela socióloga é a possibilidade do ICE
realizar prisões em locais protegidos, como igrejas escolas e hospitais, já que o
Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês) revogou uma
diretriz de 2021 que
proibia a prisão de imigrantes nessas áreas.
"Infelizmente,
uma das ordens executivas derrubou aquela proteção de igrejas ser uma área
sensível, era chamada aqui de 'sensitive locations', e isso fez com que mais
uma camada de medo fosse adicionada para as nossas comunidades. A gente sabe
que as igrejas cumprem um papel central aqui na sociabilidade da comunidade.
Então, no momento, a gente ainda está atravessando essa fase, está bem
difícil", menciona.
Há
quatro anos, o governo Biden justificou que as prisões em edifícios protegidos
poderiam criar uma sensação de medo em instituições que fornecem serviços
básicos. Além disso, a gestão acreditava que todos, incluindo imigrantes,
teriam direito à saúde, educação e religião.
🔎Com a revogação das
medidas adotadas por Biden, agentes de segurança poderão prender imigrantes em
áreas consideradas protegidas pelo governo.
"Ontem
[quarta] à noite eu estive numa dessas igrejas dando palestras sobre os seus
direitos, como se comportar, como interagir com a polícia federal, ensinando
qual que é a distinção da polícia local para a polícia federal, quais são as
responsabilidades", sinaliza a socióloga.
"A
gente trouxe políticos pró-imigrantes. A prefeita da cidade disse com todas as
letras que as escolas estão fechadas para qualquer ação da polícia imigratória.
Então, a gente espera que com essas ações, aos poucos, a comunidade vá
entendendo e aprendendo quais são as responsabilidades de cada órgão local aqui
e vá superando isso aos poucos", prossegue.
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Apresentação de defesa
O
advogado Antonio Massa Viana, que atua com direito de imigração em
Massachusetts, pondera que ao mesmo tempo em que esses grupos organizados em
aplicativos ajudam, algumas vezes criam pânico desnecessário entre os
imigrantes, como uma ocasião em que alertaram sobre drones sobrevoando uma
região.
"Nesse
dia, muitos imigrantes não enviaram seus filhos para a escola", diz.
Tem
um lado positivo de se manter informado, mas nem tudo é real. O que nós temos
feito é o trabalho de conscientização para poder preparar as pessoas, não
assustá-las. Temos feito muitas lives. Isso tudo para esclarecer e, também,
fazer consultas individuais", observa.
Viana
relata que tem feito encontro em igrejas e outras entidades para dar esses
esclarecimentos, onde muitos pais admitem que têm evitado enviar os filhos para
a escola.
"Ninguém
pode prever se vai ser preso pelo ICE, mas podemos explicar como as pessoas
podem se preparar para uma audiência de fiança, podemos orientar as pessoas
para indicar com quem vão deixar suas crianças, quem vai cuidar dos bens que
deixarem no país", elenca.
Ele
orienta que as pessoas busquem instituições sérias, que compartilham
informações corretas e lembra que nem todas as pessoas estão passíveis à
deportação acelerada, que há algumas formas de defesa que se aplicam a
imigrantes.
"Para
algumas categorias de imigrantes é permitido apresentação de defesa. Há defesas
específicas que se aplicam dependendo da condição em que se encontra no país,
os vínculos que têm naquele local", exemplifica.
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Trump
recorre à Suprema Corte para demitir funcionário de alto escalão de agência
governamental
O
governo do presidente Donald Trump pediu à
Suprema Corte dos EUA que intervenha em sua tentativa de demitir o chefe de uma
agência independente dos EUA responsável por proteger denunciantes do governo,
segundo documento judicial revisado pela agência de notícias Reuters.
Este
é o primeiro embate legal envolvendo as ordens executivas de Trump a chegar ao
mais alto tribunal do país desde que ele assumiu o cargo, em 20 de janeiro. A
Suprema Corte é dominada por juízes conservadores, alguns deles indicados pelo
republicano durante seu primeiro mandato, entre 2017 e 2020.
O
Departamento de Justiça solicitou à Suprema Corte que suspenda imediatamente a
ordem de 12 de fevereiro de um juiz federal que bloqueou temporariamente a
demissão de Hampton Dellinger, chefe do Escritório de Conselheiro Especial. O
caso ainda não foi registrado oficialmente na Suprema Corte.
O Escritório de Conselheiro Especial permite
que denunciantes relatem irregularidades dentro de agências federais do governo
dos EUA e
investiga queixas de retaliação. O escritório também é responsável por fazer
cumprir a Lei Hatch, que restringe a participação política de funcionários
federais.
Esta
é mais uma das várias ordens executivas assinadas por Trump, de cortar gastos
públicos e desmantelar agências federais, que enfrentam desafios legais e
bloqueios por tribunais.
A
Casa Branca demitiu Hampton Dellinger em 7 de fevereiro, principal advogado do
Escritório do Conselho Especial. Nomeado pelo ex-presidente Joe Biden,
Dellinger tinha um mandato de cinco anos, com término previsto para 2029. Ele
entrou com um processo depois de receber um e-mail informando que Trump o havia
demitido "com efeito imediato".
Um
tribunal distrital ordenou que o cargo de Dellinger fosse restabelecido. No
sábado (15), o Tribunal de Apelações dos Estados Unidos rejeitou o
pedido do governo Trump para anular a decisão.
A
ordem judicial que bloqueou a demissão de Dellinger é um "ataque sem
precedentes à separação de poderes", afirmou a procuradora-geral interina
Sarah Harris no documento.
"A
Suprema Corte não deve permitir que tribunais inferiores sequestrem o poder
executivo ao ditar ao presidente por quanto tempo ele deve continuar empregando
um chefe de agência contra sua vontade", escreveu Harris.
O
recurso apresentado no domingo (16) pelo governo Trump também chamou a decisão
de "ataque sem precedentes à
separação de poderes".
A
tentativa de demitir Dellinger é a mais recente ação do governo Trump para
expulsar funcionários que investigam irregularidades no governo federal. No mês
passado, Trump demitiu 17 inspetores-gerais que atuavam como supervisores
independentes dentro de suas agências, sem apresentar justificativa.
Trump,
que iniciou seu segundo mandato no mês passado, lançou uma investida liderada
por seu principal doador, o bilionário Elon Musk, para reduzir ou desativar
setores do governo americano. Musk é o chefe do Departamento de Eficiência
Governamental (Doge, na sigla em inglês), com a tarefa de reduzir a máquina
pública do governo dos EUA.
No
entanto, as ordens executivas de Trump e demissões em massa de agentes federais
têm enfrentado uma resistência crescente dos tribunais, com várias ordens
emitidas contra a administração com base em 40 ações judiciais.
Entre
as ações judiciais está a tentativa de congelar US$ 3 trilhões (cerca de R$
17,18 trilhões) em subsídios e empréstimos federais, um programa de demissão
voluntária para funcionários do governo e um plano para transferir presos
transgêneros para prisões masculinas.
O
governo Trump também entrou em conflito com juízes sobre seu plano de abolir a
cidadania por direito de nascimento, enviar migrantes venezuelanos para
Guantánamo, cortar fundos para os Institutos Nacionais de Saúde e demitir
funcionários da Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional (USAID).
Fonte: g1
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