Violência
decorrente do uso de agrotóxicos explode no Brasil
A violência
decorrente de contaminação por agrotóxicos no Brasil aumentou mais de 850% em
um ano, aponta a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em um relatório sobre
conflitos do campo divulgado nesta segunda-feira (02/12). Foram 182 casos de
contaminação registrados no primeiro semestre deste ano, frente a 19 no mesmo
período do ano passado.
De
acordo com a organização, a maior parte das ocorrências (156) foi registrada no
Maranhão, "onde comunidades estão sofrendo severas consequências da
pulverização aérea do veneno".
"A
contaminação por agrotóxicos é uma violência contra as condições de existência
das comunidades. Ela está relacionada ao avanço da fronteira agrícola e à
expansão das monoculturas transgênicas altamente dependentes de
agrotóxicos", afirma Valéria Pereira Santos, da Coordenação Nacional da
CPT.
"Em
2024, o maior registro de ocorrência dessa violência ocorreu no estado do
Maranhão devido à articulação de organizações e comunidades, que intensificaram
as denúncias de contaminação de comunidades por meio da pulverização aérea.
Como ação de resistência, está sendo promovida uma campanha pela aprovação de
um projeto de lei contra a pulverização aérea", diz Santos.
A
CPT realiza esse levantamento desde 1976, e o novo dado referente aos
agrotóxicos é o maior da série histórica. Os levantamentos são feitos pela
entidade com base em fontes coletas por seus agentes em todo o país, bem como
em divulgações de órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parceiras
ao longo do ano.
• "Chuvas de
veneno"
O
alarmante dado divulgado nesta segunda revela um efeito direto da pulverização
aérea de pesticidas utilizados pelo agronegócio no Brasil. Na União Europeia,
por exemplo, esse tipo de atividade é proibida desde 2009, por causa dos danos
potenciais à saúde pública e ao meio ambiente.
No
Brasil, apenas o Ceará tem uma legislação semelhante, proibindo as chamadas
"chuvas de veneno". A mesma foi questionada pela Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mas, em maio do ano passado, acabou
sendo entendida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Relatora
da ação, a ministra Carmen Lúcia afirmou na ocasião que seu voto levava em
consideração "os perigos graves, específicos e cientificamente comprovados
de contaminação do ecossistema e de intoxicação de pessoas pela pulverização
aérea de agrotóxicos".
A
decisão do STF abre espaço para que outros estados brasileiros adotem posturas
semelhantes. Projetos de lei para banir a pulverização tramitam em estados como
São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Minas Gerais, e o próprio Maranhão, entre
outros, com resistências de entidades ruralistas.
Na
esfera federal, também há projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados
buscando proibir a pulverização aérea. Atualmente, uma norma do Ministério da
Agricultura proíbe esse tipo de ação a menos de 500 metros de cidades, povoados
e mananciais ou a menos de 250 metros de moradias isoladas. Mas ativistas
reclamam da baixa fiscalização.
• Altos índices de
violência no campo
De
forma geral, o novo relatório da CPT aponta uma leve queda no número de vítimas
da violência do campo, embora os dados sigam em um patamar alto, na avaliação
da entidade. No total, foram registradas 1.056 ocorrências de conflitos no
campo no primeiro semestre de 2024 — no mesmo período do ano passado foram
1.127, recorde da série histórica. Os dados consolidados de 2024 serão
apresentados em abril do ano que vem.
"Houve
uma pequena redução no número de conflitos pela terra em comparação ao mesmo
período de 2023 […], mas os números revelam o relato de uma realidade ainda
grave, de altos índices de violência", afirma a CPT. No primeiro semestre
deste ano foram 824 ocorrências de violências contra a ocupação e a posse e 48
ações de resistência; no mesmo período de 2023, haviam sido 849 violências e 89
ações.
Grilagem,
invasão e pistolagem também apresentaram redução, mas houve aumento das
ocorrências de ameaça de expulsão, que passaram de 44, em 2023, para 77, em
2024.
"No
caso das ocorrências de pistolagem, mesmo com a redução significativa de 150
para 88, este é o segundo maior registro da última década, atrás apenas de
2023, quando ocorreu o número recorde dessa violência", ressalta a CPT.
• Indígenas e posseiros
são maiores vítimas
Houve
uma mudança no quadro das maiores vítimas dos conflitos pela terra. Em 2023, os
povos indígenas lideravam o ranking. Agora, o posto é ocupado pelos posseiros,
ou seja, as famílias moradoras de comunidades tradicionais que ainda não têm a
titulação da terra. Foram 235 vítimas registradas em 2024. Entre indígenas,
foram 220. Na sequência aparecem quilombolas, com 116, e sem-terra, com 92.
Pelo
segundo ano consecutivo, os fazendeiros lideram o ranking dos maiores
causadores dessas violências, com 339 casos. Na sequência estão os empresários,
com 137 ocorrências, governo federal (88) e estaduais (44) e grileiros (33).
O
relatório indica uma redução no número de vítimas de assassinato por conflitos
no campo. No primeiro semestre deste ano foram registrados 6 casos, contra 16
no mesmo período do ano passado. Considerando o que a organização levantou até
novembro, o ano teve 11 casos. "Destes, quase metade dos assassinatos
foram cometidos por fazendeiros", destaca a CPT.
Entre
os assassinados estavam dez homens e uma mulher, a indígena Maria de Fátima
Muniz, conhecida como Nega Pataxó. Ela foi vítima de uma ação supostamente
coordenada por um grupo de ruralistas no dia 21 de janeiro de 2024 na Bahia. Na
ocasião, fazendeiros cercaram uma área ocupada por indígenas que reivindicavam
ser ali território tradicional. Eles tentaram recuperar a propriedade, mesmo
sem decisão judicial.
• Escravidão contemporânea
O
relatório também indica uma redução do número de casos de trabalho em situação
análoga à escravidão e de trabalhadores resgatados. Foram 59 casos e 441
trabalhadores rurais resgatados. Em 2023, foram 98 ocorrências e 1.395 pessoas
resgatadas.
"Pelo
segundo ano consecutivo, Minas Gerais foi o estado com o maior número de casos
de trabalho escravo no primeiro semestre do ano [20 registros]. Entretanto, o
Amazonas liderou em relação ao número de trabalhadores libertados, com um total
de 100 pessoas encontradas em condições análogas à escravidão em áreas de
desmatamento e garimpo", aponta a CPT.
"As
atividades de maior concentração de trabalhadores resgatados continuaram sendo
de lavouras permanentes, com 209 pessoas, seguida do desmatamento, com 75,
mineração, com 70, produção de carvão vegetal, com 44, e a pecuária, com 39,
demonstrando a grande contribuição do agronegócio e da mineração para a
perpetuação do trabalho análogo à escravidão", diz a comissão.
Órgão
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituição da Igreja
Católica, a CPT foi criada em 1975, como instrumento de denúncia a situação de
trabalhadores rurais, sobretudo na Amazônia, no contexto da ditadura militar.
• O que explica as
disputas de projetos de carbono na Amazônia
Em
meio à aprovação no Congresso do projeto para regulamentar o mercado de carbono
no Brasil, o tema vem sendo alvo de intensas disputas em estados amazônicos.
Nos
últimos meses, o Ministério Público Federal (MPF) cobrou maior transparência em
iniciativas e até pediu a suspensão de um projeto no Amazonas. Em todas as
situações, o temor é o de que os direitos de povos indígenas possam ser
violados durante as vendas dos créditos.
O
movimento ocorre em um contexto de ceticismo com as iniciativas ao redor do
mundo, com sua efetividade questionada e acusações de "greenwashing"
– estratégia utilizada para que uma empresa ou serviço venda sua imagem como
sendo melhor para o meio ambiente do que realmente é.
Durante
a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), a
ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, celebrou a
aprovação no Senado do mercado regulado de crédito de carbono, e disse que
"o contexto não poderia ser melhor".
No
entanto, na mesma época, o MPF ajuizou uma ação civil pública para que a
Justiça Federal suspendesse o projeto de crédito de carbono/REDD+ – Redução das
Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal –, lançado pela Secretaria de
Meio Ambiente do Estado do Amazonas (Sema) para as unidades de conservação
estaduais, onde habitam povos indígenas e tradicionais.
À
DW, o MPF do Amazonas afirmou que há várias irregularidades e riscos
identificados. "No projeto da Sema, comunitários e lideranças tradicionais
relataram em reuniões que não foram sequer ouvidos. Também informaram que nada
conhecem do tema crédito carbono", indicou.
No
Pará, neste mesmo mês, o MPF e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA)
requisitaram que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade
(Semas) cumprisse medidas urgentes para que as leis não sejam violadas em uma
eventual concretização da venda anunciada pelo governo do Pará de quase R$ 1
bilhão em créditos de carbono.
Neste
caso, além da falta de contato com as comunidades, existem dúvidas sobre a
legalidade do projeto, já que parte dos créditos seria decorrente de imóveis
rurais que não compõem o patrimônio fundiário do Estado do Pará, como terras
indígenas.
Os
questionamentos não são uma exceção brasileira. Inigo Wyburd, especialista em
políticas de mercados globais de carbono do Carbon Market Watch, afirma que a
ausência de um diálogo efetivo com as comunidades locais e indígenas é um
problema comum em projetos de REDD+. “As salvaguardas se destinam a proteger
estas comunidades e o ambiente, mas a sua implementação muitas vezes é
insuficiente”, aponta.
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"Cenário de violações"
Segundo
o MPF-AM, é possível constatar que há um "cenário de violações" em
diversos projetos e territórios. "Muitos dos contratos de créditos de
carbono estão sendo trabalhados e construídos em sigilo, sem qualquer
interferência ou participação dos órgãos de controle, nem mesmo Funai",
afirma.
Segundo
o órgão, há a constatação de que não está havendo boa fé e nem informação
adequada nas pretensas consultas em andamento, além de violações às consultas
já demonstradas. São registrados ainda atritos em vários projetos, entre os
comunitários, em face do assédio de empresas e instituições, aponta.
Neste
ano, a Agência Pública, apresentou o caso da Guiana, país pioneiro nos mercados
voluntários de carbono, com um modelo similar ao adotado no Pará. Em certa
região, a falta de planejamento para o destino dos recursos gerados pelos
projetos levou ao caso da construção de um shopping praticamente inutilizado em
uma aldeia. Em outras partes do país, as promessas das verbas beneficiando as
comunidades locais também foram pouco cumpridas.
"As
salvaguardas para proteger as comunidades são fracas e mal aplicadas, e os
benefícios muitas vezes não se materializam ou são distribuídos de forma
desigual", afirma Wyburd.
Além
das violações dos direitos das comunidades locais, neste ano, três projetos de
créditos de carbono foram suspensos na Amazônia depois que a Operação
Greenwashing, da Polícia Federal, mostrou a ligação entre os líderes das
iniciativas supostamente "verdes" e esquemas de grilagem de terras e
extração ilegal de madeira.
A
Verra, certificadora do projeto – uma das maiores do mundo no mercado
voluntário de carbono – anunciou a decisão em 10 de junho. "A suspensão de
uma conta é uma ação extraordinária que significa que nenhuma transação pode
ser feita na conta, incluindo os créditos mantidos na conta, até que todos os
problemas ou incertezas identificadas tenham sido resolvidos", declarou.
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Preocupação global com eficácia
Estudos
realizados pela sociedade civil revelaram que muitos projetos de REDD+
superestimam significativamente o seu impacto, levantando sérias preocupações
sobre a sua credibilidade, afirma Wyburd. Um relatório do Carbon Market Watch
chegou à conclusão de que apenas uma a cada 13 iniciativas REDD+ representou
uma queda real no desmatamento, o que fica em linha com outros estudos
divulgados pelo mundo.
Uma
publicação do Projeto de Comércio de Carbono da Universidade de Berkeley
concluiu que o excesso de crédito é "significativo e generalizado" em
projetos REDD+. A divulgação cita um estudo publicado na revista Science, que
avalia os efeitos de 26 projetos deste tipo em seis países de três continentes,
descobrindo que a maioria não reduziu significativamente o desmatamento. Nos
que o que o fizeram, as reduções foram substancialmente inferiores às
reivindicadas.
"A
questão central reside no fracasso das metodologias existentes em garantir a
precisão. As linhas de base são frequentemente inflacionadas, as fugas são
subestimadas e os estoques de carbono são exagerados, resultando na emissão de
créditos de carbono de baixa qualidade", explica o especialista.
A
publicação do Projeto de Comércio de Carbono afirma que as metodologias são
comumente escritas pelos desenvolvedores dos projetos, enquanto os promotores
se beneficiam da geração de mais créditos com menos investimento, e os
compradores conseguem créditos de custo mais baixo.
Para
Wyburd, nos projetos atuais, há ainda uma falta significativa de transparência
financeira, particularmente no que diz respeito à divulgação pública de
informações pelos principais intervenientes. Com base em um estudo do seu
observatório, ele lembra que a maioria dos promotores de projetos está baseada
no Norte Global, enquanto os próprios projetos estão em grande parte no Sul,
levantando questões críticas sobre os fluxos financeiros.
"Após
anos de crescente escrutínio por parte dos meios de comunicação social e da
sociedade civil, a procura de créditos REDD+ estagnou significativamente",
aponta. O especialista cita a relutância das empresas em adquirir créditos
sobrestimados, já que se corre o risco de acusações de greenwashing, o que já
levou várias empresas a enfrentar desafios legais.
Por
sua vez, Wyburd cita alguns desenvolvimentos positivos. "Iniciativas como
o Conselho de Integridade para os Mercados Voluntários de Carbono (ICVCM) estão
trabalhando para estabelecer padrões de referência de maior qualidade para
créditos de carbono, enfatizando a transparência, a precisão e a inclusão das
partes interessadas", explica.
Fonte:
DW Brasil
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