Mutação
genética: entenda como funciona e seu papel na ocorrência de doenças
Mutação
genética é um termo que frequentemente evoca um sentido de mistério e
ambiguidade, provocando discussões que vão desde a biologia evolutiva até a
medicina personalizada. O fato é que cada alteração no DNA são uma força motriz
tanto na diversificação da vida quanto no desenvolvimento de várias doenças
humanas.
Com
avanços em tecnologia e pesquisa, a compreensão científica sobre mutações
genéticas tem crescido exponencialmente. Isso permite não apenas um diagnóstico
mais preciso de condições médicas, mas também abre portas para novas terapias.
Neste
texto, vamos explorar o que são mutações genéticas, as diferentes formas que
elas podem assumir, suas causas e consequências. Também vamos entender como a
ciência está aprendendo a detectá-las, compreendê-las e, em alguns casos,
corrigi-las.
• O que é uma mutação
genética
Uma
mutação genética pode ser tão pequena quanto a mudança de uma única base ou tão
grande quanto a adição ou remoção de grandes segmentos de DNA. Além disso, pode
ser causada por uma variedade de fatores. Dependendo da natureza e localização
da mutação, os efeitos sobre o organismo podem variar amplamente, desde
inconsequentes até profundamente impactantes.
• Causas e processos
envolvidos
As
principais causas das mutações genéticas são:
• Erros de replicação:
Durante a divisão celular, o DNA se replica para garantir que ambas as células
filhas recebam uma cópia completa do genoma. Ocasionalmente, erros ocorrem
durante esse processo, levando a mutações.
• Agentes mutagênicos:
substâncias ou fatores que, quando em contato com células, possuem a capacidade
de induzir mutações no material genético (DNA), podendo ser transmitidos para
gerações futuras. Podem ser categorizados em três grupos: agentes químicos, que
incluem substâncias carcinogênicas que podem alterar as ligações químicas do
DNA ou substituir nucleotídeos por moléculas semelhantes; agentes físicos, que
compreendem fatores como radiação ionizante e radiação UVC, que danificam as
ligações químicas do DNA; e agentes biológicos, como vírus e bactérias, que
podem inserir seu DNA nas células hospedeiras.
Também
há alguns processos envolvidos na ocorrência de mutações. São eles:
• Substituição de bases:
Uma base no DNA é substituída por outra. Dependendo de onde ocorre, a mudança
pode ter pouco ou nenhum efeito ou pode resultar em uma alteração significativa
na função ou estrutura de uma proteína.
• Deleções e inserções:
Segmentos de DNA podem ser removidos (deleções) ou adicionados (inserções).
Estas mutações frequentemente causam uma mudança no “quadro de leitura” do
código genético, o que pode levar a proteínas malformadas ou não funcionais.
• Recombinação genética:
Durante a formação de óvulos e espermatozoides, os cromossomos podem se
rearranjar, levando a trocas de segmentos entre eles. Isto pode resultar em
novas combinações de genes, algumas das quais podem causar mutações.
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Tipos de mutação genética
Uma
mutação genética pode ocorrer em uma variedade de formas e pode afetar o DNA de
diferentes maneiras. Vários tipos de mutações foram identificadas, cada uma com
suas próprias características distintas:
• Duplicação: mutação
cromossômica que envolve a criação de cópias de um segmento específico do
cromossomo, potencialmente afetando a sequência de códons. Frequentemente, está
associada à perda desse segmento (deleção) no cromossomo homólogo.
• Deleção: a perda de um
segmento cromossômico, seja na extremidade, seja no interior. Essa mutação
cromossômica também pode resultar em uma alteração na sequência de códons.
• Inserção: Ocorre quando
um ou mais nucleotídeos são adicionados ao DNA. Assim como as deleções, as
inserções podem alterar o quadro de leitura do DNA.
• Mutação com sentido:
outro tipo de mutação molecular, onde a alteração no nucleotídeo leva à síntese
de um aminoácido diferente do esperado.
• Mutação sem sentido: uma
mutação molecular em que a alteração no nucleotídeo resulta na formação de um
códon de término, indicando o encerramento prematuro da cadeia de aminoácidos
durante a síntese de proteínas.
• Mutação silenciosa:
caracteriza-se como uma mutação molecular em que a mudança no nucleotídeo do
DNA não causa uma alteração no aminoácido sintetizado.
• Mutação frameshift:
envolve a inserção ou deleção de bases nitrogenadas, o que modifica a sequência
de códons, resultando em uma sequência de aminoácidos diferente ou, em alguns
casos, em um códon de término.
Esses
tipos de mutações genéticas podem ter uma variedade de efeitos, desde nenhuma
alteração perceptível até condições genéticas graves.
• Mutação genética
adquirida x hereditária
Mutações
genéticas podem ser categorizadas com base em como são recebidas. As mutações
hereditárias são aquelas passadas de pais para filhos. Ou seja, estão presentes
no DNA desde a concepção. Elas estão em todas as células do corpo, incluindo as
células germinativas (óvulos e espermatozoides), o que as torna hereditárias.
Por
outro lado, as mutações adquiridas, ou somáticas, não são hereditárias. Elas
ocorrem após a concepção e podem surgir em qualquer momento da vida de um
indivíduo. Resultam de erros na replicação do DNA ou de exposições a agentes
mutagênicos, como radiação ou substâncias químicas. Elas afetam apenas as
células nas quais ocorrem e suas células descendentes. Dessa forma, não são
passadas para a próxima geração.
Papel
das mutações genéticas na ocorrência de doenças
O
DNA é o manual de instruções para o funcionamento adequado do corpo humano.
Alterações nesse manual, especialmente mutações no DNA, podem levar a erros na
função celular, resultando em várias doenças.
• Doenças genéticas
causadas por mutações pontuais
Mutações
pontuais referem-se a alterações em uma única base do DNA. Essas pequenas
mudanças podem ter efeitos significativos na função de um gene.
Um
exemplo clássico é a anemia falciforme, causada por uma única mutação pontual
no gene da beta-globina. Essa mutação altera um aminoácido na cadeia de
hemoglobina, levando à formação de hemoglobina anormal. Consequentemente,
eritrócitos (glóbulos vermelhos) em forma de foice, que podem obstruir os vasos
sanguíneos.
• Doenças genéticas
causadas por mutações estruturais
Mutações
estruturais envolvem grandes alterações na estrutura do DNA, como deleções,
inserções ou translocações. A síndrome de Down é um exemplo, onde há uma cópia
extra do cromossomo 21. Outra doença causada por mutação estrutural é a
síndrome de Williams-Beuren, resultante de uma deleção em uma região específica
do cromossomo 7. Essa condição é associada a características faciais distintas,
problemas cardíacos e deficiência intelectual.
• Mutação genética e
câncer
O
câncer é fundamentalmente uma doença genética. Ele surge de mutações acumuladas
em genes que regulam o ciclo celular. Essas mutações podem ser hereditárias,
como as encontradas nos genes BRCA1 e BRCA2, que aumentam o risco de câncer de
mama e ovário.
No
entanto, a maioria das mutações associadas ao câncer é adquirida ao longo da
vida devido à exposição a agentes mutagênicos ou erros na replicação do DNA.
Elas promovem o crescimento celular descontrolado e a formação de tumores. Por
exemplo, mutações no gene TP53, um importante gene supressor de tumor, foram
identificadas em muitos tipos diferentes de câncer.
• Doenças genéticas raras
Existem
milhares de doenças genéticas raras, muitas das quais são causadas por mutações
específicas. Um exemplo é a Síndrome de Alport, uma doença renal rara causada
por mutações nos genes COL4A3, COL4A4 ou COL4A5. Outra é a Síndrome de Marfan,
um distúrbio do tecido conjuntivo resultante de mutações no gene FBN1.
• Detecção e diagnóstico
de mutações genéticas
A
identificação precisa de mutações genéticas é fundamental para o diagnóstico de
diversas doenças, orientação de tratamentos e aconselhamento genético. Avanços
tecnológicos têm facilitado a detecção de mutações com maior precisão. Assim,
permitem intervenções médicas mais direcionadas e informando melhor os
pacientes sobre seus riscos e opções genéticas.
• Métodos de detecção de
mutações genéticas
Os
métodos para detectar mutações variam em função do tipo e localização da
mutação. Técnicas tradicionais incluem a análise do polimorfismo dos fragmentos
de restrição do DNA genômico (RFLP) e a reação em cadeia da polimerase (PCR).
Essa última, em particular, permite amplificar seletivamente regiões
específicas do DNA para análise subsequente.
• Tipos de testes
genéticos de acordo com a finalidade
Os
testes genéticos abrangem uma variedade de técnicas para analisar o DNA, RNA e
proteínas associadas. Dependendo da finalidade, eles podem ser categorizados
em:
• Testes de diagnóstico:
Identificam mutações específicas associadas a doenças já manifestadas no
indivíduo.
• Testes preditivos:
Detectam mutações em indivíduos assintomáticos mas que têm risco de desenvolver
doenças genéticas.
• Testes de portador:
Também conhecidos como teste de compatibilidade genética, identificam se o casal é possui mutações genéticas
recessivas que poderiam ser transmitidas a seus filhos e gerar doenças.
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Sequenciamento de nova geração (NGS) na identificação de mutações
O
sequenciamento de nova geração (NGS) transformou a genômica. Diferente dos
métodos tradicionais que sequenciam um único fragmento de DNA por vez, o NGS
permite o sequenciamento paralelo de milhões de fragmentos. Desse modo, oferece
uma visão abrangente do genoma. Isto facilita a identificação de mutações,
mesmo aquelas que são raras ou estão em regiões anteriormente inexploradas do
genoma.
• Exames pré-natais e
detecção de mutações genéticas em bebês
A
identificação de mutações genéticas antes do nascimento permite a preparação
dos pais. Exames pré-natais invasivos, como a amniocentese e a biópsia de
vilosidades coriônicas, realizados quando há alguma suspeita de problema,
coletam células do feto para análise genética. Além disso, testes de DNA livre
fetal no sangue materno podem identificar mutações no DNA fetal circulante.
• Uso de biomarcadores
genéticos no diagnóstico de mutações
Biomarcadores
genéticos são sequências de DNA ou RNA que indicam a presença ou risco de uma
doença genética. Eles são valiosos no diagnóstico precoce, monitoramento da
progressão da doença e orientação do tratamento. Por exemplo, certas mutações
em determinados genes podem indicar a probabilidade de um tumor responder a um
tratamento específico.
• Avanços científicos e
futuro das pesquisas em mutação genética
CRISPR-Cas9,
uma técnica de edição de genes, é uma das maiores revoluções da biotecnologia
moderna. Originado a partir de um mecanismo de defesa bacteriano, o CRISPR
permite a correção direcionada de mutações genéticas específicas.
Ao
“cortar” e “colar” seções do DNA, cientistas podem, teoricamente, corrigir
mutações causadoras de doenças. Isso abre portas para o tratamento de condições
genéticas anteriormente consideradas incuráveis.
Apesar
de sua promessa, a técnica também levanta preocupações éticas. Especialmente
quando são consideradas edições germinativas que afetariam gerações futuras.
• Terapia gênica
A
terapia gênica visa tratar doenças substituindo, inativando ou introduzindo
genes no corpo humano. Ao introduzir cópias funcionais de genes defeituosos em
células de pacientes, é possível restaurar funções celulares normais.
Nos
últimos anos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou
alguns tipos de terapia gênica no país. A primeira foi em 2020, com a aprovação
do uso dessa técnica para tratamento de Doenças Hereditárias da Retina. Elas
são consideradas raras e causadas por mutações no gene RPE65, provocando a
perda da visão.
Pouco
tempo depois, uma outra terapia gênica foi aprovada pelo órgão para tratar
pacientes com Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença também rara. O objetivo
do tratamento é suplantar a falta do gene SMN1. Ele é responsável pela
sobrevivência do neurônio motor e pelo controle do movimento muscular.
Já
em 2022, a Anvisa aprovou pela primeira vez um produto de terapia gênica para
tratamento de câncer. Dessa forma, pessoas com até 25 anos de idade que tenham
Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) e pacientes adultos com linfomas podem se
beneficiar dessa autorização.
• Estudo de associação do
genoma completo e identificação de mutações
O
estudo de associação do genoma completo (GWAS) examina todo o genoma de muitos
indivíduos para identificar variantes genéticas associadas a doenças. Ao
comparar genomas de pacientes e controles saudáveis, ajudam a descobrir
milhares de variantes associadas a uma diversas condições, desde doenças
cardíacas a traços de personalidade. Essas descobertas estão melhorando
compreensão das bases genéticas de muitas doenças e apontando novos alvos para
terapias.
• Papel da medicina
personalizada no tratamento de mutações genéticas
Com
a descoberta de inúmeras mutações genéticas associadas a doenças, a medicina
está se movendo cada vez mais para terapias personalizadas. A medicina
personalizada considera o perfil genético individual para prever a
susceptibilidade à doença, prevenir seu desenvolvimento e otimizar estratégias
de tratamento.
Por
exemplo, em oncologia, o sequenciamento genético de tumores pode ajudar a
identificar as melhores opções terapêuticas para cada paciente. Assim,
maximizam a eficácia e minimizam os efeitos colaterais.
• Importância das mutações
genéticas na evolução e diversidade
Além
de seu papel nas doenças, as mutações genéticas impulsionam a evolução e a
diversidade. Elas introduzem variação nos genomas, sobre a qual a seleção
natural pode atuar. Enquanto algumas mutações são deletérias, outras podem
conferir vantagens adaptativas. Ou seja, permitindo que os organismos prosperem
em ambientes em mudança.
Portanto,
a compreensão das mutações é importante não apenas para a medicina, mas também
para entender a história e o futuro da vida na Terra.
Fonte:
Futuro da Saúde
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