segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Mutação genética: entenda como funciona e seu papel na ocorrência de doenças

Mutação genética é um termo que frequentemente evoca um sentido de mistério e ambiguidade, provocando discussões que vão desde a biologia evolutiva até a medicina personalizada. O fato é que cada alteração no DNA são uma força motriz tanto na diversificação da vida quanto no desenvolvimento de várias doenças humanas.

Com avanços em tecnologia e pesquisa, a compreensão científica sobre mutações genéticas tem crescido exponencialmente. Isso permite não apenas um diagnóstico mais preciso de condições médicas, mas também abre portas para novas terapias.

Neste texto, vamos explorar o que são mutações genéticas, as diferentes formas que elas podem assumir, suas causas e consequências. Também vamos entender como a ciência está aprendendo a detectá-las, compreendê-las e, em alguns casos, corrigi-las.

•                        O que é uma mutação genética

Uma mutação genética pode ser tão pequena quanto a mudança de uma única base ou tão grande quanto a adição ou remoção de grandes segmentos de DNA. Além disso, pode ser causada por uma variedade de fatores. Dependendo da natureza e localização da mutação, os efeitos sobre o organismo podem variar amplamente, desde inconsequentes até profundamente impactantes.

•                        Causas e processos envolvidos

As principais causas das mutações genéticas são:

•                        Erros de replicação: Durante a divisão celular, o DNA se replica para garantir que ambas as células filhas recebam uma cópia completa do genoma. Ocasionalmente, erros ocorrem durante esse processo, levando a mutações.

•                        Agentes mutagênicos: substâncias ou fatores que, quando em contato com células, possuem a capacidade de induzir mutações no material genético (DNA), podendo ser transmitidos para gerações futuras. Podem ser categorizados em três grupos: agentes químicos, que incluem substâncias carcinogênicas que podem alterar as ligações químicas do DNA ou substituir nucleotídeos por moléculas semelhantes; agentes físicos, que compreendem fatores como radiação ionizante e radiação UVC, que danificam as ligações químicas do DNA; e agentes biológicos, como vírus e bactérias, que podem inserir seu DNA nas células hospedeiras.

Também há alguns processos envolvidos na ocorrência de mutações. São eles:

•                        Substituição de bases: Uma base no DNA é substituída por outra. Dependendo de onde ocorre, a mudança pode ter pouco ou nenhum efeito ou pode resultar em uma alteração significativa na função ou estrutura de uma proteína.

•                        Deleções e inserções: Segmentos de DNA podem ser removidos (deleções) ou adicionados (inserções). Estas mutações frequentemente causam uma mudança no “quadro de leitura” do código genético, o que pode levar a proteínas malformadas ou não funcionais.

•                        Recombinação genética: Durante a formação de óvulos e espermatozoides, os cromossomos podem se rearranjar, levando a trocas de segmentos entre eles. Isto pode resultar em novas combinações de genes, algumas das quais podem causar mutações.

<><> Tipos de mutação genética

Uma mutação genética pode ocorrer em uma variedade de formas e pode afetar o DNA de diferentes maneiras. Vários tipos de mutações foram identificadas, cada uma com suas próprias características distintas:

•                        Duplicação: mutação cromossômica que envolve a criação de cópias de um segmento específico do cromossomo, potencialmente afetando a sequência de códons. Frequentemente, está associada à perda desse segmento (deleção) no cromossomo homólogo.

•                        Deleção: a perda de um segmento cromossômico, seja na extremidade, seja no interior. Essa mutação cromossômica também pode resultar em uma alteração na sequência de códons.

•                        Inserção: Ocorre quando um ou mais nucleotídeos são adicionados ao DNA. Assim como as deleções, as inserções podem alterar o quadro de leitura do DNA.

•                        Mutação com sentido: outro tipo de mutação molecular, onde a alteração no nucleotídeo leva à síntese de um aminoácido diferente do esperado.

•                        Mutação sem sentido: uma mutação molecular em que a alteração no nucleotídeo resulta na formação de um códon de término, indicando o encerramento prematuro da cadeia de aminoácidos durante a síntese de proteínas.

•                        Mutação silenciosa: caracteriza-se como uma mutação molecular em que a mudança no nucleotídeo do DNA não causa uma alteração no aminoácido sintetizado.

•                        Mutação frameshift: envolve a inserção ou deleção de bases nitrogenadas, o que modifica a sequência de códons, resultando em uma sequência de aminoácidos diferente ou, em alguns casos, em um códon de término.

Esses tipos de mutações genéticas podem ter uma variedade de efeitos, desde nenhuma alteração perceptível até condições genéticas graves.

•                        Mutação genética adquirida x hereditária

Mutações genéticas podem ser categorizadas com base em como são recebidas. As mutações hereditárias são aquelas passadas de pais para filhos. Ou seja, estão presentes no DNA desde a concepção. Elas estão em todas as células do corpo, incluindo as células germinativas (óvulos e espermatozoides), o que as torna hereditárias.

Por outro lado, as mutações adquiridas, ou somáticas, não são hereditárias. Elas ocorrem após a concepção e podem surgir em qualquer momento da vida de um indivíduo. Resultam de erros na replicação do DNA ou de exposições a agentes mutagênicos, como radiação ou substâncias químicas. Elas afetam apenas as células nas quais ocorrem e suas células descendentes. Dessa forma, não são passadas para a próxima geração.

Papel das mutações genéticas na ocorrência de doenças

O DNA é o manual de instruções para o funcionamento adequado do corpo humano. Alterações nesse manual, especialmente mutações no DNA, podem levar a erros na função celular, resultando em várias doenças.

•                        Doenças genéticas causadas por mutações pontuais

Mutações pontuais referem-se a alterações em uma única base do DNA. Essas pequenas mudanças podem ter efeitos significativos na função de um gene.

Um exemplo clássico é a anemia falciforme, causada por uma única mutação pontual no gene da beta-globina. Essa mutação altera um aminoácido na cadeia de hemoglobina, levando à formação de hemoglobina anormal. Consequentemente, eritrócitos (glóbulos vermelhos) em forma de foice, que podem obstruir os vasos sanguíneos.

•                        Doenças genéticas causadas por mutações estruturais

Mutações estruturais envolvem grandes alterações na estrutura do DNA, como deleções, inserções ou translocações. A síndrome de Down é um exemplo, onde há uma cópia extra do cromossomo 21. Outra doença causada por mutação estrutural é a síndrome de Williams-Beuren, resultante de uma deleção em uma região específica do cromossomo 7. Essa condição é associada a características faciais distintas, problemas cardíacos e deficiência intelectual.

•                        Mutação genética e câncer

O câncer é fundamentalmente uma doença genética. Ele surge de mutações acumuladas em genes que regulam o ciclo celular. Essas mutações podem ser hereditárias, como as encontradas nos genes BRCA1 e BRCA2, que aumentam o risco de câncer de mama e ovário.

No entanto, a maioria das mutações associadas ao câncer é adquirida ao longo da vida devido à exposição a agentes mutagênicos ou erros na replicação do DNA. Elas promovem o crescimento celular descontrolado e a formação de tumores. Por exemplo, mutações no gene TP53, um importante gene supressor de tumor, foram identificadas em muitos tipos diferentes de câncer.

•                        Doenças genéticas raras

Existem milhares de doenças genéticas raras, muitas das quais são causadas por mutações específicas. Um exemplo é a Síndrome de Alport, uma doença renal rara causada por mutações nos genes COL4A3, COL4A4 ou COL4A5. Outra é a Síndrome de Marfan, um distúrbio do tecido conjuntivo resultante de mutações no gene FBN1.

•                        Detecção e diagnóstico de mutações genéticas

A identificação precisa de mutações genéticas é fundamental para o diagnóstico de diversas doenças, orientação de tratamentos e aconselhamento genético. Avanços tecnológicos têm facilitado a detecção de mutações com maior precisão. Assim, permitem intervenções médicas mais direcionadas e informando melhor os pacientes sobre seus riscos e opções genéticas.

•                        Métodos de detecção de mutações genéticas

Os métodos para detectar mutações variam em função do tipo e localização da mutação. Técnicas tradicionais incluem a análise do polimorfismo dos fragmentos de restrição do DNA genômico (RFLP) e a reação em cadeia da polimerase (PCR). Essa última, em particular, permite amplificar seletivamente regiões específicas do DNA para análise subsequente.

•                        Tipos de testes genéticos de acordo com a finalidade

Os testes genéticos abrangem uma variedade de técnicas para analisar o DNA, RNA e proteínas associadas. Dependendo da finalidade, eles podem ser categorizados em:

•                        Testes de diagnóstico: Identificam mutações específicas associadas a doenças já manifestadas no indivíduo.

•                        Testes preditivos: Detectam mutações em indivíduos assintomáticos mas que têm risco de desenvolver doenças genéticas.

•                        Testes de portador: Também conhecidos como teste de compatibilidade genética, identificam  se o casal é possui mutações genéticas recessivas que poderiam ser transmitidas a seus filhos e gerar doenças.

<><> Sequenciamento de nova geração (NGS) na identificação de mutações

O sequenciamento de nova geração (NGS) transformou a genômica. Diferente dos métodos tradicionais que sequenciam um único fragmento de DNA por vez, o NGS permite o sequenciamento paralelo de milhões de fragmentos. Desse modo, oferece uma visão abrangente do genoma. Isto facilita a identificação de mutações, mesmo aquelas que são raras ou estão em regiões anteriormente inexploradas do genoma.

•                        Exames pré-natais e detecção de mutações genéticas em bebês

A identificação de mutações genéticas antes do nascimento permite a preparação dos pais. Exames pré-natais invasivos, como a amniocentese e a biópsia de vilosidades coriônicas, realizados quando há alguma suspeita de problema, coletam células do feto para análise genética. Além disso, testes de DNA livre fetal no sangue materno podem identificar mutações no DNA fetal circulante.

•                        Uso de biomarcadores genéticos no diagnóstico de mutações

Biomarcadores genéticos são sequências de DNA ou RNA que indicam a presença ou risco de uma doença genética. Eles são valiosos no diagnóstico precoce, monitoramento da progressão da doença e orientação do tratamento. Por exemplo, certas mutações em determinados genes podem indicar a probabilidade de um tumor responder a um tratamento específico.

•                        Avanços científicos e futuro das pesquisas em mutação genética

CRISPR-Cas9, uma técnica de edição de genes, é uma das maiores revoluções da biotecnologia moderna. Originado a partir de um mecanismo de defesa bacteriano, o CRISPR permite a correção direcionada de mutações genéticas específicas.

Ao “cortar” e “colar” seções do DNA, cientistas podem, teoricamente, corrigir mutações causadoras de doenças. Isso abre portas para o tratamento de condições genéticas anteriormente consideradas incuráveis.

Apesar de sua promessa, a técnica também levanta preocupações éticas. Especialmente quando são consideradas edições germinativas que afetariam gerações futuras.

•                        Terapia gênica

A terapia gênica visa tratar doenças substituindo, inativando ou introduzindo genes no corpo humano. Ao introduzir cópias funcionais de genes defeituosos em células de pacientes, é possível restaurar funções celulares normais.

Nos últimos anos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou alguns tipos de terapia gênica no país. A primeira foi em 2020, com a aprovação do uso dessa técnica para tratamento de Doenças Hereditárias da Retina. Elas são consideradas raras e causadas por mutações no gene RPE65, provocando a perda da visão.

Pouco tempo depois, uma outra terapia gênica foi aprovada pelo órgão para tratar pacientes com Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença também rara. O objetivo do tratamento é suplantar a falta do gene SMN1. Ele é responsável pela sobrevivência do neurônio motor e pelo controle do movimento muscular.

Já em 2022, a Anvisa aprovou pela primeira vez um produto de terapia gênica para tratamento de câncer. Dessa forma, pessoas com até 25 anos de idade que tenham Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) e pacientes adultos com linfomas podem se beneficiar dessa autorização.

•                        Estudo de associação do genoma completo e identificação de mutações

O estudo de associação do genoma completo (GWAS) examina todo o genoma de muitos indivíduos para identificar variantes genéticas associadas a doenças. Ao comparar genomas de pacientes e controles saudáveis, ajudam a descobrir milhares de variantes associadas a uma diversas condições, desde doenças cardíacas a traços de personalidade. Essas descobertas estão melhorando compreensão das bases genéticas de muitas doenças e apontando novos alvos para terapias.

•                        Papel da medicina personalizada no tratamento de mutações genéticas

Com a descoberta de inúmeras mutações genéticas associadas a doenças, a medicina está se movendo cada vez mais para terapias personalizadas. A medicina personalizada considera o perfil genético individual para prever a susceptibilidade à doença, prevenir seu desenvolvimento e otimizar estratégias de tratamento.

Por exemplo, em oncologia, o sequenciamento genético de tumores pode ajudar a identificar as melhores opções terapêuticas para cada paciente. Assim, maximizam a eficácia e minimizam os efeitos colaterais.

•                        Importância das mutações genéticas na evolução e diversidade

Além de seu papel nas doenças, as mutações genéticas impulsionam a evolução e a diversidade. Elas introduzem variação nos genomas, sobre a qual a seleção natural pode atuar. Enquanto algumas mutações são deletérias, outras podem conferir vantagens adaptativas. Ou seja, permitindo que os organismos prosperem em ambientes em mudança.

Portanto, a compreensão das mutações é importante não apenas para a medicina, mas também para entender a história e o futuro da vida na Terra.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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