Luís
Nassif: Um governo passivo, a caminho do matadouro
O
que ocorreu nos últimos dias, foi um padrão de especulação financeira muito
comum nos anos 1990 e 2000.
Trata-se
do seguinte jogo:
1. Os maiores players do
mercado combinam um evento gatilho. É aquele em torno do qual formam-se
expectativas de alta, alavancadas pelos players com investimentos pesados na
ponta compradora do ativo. No caso presente, títulos do Tesouro, ações de
empresa, individualmente ou na forma de fundos multimercados.
2. O passo seguinte é a
entrada de investimentos externos no país, ou de grandes bancos internacionais
ou de capitalistas brasileiros com dinheiro no exterior. Esses recursos são
convertidos em reais, para entrada no jogo.
3. Todo o jogo é em reais,
mas a linha de análise é o preço dos ativos em dólares. Ou seja, embora todos
os contratos sejam negociados em reais, o parâmetro de precificação é o valor
dos contratos em dólares.
4. Aí se espera o momento do
evento-gatilho. Em períodos não muito antigos poderia ser a reforma da
Previdência, as votações do Supremo Tribunal Federal para facilitar venda de
estatais ou redução dos direitos trabalhistas. Forma-se a expectativa até à
véspera do evento. Na véspera, os grandes players começam a vender seus ativos
– seja qual for o resultado esperado – para realizar o lucro. Aprovando ou não
a reforma da Previdência, aprovando ou não a abertura para privatização, não
interessa: na véspera, começam a vender seus ativos.
5. Cria-se, então, o
movimento manada de queda. Vendo cair os preços, outros investidores tratam de
vender logo suas posições, para não morrer com o mico na mão (lembrando o jogo
de baralho do mico-preto). E aí, os preços despencam. E essa desvalorização dos ativos se reflete
na cotação do dólar real, afetando toda a economia, impactando a inflação,
encarecendo importações.
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Um Banco Central passivo
O
grande problema é o fato do Banco Central aceitar passivamente esse jogo. Além
de impedir qualquer atuação do BC para amenizar as flutuações de mercado, em
várias ocasiões Campos Neto tratou de provocar desequilíbrios com declarações
individuais visando influenciar as expectativas de mercado.
O
grande problema nessa história é a completa apatia do governo Lula em relação
ao mercado, ao sistema Faria Lima – e não se torne por reação declarações
agressivas, não acompanhadas de nenhuma ação.
Esse
movimento especulativo se faz com apostas em torno de preços de ativos. Como
autoridade monetária, o Banco Central tem condições de regular essas operações,
definir exigências de depósitos prévios de quem pretende entrar no jogo,
definir chamadas de margem (isto é, se os preços sobem ou descem, os vendidos
ou comprados, respectivamente, precisam depositar a diferença), atuar como dono
da banca, o único jogador que conhece as cartas dos demais jogadores.
Nada
disso é feito, e nem há sinais de que será no próximo ano. Essa postura
excessivamente cautelosa é uma marca do governo Lula como um todo.
Por
razões até compreensíveis – idade, histórico do que passou nos últimos anos,
condições desfavoráveis no Congresso, nas Forças Armadas e na mídia -, Lula não
aparenta participar do trabalho do dia a dia.
• O governo apático
No
Lula 2, o enorme sucesso não se deveu apenas à alta das commodities – que não
vai se repetir agora -, mas a um Ministério criativo, constantemente provocado
por Lula. Foi assim que nasceu o Bolsa Família, os movimentos de apoio ao
pequeno negócio, o apoio à inovação, a diplomacia comercial fantástica –
impulsionada pela reputação internacional de Lula.
Agora,
o que se vê é uma boiada indo em direção ao matadouro de 2026, completamente
paralisada.
Tome-se
a 5a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Pouco antes,
havíamos insistido aqui na urgência de definição de algo semelhante ao Plano de
Metas de JK ou ao New Deal, de Roosevelt: um plano de ação interministerial,
com participação de agentes econômicos e sociais, definindo diagnósticos, metas
e prazos. No encerramento da conferência, Lula fez um discurso conferindo aos
cientistas a montagem do plano. No próprio discurso, ele saudou Sérgio Rezende,
a quem chamou de maior Ministro de Ciência e Tecnologia da história.
Seria
um discurso histórico, uma virada de mesa, se fosse implementado. Quatro meses
depois, a Ministra de Ciência e Tecnologia sequer convocou os cientistas para
implementar qualquer coisa. Há áreas de excelëncia em planejamento estratégico
do governo, o CGEE (Centro de Gestão de Estudos Estratégicos), o IPEA
(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), a Finep (Financiadora de Estudos
e Pesquisa), a própria ENAP (Escola Nacional de Administração Pública) e o
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Pergunte se algum
desses atores foi convocado pelo MCTI para elaborar qualquer projeto.
Não
apenas aí. Tem-se um Ministério medíocre pela falta essencial de um
maestro-regente.
O
presidente da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial) tem em
suas mãos um belíssimo desafio: organizar pequenas e micro empresas em arranjos
produtivos, promover a integração entre grandes empresas inovadoras e seus
fornecedores, incluir o sistema S em sua estratégia). Dia sim, dia não, ele
solta excelentes twitters contra o mercado financeiro, pavimentando sua futura
carreira política. Mas quais os planos da ABDI? Quais os projetos portadores de
futuro?
• País carente
Ontem
vim lançar meu livro em Curitiba. Em um dos eventos, senhoras contaram o
trabalho que passaram a fazer em periferias, de organização de comunidades,
esforços individuais de quem quer dar sua contribuição isolada para vencer o
marasmo.
Há
uma demanda por otimismo nos setores democráticos e progressistas do país, um
receio concreto de volta do militarismo, nas eleições de 2026 ou 2030, pelas
mãos de Tarcísio de Freitas. Querem uma marca de governo, uma bandeira
aglutinadora. Depositam-se todas as esperanças nas mãos de uma pessoa, Lula.
Sem Lula o que será da democracia, nem se diga o que será do PT.
O
país tem a sorte de ainda contar com um político da dimensão de Lula, hoje em
dia a maior referência mundial pela paz, o estadista do momento em um mundo
dominado pela insensatez.
Mas
e o Lula presidente? A estratégia na qual ele aposta – de dois ou três anos de
austericídio para colher os frutos no último ano – não se repetirá. Não haverá
boom de commodities, a Faria Lima continuará com seu trabalho de
desestabilização, seja qual for o pacote fiscal. O governo vive a passividade
da boiada em direção ao matadouro.
A
próxima elevação da Selic provocará terremotos de monta no próximo ano,
explodirá as empresas que apostaram na manutenção do crescimento econômico e se
endividaram em CDI, ampliará a inadimplência dos consumidores. E,
especialmente, dará carne fresca para a mídia, que voltou aos tempos
pré-impeachment, pouco se lixando para o país, desde que se apresente um
presidente inescrupuloso o suficiente para privatizar a Petrobras e os bancos
públicos.
Há
bandeiras disponíveis, ideias em abundância, há a bandeira do empreendedorismo
solidário, em contraposição ao blefe do empreendedorismo individual da direita.
Falta
um Lula 2024 que se espelhe no exemplo de Lula 2008-2010 e se apresente para
salvar o futuro do país e da democracia.
• Governo desbloqueia R$
1,7 bilhão do Orçamento e diminui previsão de déficit fiscal
O
governo federal anunciou nesta sexta-feira (29) um desbloqueio de R$ 1,7 bilhão
no Orçamento. A medida ajusta o bloqueio total do ano para R$ 17,6 bilhões, uma
redução em relação aos R$ 19,3 bilhões previstos no relatório anterior de
despesas e receitas.
A
mudança reflete a medida provisória que cortou repasses de fomento à cultura
previstos na Lei Aldir Blanc, liberando recursos que haviam sido previamente
alocados. Apesar disso, os valores ainda representam um impacto significativo
nos ministérios, sendo os mais atingidos:
• Saúde: R$ 4,388 bilhões
bloqueados
• Educação: R$ 3,041
bilhões bloqueados
• Cidades: R$ 2,471
bilhões bloqueados
O
governo esclareceu que não há contingenciamento de despesas, mas sim bloqueio,
o que significa que recursos destinados a programas e ações ficam indisponíveis
para uso, embora permaneçam no Orçamento.
Na
semana passada, o governo havia anunciado o bloqueio de R$ 6 bilhões no
Orçamento.
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Déficit
Os
ajustes ocorrem dentro do contexto de esforço para atingir a meta fiscal do
ano, que prevê déficit zero, mas com margem de tolerância.
O
relatório mais recente revisou a previsão do rombo para R$ 27,7 bilhões, abaixo
da estimativa anterior de R$ 28,7 bilhões e ligeiramente dentro da meta
ajustada, que permite um déficit de até R$ 28,8 bilhões.
• Haddad diz a banqueiros
que pode avaliar novos cortes
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta sexta-feira (29) que o pacote
de cortes de gastos anunciado na última quarta-feira (27), que prevê uma
economia de R$ 70 bilhões em 2025 e 2026, "não é uma bala de prata" e
que "pode ser que daqui a três meses esteja debruçado sobre as planilhas
de gastos de novo".
"Se
tiver algum problema de cálculo, nós vamos voltar para a planilha, vamos voltar
para o Congresso, vamos voltar para o presidente da República, com a demanda
que nós achamos que é a correta", disse o ministro, em evento com
dirigentes de bancos da Febraban.
Haddad
destacou que não desenhou o pacote de cortes como uma "concessão" às
vontades de ninguém, mas sim porque acredita que os ajustes são o correto a ser
feito para a economia.
“É
fácil falar: ‘faz o ajuste, a lição de casa’. Não estou fazendo o ajuste para
fazer concessão a quem quer que seja. Eu acredito nele, eu defendo ele, porque
é uma crença, pela minha formação"
As
medidas anunciadas preveem mudanças, por exemplo, no salário-mínimo, em
programas sociais, na aposentadoria de militares e em emendas parlamentares.
Uma
das medidas é endurecer as regras para as pessoas que recebem o Benefício de
Prestação Continuada (BPC), de forma a obrigar a atualização de cadastros que
estejam desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos
administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID).
O
ministro disse, no evento, que um terço das pessoas beneficiadas pelo BPC não
têm suas deficiências cadastradas. "Não se sabe o que essas pessoas têm
para ter acesso ao BPC".
Especialistas
do mercado financeiro enxergam que, com as medidas, a equipe econômica do
governo está no caminho certo, mas podem não ser o suficiente para que as
despesas do país fiquem dentro do arcabouço fiscal (conjunto de regras que
determina os limites de gastos da União).
Isso
porque, junto com o pacote de gastos, o governo também anunciou um projeto de
lei que isenta pessoas com rendimentos mensais de até R$ 5 mil do pagamento do
imposto de renda.
O
cálculo do governo é que a medida custará R$ 35 bilhões aos cofres públicos,
mas espera compensar os gastos com a taxação dos mais ricos. A proposta inclui
uma alíquota de até 10% para pessoas com rendimentos acima de R$ 50 mil, mas o
mercado teme que isso não seja suficiente como compensação das despesas com a
isenção.
Com
essa percepção mais cautelosa, os ativos brasileiros viveram um dia de forte
desvalorização na última quinta-feira (28), com o dólar atingindo, pela
primeira vez na história, a marca dos R$ 6.
O
ministro afirmou, no entanto, que imagina que os participantes do mercado
financeiro devem reavaliar suas expectativas para a economia, tirando pressão
da moeda brasileira.
Haddad
ainda disse que o governo só não cumprirá a meta de déficit zero em 2024 porque
ele não conseguiu "aprovar tudo o que queria" no Congresso Nacional.
Entre os principais pontos, ele destaca a questão da desoneração da folha de
pagamentos e o Perse.
Mesmo
assim, o ministro disse que a relação com o Congresso é "ótima" e que
acredita que a tramitação das medidas de corte de gastos deve ocorrer de forma
tranquila e sem nenhum grande problema com o governo. "Se tivermos alguma
surpresa, será positiva".
Fonte:
Jornal GGN/g1
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