A corrida para
salvar o peixe mais caro do mundo das mudanças climáticas
US$ 3,1 milhões
(cerca de R$ 18,7 milhões).
O magnata do sushi
Kiyoshi Kimura pagou este valor extraordinário por um
atum-rabilho (bluefin) em 2019, durante um leilão em Tóquio, no Japão. O atum
de 278 kg (o mesmo peso de um urso-cinzento) foi o peixe mais
caro da história.
O atum é a família
de peixes com maior valor comercial do mundo. E o atum-rabilho, tipicamente
utilizado em sushis e sashimis, é o mais caro deles, segundo Sarah Glaser,
diretora da equipe de futuro dos oceanos da ONG
ambiental WWF nos Estados Unidos.
Um único
atum-rabilho atinge o preço de mais de uma
tonelada de atum-bonito, a menor e mais abundante espécie de atum. O alto
preço levou à pesca excessiva e a enorme demanda global por sushi reduziu
gravemente a população da espécie, que chegou à beira da extinção em 2010.
Existem três espécies de
atum-rabilho,
ou bluefin: o do Atlântico, do Pacífico e do Sul.
O atum-rabilho-do-atlântico se alimenta
em águas do litoral da América do Norte, da Europa e da África. Eles desovam no
Golfo do México e no mar Mediterrâneo.
O atum-rabilho-do-pacífico desova no
oeste do Oceano Pacífico e migra por mais de 8 mil quilômetros para se
alimentar no litoral da Califórnia. E o atum-rabilho-do-sul se alimenta
nas águas temperadas em volta da Austrália e migra para o sudeste de Java para
desovar.
Mas, nos últimos
anos, os países criaram quotas de pesca mais sustentáveis e combateram a pesca
ilegal. Com isso, a população de bluefins passou por uma extraordinária
recuperação.
Em 2021, a União
Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) reduziu
a classificação do atum-rabilho-do-atlântico de "ameaçado" para
"menor preocupação". Paralelamente, o atum-rabilho-do-pacífico se
recuperou, atingindo níveis superiores aos objetivos internacionais com uma
década de antecedência.
Já o atum-rabilho-do-sul
continua ameaçado, mas não está mais "criticamente ameaçado" na lista
vermelha da IUCN.
"É uma grande
história de sucesso", comemora o gerente do projeto de pesca da WWF,
Alessandro Buzzi, especialista na pesca do atum.
"Conseguimos
reverter esta tendência de pesca excessiva e colapso iminente das populações em
menos de 20 anos. Estamos agora em uma situação em que a pesca excessiva deixou
de ser uma ameaça."
Mas a espécie agora
enfrenta outro desafio importante: as mudanças climáticas.
Estudos demonstram
que o atum-rabilho é altamente sensível às mudanças de temperatura. Mesmo
pequenos aumentos afetam seu metabolismo, reprodução e hábitos alimentares.
Os cientistas
alertam que estas alterações causar impactos a outros animais marinhos e às comunidades
de pescadores.
Medindo entre 1,8 e
3 metros, o bluefin é o maior atum do mundo. Ele pode viver até 40 anos.
Estes peixes são
superpredadores. Eles caçam visualmente diversas espécies de peixe, como
arenques e cavalinhas.
Eles são peixes de
sangue quente e estão entre os nadadores mais rápidos do planeta. Os
atuns-rabilho migram por milhares de quilômetros todos os anos para desovar e
caçar, mas seus padrões de migração, agora, começam a se alterar.
·
Mudança
para o norte
Com o aumento das
temperaturas dos oceanos, os atuns-rabilho estão se mudando para águas mais
frias.
Um estudo recente
do Serviço Nacional de Pesca Marinha dos Estados Unidos concluiu que os
atuns-rabilho-do-atlântico, grandes e pequenos, estão se mudando mais para o
norte, até o litoral do Estado americano de Massachusetts, à velocidade de 4 a
10 km por ano.
Cientistas
irlandeses descobriram, em 2019, seis atuns-rabilho-do-atlântico gigantes que
se afastaram das suas rotas de migração, estabelecidas entre a Irlanda e o
golfo de Biscaia, entre a Espanha e a França, ou o Dorsal do Atlântico Norte, e
se moveram mais para o norte, em direção à Islândia. Acredita-se que esta nova
rota se deva a uma onda de calor marinho.
"Estamos
observando atuns-rabilho se alimentando em regiões incomuns, como o mar do
Norte [entre a Escandinávia e o Reino Unido], em torno da Escandinávia e na
Islândia", explica Buzzi. "Já estamos observando mudanças dos padrões
de migração."
Existem também
preocupações com o impacto do aumento das temperaturas sobre os campos de
desova, segundo Buzzi. Em junho e julho, os atuns-rabilho-do-atlântico migram
para o Mediterrâneo para desovar, o que faz do mar Mediterrâneo o mais
importante local de pesca de atum-rabilho do mundo.
Mas o Mediterrâneo
também é um foco da crise climática. As projeções indicam que, até o final do
século, as temperaturas médias da superfície do Mediterrâneo irão aumentar em 1
a 3 °C.
"Com
restrições tão estreitas e sem muita circulação e renovação, em comparação com
as grandes bacias oceânicas, o mar Mediterrâneo irá [sofrer] impactos muito
maiores e mais rápidos com as mudanças climáticas", afirma Glaser.
O aumento das
temperaturas pode afastar os jovens atuns do Mediterrâneo nos próximos 50 anos,
segundo um estudo da Universidade de Southampton, no Reino Unido. O estudo
concluiu que temperaturas do mar acima de 28 °C prejudicam o metabolismo e o
crescimento dos jovens atuns-rabilho.
Para descobrir este
limite crítico de temperatura, o professor de ecologia geoquímica Clive
Trueman, da Universidade de Southampton, desenvolveu um método pioneiro, que
analisa o metabolismo do atum-rabilho pelos seus ouvidos.
Especificamente,
Trueman e sua equipe procuraram uma característica chamada otólito – uma
estrutura de carbonato de cálcio encontrada no ouvido interno dos peixes,
responsável pelo seu equilíbrio e pela percepção de ruídos e vibrações.
Da mesma forma que
os anéis das árvores, os otólitos revelam a idade dos peixes e contêm isótopos
que descrevem suas condições ambientais no passado, segundo Trueman.
O professor explica
que os isótopos de oxigênio revelam a temperatura da água onde os peixes
viveram e os isótopos de carbono indicam a rapidez com que o peixe transformava
alimento em energia – ou seja, seu metabolismo.
"Estas duas
informações em conjunto nos fornecem a temperatura à qual vivia o peixe e sua
velocidade metabólica", explica Trueman.
O nível de detalhes
revelados pelos ossos sobre as condições de vida dos peixes não tem
precedentes. "É surpreendente. Basicamente, é como ter um smart
watch", diz o professor.
Os atuns-rabilho
precisam de água quente para desovar. Seus ovos se desenvolvem quando as
temperaturas atingem 20 °C. Mas, se a água se aquecer acima de um certo limite,
seu metabolismo começa a cair. "Este limite é de 28 °C", segundo Trueman.
A temperatura do
mar Mediterrâneo ultrapassou este limite crítico em agosto de 2024, quando a
temperatura média diária da superfície chegou ao nível recorde de 28,45 °C.
Segundo Trueman,
estudos demonstram que a espécie passa a maior parte do tempo nos 20 metros
superiores da coluna de água. "Por isso, é provável que as temperaturas da
água da superfície no Mediterrâneo sejam realmente críticas para os atuns
jovens (com menos de um ano de idade)", explica ele.
À medida que
aumentam as temperaturas dos oceanos, espera-se que o atum-rabilho mude suas
áreas de criação para longe do Mediterrâneo até águas mais frias, como o golfo
de Biscaia, segundo Trueman. "Se o habitat dos jovens realmente começar a
mudar, eles serão forçados a [migrar para] locais com outros tipos de pesca
tradicionais."
A preocupação é que
os jovens atuns acabem sendo pescados em locais de desova de anchovas e
sardinhas no golfo de Biscaia. "É preciso pensar em como alterar o
monitoramento ou as regulamentações de pesca para se adaptar a essa mudança de
distribuição", explica o professor.
·
Como
salvar o atum
A mudança dos
padrões de migração também irá afetar as comunidades pesqueiras que dependem da
pesca do atum para sua sobrevivência, segundo Alessandro Buzzi.
"No
Mediterrâneo, muitas comunidades pesqueiras dependem historicamente da passagem
do atum pela sua região do litoral em determinada época do ano", explica
ele.
"O atum traz
trabalho com base nessas migrações. Se as mudanças climáticas alterarem os
padrões migratórios, este sistema pode deixar de ser confiável."
"[Estas
comunidades] não observam a mudança das temperaturas dos oceanos e os modelos
ecológicos. O que eles veem é que precisam ir mais longe para pescar",
segundo Sarah Glaser. "Eles veem que os peixes estão se mudando, que eles
estão alterando seus hábitos migratórios."
Buzzi destaca que
comunidades pesqueiras menores já estão sofrendo os impactos das medidas
rigorosas introduzidas para evitar a pesca excessiva do atum-rabilho nas
últimas duas décadas.
No início dos anos
2000, "costumava haver centenas de barcos de pesca de atum-rabilho na
Itália... não havia regras", relembra ele. "Era possível pescar
bluefin sem restrições, de qualquer idade, mesmo antes que eles atingissem a
maturidade sexual."
A livre pesca
beneficiou barcos de pesca grandes e pequenos, mas também fez com que a
população da espécie chegasse perto do colapso em 2007.
As novas quotas de
pesca rigorosas levaram ao colapso de grande parte do setor de pesca de
atum-rabilho. "Agora, apenas 12 [barcos] estão autorizados a pescar
bluefin", segundo Buzzi.
Este sistema de
quotas fortemente regulamentado favorece os barcos maiores, com observadores a
bordo, em detrimento dos menores, explica ele. Em outras palavras, as
restrições ajudaram a restabelecer a população de peixes, mas nem sempre
priorizaram as necessidades das comunidades pesqueiras menores.
Para Buzzi,
"este é o próximo desafio que precisa ser enfrentado".
Mesmo com a
recuperação da população da espécie nos últimos anos, "o risco de
extinção, infelizmente, nunca desaparece", segundo Glaser. "Se
conseguirmos mudar nossas políticas e regulamentações e tornar a pesca muito
mais sustentável, muitos peixes conseguirão se adaptar às mudanças
climáticas."
Mas isso é mais
difícil para espécies de vida longa como o atum-rabilho – que não desova antes
de cerca de oito anos de idade – do que para pequenos peixes pelágicos, como as
sardinhas e as anchovas. Estes peixes menores se reproduzem com muita rapidez,
de forma que suas populações têm maior capacidade de reação às mudanças de
temperatura, segundo Glaser.
Para Clive Trueman,
"estamos a caminho da recuperação. Precisamos simplesmente garantir que
não iremos afundar com o próximo problema à nossa frente. Outras questões estão
surgindo."
Por fim, Glaser
destaca que os esforços globais para salvar a espécie não estão perdidos.
"Eu diria
cautelosamente que estamos observando avanços científicos importantes na
população de atuns-rabilho em todo o mundo", afirma ela. "E isso me
dá esperança."
Fonte: BBC News
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