Carlos
Bocuhy: Os desafios da diplomacia climática em 2025
Em 2024 houve poucos avanços na diplomacia ambiental
internacional. As grandes negociações sobre clima, biodiversidade e plásticos
não conseguiram atingir seus objetivos primordiais.
Isso ocorre quando a emergência desses temas nunca foi
tão evidente, denotando que a humanidade atravessa uma crise civilizacional.
Os alertas da ciência têm sido contundentes, como o do
clima, por parte do conceituado Instituto de Resiliência de Estocolmo e dos
recentes estudos sobre perda de biodiversidade divulgados pela União
Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
A crise instalada está também caracterizada por inação
dos líderes mundiais, que ocupam o palco das COPs de Clima e Diversidade
Biológica com discursos vazios, sem propostas reais que permitam avanços
positivos.
Os motivos do fracasso atingem as raias do absurdo. Por
exemplo, em 2024, o Azerbaijão, pequeno país petrolífero com deficiências
democráticas e de direitos humanos, foi sede da COP29, a cúpula global para
discutir eliminação gradual do petróleo. Foi pego de calças curtas ao tentar
usar a conferência para ampliar seus negócios no ramo de petróleo e gás.
Enquanto isso, o mundo constatava que 2024 quebrou o recorde do ano mais
quente registrado: no Brasil o RS foi devastado por inundações e um número alarmante de
incêndios florestais consumiu
mais de 1 milhão de hectares; a África e a América do Sul sofreram secas
severas; as bacias hidrográficas do Oeste brasileiro atingiram níveis de
criticidade; o calor perigoso atingiu grandes partes da Ásia, Europa e América
Central; a região de Valência no Mediterrâneo foi devastada por um tornado; e
os furacões, intensificados pela
água do mar anormalmente quente, atingiram o Caribe e o sudeste americano.
A tundra ártica, que já foi um sumidouro de emissões de
carbono, agora passou a emiti-lo: está oficialmente descongelada e
suficientemente propensa a incêndios florestais.
Como pode o ano de 2024, com problemas agudos bem
configurados, vir a apresentar resultados medíocres na diplomacia ambiental
internacional? A diplomacia climática nunca esteve diante de tão difícil
encruzilhada: a dura realidade planetária associada a comprovações da ciência
que atestam um estado de periculosidade apontando para uma trajetória sombria –
e sobretudo, a óbvia necessidade de mudança.
No cerne da diplomacia climática está o reconhecimento
sobre os impactos globais da mudança do clima, que transcendem fronteiras
nacionais e exigem soluções cooperativas internacionais. Seu nascimento formal
está também na gênese da diplomacia ambiental que teve início na Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, que já completou meio século.
Portanto, as casas diplomáticas nacionais tiveram
décadas para colher subsídios amparados em fortes aportes científicos.
Formam quadros especializados há mais de 30 anos, a partir da Conferência
Rio 92, que estabeleceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas.
Sua missão tem sido conduzir negociações climáticas.
Apesar de atingir a marca de 29 conferências, a diplomacia climática ainda não
logrou patamares mínimos que permitissem promover mudanças efetivas na
devastadora realidade global. A lacuna entre missão e eficácia acaba implicando
simulações e atuações teatrais.
A temporada diplomática ambiental de 2024 começou em
outubro, com a Colômbia sediando a 16ª Convenção das Nações Unidas sobre
Diversidade Biológica. A reunião buscava estancar a perda de ecossistemas e
espécies em todo o mundo. A Colômbia é um dos países com maior biodiversidade
da Terra, e felizmente tem se manifestado em afastar o país dos combustíveis
fósseis e reduzir o desmatamento. Mesmo com a
liderança motivada da Colômbia, a conferência terminou em decepção, pois o esforço
diplomático das nações reunidas não conseguiu chegar a um acordo sobre como as
metas de conservação da biodiversidade seriam monitoradas ou pagas. Ficou para
o ano que vem.
Em novembro, os negociadores diplomáticos de mais de
170 países se reuniram em Busan, na Coreia do Sul, para a quinta e última
rodada de negociações do tratado de poluição plástica da ONU. Não houve acordo,
apesar de os oceanos estarem cada vez mais contaminados.
O impasse se resumiu, mais uma vez, a quem arcaria com
os custos de reduzir o problema. Nesse caso, mais de 100 países queriam medidas para
conter a produção de plástico, não apenas encontrar novas maneiras de limpar os
resíduos. A proposta é estruturante e obviamente comprometeria a receita da
indústria de fabricação de plástico. Os países produtores de petróleo,
incluindo Arábia Saudita e Rússia (o plástico é feito principalmente de
petróleo e gás), pressionaram contra
essas medidas,
bloqueando o acordo. O tratado sobre o plástico ficou para o próximo ano.
O evento de maior visibilidade em 2024 foi a
conferência climática anual da ONU, onde as nações ricas historicamente
responsáveis pela maior parte das emissões de carbono do mundo deveriam
comprometer-se a financiar a mudança energética global, especialmente a dos
países em desenvolvimento, cuja demanda e crescimento irão poluir mais e mais o
planeta em futuro próximo.
Dos US $ 1,3 trilhão por ano esperados, apenas a
promessa de US $ 300 bilhões foi obtida. Esperava-se maior proatividade dos
maiores emissores de carbono do mundo, como os Estados Unidos, o que não
ocorreu.
O prognóstico é ainda pior. A eleição de Donald Trump,
no mês passado, levou a previsão real americana a zero dólares. Além dos EUA,
os partidos populistas de extrema-direita que vêm ganhando espaço na Europa
estão inclinados a enquadrar o financiamento climático como “dinheiro doado a
outros países ao custo de não reformar nossas próprias escolas”, afirma Linda
Kalcher, diretora executiva do think
tank climático europeu Strategic
Perspectives. Alguns dos países doadores estão no meio de uma crise
de inflação e custo de vida, observou Kalcher.
E o clima ficou para o ano que vem, na COP30, a ser
realizada no Brasil. Não resta dúvida que estamos atravessando cenário político
difícil para o grande projeto restaurador que cabe à diplomacia climática. As
negociações climáticas da ONU têm se baseado em atos de confiança recíproca.
Acreditava-se que os países que se beneficiam dos
combustíveis fósseis também assinariam acordos e passariam por transições
energéticas. Mas nos últimos anos a influência dos petroestados e das empresas
de petróleo e gás vem sucessivamente obstacularizando e retardando o progresso,
de forma que os observadores já estão argumentando que todo o processo das COPs
está se esfacelando, com lobistas cada vez mais presentes e liderando
conferências.
Al Gore, Ban-Ki-Mon e outros notáveis chamaram a
atenção para as reuniões sediadas e coordenadas em petroestados, como
Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão. Durante as negociações deste ano, um grupo
que inclui ex-líderes diplomáticos enviou uma carta à ONU
instando-a a reformar aspectos-chave das conferências, combatendo os conflitos
de interesse e com exigências sobre a construção de um processo democrático que
exigiria condições éticas para participar.
Indiscutivelmente, o projeto de diplomacia ambiental internacional
atingiu um momento de inflexão, na perspectiva de exaurir-se em sua própria
gênese institucional, quando esta, as nações, na prática demonstram ser
refratárias às mudanças necessárias. A liderança geopolítica global não atenta,
de forma responsável, para gravíssimo problema civilizacional.
A temperatura média global do ar na superfície do planeta de janeiro a
setembro de 2024 foi de 1,54 °C (com uma margem de incerteza de ± 0,13 °C) acima
da média pré-industrial, impulsionada por um evento El Niño de aquecimento, de
acordo com uma análise de seis conjuntos de dados internacionais usados pela
Organização Meteorológica Mundial (OMM), das Nações Unidas.
Em dez anos, e não para 2100 como os otimistas afirmavam, já atingimos o
patamar de segurança de aquecimento de 1,5ºC adotado como limite durante o
Acordo de Paris.
Não há mais janela de tempo para perder com teatralidade diplomática. A
principal questão que resta responder é quem deve pagar para evitar o pior dos
estragos das mudanças climáticas. Muitos países vão sucumbir às intempéries
climáticas sem grandes financiamentos de países ricos. Irão sofrer enormes
consequências das mudanças climáticas que não causaram e irão afundar em
dívidas que não podem pagar.
Isso não é fato novo na história da civilização. Raubwirtschaft,
como afirma o geógrafo Friedrich Ratzel, ou economia do roubo, da pilhagem, é
velha conhecida no trato de potências colonialistas para exploração dos “países
coloniais”. O busines-as-usual pratica duplo assalto
ecológico: protagoniza a causalidade dos problemas e agora estabelece barreiras
para sua solução.
O mundo se reunirá novamente no próximo ano, em Belém, Brasil, para a
COP30, a 30ª cúpula de negociações climáticas da ONU. Até lá, Trump estará no
cargo e provavelmente terá iniciado o processo para retirar os EUA da mesa de
negociações climáticas.
A tarefa será mais difícil em 2025. O cenário será ainda mais
adverso. Para reverter esse quadro, será necessário dar efetividade à
diplomacia climática e reconfigurar, de forma ética, as cúpulas globais.
¨
COP da Desertificação avança em
financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas. Por Gabriel Tussini
A 16ª sessão da Conferência das Partes (COP16) da
Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, realizada em
Riade, na Arábia Saudita, terminou com alguns avanços, porém sem o mais
esperado deles: a adoção de um protocolo global e vinculante de combate às
secas. O instrumento, defendido na abertura da conferência por países
africanos, teve oposição de partes como EUA, União Europeia e Argentina, que
defenderam o uso de estruturas já existentes e abordagens descentralizadas e
não-vinculantes.
A proposta foi uma das 7 elencadas no relatório entregue em
agosto pelo Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre a Seca (IWG), parte da
estrutura da convenção. Seria estabelecido um objetivo global, com metas e
indicadores que serviriam como “traduções tangíveis, de curto-prazo e
acionáveis do objetivo geral da política”. Eram previstos ainda mecanismos de
monitoramento, comunicação de informações e aprendizado, que ajudariam os
países a se manter dentro dos parâmetros estabelecidos, com transparência e
cooperação entre si.
O protocolo poderia oferecer uma “abordagem jurídica
ampla e abrangente para enfrentar a seca em todos os níveis”, segundo o
relatório. Sua adoção, porém, demandaria algum tempo para que os países
avaliassem as mudanças necessárias em suas leis, trazendo também os desafios de
se criar um “arcabouço aplicável e balanceado, relevante para todas as regiões
vastamente diferentes”, pontuou o documento.
As outras opções apresentadas pelo IWG foram uma emenda
à convenção, também vinculante; a adoção de uma decisão colaborativa com o
Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), para aumentar o
financiamento à resiliência contra secas; fortalecer a capacidade de acesso das
partes ao financiamento e à implementação de seus planos nacionais de combate
às secas por meio do Mecanismo Global, uma das estruturas internas da
convenção; uma declaração política formal de autoridades de alto nível; e uma
resolução “especial e ambiciosa” sobre secas – embora não exista um mecanismo
que obrigue as partes a seguirem esse tipo de decisão.
“Entre as 7 opções apresentadas pela COP, a África
defendeu o protocolo contra as secas. Nós estávamos seriamente apresentando
isto como africanos, porque somos o continente mais afetado. Esta é uma das
opções políticas mais abrangentes e proativas que irão abordar de forma efetiva
e proativa as secas ao redor do mundo”, defendeu Charles Lange, vice-diretor da
Autoridade Nacional de Gestão Ambiental do Quênia, citado pelo African
Climate Wire.
Ao mesmo veículo, o vice-ministro do Meio Ambiente da
Arábia Saudita e conselheiro da presidência da COP16, Osama Faqeeha, lembrou
que a convenção já prevê mecanismos contra a degradação dos solos e a
desertificação, através da meta de Neutralidade de Degradação de Solos (LDN, na
sigla em inglês). “O que falta é um instrumento para a seca”, cobrou.
Nos grupos de contato e reuniões informais – locais
onde as partes negociam ao longo dos dias –, porém, não houve consenso sobre
qual ou quais soluções adotar (poderiam ser adotadas mais de uma ou mesmo todas
em conjunto). “As partes precisam de mais tempo para chegar a um acordo sobre o
melhor caminho a seguir”, resumiu Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da
convenção, em seu discurso de encerramento ao fim da COP, na manhã do último
sábado (14) – um dia após o dia previsto para o encerramento, que levou mais
tempo que o planejado na esperança de se chegar a um acordo. A questão
continuará sendo discutida na COP17, marcada para julho de 2026, na Mongólia.
<><> Outras decisões trazem avanços
Apesar da falta de acordo naquela que era vista como a
mais importante medida a ser tomada na conferência, outras 39 decisões foram
adotadas ao longo dos 12 dias de COP, reportou o Instituto
Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD). “Depois da plenária de
encerramento, um delegado experiente observou que, embora tenha havido
negociações difíceis, algumas das decisões foram as mais fortes e inovadoras já
saídas de uma COP da Desertificação”, diz o resumo geral produzido pelo
instituto.
Entre as medidas estão a criação de dois novos comitês
representativos (“caucus”) para a convenção: um para Povos Indígenas e outro
para Comunidades Locais, em proposta articulada pelo Brasil, que se juntam aos
comitês de Gênero e de Juventude. A representação brasileira, reportou o IISD,
“argumentou que a convenção deve permitir que os mais vulneráveis influenciem
na tomada de decisões, destacando os comitês de Povos Indígenas e de
Comunidades Locais da Convenção sobre Diversidade Biológica [CBD, na sigla em inglês]”.
“Os Ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e do Meio
Ambiente e Mudança do Clima (MMA) lideraram a articulação das demandas dos
povos de diferentes países para a criação da instância de negociação, que vai
funcionar como um espaço de debate e integração dos povos de diversas partes do
mundo”, resumiu o governo
federal. “Como uma comunidade internacional, é essencial que aproveitemos o
conhecimento, a experiência e a expertise daqueles impactados pela degradação
da terra, desertificação e seca”, declarou o saudita Osama Faqeeha, citado pelo
MPI.
“Hoje foi feita história”, afirmou o australiano Oliver
Tester, representante indígena presente na conferência. “Estamos ansiosos para
defender nosso compromisso de proteger a Mãe Terra através de um comitê
dedicado, e deixamos este espaço confiando que nossas vozes serão ouvidas”,
discursou, citado pelo site
oficial da convenção.
Além disso, a conferência tornou permanente a Interface
Ciência-Política, órgão até então temporário da convenção responsável por
traduzir estudos científicos em recomendações de políticas públicas – cujo
corpo de especialistas produziu, por exemplo, o estudo lançado
durante a conferência que demonstra que 3/4 do planeta ficaram mais secos nas
últimas 3 décadas. Alguns debates, porém, lembraram que, ao unir a abordagem
científica com recomendações políticas, a convenção deve se preparar para lidar
com o lobby que atrasa o progresso de outras convenções climáticas da ONU,
segundo o IISD.
Outra reivindicação antiga, porém, não foi adotada por
divergência entre os países-membro – a permissão para que organizações da
sociedade civil tenham acesso aos grupos de contato. De acordo com o IISD,
China e Essuatíni argumentaram que a convenção é um mecanismo entre governos;
para a Malásia, as organizações deveriam ser observadoras das conferências e
permanecer de fora dos grupos de contato; para os Emirados Árabes Unidos, a
participação delas deveria se limitar à troca de conhecimentos e à
sensibilização da sociedade.
As partes, porém, concordaram em pedir ao secretariado
da convenção que estudasse como outros mecanismos ambientais multilaterais
permitiam o acesso da sociedade civil às negociações, com relatório a ser
apresentado na próxima COP.
Apesar da falha em negociar um mecanismo global contra
as secas, a convenção conseguiu aprovar um mecanismo de financiamento: a
Parceria Global de Resiliência à Seca de Riade, que atraiu compromissos de
doação num total de mais de 12 bilhões de dólares para ajudar “80 dos mais
vulneráveis países do mundo a construir sua resiliência à seca”, resumiu a ONU.
Para Osama Faqeeha, a iniciativa “vai mover a gestão de
secas para além da resposta reativa a crises, através da melhoria de sistemas
de alerta precoce, financiamento, avaliações de vulnerabilidade e mitigação dos
riscos de seca”. “Este é um momento marcante para o combate internacional à
seca, e chamamos os países, companhias, organizações, cientistas, ONGs,
instituições financeiras e comunidades para se juntar a esta parceria
fundamental”, disse o conselheiro
da presidência da COP16 ao site oficial da conferência.
Embora seja um passo considerável, a quantia por si só,
não é suficiente. De acordo com um relatório lançado pela
convenção no dia 3 dezembro, 2º dia da conferência, o mundo precisa de 2,6
trilhões de dólares em investimentos até 2030 para a restauração de mais de um
bilhão de hectares de terras degradadas e para a construção de resiliência às
secas – o equivalente a cerca de 1 bilhão de dólares por dia, ou 355 bilhões de
dólares por ano. A quantia total, pontua o relatório, é “equivalente ao que o
mundo desperdiça a cada ano em subsídios que ferem o meio ambiente”. A falta de
financiamento agravaria os efeitos atuais da seca, levando a instabilidades
econômicas, insegurança alimentar e migrações forçadas.
Apesar
da falta de consenso sobre um mecanismo global contra secas, o
secretário-executivo da convenção, Ibrahim Thiaw, se disse “cheio de esperança”
com a Parceria Global de Resiliência à Seca de Riade. “As 39 importantes decisões
que foram adotadas nesta COP servirão de orientação não apenas a todos os
governos do mundo, mas também ao setor privado, povos indígenas e comunidades
locais”, acrescentou Thiaw, que lembrou também que a COP foi um chamado à ação,
e que soluções “estão ao nosso alcance”, mas dependem de “vontade política”.
Fonte: ((O))eco
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