O sombrio passado
nazista da 'terra do Papai Noel'
A região da
Lapônia, no Círculo Polar Ártico, virou símbolo do Natal.
A cidade de
Rovaniemi, ao norte da Finlândia, atrai milhares de
turistas, todos os anos, para o famoso complexo da Vila do Papai Noel, que tem
hotéis, lojas, restaurantes e várias atrações turísticas, como passeios de
trenó na neve puxado por renas.
Mas, quem vê toda
essa magia natalina, não imagina que
tudo foi criado para esquecer um passado obscuro e reerguer uma cidade
destruída pelo nazismo na Segunda Guerra
Mundial.
Capital da Lapônia,
a pacata Rovaniemi tinha cerca de 6 mil habitantes quando foi invadida
pela União Soviética (URSS) em 30 de
novembro de 1939, três meses após o início do conflito.
Apesar de pequena,
a cidade tinha importância estratégica para a logística do Exército de Josef Stalin.
Dali é possível
pegar uma estrada de 500 km a Petsamo, onde fica o porto de Liinahamari,
outrora importante para o transporte fluvial de mercadorias soviéticas.
Esse território
fica onde hoje é a Rússia.
O conflito,
conhecido como a Guerra do Inverno, começou após um grande ataque surpresa da
União Soviética sobre a Finlândia.
O objetivo dos
soviéticos era conquistar Rovaniemi e depois seguir para a região de
Kemi-Tornio, perto da fronteira com a Suécia, onde havia importantes ferrovias.
O plano da URSS
nunca deu certo,
porque o Exército finlandês resistiu bravamente com a ajuda de voluntários
suecos, equipados com armas antiaéreas e aviões, segundo o historiador e
escritor finlandês Kalevi Mikkonen.
Alguns meses
depois, em 13 de março de 1940, Finlândia e União Soviética assinaram o Tratado
de Paz de Moscou e colocaram fim à Guerra de Inverno. Porém, o tempo foi
passando e a URSS ameaçava invadir a Finlândia novamente.
Para não correr
esse risco de novo, na primavera de 1941, o governo finlandês autorizou que 200
mil soldados do 20º Exército Alemão de Montanha, sediados na Noruega, se
deslocassem para a Lapônia para defender a fronteira.
Em troca, os
alemães teriam mais facilidade para invadir a União Soviética e, por meio de
Rovaniemi, chegar até Petsamo para explorar minas de níquel e tomar o porto de
Liinahamari.
Essa estratégia de
Adolf Hilter fazia parte da Operação Barbarossa, conhecida como a maior
ofensiva terrestre da história da humanidade, com a participação de cerca de 4
milhões de soldados, entre alemães e de outros de países, como Itália e
Hungria.
"A Finlândia
não conhecia os planos exatos da Operação Barbarossa até algumas semanas antes
do primeiro ataque alemão à União Soviética, em 29 de junho de 1941. Porém, o
país nórdico decidiu se aliar nessa primeira ofensiva, pois o Exército de
Stalin havia bombardeado várias cidades da Finlândia, incluindo Rovaniemi,
quatro dias antes do ataque alemão", explica Mikkonen.
Durante os três
anos seguintes, essa aliança entre os dois países continuou, mas o Exército
de Adolf Hitler foi
enfraquecendo e perdendo força.
Em 19 de setembro
de 1944, a Finlândia concordou em assinar um armistício com a União Soviética e
expulsar as forças alemãs.
Os nazistas
acabaram por deixar Rovaniemi, não sem antes destruir praticamente toda a
cidade.
Um caminhão cheio
de explosivos explodiu na estação ferroviária central e outras partes foram
incendiadas — os civis já haviam fugido e a cidade estava vazia.
O historiador
estima que quase 90% de Rovaniemi foi destruída antes da evacuação do Exército
nazista.
Em 2 de setembro de
1945, a Segunda Guerra Mundial terminou. O número oficial de mortes não é
certo, mas os livros de história calculam que até 80 milhões de pessoas tenham
morrido entre 1939 e 1945.
·
Reconstrução
Reerguer Rovaniemi
não era uma missão fácil.
A cidade não tinha
materiais de construção e boa parte daquela região do Ártico não produziu
comida suficiente para toda sua população na década de 1940.
Foi quando entrou
em cena a Administração de Ajuda e Reabilitação das Nações Unidas (UNRRA).
Criada em 9 de
novembro de 1943, durante uma conferência de 44 nações na Casa Branca, nos
Estados Unidos, sua missão era fornecer assistência econômica às nações
europeias devastadas após a Segunda Guerra Mundial.
O plano de colocar
Rovaniemi novamente no mapa coube a um famoso arquiteto da época, chamado Alvar
Aalto.
O finlandês fez um
projeto conhecido como Plano Municipal de Chifre de Rena, para que as estradas
da cidade formassem um desenho de chifres de rena, animal símbolo da região da
Lapônia.
Eleanor Roosevelt,
viúva de Franklin D.
Roosevelt,
presidente dos Estados Unidos de 1933 a 1945, era considerada a
"alma" da UNRRA com sua bandeira de ativismo humanitário.
Para conhecer o
projeto de Aalto de perto, ela marcou uma visita para Rovaniemi em 11 de junho
de 1950.
E foi a partir daí
que a história da cidade mudou para se tornar o que é hoje.
Um dos desejos de
Eleanor era cruzar a linha imaginária do Círculo Polar Ártico, que passa por
Rovaniemi.
Uuno Hannula, então
governador da Lapônia, não sabia como realizar esse desejo, já que a área onde
passa a linha não havia nada além de floresta, neve e vida selvagem.
Hannula pediu,
então, ajuda para o prefeito de Rovamiemi, e eles encontraram um terreno a
cerca de 100 metros de onde passa a linha do Ártico.
Eemeli Karinen,
proprietário do local, autorizou a construção de uma cabana de madeira que foi
feita em menos de duas semanas.
"A história da
cidade começou a mudar ali. E ninguém sabia. A cabana foi inaugurada em 11 de
junho de 1950 para receber a visita ilustre de Eleanor Roosevelt e marcou o
início do turismo no Círculo Polar Ártico", diz Sanna Kärkkäinen, CEO da
Visit Rovaniemi, empresa que administra o turismo na cidade.
Pela representatividade
mundial de Eleanor Roosevelt na época, a cabana por si só começou a virar
atração turística, inclusive outros chefes de estados se hospedaram lá.
Aos poucos, a
cidade foi criando infraestrutura para receber mais pessoas, aumentar
potencialmente os investimentos e gerar novos empregos.
Segundo a lenda
finlandesa, o Papai Noel mora dentro de uma montanha na Lapônia chamada
Korvatunturi, que fica na fronteira entre Finlândia e Rússia, a 320 km de
distância de Rovaniemi.
Uma parte dessa
formação rochosa se assemelha ao de uma orelha gigante — diz a lenda que o 'Bom
Velhinho' pode ouvir os desejos de todas as crianças do mundo por meio dela e
preparar os presentes na sua oficina secreta dentro da montanha com o auxílio
de seus duendes.
E as renas da
região ajudam a empurrar o trenó na missão de levar os presentes mundo afora
durante o Natal.
Em 1969, um morador
de Rovaniemi chamado Olavi Pokka, que vendia peles de renas para turistas nas
redondezas da Cabana Eleanor Roosevelt durante o rigoroso inverno de -20 °C,
teve a ideia de construir a Vila do Papai Noel, ou Santa Claus Village.
Aos poucos, o local
foi crescendo e ganhando lojas de souvenirs, restaurantes e acomodações.
Sanna conta que o
crescimento começou na década de 1980 e, principalmente, a partir de 1990.
Construída a partir
da Cabana Eleanor Roosevelt, atualmente a Vila do Papai Noel tem cerca de 242
mil metros quadrados, com diversos restaurantes, lojas, atrações turísticas e a
Aldeia do Papai Noel com acomodações. Há também o SantaPark, um parque temático
de Natal.
"A Cabana de
Eleanor Roosevelt virou o principal ponto turístico de Rovaniemi em pouco
tempo. E, a partir dali, trazer o símbolo do Papai Noel para construir o
complexo foi o ponto de virada para Rovaniemi reviver de novo. Hoje, o turismo
traz mais de 400 milhões de euros de receitas para a cidade. Mais de meio
milhão de visitantes visitam a Vila do Papai Noel todos os anos", destaca
Sanna.
Para se ter uma
ideia, só o mês de dezembro responde por 60% da receita total.
Cerca de 100 empresas
operam e prestam serviços nessa área. E as acomodações da Aldeia do Papai Noel
fazem parte de uma cooperativa de cerca de 50 empresas lideradas pelo
empresário Antti Nikander.
Para visitar a Vila
do Papai Noel não é preciso pagar nada, somente o que consumir. Os preços das
acomodações variam de 250 a 2 mil euros. As visitas guiadas começam em 65
euros.
Hoje, Rovaniemi tem
cerca de 60 mil habitantes e é uma cidade moderna, com aeroporto e muita
infraestrutura para turistas que buscam viver a magia do Natal de perto ou ver
a Aurora Boreal, que acontece de outubro a março.
A herança de guerra
pela cidade praticamente não existe, pois quase tudo foi destruído na evacuação
dos nazistas.
E a população local
também não se sente à vontade para relembrar o passado.
Hoje, a principal
herança histórica de Rovaniemi é a Cabana Eleanor Roosevelt, que não recebe
hóspedes, mas abriga uma exposição sobre a história do turismo no Círculo Polar
Ártico.
Em 80 anos,
Rovaniemi foi de uma cidade fantasma destruída por um dos períodos mais
obscuros da história, para uma das cidades mais procuradas do mundo durante o
inverno, transformando a dor e sofrimento do passado em alegria e celebração.
Fonte: BBC News
Brasil
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