Regiões brasileiras
enfrentam desafios em processo de acolhimento a imigrantes
O último relatório
do Observatório das Migrações Internacionais (Obmigra), que deve ser
integralmente divulgado na semana que vem, mostra que as cinco regiões
brasileiras enfrentam diferentes desafios na acolhida a pessoas estrangeiras
que escolhem o Brasil para viver.
“Uma política
pública para imigrantes no Nordeste tem que ser diferente para o Norte, o Sul e
o Sudeste. A formulação dessas políticas deve ser a partir de evidências”,
afirmou o professor Leonardo Cavalcanti, da Universidade de Brasília, e que
esteve presente no lançamento de um resumo dos dados no Ministério da Justiça.
O evento teve a
intenção de marcas o Dia Internacional dos Migrantes, que é celebrado nesta
quarta-feira (18/12). “As Dinâmicas Migratórias nas Macrorregiões do Brasil” é
o nome do relatório.
O levantamento
anual Obmigra abrange o período de 2022 ao primeiro semestre de 2024. O documento
apresenta análise detalhada das dinâmicas migratórias nas cinco regiões
brasileiras.
Os pesquisadores
que apresentaram o resumo do documento explicaram que a pesquisa contou com
informações e participação dos ministérios da Justiça, do Trabalho e Emprego e
das Relações Exteriores, além de dados da Polícia Federal e do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Informações do Cadastro Único (CadÚnico)
foram utilizadas como fonte primária para analisar o acesso de imigrantes a
benefícios sociais.
·
Diferenças
“A forma como os
imigrantes se inserem no mercado de trabalho ou na escola e como solicitam
acesso a benefícios sociais por meio do CadÚnico, além da composição das
nacionalidades, é completamente diferente entre uma região e outra”, afirma o pesquisador
da UnB. Ele explica que os dados baseados em evidências fazem com que os
gestores e os formuladores de políticas públicas possam orientar essas
políticas de forma mais racional e efetiva.
O pesquisador
observa ainda que a Região Norte, apesar de ser o caminho de ingresso para
imigrantes, apresenta mais vulnerabilidades de acesso a benefícios e políticas
públicas. Por isso, eles ficam menos tempo naqueles estados. “É a principal
porta de entrada hoje dos venezuelanos, por exemplo”, diz Leonardo Cavalcanti.
·
Desafios
O coordenador de
imigração laboral do Ministério da Justiça, Jonatas Pabis, avalia que a maior
parte dos imigrantes entra no Brasil, de fato, pela Região Norte, mas se fixa
no Sul, incluindo áreas como o oeste de Santa Catarina, o oeste do Paraná e
Mato Grosso do Sul, trabalhando no final da cadeia agroindustrial.
“O relatório pode
lançar luz para a gente pensar o desafio de fazer a regularização migratória e
o acolhimento na Região Norte, que nos apresenta desafios logísticos, ao mesmo
tempo de garantias e direitos de inserção desses imigrantes na sociedade nas
regiões Sul e Sudeste”, diz Pabis.
·
Venezuelanos
O pesquisador
Leonardo Cavalcanti explica que as imigrações dos haitianos (nos primeiros
cincos anos da década passada) e dos venezuelanos, na sequência, marcam o fluxo
de pessoas para o Brasil. “Os venezuelanos superaram os haitianos em todos os
registros. Eles superaram as nossas migrações clássicas, de portugueses e
pessoas do norte global. Agora, vemos gente da África, do Sudeste Asiático e da
América Latina”, diz.
Jonatas Pabis
entende que o Brasil é um país acolhedor, tanto por sua identidade cultural
quanto pela legislação robusta, em sintonia com os mecanismos internacionais de
proteção de direitos humanos. “Hoje em dia, a gente vê que pessoas de todo o
sul global têm interesse de criar uma vida aqui no Brasil.
Os dois maiores
contingentes de imigrantes haitianos e venezuelanos são movimentos dos últimos
20 anos”. Ele destaca que a possibilidade de regularização migratória está em
consonância com as garantias dos direitos humanos e acrescenta que essa
consolidação ficou ainda mais visível depois da pandemia em busca de trabalho
no Brasil.
·
Trabalho
Na Região Sudeste,
por exemplo, a de maior população do país, entre 2022 e 2023 houve crescimento
de 10,4% no volume de trabalhadores imigrantes, que passaram de 73,9 mil para
81,5 mil. O período de janeiro a junho de 2024 mostrou, segundo os
pesquisadores, tendência de continuidade no crescimento do estoque de
trabalhadores, que chegou a 87,5 mil.
Ainda em relação ao
mercado de trabalho, os pesquisadores observaram que a Região Sul absorve
crescente número de imigrantes, principalmente venezuelanos. Outro registro é
que os imigrantes empregados estão, em sua maioria, em setores de mão de obra
intensiva, como abate de aves e suínos.
¨ Zona de
(des)conforto.
Por Fábio Roberto Ferreira Barreto
Meu filho de oito
anos, Rafael, dormia entre nós (eu e minha companheira Daniela) quando tomei
ciência pela TV do naufrágio no Canal da Mancha em setembro deste ano, entre
dois dos países mais ricos (e colonialistas do planeta): 12 mortes – 06
menores, dos quais 03 eram crianças – outras 12 hospitalizações (duas em estado
muito grave).
Rememoro esse
episódio trágico enquanto – redigindo este artigo sobre o Dia Internacional
do Imigrante,
celebrado em 18 de dezembro – degusto um iogurte com geleia preparado por uma
venezuelana. Professora no país vizinho, ela (não revelo nome porque,
como ensina Machado de Assis, o que importa é a história) teve de migrar com
sua família (marido comerciante e filhos) para o Brasil cerca de três anos
atrás almejando sobreviver com o mínimo de dignidade.
A saborosa
guloseima em nada tem a ver com os dissabores de quem, a despeito de ter
ocupação profissional no país natal, relata que, mesmo tendo como custear a
aquisição de itens básicos – água, inclusive –, nem sempre conseguia comprá-los
por escassez de produtos indispensáveis à existência humana.
A riqueza do
petróleo da Venezuela sempre foi, devido à cobiça dos EUA, a causa da pobreza
de seu povo (estando no poder a direita, alinhada ao país da América do Norte,
ou a esquerda, em desacordo com a potência mundial do Norte). A discussão é profunda,
mas o sofrimento é inevitável para os irmãos e irmãs venezuelanos(as).
Entre uma colherada
e outra (com pausa alongada para aproveitar ao máximo a delícia láctea), a
indagação que me veio à cabeça foi “Para onde estamos indo?” “Para onde estamos
indo? – eu pergunto às vezes, mas ninguém me responde” – que é a fala da filha
para o pai, personagens protagonistas do livro Para onde vamos, que trata sobre
os deslocamentos humanos.
Um autor colombiano
e um ilustrador peruano apresentam o enredo de um pai e uma filha
(propositadamente não nominados) que percorrem seus caminhos até um muro,
inspirado, certamente, no Muro da Vergonha, entre os Estados Unidos e o México.
Um coiote, animal sugestivo, aparece em diversas passagens, aludindo ao tráfico
humano, personificado na figura desse bicho.
Lembrei-me desse
livro, pois o selecionei, naquele mesmo dia, durante o horário de trabalho
coletivo com docentes da minha escola para o Leituraço (atividade
pedagógica que mobiliza a unidade escolar em prol da leitura literária), a
pedido da excelente professora Carol (eternizada na função de Grupo de Estudos
do CEU EMEF Cantos), que pedira a sugestão de uma obra leve e profunda para a
ocasião supracitada.
Dias antes,
inclusive, o programa dominical televisivo Fantástico, havia exibido uma
matéria sobre o Deserto da Morte. Como Para onde vamos, a matéria
dialogava diretamente com a temática veiculada pelo programa global, a que
muitos educandos (bem como seus familiares) assistem; razão pela qual julguei
mais oportuno ainda indicar a obra literária dos irmãos latino-americanos.
Ademais, Para
onde vamos é uma narrativa muito bem engendrada nas imagens e nas
palavras, tratando com sensibilidade a respeito de um tópico de tanta
brutalidade, o que não só atendia às expectativas da solicitação de minha
colega de trabalho, mas provocava o debate acerca de movimentos migratórios
entre os educandos do Ciclo Interdisciplinar (Quinto ano especificamente).
O assunto é objeto
de estudo relevante para a rede de ensino na qual leciono(amos). O Caderno da Cidade:
Povos Migrantes,
elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (SME-SP), é, diga-se de
passagem, um material visitado e revistado pelos educadores que exercem o
magistério nas escolas paulistanas (além de regentes de outras redes) e pelos
materiais didáticos produzidos Brasil afora.
À medida que fui me
inteirando sobre o naufrágio, pela mídia tradicional, sites jornalísticos
independentes, publicações oficiais (ONU News, Ministério dos Direitos
Humanos), fui respirando cada vez mais fundo e agradecendo a forças espirituais
– e aos que lutaram no passado para as conquistas do presente – por meu filho
poder exercer seus direitos no país em que nasceu.
Somente em 2024,
são 40 mortes nessa travessia (contabilizando-se as dessa tragédia setembrina).
Entre 2014 e 2021, segundo a ONU, foram mais de 200 somente entre Grã-Bretanha
e o restante da Europa; 740 entre Europa, África e Ásia. A busca pelo direito
de viver tem números impressionantes – a única coisa mensurável no caso das
imigrações –, pois o sofrimento, a dor e a angústia não podem ser dimensionadas.
O Relatório Mundial
sobre Migração de 2024, publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em
maio deste ano, apresenta dados alarmantes: “281 milhões de migrantes no
mundo”. A ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), em junho, estimou em 120
milhões o “número total de pessoas deslocadas à força” no ano de 2022. Talvez,
nesta data simbólica de hoje, sejam divulgados outros estudos, mais ou menos
impactantes, mas sempre preocupantes.
O Rafa, em
decorrência de acesso de tosse, havia vomitado. E muito naquela noite! As
mudanças climáticas – sobretudo, as oscilações dos dias anteriores à data em
questão, a baixa umidade – decerto, afetaram meu filho. Mas ele estava em casa
(simples, é verdade), alimentado e medicado. Se precisasse (e não foi, graças a
Deus), poderíamos contar com serviços médicos (não são os melhores, mas temos o
SUS).
No dia seguinte
(como foi): a rotina de meu filho não foi interrompida: aula, brincadeiras,
futsal, natação, três refeições, amor, carinho e segurança (daquele jeito em
São Paulo, porém, sem os terrores do Sudão, da Síria, de Palestina-Israel ou da
Ucrânia-Rússia, onde infâncias são assassinadas, bombardeadas de um modo muito
mais violento do que por esta terra em que se exterminam jovens periféricos e
pretos, para citar uma das barbaridades do país tropical mais famoso do mundo).
Embora todo
refugiado seja um imigrante, nem todo imigrante é um refugiado. Refugiado –
vale ressaltar a explicação da ACNUR – “é a pessoa que deixou tudo para trás
para escapar de conflitos armados ou perseguições”, ao passo que migrante
“escolhe se deslocar […] para melhorar sua vida” (inclusive, aqueles que se
deslocam internamente, como os avós e bisavós de Rafael ou dos familiares dos
educandos da escola onde leciono – o segundo bairro distrital mais nordestino
do país).
É preciso educar
para um mundo melhor hoje. A literatura – e todas as outras artes – deve
desempenhar um papel crucial na mudança de posturas e de paradigmas no planeta.
A celebração do Dia Internacional do Imigrante não pode ser mais uma
agenda no calendário, mas, sim, permitir reflexões e mudanças necessárias à
transformação do mundo em um lugar melhor (no território de origem, sobretudo,
mas, também, no de destino a quem quiser ou necessitar).
A arte denuncia
como fez o clássico Picasso, em Guernica, bem como Portinari,
em Retirantes. A arte propõe, como a produção de um Anônimo(a), da
expressão mais rica da contemporaneidade, Aline Bispo, de qual se pode
depreender a epistemologia feminina-negra-africana precisa urgentemente
destronar o patriarcado, de ordem masculina-branca-europeia.
O mundo pertence a
todos, não apenas a quem pode pagar para sair do planeta: Não olhe para
cima! Nem para os umbigos! Olhe para o lado! Olhe para as crianças! Olhe para
as diferenças! Olhe para os indígenas! Olhe para as mulheres! Olhe para frente!
Olhe! Olhe! Olhe!
Fonte: Opera Mundi/Le
Monde
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