sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Regiões brasileiras enfrentam desafios em processo de acolhimento a imigrantes

O último relatório do Observatório das Migrações Internacionais (Obmigra), que deve ser integralmente divulgado na semana que vem, mostra que as cinco regiões brasileiras enfrentam diferentes desafios na acolhida a pessoas estrangeiras que escolhem o Brasil para viver.

“Uma política pública para imigrantes no Nordeste tem que ser diferente para o Norte, o Sul e o Sudeste. A formulação dessas políticas deve ser a partir de evidências”, afirmou o professor Leonardo Cavalcanti, da Universidade de Brasília, e que esteve presente no lançamento de um resumo dos dados no Ministério da Justiça.

O evento teve a intenção de marcas o Dia Internacional dos Migrantes, que é celebrado nesta quarta-feira (18/12). “As Dinâmicas Migratórias nas Macrorregiões do Brasil” é o nome do relatório.

O levantamento anual Obmigra abrange o período de 2022 ao primeiro semestre de 2024. O documento apresenta análise detalhada das dinâmicas migratórias nas cinco regiões brasileiras.

Os pesquisadores que apresentaram o resumo do documento explicaram que a pesquisa contou com informações e participação dos ministérios da Justiça, do Trabalho e Emprego e das Relações Exteriores, além de dados da Polícia Federal e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Informações do Cadastro Único (CadÚnico) foram utilizadas como fonte primária para analisar o acesso de imigrantes a benefícios sociais.

·        Diferenças

“A forma como os imigrantes se inserem no mercado de trabalho ou na escola e como solicitam acesso a benefícios sociais por meio do CadÚnico, além da composição das nacionalidades, é completamente diferente entre uma região e outra”, afirma o pesquisador da UnB. Ele explica que os dados baseados em evidências fazem com que os gestores e os formuladores de políticas públicas possam orientar essas políticas de forma mais racional e efetiva.

O pesquisador observa ainda que a Região Norte, apesar de ser o caminho de ingresso para imigrantes, apresenta mais vulnerabilidades de acesso a benefícios e políticas públicas. Por isso, eles ficam menos tempo naqueles estados. “É a principal porta de entrada hoje dos venezuelanos, por exemplo”, diz Leonardo Cavalcanti.

·        Desafios

O coordenador de imigração laboral do Ministério da Justiça, Jonatas Pabis, avalia que a maior parte dos imigrantes entra no Brasil, de fato, pela Região Norte, mas se fixa no Sul, incluindo áreas como o oeste de Santa Catarina, o oeste do Paraná e Mato Grosso do Sul, trabalhando no final da cadeia agroindustrial.

“O relatório pode lançar luz para a gente pensar o desafio de fazer a regularização migratória e o acolhimento na Região Norte, que nos apresenta desafios logísticos, ao mesmo tempo de garantias e direitos de inserção desses imigrantes na sociedade nas regiões Sul e Sudeste”, diz Pabis.

·        Venezuelanos

O pesquisador Leonardo Cavalcanti explica que as imigrações dos haitianos (nos primeiros cincos anos da década passada) e dos venezuelanos, na sequência, marcam o fluxo de pessoas para o Brasil. “Os venezuelanos superaram os haitianos em todos os registros. Eles superaram as nossas migrações clássicas, de portugueses e pessoas do norte global. Agora, vemos gente da África, do Sudeste Asiático e da América Latina”, diz.

Jonatas Pabis entende que o Brasil é um país acolhedor, tanto por sua identidade cultural quanto pela legislação robusta, em sintonia com os mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos. “Hoje em dia, a gente vê que pessoas de todo o sul global têm interesse de criar uma vida aqui no Brasil.

Os dois maiores contingentes de imigrantes haitianos e venezuelanos são movimentos dos últimos 20 anos”. Ele destaca que a possibilidade de regularização migratória está em consonância com as garantias dos direitos humanos e acrescenta que essa consolidação ficou ainda mais visível depois da pandemia em busca de trabalho no Brasil.

·        Trabalho

Na Região Sudeste, por exemplo, a de maior população do país, entre 2022 e 2023 houve crescimento de 10,4% no volume de trabalhadores imigrantes, que passaram de 73,9 mil para 81,5 mil. O período de janeiro a junho de 2024 mostrou, segundo os pesquisadores, tendência de continuidade no crescimento do estoque de trabalhadores, que chegou a 87,5 mil.

Ainda em relação ao mercado de trabalho, os pesquisadores observaram que a Região Sul absorve crescente número de imigrantes, principalmente venezuelanos. Outro registro é que os imigrantes empregados estão, em sua maioria, em setores de mão de obra intensiva, como abate de aves e suínos.

 

¨      Zona de (des)conforto. Por Fábio Roberto Ferreira Barreto

Meu filho de oito anos, Rafael, dormia entre nós (eu e minha companheira Daniela) quando tomei ciência pela TV do naufrágio no Canal da Mancha em setembro deste ano, entre dois dos países mais ricos (e colonialistas do planeta): 12 mortes – 06 menores, dos quais 03 eram crianças – outras 12 hospitalizações (duas em estado muito grave).

Rememoro esse episódio trágico enquanto – redigindo este artigo sobre o Dia Internacional do Imigrante, celebrado em 18 de dezembro – degusto um iogurte com geleia preparado por uma venezuelana. Professora no país vizinho,  ela (não revelo nome porque, como ensina Machado de Assis, o que importa é a história) teve de migrar com sua família (marido comerciante e filhos) para o Brasil cerca de três anos atrás almejando sobreviver com o mínimo de dignidade.

A saborosa guloseima em nada tem a ver com os dissabores de quem, a despeito de ter ocupação profissional no país natal, relata que, mesmo tendo como custear a aquisição de itens básicos – água, inclusive –, nem sempre conseguia comprá-los por escassez de produtos indispensáveis à existência humana.

A riqueza do petróleo da Venezuela sempre foi, devido à cobiça dos EUA, a causa da pobreza de seu povo (estando no poder a direita, alinhada ao país da América do Norte, ou a esquerda, em desacordo com a potência mundial do Norte). A discussão é profunda, mas o sofrimento é inevitável para os irmãos e irmãs venezuelanos(as).

Entre uma colherada e outra (com pausa alongada para aproveitar ao máximo a delícia láctea), a indagação que me veio à cabeça foi “Para onde estamos indo?” “Para onde estamos indo? – eu pergunto às vezes, mas ninguém me responde” – que é a fala da filha para o pai, personagens protagonistas do livro Para onde vamos, que trata sobre os deslocamentos humanos.

Um autor colombiano e um ilustrador peruano apresentam o enredo de um pai e uma filha (propositadamente não nominados) que percorrem seus caminhos até um muro, inspirado, certamente, no Muro da Vergonha, entre os Estados Unidos e o México. Um coiote, animal sugestivo, aparece em diversas passagens, aludindo ao tráfico humano, personificado na figura desse bicho.

Lembrei-me desse livro, pois o selecionei, naquele mesmo dia, durante o horário de trabalho coletivo com docentes da minha escola para o Leituraço (atividade pedagógica que mobiliza a unidade escolar em prol da leitura literária), a pedido da excelente professora Carol (eternizada na função de Grupo de Estudos do CEU EMEF Cantos), que pedira a sugestão de uma obra leve e profunda para a ocasião supracitada.

Dias antes, inclusive, o programa dominical televisivo Fantástico, havia exibido uma matéria sobre o Deserto da Morte. Como Para onde vamos, a matéria dialogava diretamente com a temática veiculada pelo programa global, a que muitos educandos (bem como seus familiares) assistem; razão pela qual julguei mais oportuno ainda indicar a obra literária dos irmãos latino-americanos.

Ademais, Para onde vamos é uma narrativa muito bem engendrada nas imagens e nas palavras, tratando com sensibilidade a respeito de um tópico de tanta brutalidade, o que não só atendia às expectativas da solicitação de minha colega de trabalho, mas provocava o debate acerca de movimentos migratórios entre os educandos do Ciclo Interdisciplinar (Quinto ano especificamente).

O assunto é objeto de estudo relevante para a rede de ensino na qual leciono(amos). O Caderno da Cidade: Povos Migrantes, elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (SME-SP), é, diga-se de passagem, um material visitado e revistado pelos educadores que exercem o magistério nas escolas paulistanas (além de regentes de outras redes) e pelos materiais didáticos produzidos Brasil afora.

À medida que fui me inteirando sobre o naufrágio, pela mídia tradicional, sites jornalísticos independentes, publicações oficiais (ONU News, Ministério dos Direitos Humanos), fui respirando cada vez mais fundo e agradecendo a forças espirituais – e aos que lutaram no passado para as conquistas do presente – por meu filho poder exercer seus direitos no país em que nasceu.

Somente em 2024, são 40 mortes nessa travessia (contabilizando-se as dessa tragédia setembrina). Entre 2014 e 2021, segundo a ONU, foram mais de 200 somente entre Grã-Bretanha e o restante da Europa; 740 entre Europa, África e Ásia. A busca pelo direito de viver tem números impressionantes – a única coisa mensurável no caso das imigrações –, pois o sofrimento, a dor e a angústia não podem ser dimensionadas.

Relatório Mundial sobre Migração de 2024, publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em maio deste ano, apresenta dados alarmantes: “281 milhões de migrantes no mundo”. A ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), em junho, estimou em 120 milhões o “número total de pessoas deslocadas à força” no ano de 2022. Talvez, nesta data simbólica de hoje, sejam divulgados outros estudos, mais ou menos impactantes, mas sempre preocupantes.

O Rafa, em decorrência de acesso de tosse, havia vomitado. E muito naquela noite! As mudanças climáticas – sobretudo, as oscilações dos dias anteriores à data em questão, a baixa umidade – decerto, afetaram meu filho. Mas ele estava em casa (simples, é verdade), alimentado e medicado. Se precisasse (e não foi, graças a Deus), poderíamos contar com serviços médicos (não são os melhores, mas temos o SUS).

No dia seguinte (como foi): a rotina de meu filho não foi interrompida: aula, brincadeiras, futsal, natação, três refeições, amor, carinho e segurança (daquele jeito em São Paulo, porém, sem os terrores do Sudão, da Síria, de Palestina-Israel ou da Ucrânia-Rússia, onde infâncias são assassinadas, bombardeadas de um modo muito mais violento do que por esta terra em que se exterminam jovens periféricos e pretos, para citar uma das barbaridades do país tropical mais famoso do mundo).

Embora todo refugiado seja um imigrante, nem todo imigrante é um refugiado. Refugiado – vale ressaltar a explicação da ACNUR – “é a pessoa que deixou tudo para trás para escapar de conflitos armados ou perseguições”, ao passo que migrante “escolhe se deslocar […] para melhorar sua vida” (inclusive, aqueles que se deslocam internamente, como os avós e bisavós de Rafael ou dos familiares dos educandos da escola onde leciono – o segundo bairro distrital mais nordestino do país).

É preciso educar para um mundo melhor hoje. A literatura – e todas as outras artes –  deve desempenhar um papel crucial na mudança de posturas e de paradigmas no planeta. A celebração do Dia Internacional do Imigrante não pode ser mais uma agenda no calendário, mas, sim, permitir reflexões e mudanças necessárias à transformação do mundo em um lugar melhor (no território de origem, sobretudo, mas, também, no de destino a quem quiser ou necessitar).

A arte denuncia como fez o clássico  Picasso, em Guernica, bem como  Portinari, em Retirantes. A arte propõe, como a produção de um Anônimo(a), da expressão mais rica da contemporaneidade, Aline Bispo, de qual se pode depreender a epistemologia feminina-negra-africana precisa urgentemente destronar o patriarcado, de ordem masculina-branca-europeia.

O mundo pertence a todos, não apenas a quem pode pagar para sair do planeta: Não olhe para cima! Nem para os umbigos! Olhe para o lado! Olhe para as crianças! Olhe para as diferenças! Olhe para os indígenas! Olhe para as mulheres! Olhe para frente! Olhe! Olhe! Olhe!

 

Fonte: Opera Mundi/Le Monde

 

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