Os telefones geram
ansiedade – assim como as crises do capitalismo
evido ao trabalho
dos psicólogos best-sellers Jean Twenge e Jonathan Haidt, o que antes era
considerado discutível tornou-se amplamente reconhecido: a saúde mental,
especialmente entre os jovens, está se deteriorando em muitos países ocidentais.
As evidências dessa tendência são convincentes e aparecem nas taxas de
medicação, diagnósticos e resultados de pesquisas. Nos Estados Unidos, a taxa
de suicídios aumentou 35% nas últimas
duas décadas. Durante o mesmo período, a porcentagem de pessoas que
classificaram sua saúde mental como “excelente” despencou de 43% para
31%. Em 2024, 43% dos adultos
relataram sentir-se mais ansiosos do que no ano anterior, um aumento de 37% em
2023 e 32% em 2022.
Essas tendências
alarmantes devem levar a uma análise social intensa, mas o foco — tanto
cientificamente quanto no discurso público — tem se estreitado cada vez mais
para um único fenômeno: a disseminação das redes sociais. Twenge e Haidt
contribuíram para a identificação dessa lógica específica, principalmente com
seus respectivos livros focados em tecnologia iGen e The Anxious
Generation [A
Geração Ansiosa]. A discussão já teve efeitos tangíveis, levando vários
países europeus a implementar
proibições de
smartphones nas escolas. Embora eles não sejam necessariamente uma coisa ruim,
está claro que a discussão tomou um rumo simplista, minimizando as dimensões
políticas do declínio da saúde mental.
Embora
representantes da disciplina psicológica como Twenge e Haidt tenham sido
amplamente bem-sucedidos em reduzir a crise a uma discussão de variável única,
o debate em curso sobre redes sociais deve ser entendido como um sintoma de uma
crise mais profunda dentro da cultura terapêutica e dos modelos explicativos
dominantes da medicina e psicologia clínica. Para entender o porquê, vale a
pena revisitar as visões mais amplas defendidas por profissionais de saúde
mental não muito tempo atrás.
·
A
promessa não cumprida da ciência do cérebro
Conforme me envolvi
com os argumentos de Haidt e Twenge, uma citação em particular me veio
repetidamente à mente. Em 2003, o mesmo ano em que o Projeto Genoma Humano foi
concluído, Steven Hyman, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental de 1996
a 2001, escreveu na Scientific
American sobre o futuro brilhante que parecia estar à frente:
Ao combinar
neuroimagem com estudos genéticos, os médicos podem eventualmente ser capazes
de mover diagnósticos psiquiátricos para fora do reino das listas de
verificação de sintomas e para o domínio de testes médicos objetivos. Testes
genéticos de pacientes podem revelar quem tem alto risco de desenvolver um
transtorno como esquizofrenia ou depressão. Os médicos podem então usar
neuroimagem em pacientes de alto risco para determinar se o transtorno
realmente se instalou.
Hoje, apesar dos
recursos consideráveis dedicados a dar
vida a essa visão, o futuro que Hyman imaginou parece improvável. O “problema da hereditariedade ausente” mostrou que
identificar genes de vulnerabilidade é muito mais difícil do que os entusiastas
do Projeto Genoma Humano previram, e não estamos nem perto de ser capazes de
diagnosticar um único transtorno de saúde mental usando neuroimagem.
Em vez disso, algo
bem diferente aconteceu. A saúde mental declinou drasticamente, e esse declínio
colocou em questão vários modelos explicativos anteriormente dominantes,
particularmente aqueles centrados no cérebro e na genética.
Se assumirmos que
os desequilíbrios químicos no cérebro são responsáveis pela saúde mental precária, a questão hoje é o que
poderia estar causando esses desequilíbrios quando mais e mais pessoas os
experimentam simultaneamente? E se considerarmos que o conjunto genético de uma
população normalmente leva milhares de anos para mudar, devemos perguntar da
mesma forma: Por que o bem-estar mental declinou enquanto a composição genética
permaneceu a mesma? Essas questões apontam para forças em jogo fora do crânio e
das paredes de nossas células.
O reconhecimento de
um estado mental em piora também abalou a premissa-chave da cultura
terapêutica: que a solução para nossos problemas de saúde mental está em
intervenções psicoterapêuticas. Quando um em cada oito adultos dos EUA toma
um antidepressivo e um em cada
cinco recebeu recentemente cuidados de saúde
mental —
com um aumento de quase quinze milhões de
pessoas em
tratamento desde 2002 — fica claro que o número crescente de indivíduos em
tratamento não conseguiu conter a disseminação de doenças mentais.
Ao mesmo tempo, na
última década, grandes meta-análises sobre a eficácia geral das psicoterapias
revelaram resultados surpreendentemente modestos. Em resumo, a maioria dos
estudos mostra que cerca de metade de todas as pessoas que passam por
psicoterapia experimentam algum benefício, enquanto cerca de 5% veem seus
problemas piorarem. Uma meta-análise liderada pelo
psicólogo Pim Cuijpers confirma essa estimativa para o tratamento da depressão.
No entanto, seu estudo também descobriu que apenas cerca de um terço dos
pacientes melhorou o suficiente para não serem mais classificados como
depressivos. Dadas as altas taxas de recaída para o quadro
depressivo, isso se traduz em muita terapia para alguém que sofre de depressão.
Em uma meta-análise envolvendo um
total de 650.000 pacientes de saúde mental, John Ioannidis e seus coautores
resumem suas descobertas da seguinte forma: “Após mais de meio século de
pesquisa, milhares de [ensaios clínicos randomizados] e milhões em
investimentos, o alcance de efeito das psicoterapias e farmacoterapias para
transtornos mentais são limitados.” É difícil pensar em uma solução. “Uma
mudança de paradigma na pesquisa parece ser necessária”, eles concluem.
·
Uma
história para além dos smartphones
Psicólogos mudando
suas análises para fora — do funcionamento interno dos indivíduos para os
relacionamentos que constituem a sociedade — poderiam muito bem marcar o início
de tal mudança de paradigma. No entanto, até agora, as teorias mais
proeminentes aderem à lógica intervencionista característica da cultura
terapêutica. Mais importante, seus argumentos sofrem de várias falhas
metodológicas.
Twenge e Haidt
fazem uso considerável de gráficos que descrevem tendências em depressão,
ansiedade, suicídio e mais, mostrando como as curvas sobem após 2012 — o ponto
de partida para o que Haidt chama de “a grande religação”, quando as rede
sociais foram para os smartphones. Essa metodologia tem sido repetidamente criticada por confundir
correlação com causalidade, um ponto que Haidt tenta abordar em The
Anxious Generation. No entanto, na minha opinião, uma questão metodológica
maior é a tendência de tirar conclusões abrangentes de prazos relativamente
curtos.
Os gráficos de
Haidt geralmente começam em torno de 2002 e terminam por volta de 2018,
oferecendo apenas dezesseis anos de dados dos quais tirar generalizações.
Embora muitos de seus gráficos mostrem um aumento acentuado em problemas de
saúde mental durante a década de 2010, esse período limitado pode ser enganoso.
Por exemplo, quando ele destaca um aumento dramático no sofrimento psicológico
entre adolescentes
nórdicos durante
a década de 2010, dá a impressão de que nada digno de nota aconteceu antes.
Aqui, o escopo limitado distorce o quadro mais amplo.
Na Suécia, a
Agência de Saúde Pública tem feito pesquisas com
jovens sobre
sua saúde mental desde 1986. Se observarmos a proporção daqueles que se sentem
deprimidos quase todos os dias, por exemplo, o aumento vem ocorrendo desde a
década de 1980.
Da mesma forma, o
aumento nos distúrbios do sono persiste há muito tempo. Embora o aumento mais
acentuado em distúrbios do sono e mau humor entre garotas durante a década de
2010 possa ser interpretado como evidência de um efeito vinculado à
disseminação das redes sociais, ainda é parte de uma tendência mais ampla que vem
se desenrolando há décadas.
Isso exige uma
análise mais aprofundada. Não importa qual país examinamos, vemos que aumentos
semelhantes em problemas de saúde mental vêm ocorrendo por longos períodos.
Na Noruega, o padrão espelha
o da Suécia, e no Reino Unido, relatos de declínios drásticos no bem-estar
mental dos jovens são documentados há muito tempo. De acordo com um
estudo da Psychological
Medicine,
entre 1995 e 2014, a prevalência de condições de saúde mental de longa duração
aumentou dramaticamente entre jovens de quatro a vinte e quatro anos. Na
Inglaterra, a prevalência aumentou seis vezes, enquanto na Escócia dobrou em
onze anos.
Nos Estados Unidos,
a própria Twenge notou o aumento de longo prazo em problemas de saúde mental.
Em 2011, ela observou que
“quase todas as evidências disponíveis sugerem um aumento acentuado na
ansiedade, depressão e problemas de saúde mental entre os jovens ocidentais
entre o início do século XX e o início dos anos 1990”. E em 2000, ela estimou que a “criança estadunidense
média na década de 1980 relatou mais ansiedade do que pacientes psiquiátricos
infantis na década de 1950”.
·
O
elefante econômico na sala
Essas linhas do
tempo mais longas são importantes porque revelam uma tendência negativa que não
pode ser confinada a fenômenos isolados como a mídia social. Twenge e Haidt já
ofereceram diferentes formas de Zeitdiagnose sociológico para
explicar o que pode estar acontecendo. Para Twenge, a questão era sobre “a
cultura narcisista”, enquanto para Haidt, o problema era como o “safetyism”
desapoderou os alunos e os tornou excessivamente sensíveis. Em ambos os casos,
o problema raiz parece ter sido o que Haidt chama de “boas intenções e más
ideias” (do subtítulo de seu livro The Coddling of the American Mind [O
Condicionamento da Mente Estadunidense]), particularmente como se manifestam na
má criação dos filhos e na chamada “cultura woke”. Essas análises estão longe
de ser politicamente neutras.
Curiosamente,
tanto Twenge quanto Haidt estão
interessados em minimizar os
fatores econômicos. Em The Anxious Generation, Haidt faz isso citando a
diminuição do desemprego nos EUA durante a década de 2010 após a Grande
Recessão de 2009. Se mais pessoas estiverem empregadas, então os fatores
econômicos não podem explicar o declínio da saúde mental, certo? Claro, esta
não é uma abordagem muito sutil. Sabemos que as recessões podem
continuar a impactar grupos desfavorecidos muito depois de deixarem de ser
visíveis nas médias nacionais. Enquanto isso, como a desigualdade
nacional continua a crescer globalmente,
sabemos que a desigualdade é um forte
preditor de piora da saúde mental, ainda mais amplificada pela ansiedade de
ascensão social.
Questões econômicas
como essas são difíceis de abordar por meio de intervenções terapêuticas ou
decisões políticas. Elas exigem reformas estruturais e análises de demandas da
sociedade como um todo.
A relutância em
confrontar o sofrimento criado sistemicamente também é evidente quando Twenge e
Haidt abordam a aversão ao risco entre os jovens. Eles provavelmente estão certos
em observar características da Geração Z, como beber menos álcool e ter menos
embates físicos e gestações não planejadas, como sinais de medo crescente. No
entanto, seu trabalho ignora completamente a extensa literatura sociológica sobre como
não apenas indivíduos, mas também Estados e ciências se tornaram
cada vez mais fixados na prevenção de riscos — um campo de pesquisa que vem se
expandindo desde que Ulrich Beck cunhou o termo “sociedade de risco” há quase quarenta
anos.
Enquanto Twenge e
Haidt veem a aversão ao risco principalmente como resultado de uma educação
parental ruim e de “boas intenções” exageradas, Beck e seus seguidores têm
demonstrado há algum tempo que ela é o resultado lógico da reflexividade
moderna e da racionalidade científica — que ironicamente se volta contra si
mesma quando a ciência social tenta medir os efeitos da proliferação de medidas
de risco.
Reduzir o problema
à má criação dos filhos deveria ser impossível agora, dada a riqueza das
pesquisas sociológicas, principalmente nos trabalhos recentes de Hartmut Rosa,
descrevendo como territórios de risco emergem de amplas mudanças tecnológicas,
econômicas e institucionais. Em seu cerne, a aversão ao risco reflete um
conflito entre instituições orgânicas e uma crescente elite de especialistas,
criticada por Ivan Illich e outros já na década de 1970.
Quando levamos em
conta outras “megatendências” globais que foram recentemente destacadas
na Lancet Psychiatry para explicar
o declínio da saúde mental dos jovens — como o aumento da dívida estudantil, as
mudanças climáticas e a insegurança no emprego — rapidamente fica claro como a
questão do bem-estar mental se cruza com a esfera política. Vale a pena ter
isso em mente antes que novas variáveis sejam lançadas no
debate em um ciclo perpétuo de “oqueestáacontecendismo”. Como Herbert Marcuse
certa vez alertou, o operacionalismo que reduz conceitos baseados em
experiência, como alienação, a uma série de variáveis mensuráveis, reforça uma racionalidade tecnológica que
dificulta a crítica social radical.
Uma razão pela qual
a ciência social até agora falhou em fornecer respostas definitivas sobre as
causas do declínio do bem-estar mental pode ser que todos os problemas
sociais, mesmo aqueles ainda não identificados pela ciência social, afetam
nossa saúde mental. Em uma reflexão mais atenta, é uma noção estranha pensar de
outra forma. Reduzir a saúde mental ao resultado de algumas variáveis segue uma lógica tecnocrática que obscurece a sociedade
e drena o significado da própria política. Se as questões políticas não são
vistas como moldadoras nosso bem-estar, por que deveríamos nos envolver com
elas?
É uma espécie de
conquista trivializar a crise em curso da maneira como tem sido quando uma
resposta mais óbvia teria sido um reexame do capitalismo. Embora a expectativa
de vida global esteja aumentando, deveria ser impossível agora alegar, como os
intelectuais públicos favoritos de Bill Gates, Steven Pinker e Hans Rosling, há
muito tempo fazem, que o capitalismo é uma história de sucesso eterna.
De acordo com
a Pesquisa Mundial de
Saúde Mental —
as pesquisas epidemiológicas mais rigorosas do mundo sobre saúde mental,
coordenadas pela Organização Mundial da Saúde e conduzidas em trinta países até
o momento — vemos, ao contrário, que os problemas são muito mais evidentes nas
formas mais cristalizadas do capitalismo. Em dezessete dos
dezoito problemas
mentais, há um padrão consistente de prevalência muito maior em países de alta
renda em comparação com países de baixa e média-baixa renda. Essa diferença
gritante (que não pode ser explicada pelo acesso às mídias sociais, já que as
pesquisas foram conduzidas entre 2001 e 2011) contrasta fortemente com as
tendências em saúde física e levanta questões sobre o custo do crescimento
econômico ilimitado.
A tendência da
esquerda de descartar descobertas como essas como meros efeitos do aumento da
detecção e do diagnóstico é equivocada, principalmente porque pesquisas desse
tipo são projetadas especificamente para medir a prevalência independente da
prática psiquiátrica. O sofrimento humano não é uma constante a-histórica. Ele
está aumentando e exige nosso cuidado e atenção.
Fonte:
Por Roland Paulsen, com Tradução de Pedro Silva, para Jacobin Brasil
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