Coreia do Sul:
Partido de presidente afastado tenta barrar impeachment travando nomeação de
juízes
A Coreia do Sul
vive atualmente a expectativa sobre a decisão que o Tribunal Constitucional
dará a respeito do pedido de
impeachment contra o presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol, que foi aprovado no
último sábado (14/12) pela Assembleia Nacional e que,
posteriormente, passou às mãos dos
magistrados, que serão responsáveis pela última etapa de tramitação do processo.
A previsão é que a
resolução do caso aconteça entre fevereiro e março de 2025, de acordo com a
avaliação da deputada Lee So Young, do Partido Democrático da Coreia, principal
sigla oposicionista.
Em entrevista exclusiva
a Opera Mundi, a parlamentar explicou que entre os especialistas há um
consenso de que o mandatário violou
os princípios constitucionais ao decretar a lei marcial em 3 de dezembro.
No entanto, ela
interpreta que, embora os princípios da Constituição indiquem que o pedido será
acatado pelo Tribunal, o governista Partido do Poder Popular está tentando
“ganhar tempo” para barrar um possível impeachment ao atrasar os procedimentos
do Judiciário – que tem um prazo de até 180 dias para chegar a uma decisão.
·
Seis
ou nove membros no Tribunal Constitucional?
O Tribunal
Constitucional sul-coreano conta tradicionalmente com a participação de nove
juízes, três deles nomeados pelo Executivo, três pelo Legislativo e três pelo
Judiciário; e o pedido da Assembleia tem que ser aprovado, no mínimo, por sete
membros. No entanto, o país se encontra em uma situação inédita: pela primeira
vez, a Corte opera apenas com seis juízes, pois três deles tiveram o seu
mandato expirado.
Em condições
normais, os três sucessores já deveriam ter sido nomeados pela Assembleia
Nacional, o que não ocorreu em meio a uma falta de consenso entre os
parlamentares. Nesse período, a lei marcial foi decretada e, consequentemente,
o pedido de impeachment acatado pelo Parlamento.
Dessa forma, os
seis juízes ativos concordaram em prosseguir o julgamento do impeachment sem os
membros em sua totalidade, e impondo a condição de que o impeachment apenas seja
aprovado sob uma decisão unânime, ou seja, com o consenso dos seis juízes
ativos.
De acordo com a
imprensa local, a oposição expressa a necessidade de nomear mais três juízes
para que o julgamento conte com o Tribunal em sua totalidade e haja menor chance
de uma possível rejeição do pedido, já que precisará de sete dos nove votos.
Segundo veículos sul-coreanos, há um “temor” por parte dos parlamentares de que
algum dos seis membros ativos na Corte previamente nomeado por Yoon vote contra
e barre o impeachment.
Segundo a deputada
Lee, “uma parte da sigla governista discorda do fato de atualmente existirem
apenas seis membros, dos nove totais, ativos no Tribunal Constitucional. Já
outra parte acredita que não devem ser nomeados novos três membros pendentes na
Corte. Eles estão usando essa estratégia (de indecisão) para ganhar tempo”.
“A ala
oposicionista defende que os procedimentos, tais como audiências, sejam
prosseguidos o quanto antes, contando com a nomeação de novos três juízes que
faltam no Tribunal Constitucional”, avalia a parlamentar.
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Investigações
criminais
Em paralelo à
análise do pedido de impeachment, Yoon também é alvo de investigações por parte
da polícia e do Escritório de Investigação de Corrupção para Altos Funcionários
(CIO, por sua sigla em inglês) por insurreição e abuso de poder.
Atualmente, Yoon se
consolidou como o primeiro chefe de Estado na história da Coreia do Sul a ser
convocado a uma audiência em meio a seu mandato – ainda que tenha perdido suas
funções políticas com o impeachment aprovado pela Assembleia, e quem esteja
governando de forma interina seja o primeiro-ministro Han Duck Soo.
“De acordo com a Constituição da Coreia do
Sul, a investigação contra um presidente em exercício só é possível em dois
casos. Yoon Suk Yeol é acusado de traição. Ou seja, ele se enquadra em um
desses dois casos”, afirmou Lee.
O presidente
desafiou uma intimação do CIO ao não comparecer na manhã de quarta-feira
(18/12) para o interrogatório convocado pelo órgão anticorrupção sobre sua
tentativa de impor a lei marcial no país. No domingo (15/12), ele se recusou a
ser interrogado pelo Ministério Público, que estava conduzindo uma investigação
separada sobre alegações de abuso de poder.
“Apesar de várias
agências de investigação já terem pressionado simultaneamente pelo
comparecimento do presidente Yoon Suk Yeol, ele não tem se apresentado até o
momento. Eu acredito que tanto os órgãos investigativos quanto o tribunal
tomarão uma decisão adequada, considerando a gravidade do caso”, avaliou a
deputada.
Nesse sentido, Lee
conta que o Partido Democrático da Coreia, principal sigla oposicionista do
país, está realizando uma “força-tarefa para conscientizar o povo sobre os
bastidores da lei marcial” e, dessa forma, impulsionar o prosseguimento das
investigações contra o presidente.
·
‘Democracia
sólida’
Questionada sobre
sua avaliação em relação ao papel da população no bloqueio da lei marcial e à
aprovação do pedido de impeachment, Lee destacou a Opera Mundi que os
protestos lembraram, mais uma vez, “quem é o verdadeiro dono do país”.
“Na noite em que o
presidente declarou a lei marcial, foram os cidadãos que compareceram
pessoalmente à Assembleia Nacional para protegê-la das forças militares. Eles
gritaram nas ruas pelo impeachment do presidente”, ressaltou.
A parlamentar, que
revelou ter participado dos protestos em Seul, também chamou a atenção à
particularidade das manifestações realizadas nas proximidades do Parlamento. De
acordo com ela, foram executadas com “pacificidade” e “alegria”, o que permitiu
formar uma união entre “todas as gerações”.
“A verdade é que os
protestos foram liderados por jovens na faixa dos 20 e 30 anos. Eles
expressaram uma cultura de protesto alegre. Agitavam os light sticks (varinhas
de luz tradicionalmente usadas por fãs de grupos de k-pop em shows para
manifestar apoio aos artistas) ao som de músicas do gênero k-pop. Este tipo de
protesto reuniu todas as gerações e aumentou a coesão de toda a nação. Foi um
aviso muito forte emitido a todos os membros da Assembleia Nacional, inclusive a
mim. Isso não poderia ser ignorado”, afirmou Lee.
<><> Leia
a entrevista na íntegra:
·
Qual
o cenário esperado após a aprovação do pedido de impeachment? Avalia a
possibilidade de o Tribunal Constitucional não acolher a decisão da Assembleia
Nacional?
Lee So
Young: O Tribunal Constitucional deve proceder ao pedido de impeachment no
prazo de 180 dias. Levando em consideração casos anteriores de revisão da
proposta de impeachment contra o presidente, espera-se que se chegue a uma
conclusão já entre fevereiro e março para reduzir o período de ausência de um
chefe de Estado no país.
Não há dúvida entre
os acadêmicos que analisam a Constituição sobre a violação aos princípios
constitucionais (pela decretação da lei marcial), portanto há uma grande
possibilidade de que o pedido seja acatado.
Uma parte da sigla
governista discorda do fato de atualmente existirem apenas seis membros, dos
nove totais, ativos no Tribunal Constitucional. Já outra parte acredita que não
devem ser nomeados novos três membros pendentes na Corte. Eles estão usando
essa estratégia (de indecisão) para ganhar tempo.
A ala oposicionista
defende que os procedimentos, tais como audiências, sejam prosseguidos o quanto
antes, contando com novos três juízes que faltam no Tribunal Constitucional.
·
O
pronunciamento do presidente após o pedido de impeachment ter sido aprovado
pela Assembleia Nacional não consistiu em nenhum pedido de desculpas em ter
causado uma crise nacional por meio da decretação da lei marcial. Pelo
contrário, Yoon mais uma vez culpou a
oposição e deu ênfase às “conquistas” realizadas durante seu mandato. Como você
avalia essa postura?
Yoon Suk Yeol
provou mais uma vez que não está qualificado para ser o presidente da Coreia do
Sul por base no seu discurso final.
Ao longo de 11 dias
após a declaração da lei marcial, que é inconstitucional e ilegal, milhões de
cidadãos clamaram pelo impeachment perante a Assembleia Nacional. A aprovação
da moção pelo Parlamento foi uma resposta à ordem do povo para deter o
presidente que ignora tanto a Constituição quanto a democracia.
No entanto, o
presidente Yoon Suk Yeol tentou evitar seus erros até o fim e, em vez do
diálogo e do respeito ao estado de direito, manifestou uma completa falta de
comunicação e arrogância. Ele é avaliado como um político em si muito
decepcionante, independentemente de os partidos no poder e a oposição.
·
Em
que pé estão os avanços referentes à investigação criminal sobre Yoon e seus
aliados que participaram da tentativa de autogolpe em 3 de dezembro?
Atualmente,
agências de investigação como a polícia e o Escritório de Investigação de
Corrupção de Altos Funcionários estão investigando o presidente Yoon Suk Yeol
por crime de insurreição.
Não há precedentes
na história do país um presidente em exercício ser convocado como suspeito. De
acordo com a Constituição da Coreia do Sul, a investigação contra um presidente
em exercício só é possível em dois casos, e Yoon Suk Yeol é acusado de traição.
Ou seja, ele se enquadra em um dos dois crimes.
As investigações e
detenções de pessoas envolvidas na decretação da lei marcial, incluindo o
ex-ministro da Defesa Nacional, Kim Yong Hyun, também estão procedendo
rapidamente. A verdade vai sendo revelada aos poucos. Inclusive o
comissário-geral da Agência Nacional de Polícia por ter tido conhecimento
antecipado sobre o plano de declarar a lei marcial, mas ter mentido à
Assembleia Nacional ao dizer que não sabia.
·
Você
acha que há uma chance do presidente ser preso antes que o julgamento do
impeachment seja acatado pela Corte?
Embora tenha havido,
no passado, um caso em que um ex-presidente foi detido (durante o mandato de
outro presidente), esta é a primeira vez na história do país que um chefe de
Estado em exercício foi convocado a comparecer (a uma audiência).
Apesar de várias
agências de investigação já terem pressionado simultaneamente pelo
comparecimento do presidente Yoon Suk Yeol (a interrogatórios), ele não tem se
apresentado até o momento. Eu acredito que tanto os órgãos investigativos
quanto o tribunal tomarão uma decisão adequada, considerando a gravidade do
caso.
·
A
população sul-coreana saiu às ruas e protestou todos os dias após a decretação
da lei marcial para exigir o impeachment do presidente. Como você avalia o
papel que os civis tomaram neste cenário e a importância da pressão popular?
Este incidente
lembrou mais uma vez ao nosso povo quem é o verdadeiro dono do país. Na noite
em que o presidente declarou a lei marcial, foram os cidadãos que compareceram
pessoalmente à Assembleia Nacional para protegê-la das forças militares. Eles gritaram
nas ruas pelo impeachment do presidente.
Eu também estive
presente nos protestos. Embora tivessem um objetivo sério, as mobilizações
foram realizadas por meio de festivais pacíficos. A verdade é que os protestos
foram liderados por jovens na faixa dos 20 e 30 anos. Eles expressaram uma
cultura de protesto alegre. Agitavam os light sticks (varinhas de luz
tradicionalmente usadas por fãs de grupos de k-pop em shows para manifestar
apoio aos artistas) ao som de músicas do gênero k-pop.
Este tipo de protesto
reuniu todas as gerações e aumentou a coesão de toda a nação. Foi um aviso
muito forte emitido a todos os membros da Assembleia Nacional, inclusive a mim.
Isso não poderia ser ignorado.
Para que o projeto
de impeachment fosse aprovado, eram necessários oito votos favoráveis a mais
que na primeira votação. Mas vimos que o número excedeu. Foram 12 votos pela
destituição de Yoon. Podemos interpretar isso como uma nítida existência de uma
divisão dentro do próprio Partido do Poder Popular?
Dado que a maioria
dos membros do Partido do Poder Popular se opôs ao impeachment em contramão à
opinião pública, creio que esse comportamento (dos parlamentares que votaram a
favor) deve ser visto como uma “consciência de alguns” e não como uma
“divisão”.
A votação de impeachment
da Assembleia Nacional resultou em 204 votos a favor, 85 contra e três
abstenções e oito votos inválidos em meio a 300 membros registrados. Apenas 12
dos 108 membros do Partido do Poder Popular votaram a favor do impeachment do
presidente.
O partido no poder,
que tem manifestado oposição à opinião pública, tem agora o desafio de
demonstrar mudanças fundamentais para restaurar a confiança do povo. Se as
vozes que apelam à mudança seguem sendo tidas pelo Partido do Poder Popular
como a resistência de uma “minoria”, a “divisão” interna da sigla será difícil
de ser evitada.
·
Há
preparativos por parte da ala oposicionista ou articulações paralelas para o
prosseguimento do impeachment?
Como principal
partido da oposição na Assembleia Nacional da Coreia do Sul, estamos realizando
uma força-tarefa para conscientizar o povo sobre os bastidores da lei marcial.
Até o momento, conseguimos descobrir várias verdades por meio de inquéritos na
Assembleia Nacional e, com base nisso, seguimos querendo prosseguir as investigações
sobre o crime de insurreição.
Há alguma mensagem
que você gostaria de transmitir ao povo sul-coreano sobre a atual situação
política?
Sem vocês, povo,
teria sido impossível acabar com a lei marcial ou aprovar o projeto de
impeachment. Gostaria de expressar a minha mais profunda gratidão a todos vocês
que mais uma vez salvaram a Coreia do Sul da crise por meio da solidariedade.
Além de destituir o
presidente, faremos o nosso melhor para restaurar rapidamente a estabilidade da
nossa economia e da nossa sociedade.
A democracia
sul-coreana é muito forte e sólida. Isto foi provado mais uma vez. Acredito que
a Coreia do Sul se desenvolverá ainda mais com base na sua sólida democracia.
¨ Chefe das Forças
Armadas sul-coreana é preso por rebelião
O chefe do
Estado-Maior das Forças Armadas da Coreia do Sul, general Park An-su, foi preso
nesta terça-feira (17/12) acusado de rebelião e de abuso de poder durante
a imposição da lei
marcial em 3 de dezembro, segundo o jornal local Yonhap.
O alto oficial das
Forças Armadas, que prestou serviço como comandante durante a injunção da lei,
é tido como uma peça-chave no caso. Além dele, outras quatro pessoas também
foram detidas acusadas de envolvimento na tentativa fracassada de injunção da
lei marcial.
Além das prisões, a Corte
Constitucional da Coreia do Sul iniciou na última segunda-feira
(16/12) o processo para a análise do impeachment do presidente, Yoon Suk Yeol,
destituído no último sábado (14/12), decorrente da crise política causada por
sua tentativa frustrada de impor a lei marcial, que foi bloqueada horas depois
pela Assembleia Nacional.
Yoon, derrotado em
uma votação de impeachment, enfrenta duas investigações judiciais por acusações
de “insurreição”, uma da Procuradoria e outra de uma equipe conjunta de
polícia, Ministério da Defesa e promotores da unidade de combate à corrupção.
Agora, a Corte
Constitucional tem seis meses para decidir se confirma ou não o impeachment de
Yoon. Uma audiência preliminar foi marcada para 27 de dezembro. Se a
destituição for confirmada, o país terá novas eleições em um prazo de dois
meses.
A polícia do país
também anunciou no último domingo (15/12), segundo a agência de notícias
sul-corena Yonhap, as detenções do diretor do Comando de Inteligência de Defesa
e de seu antecessor no cargo, ambas relacionadas com a investigação por
“insurreição”.
Os promotores
também solicitaram um mandado de prisão contra o chefe do Comando Especial de
Guerra do Exército, Kwak Jong-keun, segundo a Yonhap. O militar é acusado
de enviar tropas das forças especiais ao Parlamento durante a tentativa de
instaurar a lei marcial, o que desencadeou um confronto entre os soldados e os
funcionários do Legislativo.
Se forem
considerados culpados pela Justiça, Yoon – que está proibido de sair do país –
e seus principais conselheiros enfrentam o risco de prisão perpétua ou até pena
de morte.
Fonte: Opera Mundi
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