sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Coreia do Sul: Partido de presidente afastado tenta barrar impeachment travando nomeação de juízes

A Coreia do Sul vive atualmente a expectativa sobre a decisão que o Tribunal Constitucional dará a respeito do pedido de impeachment contra o presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol, que foi aprovado no último sábado (14/12) pela Assembleia Nacional e que, posteriormente, passou às mãos dos magistrados, que serão responsáveis pela última etapa de tramitação do processo.

A previsão é que a resolução do caso aconteça entre fevereiro e março de 2025, de acordo com a avaliação da deputada Lee So Young, do Partido Democrático da Coreia, principal sigla oposicionista.

Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, a parlamentar explicou que entre os especialistas há um consenso de que o mandatário violou os princípios constitucionais ao decretar a lei marcial em 3 de dezembro.

No entanto, ela interpreta que, embora os princípios da Constituição indiquem que o pedido será acatado pelo Tribunal, o governista Partido do Poder Popular está tentando “ganhar tempo” para barrar um possível impeachment ao atrasar os procedimentos do Judiciário – que tem um prazo de até 180 dias para chegar a uma decisão.

·        Seis ou nove membros no Tribunal Constitucional?

O Tribunal Constitucional sul-coreano conta tradicionalmente com a participação de nove juízes, três deles nomeados pelo Executivo, três pelo Legislativo e três pelo Judiciário; e o pedido da Assembleia tem que ser aprovado, no mínimo, por sete membros. No entanto, o país se encontra em uma situação inédita: pela primeira vez, a Corte opera apenas com seis juízes, pois três deles tiveram o seu mandato expirado.

Em condições normais, os três sucessores já deveriam ter sido nomeados pela Assembleia Nacional, o que não ocorreu em meio a uma falta de consenso entre os parlamentares. Nesse período, a lei marcial foi decretada e, consequentemente, o pedido de impeachment acatado pelo Parlamento.

Dessa forma, os seis juízes ativos concordaram em prosseguir o julgamento do impeachment sem os membros em sua totalidade, e impondo a condição de que o impeachment apenas seja aprovado sob uma decisão unânime, ou seja, com o consenso dos seis juízes ativos.

De acordo com a imprensa local, a oposição expressa a necessidade de nomear mais três juízes para que o julgamento conte com o Tribunal em sua totalidade e haja menor chance de uma possível rejeição do pedido, já que precisará de sete dos nove votos. Segundo veículos sul-coreanos, há um “temor” por parte dos parlamentares de que algum dos seis membros ativos na Corte previamente nomeado por Yoon vote contra e barre o impeachment.

Segundo a deputada Lee, “uma parte da sigla governista discorda do fato de atualmente existirem apenas seis membros, dos nove totais, ativos no Tribunal Constitucional. Já outra parte acredita que não devem ser nomeados novos três membros pendentes na Corte. Eles estão usando essa estratégia (de indecisão) para ganhar tempo”.

“A ala oposicionista defende que os procedimentos, tais como audiências, sejam prosseguidos o quanto antes, contando com a nomeação de novos três juízes que faltam no Tribunal Constitucional”, avalia a parlamentar.

·        Investigações criminais

Em paralelo à análise do pedido de impeachment, Yoon também é alvo de investigações por parte da polícia e do Escritório de Investigação de Corrupção para Altos Funcionários (CIO, por sua sigla em inglês) por insurreição e abuso de poder.

Atualmente, Yoon se consolidou como o primeiro chefe de Estado na história da Coreia do Sul a ser convocado a uma audiência em meio a seu mandato – ainda que tenha perdido suas funções políticas com o impeachment aprovado pela Assembleia, e quem esteja governando de forma interina seja o primeiro-ministro Han Duck Soo.

 “De acordo com a Constituição da Coreia do Sul, a investigação contra um presidente em exercício só é possível em dois casos. Yoon Suk Yeol é acusado de traição. Ou seja, ele se enquadra em um desses dois casos”, afirmou Lee.

O presidente desafiou uma intimação do CIO ao não comparecer na manhã de quarta-feira (18/12) para o interrogatório convocado pelo órgão anticorrupção sobre sua tentativa de impor a lei marcial no país. No domingo (15/12), ele se recusou a ser interrogado pelo Ministério Público, que estava conduzindo uma investigação separada sobre alegações de abuso de poder.

“Apesar de várias agências de investigação já terem pressionado simultaneamente pelo comparecimento do presidente Yoon Suk Yeol, ele não tem se apresentado até o momento. Eu acredito que tanto os órgãos investigativos quanto o tribunal tomarão uma decisão adequada, considerando a gravidade do caso”, avaliou a deputada.

Nesse sentido, Lee conta que o Partido Democrático da Coreia, principal sigla oposicionista do país, está realizando uma “força-tarefa para conscientizar o povo sobre os bastidores da lei marcial” e, dessa forma, impulsionar o prosseguimento das investigações contra o presidente.

·        ‘Democracia sólida’

Questionada sobre sua avaliação em relação ao papel da população no bloqueio da lei marcial e à aprovação do pedido de impeachment, Lee destacou a Opera Mundi que os protestos lembraram, mais uma vez, “quem é o verdadeiro dono do país”.

“Na noite em que o presidente declarou a lei marcial, foram os cidadãos que compareceram pessoalmente à Assembleia Nacional para protegê-la das forças militares. Eles gritaram nas ruas pelo impeachment do presidente”, ressaltou.

A parlamentar, que revelou ter participado dos protestos em Seul, também chamou a atenção à particularidade das manifestações realizadas nas proximidades do Parlamento. De acordo com ela, foram executadas com “pacificidade” e “alegria”, o que permitiu formar uma união entre “todas as gerações”.

“A verdade é que os protestos foram liderados por jovens na faixa dos 20 e 30 anos. Eles expressaram uma cultura de protesto alegre. Agitavam os light sticks (varinhas de luz tradicionalmente usadas por fãs de grupos de k-pop em shows para manifestar apoio aos artistas) ao som de músicas do gênero k-pop. Este tipo de protesto reuniu todas as gerações e aumentou a coesão de toda a nação. Foi um aviso muito forte emitido a todos os membros da Assembleia Nacional, inclusive a mim. Isso não poderia ser ignorado”, afirmou Lee.

<><> Leia a entrevista na íntegra:

·        Qual o cenário esperado após a aprovação do pedido de impeachment? Avalia a possibilidade de o Tribunal Constitucional não acolher a decisão da Assembleia Nacional?

Lee So Young: O Tribunal Constitucional deve proceder ao pedido de impeachment no prazo de 180 dias. Levando em consideração casos anteriores de revisão da proposta de impeachment contra o presidente, espera-se que se chegue a uma conclusão já entre fevereiro e março para reduzir o período de ausência de um chefe de Estado no país.

Não há dúvida entre os acadêmicos que analisam a Constituição sobre a violação aos princípios constitucionais (pela decretação da lei marcial), portanto há uma grande possibilidade de que o pedido seja acatado.

Uma parte da sigla governista discorda do fato de atualmente existirem apenas seis membros, dos nove totais, ativos no Tribunal Constitucional. Já outra parte acredita que não devem ser nomeados novos três membros pendentes na Corte. Eles estão usando essa estratégia (de indecisão) para ganhar tempo.

A ala oposicionista defende que os procedimentos, tais como audiências, sejam prosseguidos o quanto antes, contando com novos três juízes que faltam no Tribunal Constitucional.

·        O pronunciamento do presidente após o pedido de impeachment ter sido aprovado pela Assembleia Nacional não consistiu em nenhum pedido de desculpas em ter causado uma crise nacional por meio da decretação da lei marcial. Pelo contrário,  Yoon mais uma vez culpou a oposição e deu ênfase às “conquistas” realizadas durante seu mandato. Como você avalia essa postura?

Yoon Suk Yeol provou mais uma vez que não está qualificado para ser o presidente da Coreia do Sul por base no seu discurso final.

Ao longo de 11 dias após a declaração da lei marcial, que é inconstitucional e ilegal, milhões de cidadãos clamaram pelo impeachment perante a Assembleia Nacional. A aprovação da moção pelo Parlamento foi uma resposta à ordem do povo para deter o presidente que ignora tanto a Constituição quanto a democracia.

No entanto, o presidente Yoon Suk Yeol tentou evitar seus erros até o fim e, em vez do diálogo e do respeito ao estado de direito, manifestou uma completa falta de comunicação e arrogância. Ele é avaliado como um político em si muito decepcionante, independentemente de os partidos no poder e a oposição.

·        Em que pé estão os avanços referentes à investigação criminal sobre Yoon e seus aliados que participaram da tentativa de autogolpe em 3 de dezembro?

Atualmente, agências de investigação como a polícia e o Escritório de Investigação de Corrupção de Altos Funcionários estão investigando o presidente Yoon Suk Yeol por crime de insurreição.

Não há precedentes na história do país um presidente em exercício ser convocado como suspeito. De acordo com a Constituição da Coreia do Sul, a investigação contra um presidente em exercício só é possível em dois casos, e Yoon Suk Yeol é acusado de traição. Ou seja, ele se enquadra em um dos dois crimes.

As investigações e detenções de pessoas envolvidas na decretação da lei marcial, incluindo o ex-ministro da Defesa Nacional, Kim Yong Hyun, também estão procedendo rapidamente. A verdade vai sendo revelada aos poucos. Inclusive o comissário-geral da Agência Nacional de Polícia por ter tido conhecimento antecipado sobre o plano de declarar a lei marcial, mas ter mentido à Assembleia Nacional ao dizer que não sabia.

·        Você acha que há uma chance do presidente ser preso antes que o julgamento do impeachment seja acatado pela Corte?

Embora tenha havido, no passado, um caso em que um ex-presidente foi detido (durante o mandato de outro presidente), esta é a primeira vez na história do país que um chefe de Estado em exercício foi convocado a comparecer (a uma audiência).

Apesar de várias agências de investigação já terem pressionado simultaneamente pelo comparecimento do presidente Yoon Suk Yeol (a interrogatórios), ele não tem se apresentado até o momento. Eu acredito que tanto os órgãos investigativos quanto o tribunal tomarão uma decisão adequada, considerando a gravidade do caso.

·        A população sul-coreana saiu às ruas e protestou todos os dias após a decretação da lei marcial para exigir o impeachment do presidente. Como você avalia o papel que os civis tomaram neste cenário e a importância da pressão popular?

Este incidente lembrou mais uma vez ao nosso povo quem é o verdadeiro dono do país. Na noite em que o presidente declarou a lei marcial, foram os cidadãos que compareceram pessoalmente à Assembleia Nacional para protegê-la das forças militares. Eles gritaram nas ruas pelo impeachment do presidente.

Eu também estive presente nos protestos. Embora tivessem um objetivo sério, as mobilizações foram realizadas por meio de festivais pacíficos. A verdade é que os protestos foram liderados por jovens na faixa dos 20 e 30 anos. Eles expressaram uma cultura de protesto alegre. Agitavam os light sticks (varinhas de luz tradicionalmente usadas por fãs de grupos de k-pop em shows para manifestar apoio aos artistas) ao som de músicas do gênero k-pop.

Este tipo de protesto reuniu todas as gerações e aumentou a coesão de toda a nação. Foi um aviso muito forte emitido a todos os membros da Assembleia Nacional, inclusive a mim. Isso não poderia ser ignorado.

Para que o projeto de impeachment fosse aprovado, eram necessários oito votos favoráveis a mais que na primeira votação. Mas vimos que o número excedeu. Foram 12 votos pela destituição de Yoon. Podemos interpretar isso como uma nítida existência de uma divisão dentro do próprio Partido do Poder Popular?

Dado que a maioria dos membros do Partido do Poder Popular se opôs ao impeachment em contramão à opinião pública, creio que esse comportamento (dos parlamentares que votaram a favor) deve ser visto como uma “consciência de alguns” e não como uma “divisão”.

A votação de impeachment da Assembleia Nacional resultou em 204 votos a favor, 85 contra e três abstenções e oito votos inválidos em meio a 300 membros registrados. Apenas 12 dos 108 membros do Partido do Poder Popular votaram a favor do impeachment do presidente.

O partido no poder, que tem manifestado oposição à opinião pública, tem agora o desafio de demonstrar mudanças fundamentais para restaurar a confiança do povo. Se as vozes que apelam à mudança seguem sendo tidas pelo Partido do Poder Popular como a resistência de uma “minoria”, a “divisão” interna da sigla será difícil de ser evitada.

·        Há preparativos por parte da ala oposicionista ou articulações paralelas para o prosseguimento do impeachment?

Como principal partido da oposição na Assembleia Nacional da Coreia do Sul, estamos realizando uma força-tarefa para conscientizar o povo sobre os bastidores da lei marcial. Até o momento, conseguimos descobrir várias verdades por meio de inquéritos na Assembleia Nacional e, com base nisso, seguimos querendo prosseguir as investigações sobre o crime de insurreição.

Há alguma mensagem que você gostaria de transmitir ao povo sul-coreano sobre a atual situação política?

Sem vocês, povo, teria sido impossível acabar com a lei marcial ou aprovar o projeto de impeachment. Gostaria de expressar a minha mais profunda gratidão a todos vocês que mais uma vez salvaram a Coreia do Sul da crise por meio da solidariedade.

Além de destituir o presidente, faremos o nosso melhor para restaurar rapidamente a estabilidade da nossa economia e da nossa sociedade.

A democracia sul-coreana é muito forte e sólida. Isto foi provado mais uma vez. Acredito que a Coreia do Sul se desenvolverá ainda mais com base na sua sólida democracia.

 

¨      Chefe das Forças Armadas sul-coreana é preso por rebelião

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Coreia do Sul, general Park An-su, foi preso nesta terça-feira (17/12) acusado de rebelião e de abuso de poder durante a imposição da lei marcial em 3 de dezembro, segundo o jornal local Yonhap.

O alto oficial das Forças Armadas, que prestou serviço como comandante durante a injunção da lei, é tido como uma peça-chave no caso. Além dele, outras quatro pessoas também foram detidas acusadas de envolvimento na tentativa fracassada de injunção da lei marcial.

Além das prisões, a Corte Constitucional da Coreia do Sul iniciou na última segunda-feira (16/12) o processo para a análise do impeachment do presidente, Yoon Suk Yeol, destituído no último sábado (14/12), decorrente da crise política causada por sua tentativa frustrada de impor a lei marcial, que foi bloqueada horas depois pela Assembleia Nacional.

Yoon, derrotado em uma votação de impeachment, enfrenta duas investigações judiciais por acusações de “insurreição”, uma da Procuradoria e outra de uma equipe conjunta de polícia, Ministério da Defesa e promotores da unidade de combate à corrupção.

Agora, a Corte Constitucional tem seis meses para decidir se confirma ou não o impeachment de Yoon. Uma audiência preliminar foi marcada para 27 de dezembro. Se a destituição for confirmada, o país terá novas eleições em um prazo de dois meses.

A polícia do país também anunciou no último domingo (15/12), segundo a agência de notícias sul-corena Yonhap, as detenções do diretor do Comando de Inteligência de Defesa e de seu antecessor no cargo, ambas relacionadas com a investigação por “insurreição”.

Os promotores também solicitaram um mandado de prisão contra o chefe do Comando Especial de Guerra do Exército, Kwak Jong-keun, segundo a Yonhap. O militar é acusado de enviar tropas das forças especiais ao Parlamento durante a tentativa de instaurar a lei marcial, o que desencadeou um confronto entre os soldados e os funcionários do Legislativo.

Se forem considerados culpados pela Justiça, Yoon – que está proibido de sair do país – e seus principais conselheiros enfrentam o risco de prisão perpétua ou até pena de morte.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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