Sem celular nas
escolas: todos são a favor, mas dá para implementar nova lei?
O Senado aprovou
nesta quarta-feira (18) a proibição do uso de aparelhos celulares por alunos
nas escolas públicas e privadas de todo o Brasil. O relator no Senado,
Alessandro Vieira (MDB-SE), não fez alterações sobre o texto aprovado pela
Câmara dos Deputados na última semana. O projeto de lei agora segue para a
sanção do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
- que já demonstrou apoio ao tema - para se tornar lei nacional a partir de
2025.
O uso de smartphones está no
centro de um debate global sobre os impactos no desempenho acadêmico,
desenvolvimento de habilidades cognitivas e na saúde mental de
crianças e adolescentes.
A nova lei pretende
equilibrar os benefícios e prejuízos do uso desses dispositivos, especialmente
em salas de aula.
<><> O
PL aprovado prevê:
# Uso do celular
proibido em sala de aula, no recreio e nos intervalos de aula e em todas as
etapas da educação básica (educação infantil até o ensino médio)
# Telas permitidas
para fins pedagógicos sob orientação de educadores, ou para casos de
acessibilidade e inclusão de alunos com deficiência;
# Uso permitido em
situações de estado de perigo, estado de necessidade ou caso de força maior;
# As redes de
ensino e as escolas devem desenvolver estratégias para abordar a saúde mental
dos estudantes, além de oferecer treinamentos periódicos para detectar,
prevenir e lidar com os sinais de sofrimento mental e os impactos do uso
excessivo de telas;
# Todos os alunos
poderão portar o celular, mas não podem utilizá-lo;
A lei não prevê
nenhum tipo de sanção específica aos alunos que a descumprirem, mas empodera as
escolas para ter mais controle sobre o uso dos aparelhos.
·
Como
será a aplicação da lei em 2025?
O início da lei não
significa que o que acontece nas escolas - tanto por parte dos alunos quanto
dos educadores - mudará instantaneamente.
Poucos dias antes
da votação no Senado, em 5 de dezembro, o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), sancionou a lei aprovada por unanimidade na Assembleia
Legislativa do estado (Alesp) em novembro, tornando São Paulo o primeiro estado
a implementar a proibição.
A BBC News Brasil
visitou escolas da capital paulista para entender como estão se preparando para
se adaptar à nova lei e o que fizeram aquelas que já haviam adotado a prática
antes da aprovação da legislação.
Em visita da
reportagem à Escola Estadual Professor Antônio Emílio Souza Penna, em São
Paulo, os educadores compartilharam que ainda não tem um plano totalmente
definido, e afirmam que não há recomendações muito específicas vindas do
Estado, visto que cada escola pode ter uma realidade distinta.
Manuela Fachini,
vice-diretora, diz que o caminho será de 'tentativa e erro'.
Maria das Graças e
Rogério Migotto dão aulas para o ensino fundamental II e para o Ensino Médio, e
relatam que, atualmente, é difícil controlar o uso mesmo durante as aulas.
"Eles acham
que tudo precisa ser feito no celular – cerca de 80% dos alunos usa dentro da
sala de aula. A gente pede para guardar, mas eles escondem o aparelho embaixo
da carteira ou até da perna. Parece que não conseguem ficar sem."
Ainda assim, os
professores não se sentem confortáveis em tirar o aparelho de um aluno.
"Eu parei de
pegar celular por que se acontecesse uma queda, qualquer coisa, eu poderia ser
responsabilizada por ter pego o celular", diz Graças.
Migotto relata
também que há alunos discutindo com os professores dizendo que eles "não
podem fazer nada" em relação ao uso das telas – e alguns poucos se tornam
agressivos.
"Já tive uma
experiência que resolvi tirar o aluno de sala por não guardar o celular. Ele
atirou o celular na parede e saiu me xingando."
Eles esperam que a
lei os garanta mais autoridade em sala de aula, mas ainda não sabem como
exatamente isso poderia ser feito.
"Uma coisa que
me preocupa muito é como vamos nos responsabilizar pelos celulares. Até que
ponto conseguiremos, junto com as famílias, dar um destino
adequado para esses aparelhos, evitando qualquer tipo de problema, de ambos os
lados? Estamos pensando em alternativas para que isso aconteça",
acrescenta a vice-diretora.
Os alunos Rafaela
Teodoro e Gabriel Takashi, de 17 e 16 anos, dizem compreender que o celular
pode ser nocivo e não deve ser usado durante as aulas.
"Eu acho que,
por termos crescido tão ligados às telas, quando estamos na sala de aula e
chega uma notificação no celular, a vontade de olhar é quase inevitável, e isso
acaba gerando até uma sensação de ansiedade", diz
Rafaela.
Gabriel concorda,
mas preferia ter acesso durante os intervalos.
"O celular
acaba, sim, desviando nossa atenção. Eu acho válido proibir, mas acredito que
isso vai depender muito da abordagem adotada em sala de aula. Mas acho que a
proibição não deveria se estender ao recreio, que é um momento em que os alunos
estão mais livres para relaxar."
·
Escolas
particulares que já adotaram a medida ficam mais confortáveis
Quem tem mais
recursos têm também mais liberdade para explorar soluções que mantêm os alunos
longe da tentação das telas.
É o caso do Colégio
Porto Seguro, particular, que impõe uma regra interna de não uso de telas -
mesmo durante intervalos - há seis anos.
Em conversa com a
reportagem, Meire Nocito, diretora da unidade Morumbi, na zona Sul de São
Paulo, diz que o segredo é o espaço de diálogo direto com os alunos, sobretudo
com aqueles que demonstram mais resistência em ficarem afastados do celular.
"Os alunos já
estavam tão focados no celular durante os intervalos que pararam de interagir
socialmente ou brincar entre si. Por isso, implementamos o 'detox' às
sextas-feiras, um dia em que eles deixavam os celulares de lado nos intervalos
para brincar e participar de atividades recreativas, esportivas e
culturais."
Depois, a regra passou
a valer para todos os dias. E mesmo com uma infraestrutura completa, com
quadras, laboratórios e salas de música, os alunos puderam oferecer atividades
que, em sua visão, poderiam ajudá-los a ignorar as telas.
"Independentemente
das atividades que já oferecemos, eles começaram a apresentar suas próprias
ideias. Foi assim que surgiram propostas como oficinas de cupcakes, contação de
histórias e ateliês de artes."
No também
particular colégio Camino, situado na zona Oeste, há cerca de quatro anos é
proibido que os alunos usem celular ou outros dispositivos eletrônicos. Para
evitar a tentação, os aparelhos são colocados em uma caixa. Se alguém é pego
usando, um funcionário da escola pode retirar e devolver somente após o término
do dia escolar.
A diretora Letícia
Lyle conta que decidiu impor a regra após a pandemia, quando percebeu que os
alunos estavam ainda mais apegados à tecnologia.
"No começo,
muitos ficaram revoltados, fizeram até um protesto. Mas não durou muito. Depois
de uma semana eles começaram a engajar em atividades, jogar vôlei, conversar
entre eles... E passaram a ver que também existiam benefícios."
"Eu quase não
sinto falta do celular, porque estou com meus amigos. Mas, por exemplo, quando
saiu o Spotify Wrapped [uma retrospectiva personalizada com os artistas mais
ouvidos no ano], no ano passado, eu fiquei muito ansiosa para ver o meu.
Estávamos na escola, e eu só conseguia pensar: 'Quero muito ver o meu'",
diz Alicia Pereira, aluna do colégio Camino, de 15 anos.
"Mas, em
relação às redes sociais, eu não sinto tanta necessidade, porque sei que,
quando a aula acabar e eu puder mexer, vou acabar vendo as mesmas coisas de
sempre. E eu acho que quanto mais tempo a gente passa online, é pior para a
nossa saúde mental, por conta da comparação com outras pessoas".
A aluna admite,
porém, que muitos dos amigos tem seus 'jeitinhos' para manter os celulares
escondidos e usar quando ninguém está olhando.
·
O
papel da família e a 'sensação de controle'
Tanto nas escolas
públicas quanto nas particulares, muitos pais defendem que os filhos tenham o
celular consigo "para emergências" ou para garantir que "a
criança está bem". Ao mesmo tempo, há um consenso quase unânime de que as
famílias esperam que os educadores consigam garantir que, pelo menos durante as
aulas, os jovens estejam focados no conteúdo acadêmico.
"Os pais
querem manter essa conexão, o que é compreensível, então nem sempre é fácil.
Eles precisam aprender a desapegar um pouco e confiar que seus filhos estão em
um ambiente seguro e favorável para o aprendizado", defende Lyle.
A vice-diretora da
Escola Estadual Professor Antônio Emílio Souza Penna, Manuela Fachini, ressalta
que os pais precisam estar alinhados não apenas com as regras da escola, mas
também colaborando para promover uma educação digital mais equilibrada.
"Não posso
delegar ao professor algo que, como mãe, é minha responsabilidade. O que vemos
hoje é que muitos pais, pela correria do dia a dia, acabam permitindo que o
filho use o celular como uma recompensa, como se isso fosse uma forma de
compensar a falta de tempo com ele."
Camila Bruzzi, uma
das mães por trás do 'Movimento Desconecta', avalia que o argumento de muitos
pais para que as crianças sigam portando os aparelhos em escolas parte de uma
"falsa sensação de controle", já que em caso de emergências, como,
por exemplo, um ataque violento à escola, o aluno deve focar em se proteger e
seguir as orientações da instituição.
"E se precisar
contatar a criança, o caminho é ligar na escola, como sempre foi feito",
diz ela, que pretende espalhar a ideia do grupo de criar ações coletivas para
adiar, limitar e controlar o acesso de crianças a smartphones e redes sociais.
Para ela, o porte
deve ser totalmente proibido. "As crianças e adolescentes estão sempre
tentando quebrar regras. Com o nível de sofisticação dos algoritmos usados para
viciar e capturar a atenção das pessoas, é injusto esperar que se comportem bem
e sigam as regras sem o apoio de diretrizes claras da escola."
Bruzzi considera
alarmante a falta de definição da lei que menciona que se houver uma
necessidade importante, a criança pode usar o celular sem qualquer autorização.
"O texto se
tornou mais amplo e nada claro. A preocupação é que, basicamente, qualquer
coisa pode ser considerada uma exceção."
·
O
impacto na saúde mental dos jovens
O psicólogo
Cristiano Nabuco alerta que os efeitos das dependências das telas, tema do qual
é pesquisador, são especialmente nocivos para os jovens.
"O córtex
pré-frontal, responsável pelo controle de impulsos e pela reflexão sobre nossas
ações, só se desenvolve totalmente por volta dos 25 anos. O uso constante de
telas digitais estimula atalhos no cérebro, liberando dopamina, o que acelera as
decisões e reduz a influência de outras áreas cerebrais", diz ele.
Segundo Nabuco
processo reforça a sensação de prazer imediato, como ao receber
"curtidas" nas redes sociais, mas também altera a estrutura do
cérebro, diminuindo a conectividade entre os neurônios. "Isso pode ter
efeitos negativos no longo prazo, como a redução do QI, de acordo com
pesquisas."
A expectativa é
que, uma vez implementada, a lei contribua não apenas para um melhor desempenho
acadêmico, mas também para a melhoria da saúde mental e das habilidades
cognitivas dos alunos, como redução da ansiedade, aumento da atenção, maior
foco nas atividades escolares, melhora na interação social e maior capacidade
de concentração nas tarefas.
¨ O que muda com a proibição de celulares nas escolas
O Senado aprovou
nesta quarta-feira (18/12), em votação simbólica, um projeto de lei que proíbe
o uso de celulares nas escolas por alunos dos ensinos infantil, fundamental e
médio. O texto, que é endossado pelo Ministério da Educação, segue agora para
sanção presidencial e, se for aprovado pela Presidência, incidirá sobre
instituições de ensino público e privado.
Com a nova regra,
alunos não poderão usar
qualquer tipo de aparelho eletrônico portátil tanto durante as aulas, como
no recreio ou nos intervalos, o que inclui também tablets com acesso à
internet, por exemplo.
Os estudantes serão
autorizados a entrar com o smartphone na escola, mas só podem acessá-lo em
situações excepcionais, como em casos de "perigo, necessidade ou força
maior", diz o texto.
Em sala de aula, o
celular poderá ser usado para fins pedagógicos ou
didáticos e
sob orientação dos professores. A exceção também vale se o aparelho eletrônico
contribuir para acessibilidade e inclusão, atender condições de saúde e
garantir os direitos fundamentais.
Na prática, o texto
permite que as crianças e adolescentes mantenham contato com os responsáveis se
houver uma emergência de saúde, por exemplo, ou se precisar de ajuda em
situação de risco. Alunos com deficiências que usam tecnologia assistiva também
terão acesso aos aparelhos eletrônicos.
<><> Treinamento
para prevenção
Para se adaptar à
nova regra, as escolas deverão elaborar estratégias para discutir com os
estudantes sobre o risco para a saúde mental associado ao uso ilimitado do
celular.
Os profissionais
também deverão receber treinamentos para detectar e prevenir o sofrimento
mental dos alunos pelo uso exacerbado de
telas.
O texto cita medidas para mitigar a nomofobia entre os alunos, que é o medo de
ficar impedido de usar o smartphone.
O projeto ainda
prevê a criação de espaços de acolhimento para alunos e funcionários para
tratar do tema.
A medida não cria
um modelo de punição para as escolas que não cumprirem a lei. Segundo o relator
do projeto no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), o texto apenas "orienta
uma política pública educacional".
"A regra é que
o aluno deixe esse celular desligado, mutado, na sua mochila ou no
estabelecimento que tiver espaço, e ele tenha concentração total na aula. É um
projeto muito simples, ele quer resgatar a atenção do aluno, levar esse aluno a
prestar atenção na aula", argumentou o senador, durante a sessão de
debates.
<><> Apoio
do governo
Se a sanção
acontecer neste ano, a nova prática pode começar a valer já a partir do ano
letivo de 2025.
A expectativa é que
o governo endosse o texto em sua totalidade. Em outubro, o ministro da Educação,
Camilo Santana, disse que o projeto de lei já engloba a opinião do MEC, que
concorda com o veto dos aparelhos.
O primeiro desenho
da proposta, que corre no Congresso desde 2015, propunha proibir o smartphone
apenas em sala de aula, e não nos intervalos, mas o projeto avançou na Câmara
com uma restrição maior, sob orientação do MEC.
<><> Regra
gerou debate
Apesar de ter
obtido unanimidade entre os senadores, duas emendas chegaram a ser
apresentadas. Uma delas, de autoria do senador Rogério Marinho (PL-RN), visava
estabelecer a obrigatoriedade apenas no ensino infantil e fundamental, do 1º ao
9º ano, excluindo o ensino médio. O argumento do parlamentar era aplicar a
política de forma gradual. A emenda acabou sendo rejeitada.
Uma outra emenda,
de autoria do senador Eduardo Girão (Novo-CE), chegou a ser apresentada, para
obrigar a instalação de câmeras em salas de aula, mas, após os debates, o
parlamentar retirou a proposta.
Segundo Girão, as
câmeras seriam necessárias pois, sem os celulares, os alunos não teriam como se
proteger de supostos "casos de doutrinação" de professores.
"Como é que fica a questão da doutrinação? Eu sei que é minoria dos
professores, a minoria da minoria, mas existem vários casos de doutrinação, de
deturpação. Como é que a gente vai ter esse tipo de controle? Então, a solução
que nós demos é instalação de câmeras de segurança", afirmou.
<><> Modelo
existe em outros países
Países como China, França, Espanha, Grécia,
Dinamarca, Itália e Holanda já possuem legislações que restringem uso de
celular em escolas. No Brasil, o Rio de Janeiro foi pioneiro em adotar a
medida, que vale na capital carioca desde fevereiro deste ano. Um projeto similar foi
aprovado em São Paulo para
ser implementado no ano que vem.
Em sua
argumentação, o relator Alessandro Vieira citou os números da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mostrou que os alunos que
mais passaram tempo nas telas tiveram um desempenho pior no Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). O estudo também indicou que
65% dos estudantes em todo o mundo disseram que o aparelho os distrai em aulas
como as de matemática. No Brasil, o índice chega a 80%.
Fonte: BBC News
Brasil/DW Brasil
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