sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

112 anos de Luiz Gonzaga: vida e obra do ‘Rei do Baião’

Em 13 de dezembro de 1912, nascia o cantor, compositor e instrumentista pernambucano Luiz Gonzaga.

Alcunhado “Rei do Baião”, Gonzaga operou uma bem sucedida adaptação dos ritmos folclóricos e regionais como o baião, xaxado e o xote para o circuito comercial.

Seu trabalho deu enorme contribuição à valorização da cultura nordestina e concebendo uma expressão musical inovadora, que teve grande influência sobre a música brasileira.

Notabilizou-se igualmente por suas canções antológicas, imbuídas de regionalismo lírico, abordando com maestria o cotidiano do sertanejo, a natureza, o flagelo da seca e os problemas sociais do Nordeste.

·        Quem foi Luiz Gonzaga

Luiz Gonzaga nasceu na Fazenda Caiçara, em Exu, no Sertão de Pernambuco, filho dos lavradores Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus.

Ainda criança, aprendeu a tocar o fole de oito baixos do pai e trabalhou na lavoura junto com a família. Aos 13 anos comprou sua primeira sanfona e passou a se apresentar em festas de casamento, forrós e bailes.

Adolescente, apaixonou-se por Nazarena, filha de um coronel da região. Incomodado com a origem humilde de Gonzaga, o pai da jovem proibiu o namoro.

A insistência em se encontrar com Nazarena custou ao jovem uma surra dos pais e uma ameaça de morte do coronel. Indignado com a situação, vendeu sua sanfona e usou o dinheiro para fugir de casa, rumando para o Ceará.

Em Fortaleza, Gonzaga se alistou no Exército e foi chamado a servir na Revolução de 1930 — movimento armado que encerrou o pacto oligárquico da República Velha e culminou com a ascensão de Getúlio Vargas à Presidência.

Foi enviado para o Piauí, onde combateu os soldados que se recusaram a aderir ao movimento. Dois anos depois, viajou ao Mato Grosso, a fim de resguardar as fronteiras nacionais durante a Guerra do Chaco.

Por fim, foi realocado para Minas Gerais, onde teve aulas de música com o acordeonista Domingos Ambrósio. Permaneceu no Exército por quase uma década, dando baixa em 1939, já no Rio de Janeiro.

·        Gonzaga no Rio de Janeiro

Na antiga capital, Gonzaga se sustentou tocando sanfona nos bares da Zona do Mangue e nos cabarés da Lapa, com um repertório de músicas da moda — tangos, valsas e foxtrotes.

Na noite carioca, conheceu o violinista baiano Xavier Pinheiro, que se tornaria seu amigo e eventual colaborador.

Em busca de oportunidades, passou a frequentar os programas de calouros nas rádios cariocas, mas não conseguiu se destacar a princípio.

Convencido por amigos a incluir músicas nordestinas em seu repertório, surpreendeu-se com a reação positiva do público.

Assim, quando retornou ao programa de calouros de Ary Barroso na Rádio Tupi, o jovem se apresentou com a canção “Vira e Mexe”, um “chamego” tipicamente nordestino de sua autoria.

O experimento deu certo: Gonzaga obteve nota máxima e levou o prêmio de 150 mil réis.

O sucesso na apresentação resultou em convites para outros projetos. Após participar como músico de apoio em uma gravação da dupla Genésio Arruda e Januário França, Gonzaga recebeu oferta de um contrato com a gravadora RCA.

Em maio de 1941, gravou como sanfoneiro a mazurca “Véspera de São João” e a valsa “Numa Serenata”.

No mês seguinte, lançou a valsa “Saudades de São João del Rey” e o chamego “Vira e Mexe”.

Entre 1941 e 1945, Gonzaga gravou 32 discos, sempre como solista de sanfona. Paralelamente, atuou na Rádio Clube (participando do programa Alma do Sertão), na Rádio Tamoio (onde se apresentou como sanfoneiro) e na Rádio Nacional.

No mesmo ano de 1945, gravou sua primeira canção como cantor, “Dança Mariquinha”, com letra de Miguel Lima.

·        Gonzagas e parcerias musicais

Intencionando criar um repertório que expressasse a identidade nordestina, Gonzaga estabeleceu uma prolífica parceria com Humberto Teixeira.

Entre 1947 e 1952, a dupla compôs 27 músicas, incluindo algumas das mais célebres obras do cancioneiro nacional.

Versando sobre o flagelo da seca, a toada “Asa Branca” se tornaria um verdadeiro hino sertanejo e permanece até hoje como uma das canções mais regravadas na história.

“Baião”, por sua vez, se converteu em um marco da música brasileira, ensejando a valorização do folclore nordestino e o surgimento de um novo gênero musical, por vezes intitulado “forró pé de serra”, assentado na adaptação dos ritmos regionais ao acompanhamento de um trio musical, composto por sanfona, zabumba e triângulo.

O novo ritmo seria predominante no panorama musical brasileiro até a década de 60 e teria enorme influência sobre a produção musical ulterior.

Gonzaga e Humberto Teixeira também gravaram muitos outros sucessos, incluindo “Assum Preto”, “Qui Nem Jiló” e “Juazeiro”.

Pouco tempo depois, Gonzaga estabeleceria outra colaboração bastante produtiva com o compositor pernambucano Zé Dantas.

A parceria resultou em 46 composições, incluindo hits como “O Xote das Meninas”, “Vem Morena”, “A Dança da Moda”, “Cintura Fina”, “Vozes da Seca” e “A Volta da Asa Branca”.

·        Gonzaga cangaceiro e sertanejo

Em consonância com a aspiração de representar a “nordestinidade”, Gonzaga operou uma profunda mudança em seu visual, substituindo o paletó e a gravata pela indumentária cangaceira e sertaneja.

De Lampião, adotou o chapéu meia-lua de couro, as alpercatas e os bornais. Dos vaqueiros do Sertão, emprestou a tradicional jaqueta de couro.

A indumentária de Gonzaga contribuiu em grande parte para a construção da identidade visual associada ao nordestino, que permanece até hoje viva no imaginário nacional.

Após a morte de Zé Dantas, Gonzaga estabeleceu nova parceria com João Silva, que resultaria no lançamento de dezenas de novas canções, incluindo “Danado de Bom”, “Forró de Ouricuri”, “Arcoverde Meu”, “Nem se Despediu de Mim” e a célebre polca “Pagode Russo”.

Não obstante, o surgimento da Bossa Nova, Jovem Guarda e a eclosão de novos ritmos influenciados pelo jazz e pela música norte-americana do pós-guerra reduziram o espaço de Gonzaga nos circuitos comerciais e levaram a mudanças significativas no gosto musical da população dos grandes centros urbanos.

Ignorado pelas grandes rádios, Gonzaga se voltou para as plateias do interior, passando a se apresentar em pequenos festivais, circos e praças públicas.

O apoio equivocado de Gonzaga a burocratas ligados à ditadura militar (1964-1985) também contribuiu para o seu isolamento na comunidade artística.

Nos anos seguintes, Gonzaga gravaria uma série de composições sob um crescente influxo místico-religioso (“Ave Maria Sertaneja”, “Padroeira do Brasil”, “Canaã”, etc.) e produziu obras em parceria com o filho, Gonzaguinha.

·        A volta de Gonzaga

Nos anos 70, em paralelo com o lançamento de coletâneas, observou-se um gradual reavivamento do interesse pela sua obra.

Gonzaga também retomou a temática da música de protesto, denunciando a opressão imposta ao povo nordestino, magistralmente expressa em sua “Missa do Vaqueiro”.

Em 1980, foi chamado para cantar para o Papa João Paulo II durante a visita do pontífice ao Brasil. No ano seguinte, lançou o LP “A Festa”, em colaboração com seu fillho Gonzaguinha, Emilinha Borba, Dominguinhos e Milton Nascimento, abrangendo interpretações de clássicos como “Luar do Sertão”.

Gonzaga participou dos esforços contra a grande seca que assolou o nordeste entre 1979 e 1984, causando mais de três milhões de mortes.

Além de contribuir com a coleta de alimentos e insumos, o músico gravou composições aludindo ao evento, nomeadamente “Sequei os Olhos”, produzida em parceria com João Silva.

Nos anos seguintes, participou de projetos em parceria com Alceu Valença, Elba Ramalho, Sivuca, Gal Costa, Oswaldinho do Acordeon e Dominguinhos, entre outros.

Em 1984, foi agraciado com Prêmio Shell da Música Popular Brasileira. Dois anos depois, participou do festival “Couleurs Brésil”, sediado na França. Seguiu ativo até o fim da vida, realizando shows, gravando canções inéditas e lançando coletâneas.

·        Morte de Luiz Gonzaga

Luiz Gonzaga faleceu em Recife em 2 de agosto de 1989, aos 76 anos de idade. Foi postumamente homenageado por seu filho com o álbum “Luizinho de Gonzaga”.

Em 2008, a prefeitura de Recife inaugurou um memorial em sua homenagem.

Quatro anos depois, em seu centenário de nascimento, Gonzaga foi tema do samba-enredo da escola Unidos da Tijuca e teve sua obra rememorada por filmes, documentários e uma série de shows.

Porta-voz da cultura nordestina, Luiz Gonzaga operou uma verdadeira revolução na música nacional.

Suas concepções artísticas inovadoras influenciaram gerações inteiras de artistas brasileiros, abrangendo dos ícones da MPB ao rock nacional, ao passo que sua expressão poética dignificou a luta do homem do Sertão.

Desde 2005, o Dia Nacional do Forró é celebrado em sua data de nascimento.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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