José Luis Oreiro: Um Banco
Central desarmado
Nas últimas semanas temos observado um espetáculo
dantesco em que parecem existir duas realidades paralelas. De um lado o Brasil
real, da mainstreet, deve fechar o ano de 2024 com um crescimento do PIB em
torno de 3.5% (com viés de alta), com desemprego perto de 6% da força de
trabalho e com uma taxa de inflação – que após um período de forte elevação
compreendido entre o final de 2020 e meados de 2022 (durante o governo da Besta
do Apocalipse) apresentou uma tendência nítida de queda tendo se estabilizado
ao longo do ano de 2024 no intervalor entre 4 a 4,5% a.a, conforme figura 1
abaixo. Ao contrário do que é afirmado em prosa e verso pelos economistas
convencionais, a queda contínua da taxa de desemprego após o primeiro semestre
de 2021 não foi acompanhada por uma tendência a aceleração da inflação. Com
efeito a correlação entre a taxa mensal de inflação acumulada em 12 meses e a
taxa de desemprego entre janeiro de 2020 e outubro de 2024 é de míseros 0.08,
estatisticamente igual a zero! O mercado de trabalho brasileiro, devido a sua
enorme heterogeneidade estrutural, encontra-se ainda muito longe do
pleno-emprego.
Do outro lado, pintado com cores sombrias e terríveis
pelos analistas e operadores do mercado financeiro, vemos uma economia na qual
a taxa de câmbio apresenta uma nítida tendência de depreciação nos últimos dois
meses, tendo ultrapassado na semana passada a marca de R$ 6,00 por dólar. Mesmo
após o choque de juros dado pelo COPOM na reunião da semana passada, na qual o
colegiado, de forma unânime aumentou a meta da taxa Selic em 100 p.b, para
12,25% a.a, e se comprometeu com, pelo menos, mais dois aumentos de igual magnitude,
estes já na gestão do “keynesiano” Gabriel Galípolo; o boletim Focus – conforme
figura 2 abaixo – atuando aparentemente a “reboque” da sinalização do COPOM,
está aumentando semana após semana as suas projeções sobre juros futuros, numa
verdadeira marcha da insensatez onde cada aumento da meta da taxa selic pelo
Copom tem como único efeito fazer com que o “mercado” acredite que a Selic
precisa ser ainda mais alta do que o Copom sinaliza para deter um suposto
descontrole inflacionário, o qual insiste em não aparecer nos dados divulgados
pelo IBGE.
Como é possível que visões tão divergentes sobre o
estado da economia brasileira possam coexistir no mesmo tempo e espaço? Os
analistas da Faria Lima podem argumentar que os bons números da economia real
são um reflexo do passado – quiçá das “reformas” feitas pelos governos Temer e
Bolsonaro – ao passo que os números atuais dos mercados financeiros –
basicamente câmbio e juros futuros – são indicadores antecedentes de um
desastre que está prestes a se abater sobre a economia brasileira. Esse
desastre seria a “dominância fiscal”, situação na qual uma trajetória
insustentável da relação dívida pública como proporção do PIB devido ao
descontrole fiscal originado no atual governo Lula, faria com que o mercado passe
a antecipar um nível de inflação mais alto no futuro como a única forma pela
qual o governo pode satisfazer a sua restrição orçamentária intertemporal.
Nessas condições, juros mais altos vão causar apenas mais inflação. E, por uma
lógica por um tanto assim lusitana, juros mais baixos também teriam o mesmo
efeito. Assim o país se tornaria uma Argentina num intervalo entre 12 a 18
meses.
Essa é a narrativa que a Faria Lima, em conjunto com a
grande mídia, que empurrar guela abaixo da sociedade brasileira na tentativa de
criar um fait
accompli:
Face a crise fiscal e cambial o governo Lula não teria outra opção que não se
render, arriar as calças, e fazer cortes nos gastos de assistência social,
saúde e educação. O saco de maldades é bem macabro: desvincular o BPC e o abono
salarial do salário mínimo, desindexar os benefícios previdenciários da
inflação e desobrigar o governo a aumentar os gastos de saúde e educação
conforme o aumento da receita tributária. São os 3 D´s do Paulo Guedes.
Bolsonaro não topou fazer porque queria ganhar a eleição, mas perdeu. Então
cabe a Lula a tarefa de sacrificar sua base de apoio para entregar o ajuste
fiscal que o mercado quer, do contrário ….
O que a grande imprensa e a Faria Lima não dizem,
talvez por ignorância, talvez por má fé, ou por alguma combinação convexa de
ambas as razões é que nos últimos 18 anos – sim, isso inclui o governo Lula I,
II, Dilma – a legislação cambial foi sendo modificada com o objetivo subliminar
de tirar do Banco Central do Brasil a potestade de intervir no mercado cambial
de forma eficaz e efetiva, ou seja, de forma a interromper movimentos puramente
especulativos no mercado de câmbio, alimentados pela irracionalidade, ganância,
preconceitos e comportamento de manada dos agentes do mercado financeiro.
Conforme lemos no documento “Medidas de simplificação
na área de câmbio anteriores à entrada em vigor da Lei nº 14.286, de 2021″ do
Banco Central do Brasil (Ver neste link)
“Em 1933, por meio do Decreto n° 23.258, foi
estabelecida a obrigatoriedade de ingresso no Brasil dos recursos resultantes
das exportações brasileiras. Essa medida foi adotada em contexto de elevada
escassez de moeda estrangeira. De se observar que dois anos antes, o Decreto n°
20.451 estabelecera o monopólio estatal para a compra de moeda estrangeira.
Durante a maior parte do século passado, as receitas de exportação constituíram
praticamente a única fonte primária de recursos a contribuir para a busca do
equilíbrio do balanço de pagamentos do País. Naquele contexto, os exportadores
ficavam sujeitos a controles e a sanções administrativas, inclusive multa
pecuniária de até 200% do valor da operação em caso de não ingresso no Brasil
das suas receitas de exportação”
Além disso: “O BCB exercia também controle cambial das
operações de importação, vinculando os documentos do desembaraço das
mercadorias oriundos da autoridade aduaneira aos contratos de câmbio recebidos
das instituições bancárias. Os procedimentos de controle cambial também estavam
presentes na área de serviços e de capitais internacionais. Assim, o Brasil
conviveu por décadas com restrições burocráticas para acesso à moeda estrangeira
no mercado de câmbio, além da obrigatoriedade de autorizações prévias e
posteriores na área de capitais internacionais”.
Entretanto “O processo de flexibilização do mercado de
câmbio no Brasil foi iniciado com a criação do mercado de câmbio de taxas
flutuantes pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), por meio de resolução
editada em 1988. Nesse mercado passou a ser possível aos residentes no Brasil,
inclusive aos exportadores, constituir disponibilidade no exterior, por meio de
operações em moeda nacional e com intermediação de instituições financeiras do
exterior. Com o início do funcionamento do referido mercado de taxas
flutuantes, em 1989, o exportador brasileiro passou a conviver com uma situação
paradoxal e assimétrica. Submetia-se à obrigatoriedade de ingresso das receitas
decorrentes de suas vendas externas por meio do mercado de câmbio de taxas
administradas, e, a partir de 1990, mercado de câmbio de taxas livres. De outra
parte, possuía o amparo regulamentar para, simultaneamente ou em momento
posterior, constituir disponibilidades no exterior sem restrição, por meio do
mercado de câmbio de taxas flutuantes.”
No governo Lula I essa flexibilização se acentuou pois
“A Lei n° 11.371, de 2006, permitiu flexibilizar a exigência de cobertura
cambial nas exportações, passando o CMN a deter competência para estabelecer o
percentual dos recursos de exportação que pode ser mantido no exterior. Naquele
ano, o CMN estabeleceu o percentual de 30% como limite para manutenção desses
recursos no exterior. Em 2008, o CMN permitiu que os exportadores brasileiros
pudessem manter no exterior 100% dos recursos relativos ao recebimento de suas
exportações. O fim da exigência de cobertura cambial constituiu importante
instrumento econômico e gerencial para as empresas exportadoras, contribuindo
ao mesmo tempo para uma melhor inserção do País no mercado internacional. Outra
importante medida de redução de custos para as empresas trazida pela Lei n°
11.371, de 2006, foi o fim da cobrança de multa sobre as operações de importação
brasileira, por atraso no pagamento ou ausência de contratação de operação de
câmbio de importação. Até então, havendo atraso de cerca de 180 dias contados
do vencimento da obrigação, sem a contratação da respectiva operação de câmbio
na forma estabelecida pelo BCB, o importador se via obrigado a pagar multa
sobre o valor da importação. Essa multa passou a não mais se justificar, tendo
em vista o fato de as empresas brasileiras passarem a ter, a partir da Lei n°
11.371, de 2006, a faculdade de efetuar pagamentos de importações com recursos
disponíveis no exterior, os quais não mais estavam sujeitos às regras de
contratação de câmbio no mercado cambial brasileiro”
Mas a mudança mais radical foi introduzida com a lei
14.286 de 2021. Segundo matéria da Agência Senado (neste link) as principais mudanças no mercado cambial
trazidas com essa lei foram:
·
Pessoa
física
Para as pessoas físicas, uma das principais mudanças é
a permissão de vender moeda estrangeira, desde que não seja de forma
profissional e sim eventual. A prática, apesar de comum, não era permitida em
lei. Um exemplo é a venda de moeda que sobrou de uma viagem, por exemplo. O
limite é de US$ 500 entre pessoas físicas.
Também mudou o valor que cada pessoa pode portar nas
viagens internacionais. O limite, que antes do marco legal aprovado era em
reais passa a ser em dólares. Agora, em vez de R$ 10 mil, cada pessoa poderá
viajar com até US$ 10 mil sem infringir a lei. A mesma regra vale para quem sai
e para quem chega ao Brasil. A mudança era necessária porque o valor havia sido
fixado na década de 90, em um momento de quase paridade entre os valores do
dólar e do real. Hoje, um dólar vale quase de R$ 5,50.
·
Investimentos
O novo marco legal permite que bancos e instituições
financeiras invistam no exterior recursos captados no Brasil ou fora do país,
além de facilitar o uso da moeda brasileira em transações internacionais.
Segundo o governo, isso ajudará a financiar importadores de produtos
brasileiros. O fluxo de recursos agora é direto entre empresas do mesmo grupo.
Well, quando olhamos para o conjunto da obra (Ver
figura 3) fica fácil constatar que a capacidade do Banco Central de intervir no
mercado de câmbio foi sendo diminuída paulatinamente ao longo do tempo,
principalmente com o fim da cobertura cambial das exportações, com a pá de cal
sendo a lei 14.286 de 2021 que permitiu que residentes no Brasil possam fazer
aplicações em renda fixa no exterior, aumentando astronomicamente a quantidade
de capital que pode sair do país. Se antes dessa lei, só podia, grosso modo,
sair do Brasil o capital que entrou na forma de IDP ou investimento de
portfólio de não-residentes; com a nova lei os residentes podem sacar de suas
contas de depósito a vista, poupança e fundos de investimento para aplicar no
exterior, sem limite. Está claro que, dada a nova legislação cambial, as
reservas internacionais brasileiras são insignificantes para evitar um ataque
especulativo contra a moeda brasileira, exatamente o que está ocorrendo agora.
Nesse contexto, não adianta vender reservas, fazer leilões de linha, aumentar
os juros ou nomear o Henrique Meirelles para a presidência do BCB. Tudo isso
será em vão. Não se pode lutar com uma faca quem está armado com uma bazuca. É
necessário ter uma bomba atômica. Em primeiro lugar, o Conselho Monetário Nacional
precisa reinstituir a exigência de cobertura cambial de 100% para as
exportações de maneira a forçar os exportadores a internalizar os dólares que
tem no exterior. Além disso o Congresso Nacional precisa revogar a lei 14.286
de 2021. Mas o simples anuncio dessa revogação já atearia ainda mais fogo no
ataque especulativo contra o Real. Dessa forma, cabe ao Presidente da República
editar MP suspendendo por um prazo de 180 dias os efeitos dessa lei, até que se
construa um novo arcabouço institucional para a política cambial do Brasil, que
impeça que a Nação Brasileira fique refém dos interesses mesquinhos e
anti-patriotas dos faria-limers. Essa é uma luta que a nação brasileira precisa
ir até o fim. Com a graça de Deus haveremos de vencer.
Se os instrumentos adequados forem dados ao Banco
Central, então tal como o Banco Central Europeu durante a crise do Euro em
2012, o BCB poderá fazer tudo o que for necessário para preservar a
estabilidade do Real, e acreditem será suficiente.
¨ Campos Neto diz que atuação do BC não busca "mudar
o rumo" do câmbio ou defender patamar para o dólar
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,
disse nesta quinta-feira, 19, que as atuações da autarquia no câmbio visam
lidar com disfuncionalidades do mercado, e não fazer frente a pioras em prêmios
de risco, gerir dívida ou fazer política monetária.
Em entrevista coletiva em Brasília, ele frisou que
o BC não busca "mudar o rumo" do câmbio ou defender um patamar para o
dólar ante o real com suas intervenções, mas "organizar o processo",
evitando disfunção nas negociações.
Segundo Campos Neto, a intervenção no câmbio não
pode ser pequena demais para que sigam disfunções e nem grande demais para que
pessoas sintam que houve perda de capacidade de hedge.
Ele também afirmou que o segundo leilão de câmbio
realizado pela autoridade monetária na sessão desta quinta-feira ocorreu devido
à demanda bem maior do que a esperada pela autarquia no primeiro leilão do dia
realizado pelo BC.
Mais cedo, o Banco Central vendeu 3 bilhões de dólares
à vista em leilão anunciado na véspera e, um hora depois, fez novo certame
vendendo 5 bilhões de dólares à vista no mercado.
Após os leilões desta quinta, que elevaram o total
vendido desde a semana passada pelo BC para mais de 20,75 bilhões de dólares,
incluindo vendas à vista e leilões de linha, finalmente houve um alívio para o
real diante de sua recente desvalorização.
¨ Galípolo diz que não há 'bala de prata' para resolver
questão fiscal e rejeita ideia 'ataque especulativo' contra o real
O
diretor de Política Monetária do Banco Central e presidente da autarquia a
partir de janeiro, Gabriel Galípolo, disse nesta quinta-feira, 19, que não
existe uma "bala de prata" que possa resolver a questão fiscal do
país no curto prazo e que, por isso, é necessário tratar do assunto de forma
contínua.
Em
entrevista coletiva em Brasília, Galípolo também fez a avaliação de que o Banco
Central tem a confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Não só em
mim, mas em toda a diretoria do Banco Central: de que ela vá desempenhar o
trabalho que ela precisa para focar na inflação”, disse.
Galípolo
falou que não há rotina de dar ciência ao presidente Lula sobre o que o BC
pretende ou vai fazer. “Nem do ponto de vista legal, e ele jamais chegou perto
de discutir comigo sobre o que o Banco Central vai fazer em qualquer tipo de
reunião”, afirmou.
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Dólar em alta e suposto ataque especulativo
O
futuro presidente do BC disse também que a ideia de um ataque especulativo
contra o real como movimento coordenado não explica bem a situação do câmbio
neste momento. “Eu acho que não é correto tentar tratar o mercado como um bloco
monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada,
andando em um único sentido”, disse.
“Basta a gente entender que o mercado
funciona, geralmente, com posições contrárias. Para existir um mercado, precisa
existir alguém comprando e alguém vendendo. Então, toda vez que o preço de
algum ativo se mobiliza em alguma direção, você tem vencedores e perdedores. Eu
acho que a ideia de ataque especulativo enquanto algo coordenado não representa
bem.”
Galípolo
também afirmou que autoridade monetária está dando grande demonstração de força
institucional com a sinalização de elevação dos juros nas próximas duas
reuniões. “A materialização de alguns riscos retirou alguma incerteza da frente
para a gente, permitindo que nós conseguíssemos enxergar um pouquinho mais à
frente”, disse.
“Em função de todas as razões aqui
apresentadas, o tamanho do anúncio que a gente fez de um alta de 100 bps (1
ponto porcentual) e prevendo mais duas altas de 100 bps fazia sentido e faz
sentido para o orçamento que a gente imagina que é necessário nessa dose e
nesse passo.”
Fonte: A Terra é
Redonda/Reuters
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